Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000129
Parecer: P000451989
Nº do Documento: PPA19890712004500
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
NEXO DE CAUSALIDADE
Livro: 00
Pedido: 05/02/1989
Data de Distribuição: 05/05/1989
Relator: LUCAS COELHO
Sessões: 01
Data da Votação: 07/12/1989
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SEA DO MIN DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/25/1990
Privacidade: [02]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MEIRIM
Conclusões: 1 - O execicio de instrução militar consistindo em simulação de embuscada com rebentamento de explosivos e um tipo de actividade com risco agravado enquadravel no n 4 do artigo 2, referido ao n 2 do artigo 1, do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - Para que se possa qualificar como deficiente das Forças Armadas o militar autor de actos subsumiveis aos diversos "itens" do n 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n 43/76, e necessario que exista um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o acto (situação) e o acidente, e entre este ultimo e a incapacidade;
3 - O acidente de que foi vitima em 10 de Setembro de 1961 o 1 cabo NM (...), (...), ocorreu por ocasião de actividade militar correspondente a descrita na conclusão 1;
4 - Todavia, para ser qualificado como deficiente das Forças Armadas seria indispensavel apurar, face a conclusão 2, que o acidente referido na conclusão anterior, ocorrido em situação de risco agravado, se encontra numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade de 30% que lhe foi atribuida, sendo certo que os elementos de facto disponiveis são insuficientes nesse sentido.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado Adjunto do
Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:
I

No sentido de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo, de harmonia com o artigo 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência determinar o envio, à Procuradoria-Geral da República, do processo respeitante ao 1º cabo NM (...).
É nosso mister emiti-lo.


II


Os elementos documentais recebidos revelam, com interesse, os seguintes factos:

1. No dia 10 de Setembro de 1961, durante um exercício de treino na antiga província ultramarina de Moçambique, algures entre Moatize e Furacundo, foi

simulada uma emboscada pelas N/T com rebentamento de engenho explosivo;

2. O 1º cabo (...), que participava no exercício, ao saltar ou cair da viatura em andamento ficou ferido, aparentemente sem gravidade, carecendo, contudo, do auxílio dos seus camaradas para voltar a subir para o veículo;

3. A região em que se verificou o evento não estava ainda sujeita a "acções do inimigo", inexistindo na altura acções de guerrilha e limitando-se a actividade operacional a exercícios de treino;

4. A 29 de Setembro de 1961 verificou-se uma "notória atrofia de uma das pernas" do 1º Cabo (...), sendo em consequência submetido a tratamentos, diversos;

5. Presente à JHI/HMP em 20 de Fevereiro de 1962, esta julgou-o "incapaz de todo o serviço militar", por "sequelas de infecções de centros nervosos", mas apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência;

6. Em 16 de Novembro de 1985 requereu (...) ao Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército a revisão do seu processo para ser qualificado como deficiente das forças armadas, ao abrigo do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, e do nº 5, alínea b), da Portaria nº 162/76, de 24 de Março;

7. Organizado o processo no D.R.M. de Coimbra, foi observado pela JHI/HMR 2 em 29 de Janeiro de 1988, que o considerou "incapaz de todo o serviço militar", com uma desvalorização de 30% por "neuropatia periférica, paralisia do ciático popliteu interno";

8. A CPIP/DSS, em 27 de Outubro de 1988, emitiu parecer no sentido de que "a doença pela qual a JHI/HMR 2 julgara este militar incapaz de todo o serviço com 30% de desvalorização deve ser considerada como doença adquirida em serviço" (homologação, por subdelegação do General Ajudante General e delegação do General Chefe do Estado-Maior do Exército, em 17 de Fevereiro de 1989).

São estes, em resumo, os factos que importa valorar à luz do direito aplicável.



III

1. O acidente é anterior à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, mas foi formulado o pedido de revisão nas condições previstas pelo nº 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, na redacção do nº 1 da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

É-lhe, pois, hipoteticamente aplicável aquele Decreto-Lei.

2. Dispõe o nº 2 do seu artigo 1º:

"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que
dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar".

E o artigo 2º, nº 1, alínea b);

"1. Para efeitos de definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) (...)
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs. 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem, por seu turno:

"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou área de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".


IV

1. O condicionalismo definido nos nºs. 2 e 3 do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 43/76, imediatamente afasta qualquer possibilidade de relacionar directamente a factualidade antes descrita com o serviço de campanha (1 .

Resta o nº 4 do aludido normativo.

2. Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º., nº 4, do mesmo diploma no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela directamente relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas.

"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (2 .


3. Noutra vertente, interessará ainda sublinhar ser também doutrina constante deste Conselho (3 , a de que "o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 aponta, entre os requisitos da qualificação como deficiente das forças armadas, que a diminuição da capacidade geral de ganho resulte de acidente ocorrido nessas circunstâncias de risco o que implica, desde logo, uma relação de causalidade adequada entre essa situação de risco agravado e o acidente.

