Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001607
Parecer: P003772000
Nº do Documento: PPA00000000037700
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
Livro: 00
Numero Oficio: 5347/CG
Data Oficio: 08/21/2000
Pedido: 08/28/2000
Data de Distribuição: 09/22/2000
Relator: JOÃO MIGUEL
Sessões: 01
Data da Votação: 10/26/2000
Tipo de Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SE DA DEFESA NACIONAL
Privacidade: [02]
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM * DEFIC FFAA
Ref. Pareceres:P00135/1976
P000681976Parecer: P000681976
P000151977Parecer: P000151977
P000511977Parecer: P000511977
p000281987Parecer: p000281987
p000421995Parecer: p000421995
Legislação:DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 N4 ART2 N4 ; L 46/99 DE 1999/06/16
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: O acidente sofrido pelo 1.º Cabo NIM (...) (...), quando, procedendo à extracção de pedra para construção do aquartelamento em NHALA, numa pedreira próxima do mesmo, através de explosão de cargas de trotil colocadas em furos na pedra, foi vítima do rebentamento do tímpano direito e forte traumatismo do tímpano esquerdo, provocado pela deflagração de uma das cargas, não decorreu de uma situação de risco agravado subsumível à previsão do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.

Texto Integral:

Senhor Secretário de Estado da Defesa
Nacional,
Excelência:



1.

Dignou-se Vossa Excelência remeter à Procuradoria-Geral da República o processo relativo ao 1.º Cabo, NIM (...), (...), para emissão do parecer a que alude o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.

Cumpre emiti-lo.

2.

Da análise do processo de averiguações oportunamente instaurado extraem-se, com interesse, os seguintes factos.
O requerente cumpriu comissão no ex-CTI da Guiné, de 26 de Junho de 1971 a 8 de Setembro de 1972, integrado na CCAÇ 3400/B CAÇ 10.
No ex-CTI da Guiné, a sua Companhia foi enviada para NHALA, onde construiu o seu aquartelamento com a ajuda da Engenharia.
No decurso da construção do quartel, houve necessidade de efectuar rebentamentos com explosivos (TNT) para proceder à extracção de pedra numa pedreira próximo do aquartelamento.
O requerente, para além da sua especialidade de mecânico de armas ligeiras, desempenhou as funções de fiel de armazém e dos paióis e daí ter procedido à exploração da pedra através de rebentamentos de TNT colocados na companhia do seu Comandante de Companhia, por volta de Novembro de 1971.
Ao proceder-se aos rebentamentos, o requerente foi vítima do rebentamento do tímpano direito e sofreu forte traumatismo no tímpano esquerdo devido ao impacto da explosão, tendo recebido tratamento na enfermaria da Unidade.
À data do acidente não foi organizado qualquer processo de averiguações por acidente.
Na sequência de diligências tomadas durante o processo de averiguações por acidente instaurado no seguimento do seu requerimento, o requerente foi observado no HMR1, tendo-lhe sido detectada, no audiograma realizado, “surdez neurosensorial profunda bilateral mais acentuada à direita”, sendo considerado “haver possibilidade de nexo de causalidade entre as lesões e o acidente ocorrido”.
Presente no HMR1, em 20 de Novembro de 1998, a JHI/HMR1 decidiu julgar o militar “incapaz de todo o serviço com a incapacidade parcial permanente para o trabalho de 35%” por “surdez neurosensorial bilateral”.
O parecer da JHI/HMR1 foi homologado por despacho de 1 de Fevereiro de 1999, do Chefe de Repartição do Pessoal Militar não Permanente por subdelegação do Brigadeiro DAMP, após subdelegação recebida do General Comandante do Pessoal, por delegação recebida do General Chefe de Estado Maior do Exército.
A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direcção dos Serviços de Saúde do Exército menciona, em parecer de 9 de Julho de 1999, que “o motivo pelo qual o JHI/HMR1 julgou este militar incapaz de todo o serviço militar com 35% de desvalorização, resultou de lesão sofrida no acidente ocorrido em serviço, em NOV71, algures na Guiné, conforme está descrito no processo”.
Este parecer foi homologado, com o aditamento “com risco agravado”, por despacho de 18 de Abril de 2000, do Director de Justiça e Disciplina, com competência delegada para o efeito.
As autoridades militares fundando-se nos pareceres n.ºs 135/76, de 7 de Outubro, 68/76, de 9 de Agosto e 15/77, de 27 de Janeiro, entre outros, pronunciam-se no sentido de que a extracção de pedras para a construção do Aquartelamento, utilizando explosivos em zona rochosa, caracteriza uma actividade militar que envolve risco agravado.

3.

O Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das Forças Armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.

O diploma consagra o «reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade», e parte do princípio de que a integração social dos que nessas condições se deficientaram constitui um imperativo e um dever nacionais.

Neste quadro valorativo, consta daquele decreto-lei «a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuíram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas familiares e sociais» ([1]).

Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei n.º 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:
«Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas

(...).
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3. (...)
4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.» [2]

«Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º

1. Para efeitos de definição constante no n.º 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. (...)
3. (...)
4. O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.» ([3])

4.

