Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002331
Parecer: P001082003
Nº do Documento: PPA041220030010800
Descritores: ESTÁDIO MUNICIPAL DE GUIMARÃES
CÂMARA MUNICIPAL
CLUBE DESPORTIVO
COMPRA E VENDA
NEGÓCIO REAL QUOAD EFFECTUM
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
REGISTO PREDIAL
REGISTO DECLARATIVO
PRINCÍPIO DA FÉ PÚBLICA
OPONIBILIDADE A TERCEIROS
EURO 2004
OBRAS DE BENEFICIAÇÃO
COMPARTICIPAÇÃO FINANCEIRA PÚBLICA
INSTITUTO NACIONAL DO DESPORTO
INTERESSE PÚBLICO
DIREITO AO DESPORTO
QUADRO COMUNITÁRIO DE APOIO
FUNDO ESTRUTURAL
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA COMUNITÁRIA
COESÃO ECONÓMICA E SOCIAL
CONTRATO-PROGAMA DE DESENVOLVIMENTO DESPORTIVO
CONTRATO ADMINISTRATIVO
VENDA DE BENS ALHEIOS
PRINCÍPIOS GERAIS
DIREITO CIVIL
LEI SUBSIDIÁRIA
INCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DE CONCESSÃO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
NORMA IMPERATIVA
VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
NULIDADE
EFEITOS PUTATIVOS
PRINCÍPIO DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
RESTITUIÇÃO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
Livro: 00
Numero Oficio: 1296
Data Oficio: 09/30/2003
Pedido: 09/30/2003
Data de Distribuição: 10/01/2003
Relator: MANUEL MATOS
Sessões: 01
Data da Votação: 12/04/2003
Tipo de Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: PCM
Entidades do Departamento 1: MIN ADJUNTO DO PRIMEIRO MINISTRO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 01/14/2004
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 27-03-2004
Nº do Jornal Oficial: 74
Nº da Página do Jornal Oficial: 4888
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Área Temática:DIR ADM / DIR CIV * DIR OBG * CONTRATOS * DIR REAIS / DIR COMUN
Ref. Pareceres:P000121987Parecer: P000121987
P000731996Parecer: P000731996
P000791998Parecer: P000791998
Legislação:RCM 117/98 DE 1998/09/19; DL 33/2000 DE 2000/03/14 ART3 N1 N2 (ESTATUTOS EM ANEXO ART1 ART3 ART4 D ART5); DL 30/2001 DE 2001/02/07; DL 267/2001 DE 2001/10/04; DL 268/2001 DE 2001/10/04 ART2 ART3N1 (ESTATUTOS EM ANEXO ART1 N2 ART3 ART4 A); RECT 20-B/2001 DE 2001/10/31; L 1/90 DE 1990/01/13 ART33 A B ART34 ART36 N7; DL 432/91 DE 1991/11/06 ART2 N1 N2 N3 ART3 N3 ART4 N1 ART7 ART8 ART9 ART10 ART11 ART12 N1 N2 ART13 N1 ART14 ART15 ART16 ART17 ART18; DL 62/97 DE 1997/03/26 ART17 N2; DL 84/98 DE 1998/04/03; DL 96/2003 DE 2003/05/07; DL 54-A/2000 DE 2000/04/07 ART5 ART6 ART11 ART12 ART13 ART26 N1 N4 ART29 A B G ART30 N1 N3 A C ART33 N9 ART36 ART39 ART39 N3 ART40; L 20/2000 DE 2000/08/10; DL 122/2001 DE 2001/04/17; RCM 27/2000 DE 2000/04/20; DL 168/2001 DE 2001/05/25; RECT 13-Q/2001 DE 2001/06/30; RCM 172/2001 DE 2001/12/05; PORT 684/2001 DE 2001/07/05; CPADM91 ART2 N2 ART3 N1 ART133 N1 ART134 ART137 N1 ART178 N1 ART185 N1 N2 N3 A ART186; ETAF84 ART9; CONST76 ART79 N1 ART266 N2; CCIV66 ART286 ART289 N1 ART408 N1 ART858 ART859 ART874 ART879 A ART892 ART1305 ART1306 ART1317 A; CRP84 ART1 ART2 N1 A ART4 N1 ART5 N1 N3 N4 ART7; DL 533/99 DE 1999/12/11
Direito Comunitário:TCE ART2 ART3 K ART158 ART159 ART160 ART161 ART162
REG CONS CE 1260/1999 DE 1999/06/21 IN JO L 161 DE 1999/06/26 ART8 ART9 D F H K N ART17 D ART18 ART30 N4 B ART39 N4
REG CONS CE 1447/2001 DE 2001/06/28 IN JO L 198 DE 2001/07/21
REG PE CONS CE 1783/1999 DE 1999/07/12 IN JO L 213 DE 1999/08/13
REG COM CE 438/2001 DE 2001/03/02 IN JO L 63 DE 2001/03/03
REG COM CE 2355/2002 DE 2002/12/27 IN JO L 351 DE 2002/12/28
DECIS COM CE DE 2000/03/30 IN JO L 186 DE 2002/07/15 ART1
DECIS COM CE DE 2000/07/28 ART2 N1 A PROGRAMA OPERACIONAL DA REGIÃO DO NORTE MEDIDA 3.10
COMPLEMENTO DE PROGRAMAÇÃO MEDIDA 3.10 PONTO 4
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STJ 15/97 IN DR DE 1997/07/04
AC STJ 3/99 IN DR DE 1999/07/10
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - As comparticipações financeiras públicas para construção ou melhoramento de infra-estruturas desportivas de propriedade de entidades privadas apenas podem ser concedidas mediante celebração de contratos-programa de desenvolvimento desportivo cujo conteúdo deve reflectir as vantagens de interesse público que consubstanciam a contrapartida de tais comparticipações;
2ª - O Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo celebrado, em 5 de Junho de 2000, entre o Instituto Nacional de Desporto (IND) e a EURO 2004, S.A., e o Vitória Sport Clube, e seu Aditamento, decorrente da associação da Câmara Municipal de Guimarães, acordada em 16 de Novembro de 2000, tendo por objecto a execução da obra de remodelação e beneficiação do «Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães», em Guimarães, obedece, no essencial, aos parâmetros estabelecidos no Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, tendo a natureza de contrato administrativo de atribuição;
3ª - Por escritura pública celebrada em 21 de Setembro de 1990, a Câmara Municipal de Guimarães vendeu ao Vitória Sport Clube, o prédio urbano denominado Estádio Municipal de Guimarães, referido na conclusão anterior, pelo preço e demais condições ali indicadas;
4ª - A compra e venda constitui um contrato real quoad effectum, dando-se a transmissão da propriedade da coisa por mero efeito do contrato (artigos 408º, nº 1, 879º, alínea a), e 1317º, alínea a), do Código Civil);
5ª - O registo predial tem como função essencial dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, tendo o relevo, quando definitivo, de constituir presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito;
6ª - Não obstante o objecto do contrato referido na conclusão 3ª ter continuado inscrito no registo predial em nome da Câmara Municipal de Guimarães, o direito de propriedade do Vitória Sport Clube sobre o Estádio, embora não registado, mantém a oponibilidade erga omnes que é própria do direito real;
7ª - Não se coloca a inoponibilidade a terceiros da aquisição, não inscrita no registo, do Estádio Municipal de Guimarães pelo Vitória Sport Clube, por não se verificar qualquer conflito de terceiros entre si relativamente a tal prédio, em termos de o direito de um ser posto em causa pelo outro, sendo que, inter partes, aquela aquisição é válida e eficaz;
8ª - A Câmara Municipal de Guimarães, por não ser titular do direito de propriedade sobre o «Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães», nem possuir outro título bastante, não detinha legitimidade para, no «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», praticar actos de disposição e de oneração sobre essa infra-
-estrutura desportiva, objecto daquele contrato;

9ª - O quadro normativo, de natureza injuntiva e de matriz comunitária, aplicável no «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo», celebrado no âmbito do Programa Operacional da Região do Norte, 2000-2006, e integrado no Quadro Comunitário de Apoio III, estabelece, como condição ou pressuposto essencial para acesso à comparticipação financeira que a entidade promotora dos projectos detenha a propriedade do terreno ou do direito de superfície, ou da infra-estrutura construída por, pelo menos, 25 anos;
10ª - A Câmara Municipal de Guimarães, por não ser proprietária do «Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães» não satisfaz esse pressuposto essencial, nem as demais condições, também essenciais, que têm subjacente a verificação de tal estatuto, não podendo, designadamente, garantir a vocação e gestão, durante o mesmo prazo, dessa infra-estrutura desportiva;
11ª - Perante o princípio geral do sistema jurídico, acolhido no artigo 892º do Código Civil, segundo o qual, nemo dat quod non habet, e perante o tipo de vício que a situação referida na conclusão anterior traduz [artigos 133º, nº 1, e 185º, nºs 1 e 3, alínea a), do CPA], o «Contrato-
-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», celebrado em 24 de Outubro de 2002, está afectado de nulidade, com as inerentes consequências;

12ª - Com declaração da nulidade do «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», e por não ter ocorrido qualquer causa susceptível de determinar a sua extinção, o «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, celebrado em 5 de Junho de 2000, e seu «Primeiro Aditamento», de 16 de Novembro de 2000, readquirem aplicabilidade, com as adaptações que as actuais circunstâncias eventualmente reclamarem ou aconselharem.

Texto Integral:
Senhor Ministro Adjunto do Primeiro Ministro
Excelência:





I


Na sequência de uma exposição relativa ao «Protocolo de Desenvolvimento Desportivo e dos Contratos-Programa de Desenvolvimento Desportivo referentes à remodelação e ampliação do Estádio D. Afonso Henriques (Guimarães)» apresentada ao Gabinete de Vossa Excelência pelo Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Portugal 2004, S.A. ([1]), foi redigida uma Informação no termo da qual se suscitam quatro questões sugerindo-se, «face à complexidade técnico-jurídica» das mesmas, a emissão de parecer, com carácter de urgência, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

Tendo Vossa Excelência concordado com tal sugestão, cumpre emitir o solicitado parecer ([2]).

II

1. Para a compreensão das questões suscitadas, justifica-se a transcrição da seguinte matéria factual contida naquela Informação, e sobre a qual assentam ([3]):

«1. Por escritura pública celebrada em 21 de Setembro de 1990 (...), a Câmara Municipal de Guimarães através do seu Presidente declarou alienar a favor do Vitória Sport Clube o Estádio Municipal de Guimarães, pelo preço de um milhão de escudos, nos termos e condições constantes dessa mesma escritura.

2. Porém, a Câmara Municipal de Guimarães, no âmbito da apresentação do processo de candidatura à comparticipação FEDER para construção do novo Estádio D. Afonso Henriques, instruiu tal processo, em 12 de Junho de 2002, com uma certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial, na qual se encontrava inscrita a seu favor, por expropriação, a titularidade do imóvel que constitui o Estádio Municipal de Guimarães (...).

3. Da informação emitida pela Câmara Municipal de Guimarães, datada de 14 de Agosto de 2003, capeada pelo ofício assinado pelo seu Presidente na mesma data (...), resulta o entendimento de que o titular do registo de propriedade do Estádio em causa continua a ser a respectiva Câmara Municipal.

4. É, aliás, nessa qualidade que se obriga a garantir a existência, propriedade ou direito de superfície do terreno adequado à implantação de equipamentos previstos e objectivados no contrato--programa de desenvolvimento desportivo no âmbito do QCA III, celebrado em 24 de Outubro de 2002 (...), obrigando-se mesmo a não ceder, dar de exploração, locar ou alienar, no todo ou em parte, nos precisos termos consignados nas alíneas a) e f) do nº 1 da cláusula quinta desse mesmo contrato-programa.

5. Acontece, porém, que no contrato-programa de desenvolvimento desportivo, celebrado em 5 de Junho de 2000, entre o então Instituto Nacional do Desporto, a Sociedade Euro 2004, S.A., e o Vitória Sport Clube (...) – o qual tem por objecto essencial a reconstrução e requalificação do mesmo Estádio -, o Vitória Sport Clube assume-se como dono da obra a realizar e, desse modo, pretendendo beneficiar de uma determinada comparticipação financeira (cfr., cláusula quinta, nº 1).

6. Finalmente, no contrato designado por primeiro aditamento ao contrato-programa de desenvolvimento desportivo, celebrado em 16 de Novembro de 2000, entre o Instituto Nacional do Desporto, a Sociedade Euro 2004, S.A., o Vitória Sport Clube e a Câmara Municipal de Guimarães (...), aquele outorgante Vitória Sport Clube invoca e assume, de igual modo, a qualidade de proprietário do Estádio D. Afonso Henriques, que os demais reconhecem (cfr., CONSIDERANDO A).

7. Foi solicitada certidão da descrição do imóvel em causa (Estádio Municipal de Guimarães) à 2ª Conservatória do Registo Predial (...) e nela consta agora um registo de aquisição efectuado em 21.08.2003, a favor do Vitória Sport Clube; conquanto se trate de registo provisório, por dúvidas, e não se certifique o fundamento para tais dúvidas, o certo é que, uma vez (eventualmente) removidas as dúvidas, nada obsta a que o mesmo registo assuma a natureza de definitivo, com a consequente transmissão de propriedade do imóvel em causa».