"Mais especificamente, entre o acto (acontecimento, situação) e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal: não basta que o acidente ocorre no lugar e no tempo da prática do acto, mas que entre um e outro, como entre o acidente e a incapacidade, exista uma relação de causalidade, concebida em termos de causalidade adequada, só cabendo na previsão do diploma os acidentes que resultem, em termos objectivos, de causalidade adequada, da perigosidade de tais situações (4

"Reiterando esta doutrina, concluiu-se no parecer nº 33/86:

"É exigível (...) para a qualificação como deficiente das forças armadas, apurar-se no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado" (5 .


4. De acordo com a doutrina há momentos exposta, o Conselho tem entendido sem divergência qualificar como actividade militar com risco agravado, equiparável nomeadamente à situação tipificada no primeiro "item" do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, a realização de exercícios militares que impliquem a manipulação de explosivos.

Assim, a situação configurada no exercício em que o requerente participava - exercício de simulação de emboscada com rebentamento de explosivos - integra um tipo de actividade militar envolvendo risco equiparável ao das situações de campanha e por isso subsumível ao nº 4 do artigo 2º do aludido Decreto-Lei (6 .

Fica-se, porém, no desconhecimento de factos essenciais à precisa caracterização do acidente e suas concretas circunstâncias e, sobretudo, dos factos tendentes ao estabelecimento do duplo nexo causal, há instantes referido, entre os acontecimentos e o acidente, por um lado, e entre o acidente e a incapacidade, por outro.

Desconhecimento que a exígua factualidade introdutoriamente alinhada bem ilustra (7 .
conclusão:

V

Em conclusão:


1. O exercício de instrução militar consistindo em simulação de emboscada com rebentamento de explosivos é um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;


2. Para que se possa qualificar como deficiente das Forças Armadas o militar autor de actos subsumíveis aos diversos "itens" do nº 2 do artigo 1º do Decreto--Lei nº 43/76, é necessário que exista um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o acto (situação) e o acidente, e entre este último e a incapacidade;


3. O acidente de que foi vítima em 10 de Setembro de 1961 o 1º cabo NM (...), ocorreu por ocasião de actividade militar correspondente à descrita na conclusão 1;


4. Todavia, para ser qualificado como deficiente das Forças Armadas seria indispensável apurar, face à conclusão 2., que o acidente referido na conclusão anterior, ocorrido em situação de risco agravado, se encontra numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade de 30% que lhe foi atribuída, sendo certo que os elementos de facto disponíveis são insuficientes nesse sentido.




(1Cfr. sobre a caracterização de "serviço de campanha", v.g., o parecer nº 145/79, de 7 de Fevereiro de 1980, Diário da República, II Série, nº 254, de 3 de Novembro de 1980, e "Boletim do Ministério da Justiça", nº 301, págs. 187 e segs.

(2Dos pareceres nº 55/87, de 29 de Julho de 1987, e nº 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados por despachos de Vossa Excelência, de 12 de Agosto de 1987 e 12 de Janeiro de 1988, inéditos, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva, mantida nos pareceres de mais recente data.

(3Parecer nº 154/88, de 9 de Fevereiro de 1989, aguardando homologação, que ora se segue literalmente.

(4Citam-se neste sentido, entre outros, os pareceres: nº 13/79, de 1 de Fevereiro de 1979; nº 95/81, de 22 de Outubro de 1981; nº 80/82, de 9 de Junho de 1982; nº 7/83, de 10 de Fevereiro de 1983. Ver também o parecer nº 42/89, de 8 de Junho do ano corrente, aguardando homologação.

(5Votado na sessão de 29 de Julho de 1977 e homologado por despacho, de 6 de Outubro desse ano, do Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional.

(6No mesmo sentido, v.g., o parecer nº 10/88, de 23 de Junho de 1988, e os pareceres citados na sua nota 3.
Especificamente no tocante às situações de emboscada, com cambiantes diversas, ver os pareceres: nº 184/76, de 9 de Dezembro de 1976; nº 231/77, de 17 de Novembro de 1977; nº 264/77, de 15 de Dezembro de 1977; nº 56/82, de 29 de Abril de 1982; nº 94/80, de 24 de Julho de 1980; 175/83, de 24 de Novembro de 1983; nº 141/85, de 24 de Abril de 1986; e, ainda o parecer nº 42/89, citado supra, nota 4.

(7Neste sentido o parecer do Chefe do Serviço de Justiça do Quartel General da Região Militar de Coimbra, concluindo: "que não existe um nexo de causalidade entre o acidente que o requerente sofreu e as lesões (...)" e que "não há no presente processo elementos bastantes que permitam estabelecer seguramente um nexo de causalidade entre as actuais sequelas que o requerente diz possuir e o acidente de que foi vítima".
Concordando, despachou, por delegação do Comandante, o 2º Comandante da Região Militar de Coimbra: "Concordo - Não há elementos suficientes para se estabelecer o nexo sequelas-acidente".