Importa apreciar se a situação descrita é ou não subsumível à previsão do disposto no n.º 4 do artigo 2.º citado.
O Conselho já teve ocasião de se pronunciar em casos com algum paralelismo, concluindo pela inexistência de risco agravado.
Nos dois casos apreciados ([4]), as lesões derivaram directamente da própria deflagração, num caso com ferimentos graves nas mãos e braços com a amputação dos dois antebraços do sinistrado e, no outro caso, com ferimentos num dos olhos. Na situação presente, as lesões decorreram do “sopro” ou do “som” dos rebentamentos, eles também susceptíveis de potenciar situações gravosas para a integridade física e a saúde de quem os tenha de suportar.
No parecer n.º 51/77 estava em apreciação a situação em que, por determinação do comandante de certa unidade militar e sob a direcção de um sargento, foram levadas a efeito obras de alargamento da parada de um quartel, que implicavam o uso de tiros de pedreira. Nesses trabalhos, que foram levados a efeito em 1955, deu-se a explosão prematura quando se procedia ao carregamento de um dos tiros e dela resultaram ferimentos no militar que a executava.
Nesse parecer, em que as entidades militares também se pronunciavam favoravelmente à qualificação de deficiente das forças armadas, o Conselho emitiu resposta negativa com os seguintes argumentos:
“A actividade em causa corresponde, tipicamente, ao exercício de determinada profissão do sector laboral e económico que, eventualmente, também pode ser exercida no âmbito das forças armadas às quais são cometidas por vezes, as mais variadas e indiferenciadas tarefas. Todavia, a essência ou natureza dos trabalhos não sofre qualquer alteração em razão da qualidade pessoal dos respectivos agentes.
“Por outras palavras, a destruição de pedreiras por acção de explosivos configura sempre uma actividade objectivamente sujeita às mesmas regras, normas de segurança e riscos, qualquer que seja o seu autor, nada lhe acrescentando de específico a circunstância de ser levada a efeito por militares.
“Entender o inverso seria reconhecer que a qualidade de militar funcionaria, na hipótese, como um factor de agravamento de risco, ou seja, à introdução de factores pessoais e subjectivos na apreciação e definição do critério do risco agravado.
“Ora, o acidente com explosivos no sector laboral poderá dar lugar a um acidente de trabalho que, quando sofrido por agentes da função pública, toma a designação de acidente de serviço, com um regime semelhante aquele.
“A correspondente protecção foi já concedida ao requerente através do regime de pensionista por invalidez...
“Com efeito, o risco a que se encontrava sujeito o sinistrado ao atacar um tiro de pedreira era precisamente idêntico àquele a que se expõe qualquer cidadão que, fora do âmbito militar, realize o seu trabalho, sendo certo que o requerente se dedicava na vida civil a tais trabalhos, segundo a sua própria declaração. Um tal risco, afectando a generalidade das pessoas no desempenho da mesma actividade, mostra-se completamente alheio ao espírito daquele diploma.”
No parecer n.º 28/87, subscreve-se a mesma doutrina, por não haver razões válidas em contrário ([5]), tendo o Conselho acrescentado:
“Com efeito, o manuseamento de explosivos para destruição de rochas pode dizer-se uma actividade militar atípica. Dizendo de outro modo: tal actuação não se integra na diferença específica que caracteriza o serviço militar, e em cujo cerne pode vir a inserir-se um risco agravado.
“O uso ou manuseamento de explosivos, no meio castrense, tem em regra que ver com o combate de forças inimigas ou a instrução para esse combate, a conservação dos mesmos ou o seu levantamento.
“Entre aquela forma de utilização do explosivo (porventura a sua própria natureza, que, aliás, se desconhece) e a actividade militar não intercede um nexo que permita ligá-lo em termos juridicamente relevantes a essa actividade e elevá-lo a expoente integrador do conceito de risco agravado.
“Situação semelhante se daria se, por hipótese, um militar possuidor de habilitação e experiência no manejo de uma máquina de cortar chapa fosse prestar serviço nas oficinas de reparação de viaturas afectas ao parque militar e, nessa actividade, viesse a sofrer, sem culpa sua, um acidente derivado da especial perigosidade dessa máquina.”
Em síntese, entende-se ser de manter a doutrina anterior deste Conselho e concluir que o estado de saúde do requerente, gerador da sua incapacidade para o serviço militar, não decorre de especiais condições de agravação do risco a que foi exposto no exercício das suas funções militares, tomadas estas em sentido objectivo, ou seja, caracterizadas por um conjunto de circunstâncias que excederam sensivelmente o risco normal da actividade militar ([6]).

5.

Do exposto se conclui:

O acidente sofrido pelo 1.º Cabo NIM (...) (...), quando, procedendo à extracção de pedra para construção do aquartelamento em NHALA, numa pedreira próxima do mesmo, através de explosão de cargas de trotil colocadas em furos na pedra, foi vítima do rebentamento do tímpano direito e forte traumatismo do tímpano esquerdo, provocado pela deflagração de uma das cargas, não decorreu de uma situação de risco agravado subsumível à previsão do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.





([1]) Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76.
([2]) O n.º 4 corresponde ao anterior n.º 3. O actual n.º 3 foi introduzido pela Lei
n.º 46/99, de 16 de Junho, sendo irrelevante para a economia do parecer.

([3]) A redacção do n.º 4 resulta de rectificação publicada no Diário da República, I Série, n.º 148 (2º Suplemento), de 26 de Junho de 1976.
([4]) Pareceres n.ºs 51/77, homologado por despacho de 6 de Abril de 1977, e 28/87, homologado por despacho de 16 de Junho de 1987, ambos não publicados.
([5]) Este parecer foi tirado com três votos de vencido, que consideravam ter o acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho e ainda que a referida actividade tinha lugar em condições de que resultava necessariamente risco agravado, equiparável, entre outros, ao risco próprio do serviço de campanha, seguindo a orientação constante do Conselho de que o manejo de explosivos importa, em regra, esse risco agravado.
([6]) Cfr. o parecer n.º 42/95, já citado.