2. Perante a descrita situação factual, enunciam-se as seguintes questões sobre as quais se pretende parecer deste Corpo Consultivo:

«1. É de considerar legítima e correcta a intervenção da Câmara Municipal de Guimarães no contrato-programa de desenvolvimento desportivo no âmbito do QCA III (...) na qualidade de “Promotor” e de se assumir como proprietária do Estádio D. Afonso Henriques, sendo certo que, face à escritura pública de alienação de propriedade, é duvidoso, do ponto de vista do direito substantivo e civil, que nesse momento fosse ainda titular do direito de propriedade de tal imóvel?

2. O contrato-programa referido no número precedente (...) pode considerar-se nulo, face à existência da escritura pública de transacção e, nessa previsão, é de admitir que uma das suas consequências seja a reposição dos fundos comunitários já recebidos pela Câmara Municipal de Guimarães?

3. No pressuposto da nulidade do mesmo contrato-programa (doc. 4), o contrato-programa de desenvolvimento desportivo celebrado em 5 de Junho de 2000 e respectivo aditamento de 16 de Novembro de 2000 (...) ganham aplicabilidade imediata?
Em caso afirmativo, com que repercussões jurídicas?

4. Obtendo o Vitória Sport Clube o registo definitivo de aquisição da propriedade do imóvel em questão, a Câmara Municipal de Guimarães deixa de beneficiar do apoio financeiro no âmbito do QCA III e, consequentemente, perde a validade aquele contrato [contrato-programa de desenvolvimento desportivo no âmbito do QCA III – (...)], não obstante a escritura pública de transacção ser anterior à data de tal contrato (cfr., cláusula quinta, nº 1, alíneas a) e f), e cláusula décima terceira)?»

III
1. Alguns dos instrumentos jurídicos e sujeitos neles outorgantes ou intervenientes que estão presentes na factualidade que suscitou a presente consulta apresentam-se-nos intimamente ligados com a candidatura de Portugal, através da Federação Portuguesa de Futebol, à organização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol que terá lugar em 2004.

Por isso, afigura-se-nos que se justifica uma breve nota sobre o envolvimento jurídico que a Administração entendeu conceder a tal evento, sendo que, sublinha JOSÉ MANUEL MEIRIM, «a realização de uma competição desportiva internacional com a importância de um campeonato europeu de futebol determina para o país organizador a inevitabilidade de respostas específicas de enquadramento normativo de diversas realidades» ([4]).

2. Através da Resolução do Conselho de Ministros nº 117/98, de 19 de Setembro, foi reconhecido «o interesse nacional da candidatura a submeter pela Federação Portuguesa de Futebol para a organização do Campeonato Europeu de Futebol em 2004 e atribuir-lhe a relevância e a prioridade que esse interesse justifica» [alínea a)], por se considerar, nomeadamente, que «a organização de grandes acontecimentos desportivos, de nível mundial ou europeu, para além da projecção internacional que proporciona ao país organizador, tem-se revelado como um importante factor dinamizador nos domínios da renovação, modernização e construção de infra-estruturas a nível nacional (...), e que se traduziram numa evolução quantitativa e qualitativa relevante do parque desportivo vocacionado para a competição-espectáculo dos países organizadores» (do preâmbulo).

A organização da fase final daquele Campeonato, assume, para além dos factores de natureza desportiva de relevância significativa, um conjunto de factores positivos, realçados no preâmbulo da mesma Resolução, dos quais se destaca, pelo interesse que assume na temática da consulta, «a dotação do País de infra-estruturas desportivas capazes de responder às exigências que se colocam para a realização de provas internacionais de nível superior, cujas potencialidades ultrapassam, nesse quadro, o objectivo da realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004».

A par do reconhecimento do interesse nacional da candidatura à organização do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, decidiu-se ainda na Resolução nº 117/98:

«b) Assumir os objectivos propostos para esse fim [organização daquele Campeonato Europeu] pela comissão coordenadora da candidatura, designadamente no que respeita à beneficiação ou construção dos 10 estádios nas cidades de Aveiro, Braga, Coimbra, Faro/Loulé (estádio inter-municipal), Guimarães, Leiria, Lisboa (dois estádios) e Porto (dois estádios), propostos para acolher as competições inseridas na fase final do Campeonato Europeu de futebol, de acordo com as exigências do respectivo caderno de encargos.
c) Comparticipar financeiramente, numa proporção de 25%, a que corresponde um investimento estimado até ao valor de 15,1 milhões de contos, a realizar ao longo de cinco anos, os trabalhos a efectuar na beneficiação ou construção dos 10 estádios de futebol envolvidos na referida candidatura, nas condições constantes das minutas dos protocolos de desenvolvimento desportivo a celebrar entre a administração central, a administração local e ou os clubes desportivos envolvidos, directamente ou pelas sociedades por eles detidas, total ou maioritariamente, sem prejuízo dos poderes de fiscalização, acompanhamento e controlo financeiro por parte da Administração Pública, que serão exercidos em moldes a estabelecer entre o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e o Instituto Nacional de Desporto, caso a organização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol em 2004 venha a ser atribuída ao nosso país.
d) (...)».

Esta Resolução constituiu «uma primeira e muito significativa expressão do empenhamento público no EURO 2004» ([5]), seguindo-se-lhe o estabelecimento da adequada estrutura organizativa.

3. Assim, com o Decreto-Lei nº 33/2000, de 14 de Março ([6]), foi constituída a sociedade anónima EURO 2004, S. A. – Sociedade Promotora da Realização em Portugal da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, doravante designada abreviadamente por EURO 2004, S. A., e aprovados os respectivos estatutos. Figuram, como únicos accionistas, o Estado e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), constando o respectivo objecto social no artigo 3º, nº 1, daquele diploma legal, reproduzido, no essencial, no artigo 3º dos Estatutos:

«1 - A EURO 2004, S. A., tem por objecto social a concepção, planeamento, promoção e realização em Portugal da fase final do Campeonato Europeu de Futebol em 2004, de acordo com o caderno de encargos de candidatura à organização da fase final do referido campeonato e outros normativos da UEFA» ([7]).

Estabelecendo, por seu lado, o nº 2 o seguinte:

«2 – Para os efeitos referidos no número anterior, a EURO 2004, S. A., através de representantes seus, devidamente credenciados, acompanhará e fiscalizará o programa de construção, reconstrução e requalificação dos estádios em que se realizarão os jogos do campeonato, bem como as infra-estruturas e equipamentos complementares e de apoio, de acordo e em obediência com os requisitos definidos pela UEFA como entidade responsável por este torneio.»

Nos termos do artigo 10º deste diploma, «para prossecução do seu objecto social é conferido à EURO 2004, S.A., o direito de usar e administrar os bens pertencentes ao domínio público do Estado e ao domínio público municipal afectos à realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004».

A Euro 2004, S. A. é uma sociedade anónima de capitais mistos (artigo 1º dos estatutos), com um capital social de 500 000 euros, correspondendo 50% a cada accionista. O montante do capital social encontra-se totalmente realizado, em partes iguais, pelo Estado, através do Instituto Nacional do Desporto, e pela FPF (artigo 5º dos estatutos).

De acordo com o artigo 4º dos seus estatutos, são atribuições, entre outras, desta sociedade:

«a) Conceber, coordenar e organizar o programa das iniciativas e actividades que se integram no evento;
b) Aprovar a programação das instalações que sejam afectadas à realização das iniciativas referidas na alínea anterior;
c) (...);
d) Celebrar os contratos e praticar os actos necessários à cabal realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004;
e) (...).»

O quadro organizativo descrito foi profundamente alterado pelo Decreto-Lei nº 267/2001, de 4 de Outubro, por virtude de, entretanto, consoante se lê no respectivo preâmbulo, o Estado e a FPF, em articulação com a UEFA, terem estabelecido um novo conceito de participação na organização e realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol incompatível com o modelo tradicional, sendo privilegiada a constituição de uma joint venture entre a UEFA e a FPF.

«Constatou-se ainda que os pressupostos do modelo financeiro relativos à disponibilização das verbas assumidas pelo Estado foram alteradas, uma vez que a respectiva gestão foi cometida quer ao Instituto Nacional do Desporto (IND) quer às estruturas orgânicas relacionadas com o III Quadro Comunitário de Apoio, no âmbito dos contratos-programa entretanto celebrados com os donos dos estádios» ([8]).

Como consequência, procede-se ao desdobramento da EURO 2004, S. A., de forma a adaptá-la à nova realidade, passando a integrar a UEFA como accionista e a ter por objecto social «a concepção, planeamento, promoção e realização em Portugal da fase final do Campeonato Europeu de Futebol em 2004, de acordo com o caderno de encargos de candidatura à organização da fase final do referido Campeonato e outros normativos da UEFA» (artigo 3º do republicado Decreto-Lei nº 33/2000, de 14 de Março, na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 267/2001, e artigo 3º dos estatutos publicados em anexo).

Para a realização do seu objecto social, entre outras atribuições, incumbe especialmente à EURO 2004, S. A., «celebrar todos os contratos, com excepção dos referentes à comercialização do evento, e praticar os actos necessários à cabal realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004» [artigo 4º, alínea d) daquele diploma].

«Complementando esta reformulação da organização do EURO 2004, o Decreto-Lei nº 268/2001, de 4 de Outubro, veio constituir a sociedade anónima Portugal 2004 – Sociedade de Acompanhamento e Fiscalização do Programa de Construção dos Estádios e Outras Infra-
-Estruturas para a Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol 2004, S. A., aprovando os respectivos estatutos.


Da sua nota preambular retira-se, com clareza, o essencial desta operação reorganizativa: procede-se a uma separação entre as duas actividades levadas a cabo pela originária EURO 2004, S. A., passando a organização da realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol a ser competência da FPF (e da UEFA) e o acompanhamento e fiscalização das obras dos estádios e outras infra-estruturas complementares e de apoio, da competência do Estado» ([9]).

Nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei nº 268/2001, de 4 de Outubro ([10]), são accionistas da Portugal 2004 – Sociedade de Acompanhamento e Fiscalização do Programa de Construção dos Estádios e Outras Infra-Estruturas para a Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, S. A., doravante designada abreviadamente por Portugal 2004, S. A., o Estado e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

A Portugal 2004, S. A., é uma sociedade anónima de capitais mistos e tem por objecto social o acompanhamento e fiscalização do programa de construção, reconstrução e requalificação dos estádios e o acompanhamento da construção dos equipamentos complementares e de apoio aos jogos do Campeonato da Europa de 2004 e outras infra-estruturas nacionais ou municipais, de acordo com o caderno de encargos de candidatura à organização da fase final do referido Campeonato (artigo 3º, nº 1, daquele diploma legal, e artigos 1º, nº 2, e 3º, dos seus estatutos).

Para a realização do objecto social, incumbe especialmente à Portugal 2004, S. A., entre o demais, «acompanhar e fiscalizar o programa de construção, reconstrução e requalificação dos estádios e acompanhar a efectivação das restantes infra-estruturas necessárias à realização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, nomeadamente acessibilidades, parqueamentos, vias rodoviárias e ferroviárias, aeroportos e hospitais, de acordo com o previsto no dossiê de candidatura apresentado à UEFA, garantindo a sua disponibilização até final de 2003 [artigo 4º, alínea a), dos Estatutos anexos àquele Decreto-Lei].

IV
1. Antes de enfrentarmos as questões suscitadas, importa que se proceda à caracterização jurídica do instrumento contratual aí presente – o contrato-programa de desenvolvimento desportivo – no qual surge, como subscritora, a Câmara Municipal de Guimarães.

Como lembra JOSÉ MANUEL MEIRIM, «um dos compromissos públicos para com o EURO 2004 passa pela comparticipação financeira nos trabalhos a efectuar na beneficiação ou construção dos 10 estádios de futebol envolvidos na candidatura» ([11]).

Sublinha o mesmo Autor que «esta comparticipação financeira segue – só pode seguir – o quadro normativo genericamente traçado para os contratos-programa de desenvolvimento desportivo, ainda hoje constante do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro» ([12]).

2. A figura jurídica dos contratos-programa tem sido estudada pela doutrina no domínio dos chamados contratos económicos, «verdadeiros contratos administrativos que a Administração (sobretudo o Estado) celebra no âmbito da sua intervenção económica, isto é, no conjunto de actuações de polícia e de fomento destinadas a condicionar os cálculos e decisões económicas dos operadores económicos do sector privado, do sector cooperativo ou dos sub-sectores públicos externos à pessoa colectiva pública contratante que efectiva a atribuição» ([13]).

Com base no direito comparado, SOUSA FRANCO considerava que aquela figura respeita a «contratos em que uma entidade se compromete por contrato perante o Estado a executar um determinado programa de actuações – programa definido no plano ou nele integrado e que dele retira a sua força vinculante, embora dependa da celebração do contrato para que exista uma obrigação de o executar por parte da entidade contraente» » ([14]).

Como refere EDUARDO PAZ FERREIRA, «a legislação portuguesa não é muito pródiga na regulação expressa de contratos económicos, ainda que se pudesse encontrar no próprio texto constitucional, até à revisão de 1989, uma referência aos contratos-programa para o desenvolvimento do plano» ([15]).

Alguns contratos económicos ligados ao planeamento económico continuam, no entanto, refere o mesmo Autor, a existir, como é o caso dos contratos-programa celebrados entre o Estado e as Autarquias Locais, que se regem pelo Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 157/90, de 17 de Maio ([16]).

«Trata-se de contratos de natureza sectorial ou plurisectorial, que concretizam formas de cooperação técnica e financeira entre a administração central e o município ou um conjunto de municípios, podendo contemplar uma série de áreas, estando previstas, exemplificadamente, o saneamento básico, o ambiente e recursos naturais, as infra-estruturas de transporte, as infra-estruturas de equipamento e comunicações, a cultura e tempos livres, a educação e o ensino» ([17]).

Os contratos-programa, cujo objectivo tradicional era o de permitir a execução do plano, têm sido, no entanto, «também utilizados para a prossecução de outros objectivos não relacionados com o plano (por exemplo, em matéria de política ambiental). Distinguem-se, teoricamente, das restantes espécies de contratos económicos porque deverão conter um programa, amplo e escalonado no tempo, de actividades e acções a desenvolver e de resultados a obter pela empresa ou empresas contratantes» ([18]).

Configuram-se variantes dos contratos-programa os designados acordos de colaboração celebrados entre um município e um departamento da Administração central para a realização de empreendimentos cuja duração e complexidade não justifiquem o recurso a fórmulas contratuais mais complexas ([19]) (cfr. artigo 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro), e os contratos de desenvolvimento, cujo regime geral se encontra definido no Decreto-Lei nº 718/74, de 17 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro, e que são, na definição do próprio diploma, contratos realizados entre o Estado e uma ou mais empresas, mediante os quais o Estado se compromete a fornecer determinados estímulos e auxílios de vária ordem, tendo como contrapartida, por parte das empresas privadas, iniciativas de organização e investimento, que se enquadram na linha da política de desenvolvimento nacional ou regional definida para os diversos domínios de actividade ([20]). As prestações da Administração poderão consistir em assistência técnica, obtenção de financiamentos em condições de prazo e juros mais favoráveis do que os correntes, prestação de garantias aos financiamentos, comparticipação nos respectivos encargos e em redução ou isenção de impostos ([21]).

3. A figura jurídica dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo foi expressamente definida e regulada no Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, em execução da Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo), embora, como se assinala no respectivo preâmbulo, a celebração de tais convénios já tivesse «entrado na prática do Ministério da Educação, através do Fundo de Fomento do Desporto, como veículo de cooperação técnica e financeira entre a administração central e os municípios, prevista e regulada no Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro».

De facto, aquela Lei de Bases estipula, no que se refere às comparticipações financeiras públicas no âmbito do associativismo desportivo, que o apoio às federações, às associações e aos clubes desportivos se pode concretizar pela concessão de comparticipação financeira e incentivos à implantação de infra-estruturas e equipamentos [artigo 33º, alíneas a) e b)]. Todavia, trata-se de um dos princípios mais salientes da mesma Lei, a concessão dos apoios que se traduzam em comparticipações financeiras públicas está subordinada à apresentação de programas de desenvolvimento desportivo, só podendo ser concedidas mediante a celebração de contratos-programa de desenvolvimento desportivo oficialmente publicados (artigo 34º).

Nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 432/91:

«O presente diploma define o regime aplicável aos contratos-
-programa celebrados com vista à atribuição de comparticipações financeiras no âmbito do sistema de apoios ao associativismo desportivo previsto no artigo 33º da Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro».


De acordo com JOSÉ MANUEL MEIRIM, o contrato-programa de desenvolvimento desportivo constitui um «instrumento negocial mediante o qual se enquadra o apoio financeiro público ao associativismo público, após a apresentação, pelas entidades interessadas, de programas de desenvolvimento desportivo» ([22]).

Nos termos do artigo 2º, nº 1, daquele diploma, são por ele abrangidas todas as comparticipações financeiras, qualquer que seja a proporção dos custos por elas cobertos, concedidas, em apoio do associativismo desportivo, pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais, directamente ou através de organismos dependentes, salvo aquelas cujo montante não ultrapasse o valor estabelecido na lei como limite geral da competência dos órgãos dirigentes de serviços dotados de autonomia administrativa e financeira para a realização de obras e aquisição de bens e serviços (nº 2 do mesmo preceito).

As comparticipações financeiras nas condições indicadas «só podem ser concedidas mediante a apresentação, pelas entidades interessadas, de programas de desenvolvimento desportivo» ( nº 3 do citado artigo 2º), enumerados no artigo 3º, de entre os quais se destacam, pela sua pertinência para a temática desta consulta, os projectos de construção ou melhoramento de infra-estruturas e equipamentos desportivos, previstos na alínea c).

De entre as situações que o diploma legal em apreço aponta como insusceptíveis de comparticipação financeira, consta a contemplada no nº 3 do artigo 3º:

«3 – Não pode igualmente ser objecto de comparticipação ou patrocínios financeiros, revista a forma que revestir, o desporto profissional, salvo no tocante à organização de competições desportivas de manifesto interesse público ou à realização de projectos de construção ou melhoramento de infra-estruturas ou equipamentos desportivos.»

Os beneficiários das comparticipações financeiras estão referidos no artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 432/91:

«1 – Podem beneficiar da concessão de comparticipações financeiras, no âmbito definido pelo presente diploma:
a) O Comité Olímpico Português;
b) As federações desportivas que possuam o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva;
c) As associações de praticantes ou de clubes desportivos filiados nas federações referidas na alínea anterior;
d) Os clubes desportivos, independentemente da associação ou federação em que estejam inscritos.»

O artigo 7º do mesmo diploma, sob a epígrafe, «partes outorgantes», estabelece o seguinte:

«1 – Podem ser partes nos contratos-programa, além dos organismos concedentes e beneficiários da comparticipação financeira, outras entidades interessadas no correspondente plano de desenvolvimento desportivo, nomeadamente estabelecimentos de ensino, associações de carácter não desportivo e autarquias locais.
2 – A participação das entidades referidas no número anterior pode traduzir-se não só na aceitação dos direitos ou das vantagens estabelecidas a seu favor no contrato como também na definição de quaisquer obrigações ou contrapartidas que por elas sejam assumidas no quadro das suas atribuições respectivas.»

O diploma em apreço enuncia, em seguida, as regras quanto à iniciativa contratual e quanto aos elementos que devem constar nas propostas (artigo 8º), regula o procedimento a adoptar relativamente à aceitação e rejeição das propostas (artigo 9º), e quanto à conclusão, formalidades e início de vigência dos contratos (artigos 10º, 11º e 12º).

O artigo 12º, sobre o conteúdo dos contratos, estabelece a regra segundo a qual «o conteúdo dos contratos-programa é livremente acordado pelas partes outorgantes». No entanto, o mesmo preceito ressalva dessa regra, as normas imperativamente estabelecidas no diploma e, bem assim, os pontos que devem ser expressamente regulados, os quais figuram no nº 2 do mesmo preceito, que se transcreve:

«2 – Sem prejuízo de outras estipulações, os contratos-programa devem regular expressamente os seguintes pontos:
a) Objecto do contrato;
b) Obrigações assumidas pela entidade responsável pela execução do programa de desenvolvimento desportivo;
c) Entidades eventualmente associadas à gestão do programa, seus poderes e suas responsabilidades;
d) Prazo e execução do programa;
e) Custo previsto do programa e definição das responsabilidades de financiamento;
f) Regime de comparticipação financeira;
g) Destino dos bens adquiridos ou construídos ao abrigo do programa e responsabilidade pela sua gestão e manutenção, bem como as garantias de afectação futura dos mesmos bens aos fins do contrato e a definição do conteúdo e do prazo da correspondente servidão desportiva;
h) Sistema de acompanhamento e controlo da execução do programa;
i) Condições de revisão do contrato e, sendo caso disso, a respectiva fórmula».

O artigo 13º regula a servidão desportiva prevista na alínea g) do nº 2 do artigo anterior sendo-lhe conferida a «natureza de um direito real público de uso de bens privados, destinado a assegurar a utilização pelo público, ou por certas categorias de pessoas abstractamente determinadas, das infra-estruturas e equipamentos cuja aquisição ou construção tenham sido objecto de comparticipação financeira pública ao abrigo de contratos-
-programa de desenvolvimento desportivo» (nº 1).


Como refere JOSÉ MANUEL MEIRIM, «esta figura legal [a servidão desportiva] surgiu na nossa ordem jurídica através do previsto no artigo 36º, nº 7, da Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro, a Lei de Bases do Sistema Desportivo (x).

Recolhe-se, em linhas gerais, a seguinte mensagem normativa: quando haja comparticipação financeira pública na aquisição ou construção de infra-estruturas ou equipamentos desportivos, o contrato-programa deve assegurar a sua utilização por certas categorias de pessoas abstractamente consideradas» ([23]).

Os artigos 14º, 15º, 16º e 17º dispõem, respectivamente, quanto ao acompanhamento e controlo da execução dos contratos, quanto à revisão dos mesmos, quanto à sua cessação e quanto ao seu incumprimento.

No que respeita ao acompanhamento da execução dos contratos, sublinhe-se os poderes que são facultados no nº 1 daquele artigo 14º, à entidade concedente da comparticipação. Compete-lhe «fiscalizar a execução do contrato-programa, podendo realizar, para o efeito, inspecções, inquéritos e sindicâncias». Por seu lado, «a entidade ou entidades responsáveis pela realização do programa de desenvolvimento desportivo devem prestar à entidade concedente da comparticipação todas as informações por esta solicitadas acerca da execução do contrato» (nº 2).

O artigo 18º deste diploma, com a epígrafe «contencioso dos contratos», determina a submissão à arbitragem, nos termos da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, dos litígios emergentes da execução dos contratos-
-programa de desenvolvimento desportivo, cabendo, da decisão arbitral, recurso, de facto e de direito, para o tribunal administrativo de círculo.


4. O Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo celebrado, em 5 de Junho de 2000, entre o Instituto Nacional de Desporto (IND) (1º outorgante) e a sociedade EURO 2004, S.A. (2º outorgante), e o Vitória Sport Clube (3º outorgante), dando seguimento ao «Protocolo de Desenvolvimento Desportivo» celebrado, em 21 de Setembro de 1998, entre a Administração Central, através daquele Instituto e o indicado Clube, obedece, no essencial, ao modelo normativo definido no Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro que, aliás, é expressamente invocado.

O seu clausulado, antecedido por cinco Considerandos, é o seguinte:
«CLÁUSULA PRIMEIRA
(Objecto)
1. O presente contrato-programa tem por objecto a execução da obra de remodelação e beneficiação do estádio D. Afonso Henriques de propriedade do Vitória Futebol Clube em cumprimento do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Guimarães e tendo em conta os requisitos da UEFA, nos termos do caderno de encargos em apenso a que se comprometeu a candidatura portuguesa à realização do Campeonato Europeu de Futebol de 2004;
2. A execução dos trabalhos descritos no número antecedente será assegurada pelo 3º Outorgante de acordo com as peças escritas e desenhadas, especificações, caderno de encargos e orçamento que constituem o projecto depois dos pareceres favoráveis de acordo com a legislação em vigor;
3. A execução do objecto do presente contrato-programa ainda que física e temporalmente associada a outras obras, será sempre formalmente individualizada em contratos de empreitada específicos e exclusivos, abrangendo unicamente as obras cujo financiamento é considerado comparticipável.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Obrigações do 3º Outorgante)
1. O 3º Outorgante, como entidade responsável pela execução do objecto do presente contrato-programa, obriga-se a:
a) Aceitar o acompanhamento e controlo, por representantes devidamente credenciados, do 2º Outorgante, de todos os actos de execução do contrato, em todas as fases, proporcionando o acesso a todos os locais e disponibilizando, com prontidão, todos os elementos de informação solicitados;
b) Na adjudicação dos contratos de empreitada, respeitar as regras de transparência e concorrência dos procedimentos de selecção do adjudicatário;
c) Informar imediatamente o 2º Outorgante de qualquer facto, próprio ou de terceiro, ou caso de força maior susceptível de provocar atrasos aos trabalhos;
d) Fazer respeitar rigorosamente o projecto e o âmbito dos trabalhos, não introduzindo alterações nem decidindo a realização de trabalhos diferentes, sem a prévia consulta aos outros outorgantes;
e) Respeitar e fazer respeitar a legislação e os regulamentos técnicos aplicáveis, nomeadamente no que respeita ao licenciamento das construções, ao urbanismo e à protecção do ambiente;
f) Criar todas as condições ao seu alcance, segundo a sua mais esforçada diligência para garantir o cumprimento do presente contrato, em termos de qualidade, segurança, prazos e custos que respeitem à execução da obra;
g) Celebrar e exigir a celebração de todos os seguros legalmente exigíveis;
h) Assegurar os recursos humanos, meios técnicos e organização necessários ao total cumprimento do objecto do presente contrato;
i) Fazer respeitar todas as normas vigentes, da legislação portuguesa e dos regimes especiais previstos em tratados ou convenções internacionais de que Portugal seja parte ou a que adira, em matéria de saúde e segurança no trabalho e em matéria de entrada, permanência e trabalho, permanente ou eventual, e ainda que não remunerado, de trabalhadores estrangeiros em território nacional.
2. A aceitação por parte dos outros outorgantes, a que se refere a alínea d) do número anterior, será sempre concedida desde que o 3º Outorgante assuma integralmente a responsabilidade pelos custos das alterações e garanta o cumprimento do prazo fixado no presente contrato.
3. Após, de acordo com o Decreto-Lei nº 317/97 de Novembro, parecer favorável do Instituto Nacional de Desporto e subsequente licença de construção emitida pela Câmara Municipal territorialmente competente e aceite o projecto de execução da obra objecto do presente contrato, o 3º Outorgante fará entrega ao 2º Outorgante, dos elementos referidos nas alíneas f) a j) do nº 2 e nº 4 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, bem como de documento comprovativo do direito de propriedade ou de superfície, ao abrigo do qual lhe assiste a faculdade de realização das obras objecto do presente contrato.

CLÁUSULA TERCEIRA
(Entidade Associada à Gestão do Programa)

1. À gestão do programa objecto do presente contrato está associado, para proceder à articulação, superintendência e acompanhamento, a nível nacional, das intervenções do desporto regionalmente desconcentradas, o coordenador nacional do PRODED, a que se refere o ponto 1 do Anexo V à Resolução do Conselho de Ministros nº 27/2000, de 16 de Maio.
2. Os processos de candidatura serão instruídos pelo 3º Outorgante de acordo com os requisitos técnicos e administrativos de candidatura a definir e entregues na sede do 2º Outorgante que, após verificação dos mesmos, procederá ao seu encaminhamento para o Coordenador Nacional do PRODED.
CLÁUSULA QUARTA
(Prazos e Mora no Cumprimento)
1. O 3º Outorgante assume, pelo presente contrato-programa, a responsabilidade pela conclusão integral da obra definida na cláusula primeira, até ao último dia útil do mês de Junho do ano de 2003.
2. Em caso de atraso no cumprimento dos prazos fixados neste contrato-
-programa, o 3º Outorgante poderá solicitar ao 2º Outorgante a fixação de novo prazo de execução, o qual poderá ser deferido desde que assente em razões fundamentadas e de que não resulte comprometido o calendário global da operação EURO 2004 e de realização do torneio.

3. O incumprimento dos prazos estabelecidos ou revisto é fundamento para a resolução do presente contrato-programa.
CLÁUSULA QUINTA
(Custo das Obras e Repartição de Encargos)

1. Independentemente do resultado da candidatura a que alude o número dois da Cláusula Terceira e sem carácter cumulativo, para a execução da obra descrita na Cláusula Primeira, com o custo de referência de 3,2 milhões de contos, é concedida ao 3º Outorgante, que a aceita, na qualidade de dono da obra, uma comparticipação financeira até ao valor de oitocentos mil contos, de acordo com o Protocolo de Desenvolvimento Desportivo assinado em 21 de Setembro de 1998.
2. Não são comparticipáveis os montantes pagos pelo 3º Outorgante com a aquisição do terreno, ou do direito de superfície sobre ele, nem com a elaboração do projecto.
3. Fica ajustado e reciprocamente aceite que não são comparticipados os valores devidos, a título de revisão de preços, ao adjudicatário dos trabalhos.
4. Igualmente não são comparticipados os valores devidos ao adjudicatário por execução de trabalhos a mais resultantes de erros e omissões ou alterações ao projecto, por trabalhos a mais ou por compensação por trabalhos a menos.
5. Em caso algum, haverá comparticipação em indemnizações que, eventualmente, venham a ser devidas ao adjudicatário ou a terceiros, por força da legislação em vigor ou de contrato.
CLÁUSULA SEXTA
(Regime de Comparticipação Financeira)

1. A comparticipação financeira referida na cláusula anterior será entregue ao 3º Outorgante, nas condições previstas nos números seguintes.
2. O pagamento da comparticipação ao 3º Outorgante será efectuada nos termos dos números 3, 4, 5 e 6 seguintes, mas sempre de harmonia com as importâncias constantes do cronograma financeiro a aprovar por todas as partes intervenientes até 30 de Junho de 2000, o qual, depois de por todos rubricado, ficará a fazer parte integrante deste contrato.
3. Após validação dos autos de medição dos trabalhos pelo 2º Outorgante e no prazo de vinte dias úteis a contar da sua recepção, o procedimento para pagamento de comparticipação tem início com a validação, pelo 2º Outorgante, da cópia da factura emitida pelo empreiteiro, visada pela fiscalização e aprovada pelo dono da obra.
4. O pagamento da comparticipação ao 3º Outorgante deverá ser feito no prazo de trinta dias, a contar da data de entrada, na sede do 2º Outorgante, da cópia da factura referida no número anterior sendo que o correspondente recibo global terá de ser apresentado ao 2º Outorgante nos dez dias imediatos ao efectivo pagamento.
5. A entrega pelo 3º Outorgante do título de quitação de cada pagamento global efectuado ao empreiteiro é condição necessária para a realização dos pagamentos subsequentes.
6. O montante da comparticipação referente a cada factura emitida de acordo com os custos elegíveis e enquadrada na comparticipação financeira referida no nº 1 da Cláusula Quinta deste contrato-programa, será de 25%.
CLÁUSULA SÉTIMA
(Utilização)

O 3º Outorgante compromete-se a disponibilizar as áreas desportivas e os equipamentos complementares e de apoio que constituem o Estádio de Futebol para a realização das actividades integradas nas fases finais do Campeonato Europeu de Futebol, em 2004, nas condições definidas no Caderno de Encargos da UEFA, designadamente no que respeita à inexistência de publicidade e outros compromissos que condicionem a ocupação dos espaços a afectar para o efeito nos termos e condições a estabelecer no protocolo de utilização a celebrar entre os 2º e 3º outorgantes.

CLÁUSULA OITAVA
(Execução e Apoio Técnico)
1. A execução, fiscalização e o controlo técnico dosa trabalhos objecto do presente contrato-programa são da responsabilidade do 3º Outorgante, sem prejuízo das acções de acompanhamento a levar a cabo pelo 2º Outorgante e pelas autoridades competentes.
2. O 3º Outorgante obriga-se a submeter à apreciação do 2º Outorgante todos os elementos de projecto indispensáveis à avaliação de quaisquer trabalhos que venham a ser executados no âmbito do presente contrato-
-programa.

3. O 2º Outorgante, para além do acompanhamento dos trabalhos, poderá fornecer ou promover a prestação do apoio técnico supletivo que se revele indispensável, quando solicitado pelo 3º Outorgante, em qualquer das fases de execução dos trabalhos que são objecto deste contrato-programa.
4. Sempre que o 2º Outorgante pretenda verificar a conformidade com os requisitos definidos pela UEFA de quaisquer projectos, elementos ou soluções técnicas deles integrantes e relativos a trabalhos a executar no âmbito deste contrato-programa, disporá de 30 dias para o efeito em caso de se tratar do projecto inicial e de quinze dias para quaisquer outras alterações ao projecto. Decorridos estes prazos, a verificação considera-se tacitamente realizada.
CLÁUSULA NONA
(Sistema de Acompanhamento e Controlo de Execução do Programa)
1. Para efeitos de acompanhamento e controlo da execução do programa objecto do presente contrato e, exclusivamente, na parte a ele concernente, assiste à EURO 2004 o direito de:
a) Analisar e apreciar o projecto e as soluções técnicas adoptadas, bem como as especificações, mapa de trabalhos e orçamento, de um ponto de vista da conformidade com o Caderno de Encargos da UEFA, bem como zelar pela sua aprovação pelas entidades cujo perecer seja necessário;
b) Receber cópias dos respectivos programas, caderno de encargos e contratos das empreitadas adjudicadas;
c) Acompanhar a evolução dos trabalhos no local da obra;
d) Assistir às reuniões de obra com a fiscalização;
e) Validar, para efeitos do pagamento da comparticipação, os autos de medição das obras objecto do presente contrato-programa e as subsequentes facturas a eles referentes;
f) Receber relatórios mensais de progresso da obra, em todas as suas componentes;
g) Apreciar e aprovar, para efeitos de pagamento da comparticipação, o(s) auto(s) de recepção provisória da(s) obra(s).
2. Concluída a realização do programa de desenvolvimento desportivo, objecto do presente contrato, o 3º Outorgante enviará ao 2º Outorgante o relatório final a que se refere o nº 4 do art. 14º do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, que o remeterá ao IND e ao Coordenador Nacional do PRODED.
CLÁUSULA DÉCIMA
(Revisão do Contrato-Programa)
Qualquer alteração ou adaptação, pelo 3º Outorgante, dos termos ou dos resultados previstos neste contrato-programa, carece de proposta fundamentada a submeter ao prévio acordo escrito das outras partes, que a poderão condicionar ou indeferir.
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
(Resolução e Caducidade do Contrato-Programa)
1. A resolução do presente contrato-programa rege-se pelos termos e condições previstos nos artigos 16º e 17º do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, sendo que, para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 17º, desde já se considera que fica comprometida a realização do objecto do contrato, logo que se verifique não ser possível a conclusão da obra em tempo da sua disponibilização, nos termos e para os efeitos previstos na cláusula sétima.
2. O presente contrato caduca quando, por falta não imputável às partes, se torne objectivamente impossível realizar a obra que constitui o seu objecto.


CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
(Servidão Desportiva)

O 3º Outorgante obriga-se a respeitar o disposto no Artigo 13º do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, referente à Servidão Desportiva, por um prazo de cinco anos, das infra-estruturas e equipamentos que tenham sido objecto de comparticipação financeira ao abrigo deste contrato-programa promovendo o seu registo e formalização a comprovar junto do 1º Outorgante no prazo máximo de 180 dias após a recepção provisória da obra.
CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA
(Notificações/Comunicações)
(...)
CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA
(Contencioso do Contrato)
Os litígios emergentes da execução do presente contrato-programa de desenvolvimento desportivo serão dirimidos nos termos estabelecidos no Artº 18º do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro.
CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA
(Início de Vigência)

O presente contrato-programa entra em vigor após aprovação e homologação nos termos do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro e do Decreto-Lei nº 54-A/2000, de 7 de Abril.»


Este contrato-programa foi objecto de homologação ministerial, conforme despacho nele exarado ([24]).

5. Quanto à caracterização e natureza deste contrato-programa, propendemos para o considerar incluído na categoria dos contratos administrativos. Justifiquemos esta opção, em breve nota.

Para SÉRVULO CORREIA, o contrato administrativo «é um contrato que constitui um processo próprio de agir da Administração Pública e que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares» ([25]), ou, tomando por base a definição constante do artigo 178º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, na linha do artigo 9º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, [um] «acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa».

Segundo FREITAS DO AMARAL, a relação jurídica de direito administrativo é a que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou deveres públicos a estes perante aquela ([26]).

Para o mesmo Autor, «um contrato será administrativo se o respectivo objecto respeitar ao conteúdo da função administrativa e se traduzir, em regra, em prestações referentes ao funcionamento de serviços públicos, ao exercício de actividades públicas, à gestão de coisas públicas, ao provimento de agentes públicos ou à utilização de fundos públicos. Em alternativa, se o objecto não for nenhum destes, o contrato só será administrativo se visar um fim de utilidade pública» ([27]).

Perante a opção de integrar os contratos-programa regulados no Decreto-Lei nº 432/91 na categoria dos contratos administrativos ou na categoria dos contratos regidos pelo direito privado, decidimo-nos pela sua inclusão na primeira categoria contratual, incluídos na espécie, autonomizada pela doutrina, de contratos administrativos de atribuição.

Nestes contratos, no dizer de SÉRVULO CORREIA, «a prestação da Administração é que é essencial e caracterizadora e as do administrado são apenas a contrapartida, ou uma consequência, ou uma condição da vantagem recebida» ([28]). Têm «por causa-função a atribuição de certos benefícios ao contraente particular em vista de uma actividade que interessa ao contraente público» ([29]) ([30]).

O aludido contrato de desenvolvimento desportivo, apresenta factores ou índices de administratividade com força bastante para o podermos qualificar como um verdadeiro contrato administrativo.

Desde logo, importa sublinhar o critério do interesse público, bem presente no seu clausulado, critério esse, aliás, que constitui o motivo e a justificação da celebração do contrato. Recorde-se que estes contratos-
-programa se integram no sistema de apoios ao associativismo desportivo a concretizar através dos meios que, de forma não exaustiva, se enunciam no artigo 33º da Lei de Bases do Sistema Desportivo.


Acresce que o interesse público prosseguido pela Administração Pública (representada no contrato em apreço pelo Instituto Nacional de Desporto e pela EURO 2004, S.A.), é um interesse que prevalece sobre os interesses privados em presença, designadamente, sobre os decorrentes da natureza de sujeito privado do Clube Desportivo outorgante. Como sublinha MARCELO REBELO DE SOUSA, «a essência do contrato reside antes na prevalência do interesse público» ([31]), acrescentando que «não basta olhar para o seu regime, em busca de uma ou diversas cláusulas exorbitantes. O que conta é a ambiência global do contrato, e esta decorre não de por ele se realizar o interesse público (pois tal acontece também em contratos privatísticos) mas de nele avultar sobre os interesses privados existentes esse interesse público» ([32]).

Atente-se, a este propósito, e desde logo no teor do «Considerando A», com a expressa invocação da Resolução do Conselho de Ministros nº 117/98, de 19 de Setembro, que, como já foi dito, reconheceu o interesse nacional da candidatura a submeter pela Federação Portuguesa de Futebol para a organização do Campeonato Europeu de Futebol em 2004, e a referência ao facto de a realização, por Portugal, da fase final desse Campeonato Europeu configurar «um objectivo de interesse público, em virtude da imagem que, através dele, o País projectará para o exterior». Este assumido «interesse público» impregna e modela, a nosso ver, todo o clausulado e, através dele, adquirem cabal compreensão, entre outras, a cláusula 2ª, relativa às obrigações do Clube outorgante, a cláusula 4ª, relativa aos prazos no cumprimento e expressa estatuição, no seu nº 3, de uma cláusula resolutiva em caso de incumprimento dos mesmos, o sistema específico a vigorar no âmbito do pagamento da comparticipação, a cláusula relativa à disponibilização do estádio de futebol objecto da comparticipada beneficiação, o sistema de acompanhamento e controlo pela EURO 2004, estabelecido na cláusula 9ª e, finalmente, a estatuição da servidão desportiva por cinco anos sobre as infra-estruturas e equipamentos objecto da comparticipação financeira contratada (cláusula 12ª).

Um outro factor de indiscutível administratividade do contrato reside na forma como se previne a resolução dos litígios emergentes do contrato-
-programa outorgado. Assim, nos termos da sua cláusula 14º, e por força da remissão operada para o artigo 18º do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, os litígios decorrentes da execução do contrato-programa serão submetidos a arbitragem (
[33]). «Da decisão arbitral cabe recurso, de facto e de direito, para o tribunal administrativo de círculo, nele podendo ser produzidos todos os meios de prova apresentados na arbitragem» (nº 3 daquele diploma).

6. Entretanto, em 16 de Novembro de 2000, o examinado contrato-
-programa de desenvolvimento desportivo foi objecto de um «primeiro aditamento», traduzido na associação da Câmara Municipal de Guimarães ao cumprimento das obrigações aí assumidas pelo Vitória Sport Clube. Pelo seu interesse, justifica-se a transcrição da sua parte preambular e da cláusula primeira.


«CONSIDERANDO QUE:

A – O 3º Outorgante celebrou, em 5 de Junho de 2000, conjuntamente com os 1º e 2º Outorgantes, um Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, adiante abreviadamente designado por Contrato-Programa, tendo por objecto a execução da obra de remodelação do Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães;
B – Pelos Outorgantes foi reconhecido ser do superior interesse nacional, que seja a Câmara Municipal de Guimarães a assegurar a execução do objecto do referido Contrato-Programa, em especial devido à multiplicidade das intervenções entretanto associadas às obras do referido Estádio (urbanismo, acessibilidades, parqueamentos, etc);
C – Não obstante, não pode o 3º Outorgante deixar de estar associado, na qualidade de proprietário do Estádio D. Afonso Henriques, à execução do Contrato-Programa, desde logo face à candidatura a financiamento comunitário;
D – Os 3º e 4ª Outorgantes manifestaram a sua vontade no sentido da associação da CMG ao Contrato-Programa, tendo para o efeito celebrado entre si um contrato-programa, aprovado por deliberação da CMG de 15 de Julho de 1999 e de 25 de Maio de 2000;
E – Os restantes Outorgantes não se opõem à associação da CMG ao Contrato-Programa,

É acordado e, deste modo, reduzido a escrito, o Primeiro Aditamento ao Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo celebrado em 5 de Junho de 2000 entre os 1º, 2ª e 3º Outorgantes, do qual passa a fazer parte integrante, no seguinte teor:
CLÁUSULA PRIMEIRA

1. Pelo presente Aditamento, a 4ª Outorgante é associada ao cumprimento das obrigações assumidas pelo 3º Outorgante no Contrato-
-Programa assinado no dia 5 de Junho de 2000, tendo por objecto a execução da obra de remodelação e beneficiação do Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães.

2. O 3º Outorgante mantém-se como responsável, em regime de solidariedade, pelo cumprimento de todas as obrigações resultantes do Contrato-Programa.
3. Em caso algum poderão o 3º ou a 4ª Outorgantes invocar a natureza de pessoa colectiva pública desta para deixar de cumprir ou justificar o incumprimento das suas obrigações.

(...)».

Este Aditamento foi autorizado e homologado por despacho de 6 de Setembro de 2001 do então Ministro da Juventude e do Desporto.

7. Como facilmente se constata, com a associação da Câmara Municipal de Guimarães ao contrato-programa assinado em 5 de Junho de 2000, operou-se uma relevante modificação à obrigação aí assumida pelo Vitória Sport Clube no que respeita ao objecto contratual (remodelação e beneficiação do Estádio D. Afonso Henriques). Essa obrigação passou a ser solidária. Consequentemente, por força do disposto no artigo 512º, nº 1, do Código Civil, cada um dos devedores (Vitória Sport Clube e Câmara Municipal de Guimarães) passou a responder pela prestação integral e esta a todos libera ([34]), assim se reforçando o cumprimento da obrigação.

A natureza de contrato administrativo que se atribuiu ao originário contrato-programa não foi alterada pela associação da Câmara Municipal de Guimarães ao cumprimento das obrigações dele emergentes para o Vitória Sport Clube. Dir-se-ia até que tal natureza se reforçou por via da qualidade da entidade associada e dos interesses públicos subjacentes à sua participação, expressamente invocados no Considerando B do referido «Primeiro Aditamento».

8. Na sucessão de instrumentos convencionais referidos no processo enviado, deparamo-nos, finalmente, com um contrato de comparticipação financeira, designado por «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», celebrado entre as Entidades adiante indicadas e a Câmara Municipal de Guimarães, em 24 de Outubro de 2002, interessando apurar, para se responder à primeira questão suscitada nesta consulta, se «é de considerar legítima e correcta» a intervenção daquela entidade autárquica em tal contrato.

Afigura-se-nos que se justifica a transcrição das cláusulas mais relevantes no âmbito deste parecer daquele «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III» celebrado entre:

«A Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, ao abrigo da alínea j) do nº 1, do artº 29º do Decreto-Lei nº 54-A/2000, de 7 de Abril (...), adiante designada por Gestora do Programa Operacional da Região Norte, como Primeiro Outorgante;

O Instituto Nacional do Desporto, adiante designado por IND (...), como Segundo Outorgante;

O Coordenador Nacional da Intervenção Operacional Regionalmente Desconcentrada da Medida Desporto (...), adiante designado por Coordenador Nacional, como Terceiro Outorgante;

A Câmara Municipal de Guimarães, adiante designada por Promotor (...), como Quarto Outorgante;

É celebrado o presente contrato de comparticipação financeira, que se rege pela legislação comunitária e nacional aplicável sobre a matéria e pelas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
(Objecto)
O presente contrato tem por objecto a concessão de uma comparticipação financeira global até ao montante máximo de 3.990.383,18 € (...) a qual se destina à Remodelação e ampliação do Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães, conforme projecto aprovado pelas entidades competentes e que suporta o formulário da respectiva candidatura aceite pela Unidade de Gestão do Eixo Prioritário 3 do Programa Operacional da região Norte e aprovada pelo Secretário de Estado da Juventude e Desportos por despacho de 17/10/2002.
Cláusula Segunda
(Custo total do projecto e montante da comparticipação financeira)
1. O custo total previsto da execução do projecto é de 25.334.041,50 € (...), assim discriminado:
- Investimento Elegível: 15.961.532,71 € (...);
- Investimento Não Elegível: 9.372.508,79 € (...).
2. A cobertura da comparticipação financeira global do projecto é repartida e assegurada do seguinte modo:
a) Comparticipação máxima do Fundo Estrutural do Desenvolvimento Regional (FEDER), a disponibilizar através do Gestor do Programa Operacional da Região do Norte e correspondente a 20,83% do custo total elegível: 3.324.787,26 € (...);
b) Comparticipação máxima do IND (contrapartida nacional), correspondente a 4,17% do custo total elegível: 665.595,92 € (...).
3. O Promotor assegura a cobertura financeira do remanescente do custo total da obra e ainda os eventuais custos resultantes de revisões de preços, erros e omissões ou outros trabalhos a mais, compensações por trabalhos a menos ou indemnizações que eventualmente venham a ser devidas ao adjudicatário ou a terceiros.
Cláusula Terceira
(Prazo de execução)
É de catorze meses o prazo máximo de execução material da obra, contado da data da entrada em vigor do presente contrato.
Cláusula Quarta
(Pagamento da comparticipação)
1. Os pagamentos da comparticipação financeira ao Promotor são efectuados, na respectiva proporção, pelas partes contratantes, de acordo com as condições previstas no processo de candidatura referido na Cláusula Primeira e as regras constantes dos regulamentos aplicáveis, após verificação, pelo Coordenador Nacional, do cumprimento pelo promotor das obrigações que lhe são impostas pelo presente contrato, dos documentos justificativos das despesas realizadas, designadamente autos de medição, facturas e recibos, e de eventuais vistorias ao local do empreendimento.
2. Os Autos de Medição referidos no número anterior obedecerão ao disposto no Capítulo I do Título V do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, devendo ainda ser certificados pela Portugal 2004 S.A., como entidade responsável pela fiscalização do programa de construção, reconstrução e requalificação dos estádios que acolherão os jogos do Campeonato da Europa de 2004, conforme Decreto-Lei nº 268/2001, de 4 de Outubro.
(...)
Cláusula Quinta
(Obrigações do Promotor)
1. O Promotor obriga-se a:
a) Garantir a existência, propriedade ou direito de superfície do terreno, adequado à implantação de equipamentos objecto deste contrato, durante o prazo referido na Cláusula Décima terceira;
b) Realizar o projecto de investimento nos termos previstos no presente contrato;
c) Manter a sua situação regularizada perante o fisco e a segurança social;
d) Cumprir atempadamente as obrigações contratuais e outras de ordem legal a que esteja vinculado, nomeadamente as referentes à informação e publicidade, concorrência, concursos públicos e ambiente, segundo o regime aplicável às empreitadas de obras públicas em geral e às co-
-financiadas pelo FEDER, em particular;

e) Constituir conta ou contas bancárias específicas por onde serão movimentados, em exclusivo, todos os recebimentos e pagamentos respeitantes à execução do projecto objecto deste contrato;
f) Não ceder, dar de exploração, locar ou alienar, no todo ou em parte, excepto a favor de entidades sem fim lucrativos e quando previamente autorizado pelas outras partes, os empreendimentos comparticipados e os bens e equipamento integrantes do projecto, durante o prazo referido na cláusula Décima Terceira, sob pena de devolução das comparticipações recebidas no âmbito deste contrato acrescidas dos respectivos juros;
g) Garantir a qualidade de dono da obra nos termos da legislação em vigor;
h) Fornecer os elementos, designadamente contabilísticos, que lhe forem solicitados pelo Coordenador Nacional ou pelas entidades competentes para efeitos de fiscalização, acompanhamento, controlo e avaliação do projecto;
i) Elaborar e remeter ao Coordenador Nacional relatórios de progresso, de periodicidade semestral, e um relatório final, onde devem constar a descrição da execução física e financeira do projecto;
j) Fornecer ao Coordenador Nacional cópia do contrato ou contratos de empreitada da obra comparticipada com visto do Tribunal de Contas, acompanhados da respectiva Lista de Preços Unitários e Programa de Trabalhos;
l) Remeter ao Coordenador Nacional Memória Descritiva do Projecto de Execução acompanhada de listagem das peças escritas e desenhadas e dos alçados, plantas e cortes do Projecto de Arquitectura (...);
m) Entregar ao Coordenador Nacional, concluída a obra, uma colecção de fotografias que permita a sua visualização final;
n) (...);
2. O Pagamento sucessivo da comparticipação das despesas fica sujeito à verificação do cumprimento das obrigações que vinculam o Promotor, designadamente à apresentação dos elementos referidos no número anterior, bem como das eventuais vistorias aos locais que sejam tidas por necessárias.
3. As visitas e vistorias à obra podem ser realizadas por equipas certificadas quer pelos Primeiro e Segundo Outorgantes quer pelo Coordenador Nacional.
Cláusula Sexta
(Contabilização da comparticipação)
Os montantes disponibilizados pelos Primeiro e Segundo Outorgantes deverão ser contabilizados de acordo com as regras do Plano Oficial de Contabilidade em vigor no momento em que os movimentos são lançados.
Cláusula Sétima
(Renegociação do contrato)
O presente contrato poderá ser objecto de renegociação, por acordo das partes, caso se verifiquem modificações dos elementos essenciais que presidiram à sua celebração.
Cláusula Oitava
(Alterações ao contrato)
As alterações ao contrato só serão válidas depois de homologadas pelo Secretário de Estado da Juventude e Desportos e constarão de documento escrito, assinado por todas as partes, e passarão a constituir anexo ao contrato, fazendo parte integrante dele.
Cláusula nona
(Rescisão do contrato)
1. O contrato poderá ser rescindido por despacho do Secretário de Estado da Juventude e Desportos, precedendo proposta fundamentada do Coordenador Nacional, nos seguintes casos:
a) Não execução do projecto nos termos previstos, por causa imputável ao Promotor;
b) Não apresentação do respectivo contrato de empreitada com o Visto do tribunal de Contas no prazo de 4 meses após a entrada em vigor deste contrato ou de qualquer factura da obra no prazo de 6 meses a contar da mesma data ou durante 2 meses em período de execução da obra;
c) Não entrega ao Coordenador Nacional, no prazo máximo de 20 dias úteis, contados do dia seguinte à data de emissão do pagamento, dos recibos de quitação correspondentes aos pagamentos efectuados e que justificam a comparticipação FEDER;
d) Viciação de dados na fase de candidatura e na fase de execução do projecto, nomeadamente quanto aos elementos justificativos das despesas;
e) Incumprimento das obrigações legais e fiscais;
f) Incumprimento da obrigação de contabilizar a comparticipação nos termos estipulados na cláusula Sexta;
g) Não cumprimento das demais obrigações emergentes do presente contrato.
2. A rescisão do contrato implica a restituição da comparticipação recebida, sendo o Promotor obrigado a repor, no prazo de 60 dias a contar da data do recebimento da respectiva notificação, as importâncias recebidas, acrescidas de juros calculados à taxa aplicável a operações activas de idêntica duração.
Cláusula Décima
(Informação e Publicidade do Financiamento Comunitário)
(...).
Cláusula Décima Primeira
(Caducidade do contrato)
O presente contrato caduca quando, por falta não imputável às Partes, se torne objectivamente impossível realizar a obra que constitui o seu objecto.
Cláusula Décima Segunda
(Vigência do contrato)
O presente contrato vigora a partir da data da sua celebração e é válido durante o prazo referido na cláusula seguinte, ficando contudo a sua execução financeira condicionada a homologação do Secretário de Estado da Juventude e Desportos.
Cláusula Décima Terceira
(Vocação e gestão de equipamentos)
As infra-estruturas e equipamentos objecto do presente contrato são especialmente vocacionados para a prática de Futebol e outras modalidades adaptáveis, designadamente no âmbito da formação, treino e competições desportivas, obrigando-se o Promotor a mantê-los afectos a tal fim e a geri-los de modo a que possam ser prioritariamente utilizados no referido âmbito, tendo em conta as necessidades do associativismo desportivo da sua área de influência, nas condições a estabelecer em protocolo a celebrar com o mesmo, durante o prazo de 25 anos a partir da data da recepção provisória da obra.
Cláusula Décima Quarta
(Encargos)
(...).»

9. O clausulado deste contrato-programa obedece, no essencial, à estrutura normativa prevista no Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, com as adaptações derivadas da circunstância de a comparticipação financeira assentar em fundos comunitários, no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio, e, consequentemente, apelar a normas regulamentares próprias que, adiante, se referirão.

Tal contrato, versando sobre a comparticipação de fundos comunitários na reconstrução de uma infra-estrutura desportiva, visa, por definição, a realização do interesse da União Europeia em promover a coesão económica e social e a redução da disparidade entre os níveis de desenvolvimento da região onde opera ([35]).

Simultaneamente, visa-se a prossecução do interesse público tendo em conta a área em que o apoio se insere (desporto), sendo certo que no artigo 79º, nº 1, da Constituição da República se consagra o direito à educação física e ao desporto como direito fundamental dos cidadãos, enunciando-se, no nº 2 do mesmo preceito, as principais incumbências do Estado para dar satisfação a esse direito ([36]) e, de modo mais imediato, a realização do interesse público com a eficaz organização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 na sequência dos objectivos que se assumiram na Resolução do Conselho de Ministros nº 117/98.

Tendo em consideração este enquadramento e a qualidade das entidades outorgantes neste contrato-programa, todas integradas na Administração Pública, directa, indirecta e autárquica, afigura-se-nos que tal contrato-programa deve ser qualificado como um contrato administrativo.

Valemo-nos aqui das considerações expendidas a respeito da idêntica qualificação do contrato-programa celebrado entre o Instituto Nacional do Desporto, a EURO2004, S.A. e o Vitória Sport Clube.
V
1. Apresentado e caracterizado o «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III» outorgado, afigura-se-
-nos pertinente dar conta do quadro normativo e regulamentar, comunitário e nacional, que o envolve.

2. Nos termos do artigo 2º do Tratado que institui a Comunidade Europeia ([37]), doravante designado apenas por Tratado:

«A Comunidade tem como missão, através da criação de um mercado comum e de uma união económica e monetária e da aplicação das políticas ou acções comuns a que se referem os artigos 3º e 4º, promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas, um elevado nível de emprego e de protecção social, a igualdade entre homens e mulheres, um crescimento sustentável e não inflacionista, um alto grau de competitividade e de convergência dos comportamentos das economias, um elevado nível de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente, o aumento do nível da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade entre os Estados-
-Membros».


Para alcançar os fins enunciados, e no que especialmente releva para o presente parecer, a acção da Comunidade implica, nos termos do artigo 3º, alínea k), do Tratado, «o reforço da coesão económica e social»

Explicitando a missão proposta, o Tratado dedica o Título XVII, constituído pelos artigos 158º a 162º, à coesão económica e social, afirmando no artigo 158º:

«A fim de promover um desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade, esta desenvolverá e prosseguirá a sua acção no sentido de reforçar a sua coesão económica e social.

Em especial, a Comunidade procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões e das ilhas menos favorecidas, incluindo as zonas rurais.»

A realização desses objectivos será apoiada, como estabelece o artigo 159º do Tratado, pela acção desenvolvida pela Comunidade através dos fundos com finalidade estrutural (Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola - Secção Orientação, Fundo Social Europeu, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), do Banco Europeu de Investimento e dos demais instrumentos existentes».

O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) assume, na economia deste parecer, particular importância enquanto fonte dos apoios concedidos no âmbito do referido contrato-programa.

A sua finalidade surge definida no artigo 160º do Tratado:

«O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional tem por objectivo contribuir para a correcção dos principais desequilíbrios regionais na Comunidade através de uma participação no desenvolvimento e no ajustamento estrutural das regiões menos desenvolvidas e na reconversão das regiões industriais em declínio.»

Trata-se de um instrumento fundamental na realização da «coesão económica e social». Como refere JOÃO MOTA DE CAMPPOS, «não se limita a subvencionar os investimentos de interesse para o desenvolvimento das regiões mais atrasadas da Comunidade; cumpre-lhe igualmente velar por que tais investimentos se enquadrem no âmbito das acções de valorização levadas a cabo no quadro dessas regiões, assegurando a coerência dos esforços empreendidos nesse sentido» ([38]).

3. Portugal tem beneficiado, desde 1986, de apoio financeiro comunitário regular, com a finalidade de reduzir as disparidades face aos padrões médios europeus, correspondendo a fases distintas: a primeira, relativa ao período de 1986 a 1988, designada de “Anterior Regulamento”, a segunda referente ao Quadro Comunitário de Apoio 1989 – 1993 (QCA I), a terceira referente ao Quadro Comunitário de Apoio 1994 – 1999 (QCA II) e a quarta, abrangendo o período 2000 – 2006, traduzida no 3º Quadro Comunitário de Apoio (QCA III) ([39]).

Na sequência da apresentação à Comissão Europeia pelo Governo Português de um plano de desenvolvimento regional (PDR), com o conteúdo explicitado no artigo 16º do Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999 ([40]) e no termo de negociações entretanto encetadas, a Comissão, por Decisão de 30 de Março de 2000 ([41]), aprovou o quadro comunitário de apoio para as intervenções estruturais comunitárias relativo às regiões portuguesas aí consideradas, onde está incluída a região Norte, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2006 (artigo 1º).

A base normativa deste Quadro Comunitário de Apoio consta do citado Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, que estabelece as disposições gerais sobre os Fundos estruturais.

De entre os princípios relativos à organização das acções comunitárias, adoptados naquele Regulamento, destacam-se os princípios da complementaridade, da parceria e da subsidiariedade. A eles se refere o artigo 8º.

A complementaridade significa que a acção comunitária é concebida como um complemento ou contribuição das acções nacionais correspondentes ([42]).

Com o princípio da parceria, pretende-se evidenciar a «estreita concertação», desde a preparação das medidas até à sua execução, entre a Comissão e o Estado-Membro, assim como com as autoridades regionais, locais e outras entidades públicas, parceiros económicos e sociais e quaisquer organismos competentes que sejam designados, na pressuposição de que «agirão na qualidade de parceiros que prosseguem um objectivo comum».

Com o princípio da subsidiariedade pretende-se significar que «a execução das intervenções é da responsabilidade dos Estados-Membros ao nível territorial adequado em função da situação específica de cada Estado-
-Membro, sem prejuízo das competências da Comissão» (artigo 5º do Tratado).


4. Para a melhor compreensão de alguns dos conceitos que operam neste domínio, convém que se considere a respectiva definição constante do artigo 9º daquele Regulamento. Assim,

«Quadro comunitário de apoio»: é «o documento aprovado pela Comissão de comum acordo com o Estado-Membro em causa, após apreciação do plano apresentado pelo Estado-Membro, que contém a estratégia e as prioridades da acção dos Fundos e do Estado-Membro, os seus objectivos específicos, a participação dos Fundos e os outros recursos financeiros. O documento será dividido em eixos prioritários e executado mediante um ou vários programas operacionais» [alínea d)];

«Programa operacional»: é «o documento aprovado pela Comissão, que visa a execução de um quadro comunitário de apoio e contém um conjunto coerente de eixos prioritários compostos por medidas plurianuais, para cuja realização se pode recorrer a um ou vários Fundos e a um ou vários dos outros instrumentos financeiros existentes, bem como ao BEI» [alínea f)];

«Eixo prioritário»: trata-se de «uma das prioridades da estratégia adoptada num quadro comunitário de apoio ou numa intervenção. São-lhe atribuídos uma participação dos Fundos e dos outros instrumentos financeiros e os recursos financeiros do Estado-Membro que lhe são afectados, bem como objectivos específicos» [alínea h)];

«Medida»: é «o meio pelo qual um eixo prioritário é concretizado de forma plurianual e que permite financiar operações (...); [alínea j)];

«Operação»: é «qualquer projecto ou acção realizado pelos beneficiários finais das intervenções» [alínea k)];

«Complemento de programação»: é «o documento que concretiza a estratégia e os eixos prioritários da intervenção e contém os elementos pormenorizados ao nível das medidas, previstos no nº 3 do artigo 18º, elaborado pelo Estado-Membro ou pela autoridade de gestão (...), e que é comunicado à Comissão para informação» [alínea n)].


5. O III QCA adoptou os seguintes três domínios prioritários de intervenção: a valorização do potencial humano, o apoio à actividade produtiva e a estruturação do território ([43]).

A operacionalização destes três domínios concretiza-se através de 4 eixos que agrupam os programas operacionais (cfr. artigo 18º do Regulamento(CE) nº 1260/1999). Estes são sectoriais ou regionais.

Os programas operacionais regionais, únicos a considerar tendo em conta o objecto desta consulta, integram os investimentos de iniciativa municipal e intermunicipal, acções integradas de base territorial e investimentos da Administração Central.

O Governo Português apresentou à Comissão Europeia, em 19 de Novembro de 1999, uma proposta de Programa Operacional Regional do Norte. A Comissão, por Decisão de 28 de Julho de 2000, aprovou esse programa operacional “Norte” contendo, de entre os demais elementos especificados no artigo 2º dessa Decisão, os eixos prioritários do programa.

«Os eixos prioritários são os seguintes:
Apoio a Investimentos de Interesse Municipal e Intermunicipal;
Acções Integradas de Base Territorial;
Intervenções da Administração Central Regionalmente Desconcentradas» [artigo 2º, nº 1, alínea a)].

Todas as intervenções relativas à área do Desporto são desconcentradas regionalmente, com o que se pretende, principalmente, assegurar a dotação regional dos equipamentos desportivos, numa perspectiva de parceria entre a Administração Central, as Câmaras Municipais e as colectividades desportivas.

A estrutura do Programa Operacional da Região Norte assenta naqueles apontados eixos, com 33 medidas. Interessa-nos, pela temática da consulta, a «Medida Desporto», a «Medida 3.10», inserida no Eixo Prioritário 3, respeitante às Intervenções da Administração Central Regionalmente Desconcentradas.

6. O «Complemento de Programação», documento acima definido, que também se integra no quadro regulamentar do «Programa Operacional da Região do Norte 2000-2006», foi aprovado pela Comissão de Acompanhamento na reunião de 21 de Junho de 2002, e enviado para notificação à Comissão Europeia em 10 de Julho de 2002. Relativamente à Medida 3.10 – Desporto, esse documento estabelece os aspectos e pormenores mais importantes para a sua execução.

Após descrever a Medida, com a apresentação dos objectivos específicos, o Complemento de Programação referencia a «tipologia de Projectos», estabelecendo que a sistematização da componente compreende o desenvolvimento das Redes de Equipamentos de Base, de Equipamentos Especializados e de Equipamentos para Alta Competição e Espectáculos ([44]), enuncia os critérios de selecção e as categorias de beneficiários, indica o organismo responsável pela gestão da Medida e outras informações úteis.

No ponto 4, relativo aos «Critérios de Selecção», encontram-se previstas as condições de acesso dos promotores e dos projectos, e os factores de preferência.

Relativamente às condições de acesso dos promotores, estabelece-
-se o seguinte:


«As entidades promotoras terão de comprovar que:
Dispõem de contabilidade adequada às análises requeridas para a apreciação e acompanhamento dos projectos;
Possuem a sua situação regularizada perante o Estado (Finanças e Segurança Social);
Possuem capacidade financeira para assegurar a sua comparticipação no projecto;
Detêm a propriedade do terreno ou do direito de superfície por, pelo menos, 25 anos, se outro limite temporal não estiver legalmente fixado;
Garantem a qualidade de dono da obra nos termos da legislação em vigor;
Se comprometem, após a conclusão das obras, a não alienar, durante 25 anos, a condição de titular da infra-estrutura construída ao abrigo do Contrato-Programa a celebrar;
Garantem a servidão desportiva, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 12 do decreto-lei nº 432/91, de 6 de Novembro, obrigando-se ainda a promover o seu registo como primeiro ónus;
Se comprometem, caso sejam Câmaras Municipais os promotores da obra, a garantir a vocação e afectação desportiva da infra-
-estrutura».

7. No prosseguimento dos objectivos de reforço da coesão económica e social, os fundos estruturais assumem uma importância essencial por força das contribuições financeiras para com os correspondentes programas. De entre esses fundos com perfil estrutural, há que destacar, no sistema desenhado no citado Regulamento (CE) nº 1260/1999, do Conselho, a prestação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), cujas normas constam presentemente no Regulamento (CE) nº 1783/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 1999 ([45]), enquanto «contribuinte principal para a realização do objectivo do desenvolvimento e ajustamento estrutural das regiões menos desenvolvidas e para a reconversão económica e social das regiões com dificuldades estruturais» (do preâmbulo do Regulamento (CE) nº 1260/1999).

Por seu lado, as regras relativas aos sistemas de gestão e de controlo das intervenções no quadro dos Fundos estruturais estão contidas no Regulamento (CE) da Comissão, de 2 de Março de 2001 ([46]).

8. Internamente, as estruturas orgânicas, de gestão, controlo, acompanhamento e avaliação da execução do QCA III estão previstas nos seguintes instrumentos normativos:

- Decreto-Lei nº 54-A/2000, de 7 de Abril ([47]) que, conforme sumário oficial, «define a estrutura orgânica relativa à gestão da execução, acompanhamento, avaliação e controlo da execução do QCA III e das intervenções estruturais comunitárias relativas a Portugal, nos termos do Regulamento(CE) nº 1260/99, do Conselho, de 21 de Junho»;

- Resolução do Conselho de Ministros nº 27/2000, de 20 de Abril ([48]) que define as estruturas de gestão do QCA III;

- Decreto-Lei nº 168/2001, de 25 de Maio ([49]), que regula o funcionamento do Sistema Nacional de Controlo do III QCA;

- Resolução do Conselho de Ministros nº 172/2001, de 5 de Dezembro de 2001 ([50]), que constitui as estruturas organizacionais necessárias ao controlo de 2º nível das acções co-financiadas pelo FEDER e ao controlo de 1º nível das acções co-financiadas por intervenções operacionais do QCA III;

- Portaria nº 684/2001, de 5 de Julho, que estabelece as modalidades de articulação entre os diferentes níveis de controlo do Sistema Nacional de Controlo do QCA III e define as condições de fornecimento e acesso à informação relevante para o controlo.

A Autoridade de Gestão do QCA prevista no artigos 17º, alínea d), e 9º, alínea n), do Regulamento (CE) nº 1260/99, é, de acordo com o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 54-A/2000, a comissão de gestão do QCA III, presidida pelo Director-Geral do Desenvolvimento Regional (artigo 6º do mesmo diploma)

No que especialmente releva para este parecer, a gestão técnica, administrativa e financeira de cada uma das intervenções operacionais regionais do continente incumbe ao presidente da comissão de coordenação regional respectiva, nos termos do artigo 26º, nº1, do citado Decreto-Lei nº 54-A/2000. As competências deste gestor estão definidas no artigo 29º do mesmo diploma. Incumbe-lhe, nomeadamente, «propor a regulamentação e assegurar a organização dos processos de candidatura de projectos ao financiamento pela intervenção operacional respectiva» [alínea a)]; «assegurar o cumprimento por cada projecto ou acção das normas nacionais e comunitárias aplicáveis» [alínea b)]; «apreciar a conformidade dos contratos com a decisão de concessão do financiamento e o respeito pelos normativos aplicáveis» [alínea g)].

Nos termos do citado artigo 26º, nº 4, «a coordenação de cada acção integrada de base territorial e de cada intervenção da administração central regionalmente desconcentrada, que integram as intervenções operacionais regionais do continente, incumbe a um coordenador (...)».

As competências destes coordenadores estão previstas no artigo 30º, nºs 1 e 3, do mesmo diploma. Compete-lhes, nomeadamente, «a recepção, análise e organização dos processos de candidaturas ao financiamento pela intervenção operacional regional» (nº 1); «assegurar a elegibilidade das despesas dos projectos ou acções candidatados» [nº 3, alínea a)]; «assegurar o cumprimento dos normativos nacionais (...)» [nº 3, alínea c)]; «assegurar a conformidade dos contratos com a decisão da concessão do financiamento, bem como o seu respeito pelos normativos aplicáveis» [nº 3, alínea f)].

O artigo 33º, nº 9, deste Decreto-Lei, prevê que possa ser nomeado um coordenador nacional da intervenção do desporto tendo em conta a sua configuração específica no âmbito do QCA III, nomeação que se concretizou com a Resolução do Conselho de Ministros nº 27/2000, para, conforme consta do seu Anexo V, «proceder à articulação, superintendência e acompanhamento, a nível nacional, das respectivas intervenções regionalmente desconcentradas, no respeito pelas competências do gestor da intervenção operacional regional (...)».

O Decreto-Lei nº 54-A/2000 institui também uma estrutura de acompanhamento da execução do QCA III. Relativamente à execução global do QCA III, o artigo 11º defere essa incumbência à «comissão de acompanhamento do QCA III», com a composição e competências previstas nos artigos 12º, e 13º, respectivamente. Relativamente às intervenções operacionais, quer sectoriais, quer regionais, foi criada uma comissão de acompanhamento (artigo 38º), com as competências definidas no artigo 40º do mesmo diploma. A composição da comissão de acompanhamento das intervenções operacionais regionais está estabelecida no artigo 39º, nº 3.

Os procedimentos iniciados com a programação, apresentação das candidaturas às comparticipações comunitárias, designadamente deste quadro comunitário de apoio, e seu desenvolvimento subsequente (aconselhamento, informações, estudos quanto à elegibilidade, comunicações, etc), obedecem ao princípio da contratualização ([51]) e da concertação estreita entre todos os agentes envolvidos em que se traduz o já falado princípio da parceria ou do partenariado.


VI
1. É tempo de enfrentar a primeira questão suscitada. Pergunta-se: «1. É de considerar legítima e correcta a intervenção da Câmara Municipal de Guimarães no contrato-programa de desenvolvimento desportivo no âmbito do QCA III (...) na qualidade de “Promotor” e de se assumir como proprietária do Estádio D. Afonso Henriques, sendo certo que, face à escritura pública de alienação de propriedade, é duvidoso, do ponto de vista do direito substantivo e civil, que nesse momento fosse ainda titular do direito de propriedade de tal imóvel?»

Decorre da questão formulada e consta expressamente da matéria fáctica enunciada na dita Informação (ponto 1), que, «por escritura pública celebrada em 21 de Setembro de 1990 (...), a Câmara Municipal de Guimarães através do seu Presidente declarou alienar a favor do Vitória Sport Clube o Estádio Municipal de Guimarães, pelo preço de um milhão de escudos, nos termos e condições constantes dessa mesma escritura».

Efectivamente, do processo que nos foi remetido consta uma fotocópia da Escritura lavrada no Notariado Privativo da Câmara Municipal de Guimarães em 21 de Setembro de 1990 de «Alienação do Estádio Municipal de Guimarães».

Nesta Escritura, pelo primeiro outorgante [Presidente da Câmara Municipal de Guimarães] foi declarado que:

«(...) a Câmara Municipal de Guimarães, que aqui representa, é dona e legítima possuidora do prédio urbano denominado Estádio Municipal e que, devidamente autorizada pela Assembleia Municipal em sua reunião realizada em vinte e oito de Dezembro de mil novecentos e oitenta e nove, aliena a favor do Vitória Sport Clube pelo preço simbólico de um milhão de escudos, aquele imóvel que faz parte do seu património do domínio privado, assim identificado: (...).
Que esta transmissão é feita ainda nas seguintes condições:
Primeira: A Câmara subsidia o Vitória de Guimarães com cinquenta milhões de escudos anualmente, e pelo prazo de dez anos, com início no ano de mil novecentos e noventa e dois. Este apoio financeiro destinar-se-á à execução das obras de ampliação do Estádio, de acordo com a memória descritiva e justificativa datada de trinta de Janeiro de mil novecentos e oitenta e sete, que fica anexa.
Segunda: A Câmara completará a obra de cobertura da bancada situada a Poente.
Terceira: A Câmara assumirá a execução de um arranjo urbanístico apropriado, segundo projecto em execução, das áreas e arruamentos envolventes do Estádio e seus acessos, que continuarão na propriedade e posse da Câmara.
Quarta: A Câmara distribuirá ao pessoal dos seus quadros ou à sua responsabilidade, funções diferentes das que exercem no Estádio Municipal, caso o Vitória não pretenda integrar esses funcionários nos quadros de pessoal do Vitória.
Quinta: O Vitória Sport Clube executará as obras da bancada situada a Nascente, bem como outros arranjos, em conformidade com o programa e anteprojecto aprovado.
Sexta: O Vitória utilizará o Estádio Municipal transmitido para a realização de actividades desportivas, culturais, recreativas e afins, mas não poderá destiná-lo a fins diferentes, nem transmiti-lo a terceiros.
Sétima: O Vitória aceita a responsabilidade pela execução das obras ou melhoramentos no Estádio para além das assumidas pela Câmara e referidas na condição terceira.
Oitava: O Vitória assume todas as despesas inerentes à utilização e funcionamento das instalações do Estádio Municipal.
Pelo segundo outorgante foi declarado que em nome da Associação Vitória Sport Clube que representa, aceita esta transmissão nos termos exarados de que tem inteiro conhecimento.
(...)»

2. A compra e venda surge definida no artigo 874º do Código Civil como «o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço»

O carácter oneroso da compra e venda decorre do facto de nele existir uma contrapartida pecuniária em relação à transmissão dos bens. A compra e venda não exige, porém, lembra LUÍS MANUEL T. MENEZES LEITÃO, «que ocorra necessariamente uma equivalência de valores entre o direito transmitido e o preço respectivo» ([52]).

No caso da alienação do imóvel titulada pela mencionada escritura pública, o aí declarado valor simbólico do preço do bem, objecto do negócio, não prejudica aquela apontada característica da onerosidade.

Esse valor poderá, eventualmente, constituir a contrapartida pela cláusula de inalienabilidade do imóvel estabelecida a qual, no entanto, por força do princípio da tipicidade estabelecido no artigo 1306º do Código Civil, transporta tão somente efeitos obrigacionais, oponíveis unicamente aos sujeitos do contrato (Câmara Municipal e Vitória Sport Clube) ([53]).

De acordo com o artigo 879º do Código Civil:

«A compra e venda tem como efeitos essenciais:
a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar a coisa;
c) A obrigação de pagar o preço.»

A transmissão do direito real [efeito real, assinalado na alínea a)] dá-
-se por mero efeito do contrato. Isto é, a celebração do contrato de compra e venda acarreta logo a transferência da propriedade (
[54]). Como a doutrina tem salientado, a compra e venda é um contrato real quoad effectum, pois, por via de regra, a transferência do direito, objecto do negócio jurídico, dá-se por mero efeito do contrato (artigos 408º, nº 1, 879º, alínea a), e 1317º, alínea a) do Código Civil). «Por exemplo, no momento em que se celebra a escritura de venda de um prédio, independentemente da sua entrega, transfere-se a propriedade para o comprador» ([55]).

Decorre do exposto que, a partir da data da efectivação da indicada escritura de alienação, o objecto do contrato (Estádio de Guimarães) deixou de ser propriedade municipal, passando a pertencer ao adquirente Vitória Sport Clube.

3. É certo que o adquirente não requereu a inscrição registral da propriedade obtida, mantendo-se a antiga proprietária (a Câmara Municipal de Guimarães), em perfeita desconformidade com a situação jurídica efectiva, a constar do registo como titular do direito ([56]). Somente em 21 de Agosto de 2003 ingressou, no registo predial a aquisição daquele Estádio pelo Vitória Sport Clube, tendo a correspondente inscrição sido lavrada como «provisória por dúvidas» ([57]).

A desconformidade entre a situação registral do Estádio de Guimarães e a sua situação real no que respeita à sua propriedade terá, a nosso ver, constituído o factor gerador da situação trazida ao conhecimento deste corpo consultivo para emissão do solicitado parecer e da perplexidade que suscita a circunstância de a Câmara Municipal de Guimarães intervir no contrato-programa de desenvolvimento desportivo no âmbito do QCA III «na qualidade de “Promotor” e de se assumir como proprietário do Estádio D. Afonso Henriques, sendo certo que, face à escritura pública de alienação da propriedade», nesse momento já não era titular do direito de propriedade de tal imóvel.

No entanto, parece-nos que a situação seria diversa se se atendesse na verdadeira função que o registo predial assume no ordenamento jurídico português e nos seus efeitos substantivos.

Destas questões nos propomos tratar, de seguida, em breve apontamento.

4. Nos termos do artigo 1º do Código do Registo Predial ([58]), a função essencial do registo predial é a de «dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário», embora, como se salienta no Acórdão nº 3/99 do Supremo Tribunal de Justiça ([59]), essa seja «uma meta ideal que o presente estado legislativo não permite alcançar».

ORLANDO DE CARVALHO aponta as seguintes características do registo predial português: «é um registo de aquisições (...), é um registo declarativo (...) e é um registo facultativo (...). Todos sabemos o que significam estes termos. O registo é facultativo porque a sua inobservância, embora tenha consequências jurídicas, constitui inobservância de um simples ónus do adquirente, não infracção de um autêntico dever (...). O registo é declarativo, porque mera condição de eficácia da aquisição, não condição da sua validade. A aquisição sem registo não deixa de ser válida inter partes. Independentemente dos representantes e seus herdeiros, a que alude o art. 5º, 3, do CR.Pred., há que notar que, enquanto não haja registo ou registos de aquisições colidentes, prevalece a primeira aquisição (...). Só foge a isto, desde 1959, a constituição de hipoteca, em que o registo é constitutivo e, por conseguinte, condição de validade da aquisição do direito» ([60]).

O artigo 2º do Código do Registo Predial enumera quais os factos sujeitos a registo, destacando-se, de entre eles, os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação do direito de propriedade [(nº 1, alínea a)].

Por seu lado, de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 1, do mesmo diploma, «os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros».

No caso presente, constatamos que a aquisição pelo Vitória Sport Clube da propriedade do Estádio Municipal de Guimarães emergente da escritura de alienação em que foi outorgante só muito recentemente (e provisoriamente) ingressou no registo. A propriedade manteve-se registada a favor da Câmara Municipal de Guimarães. Não obstante esta desconformidade com a realidade substantiva, a verdade é que aquela Entidade tem beneficiado da presunção registral consagrada no artigo 7º do Código do Registo Predial: «o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define».

Esta presunção, que traduz o efeito directo e automático inerente ao registo definitivo, tem, no entanto, apenas o relevo de uma presunção juris tantum, sendo ilidível por prova em contrário (cfr. artigo 350º do Código Civil).

Diz-se também no nº 1 do artigo 5º do Código do Registo Predial, que:

«1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.»

Pondera OLIVEIRA ASCENSÃO a este propósito: «se tomássemos à letra esta previsão, teríamos que o direito real, antes do registo, só teria eficácia no círculo formado pelas próprias partes; fora desse círculo estaria totalmente dependente do registo. Seria pois um direito real (?) sem sequela.

Mas esta posição não é verdadeira. Vários factores nos demonstram que mesmo o direito não registado mantém a oponibilidade erga omnes que é própria do direito real» ([61]).

Antes de mais, sublinha o mesmo Autor, «a ausência do registo em nada pode interessar aos estranhos, ou seja, àqueles que não invocam sobre a coisa qualquer direito incompatível com o do titular» ([62]).

A questão, decorrente do citado artigo 5º, nº 1, do Código do registo Predial, quanto ao efeito de oponibilidade a terceiros dos factos sujeitos a registo, suscitou forte controvérsia na doutrina e na jurisprudência gerando a prolação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, de dois acórdãos uniformizadores. Assim, no Acórdão nº 15/97, de 20 de Maio de 1997 ([63]), perfilhando-se um conceito amplo de terceiros, uniformizou-se a jurisprudência nos seguintes termos: «Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente» ([64]). Por seu lado, no já mencionado Acórdão nº 3/99, perfilhou-se um conceito restrito de terceiros, formulando-se a seguinte doutrina: «Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa».

Esta doutrina veio, entretanto, a ser acolhida pelo legislador através do aditamento, operado pelo Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, ao artigo 5º do Código do registo Predial, do nº 4:

«Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si».

5. No caso presente, a questão da (in)oponibilidade a terceiros da aquisição, não inscrita no registo, do Estádio Municipal de Guimarães pelo Vitória Sport Clube, nem se deveria ter colocado, uma vez que não se observa qualquer conflito de terceiros entre si relativamente a tal prédio, em termos de o direito de um ser posto em causa pelo outro ([65]).

Como se lê no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/99, «o que transfere a titularidade de um bem não é o registo, é, designadamente, o negócio de compra e venda, com a sua eficácia real [artigos 408º e 879º, alínea a), do Código Civil]. Tudo isto a conjugar com o carácter meramente presuntivo do direito registado, conforme se reflecte no artigo 7º do Código do Registo Predial».

Perante o exposto, considera-se juridicamente insubsistente e infundado o entendimento segundo o qual «o Estádio, em relação a terceiros, pertence ao Município de Guimarães» ([66]).

6. Em coerência, não assume particular relevo para a questão essencial relativa à propriedade do bem a circunstância de o Vitória Sport Clube ter obtido o registo provisório da aquisição que, eventualmente, se converterá em definitivo. Quando tal suceder, o titular passa a deter, em seu favor, a presunção derivada do registo conferida pelo citado artigo 7º do Código do Registo Predial.

VII
1. Com a transmissão da propriedade do Estádio Municipal de Guimarães para o Vitória Sport Clube, por força do referido contrato de alienação, operou-se a criação de um direito de natureza real, um ius in re, com o que se estabeleceu directamente uma relação jurídica entre aquele titular do direito e o respectivo objecto. Resulta desse direito, cujo conteúdo o artigo 1305º do Código Civil define, um dever de não ingerência para todos.

Discorre, a este propósito, MANUEL HENRIQUE MESQUITA: «se a ordem jurídica atribui a alguém a soberania ou certa soberania sobre uma coisa, tal atribuição não pode deixar de significar que, correspectivamente, se impõe a todos os demais cidadãos o dever de respeitar essa soberania, de nela não interferir» ([67]). O objecto do direito real, acrescenta o mesmo Autor, «constitui, na medida dos poderes que sobre esse objecto podem ser exercidos, uma esfera reservada ao respectivo titular e, por conseguinte, o nascimento do direito necessariamente há-de implicar, para todos os não titulares, um dever geral de abstenção» ([68]).

2. No caso vertente, o objecto do «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», transcrito supra na sua quase totalidade, é a concessão de uma comparticipação financeira, aí quantificada, a favor da Câmara Municipal de Guimarães para a remodelação e ampliação do Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães (cláusula 1ª).

A propriedade dessa infra-estrutura desportiva pertence, já se disse, não à Câmara Municipal de Guimarães, mas ao Vitória Sport Clube em consequência da alienação oportunamente efectuada, contratada entre as duas entidades.

Constata-se, portanto, a ocorrência de uma ingerência daquela Autarquia sobre um bem relativamente ao qual não detém um ius in re, sendo que, do contrato celebrado, desconhecendo-se a existência entre os diversos intervenientes de quaisquer instrumentos negociais ou de outra natureza, não se extrai autorização ou consentimento do titular do direito, do dominus, nem consta a referência a qualquer título legitimador dessa ingerência.

As estipulações imediatamente incidentes sobre a infra-estrutura referida, o bem imóvel (estádio) são, em rigor, inoponíveis ao seu verdadeiro proprietário – o Vitória Sport Clube.


3. Ao assumir a obrigação de garantir a existência da propriedade ou do direito de superfície do terreno onde está implantado o equipamento comparticipado, ao assumir a obrigação de não ceder, dar de exploração, locar ou alienar, no todo ou em parte, o empreendimento comparticipado e, bem assim, a obrigação de manter uma concreta vocação e gestão das infra-estruturas e equipamentos objecto do contrato, durante o prazo de 25 anos [cláusula 5ª, nº 1, alíneas a), e f), e cláusula 13ª], a Câmara Municipal de Guimarães não está somente a afrontar os poderes de soberania de que é titular o verdadeiro proprietário do bem em causa.

A Câmara Municipal de Guimarães está a praticar actos de disposição e oneração para os quais carece manifestamente de legitimidade ([69]). Por não ser titular do direito de propriedade sobre o referido Estádio ou de outro título que conferisse, válida e eficazmente, direitos sobre o mesmo bem, e por agir sem representação, não detinha legitimidade para, no âmbito daquele contrato-programa, dispor de uma coisa alheia.

A propósito de questões emergentes de um contrato de licença de uso privativo, e do regime jurídico aplicável, lê-se no parecer nº 12/87, de 27 de Outubro de 1988 ([70]):

«As regras gerais e os princípios fundamentais que lhe sejam também aplicáveis, devem encontrar-se na disciplina geral dos contratos de direito público, nos contratos administrativos, ou nas regras e princípios gerais de direito privado que lhes sirvam de instrumento de integração».

A aplicação subsidiária do direito civil, refere-se no mesmo parecer, «revelar-se-á necessária quando as normas de direito civil contenham e revelem verdadeiros princípios gerais de direito comuns aos diversos ramos de direito (-), como sejam as normas civilistas relativas à capacidade dos contraentes, à validade do objecto negocial, e aos vícios da vontade».

Concluindo-se:

«As regras gerais, comuns nesta matéria à generalidade do sistema jurídico, encontram-se no direito civil, na normação sobre os princípios gerais aplicáveis aos negócios jurídicos».

Não obstante a publicação do Código do Procedimento Administrativo, e o disposto no seu artigo 185º, quanto ao regime da invalidade dos contratos administrativos, designadamente dos contratos com objecto passível de acto administrativo (em cuja categoria se inclui o contrato-programa aqui apreciado), afigura-se-nos que a argumentação expendida naquele parecer se mantém actual. De facto, o ordenamento jurídico, no que respeita aos seus princípios estruturantes, tem de pautar-se pela unidade e pela coerência.

Um dos princípios estruturantes do ordenamento jurídico português enuncia-se pela expressão latina há muito consagrada - nemo dat quod non habet – estando acolhido no artigo 892º do Código Civil.

É, precisamente, por decorrência desse princípio estruturante do sistema jurídico, que propendemos para considerar inválido o contrato-
-programa de desenvolvimento desportivo no âmbito do QCA III.


Celebrado nas circunstâncias e com as cláusulas referidas, incidiu sobre um bem imóvel relativamente ao qual nenhum dos outorgantes e, nomeadamente, a Câmara Municipal de Guimarães, detinha disponibilidade ([71]) ou legitimidade.

Por isso, e tal como também se concluiu no citado parecer nº 12/87, fazendo apelo ao princípio da nulidade da venda de bens alheios, contido no citado artigo 892º do Código Civil, extensivo a todos os contratos em que se estabeleçam encargos ou disposições não consentidas sobre bens, aquele contrato-programa está eivado de nulidade ([72]).

VIII

1. O desvalor do Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, celebrado no âmbito do QCA III, não assenta exclusivamente na afirmada ilegitimidade dos outorgantes, designadamente da Câmara Municipal de Guimarães relativamente ao objecto contratual. O desvalor deriva ainda da existência de um vício que, afectando o conteúdo essencial do contrato, integra um fundamento de nulidade por natureza, previsto no artigo 133º, nº 1, do CPA, aplicável por força da remissão feita no artigo 185º, nº 3, alínea a), do mesmo diploma.

2. O artigo 3º, nº 1, do CPA, concretizando o princípio geral consagrado no artigo 266º, nº 2, da Constituição, prescreve que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes sejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem atribuídos».

Como sublinha PEDRO GONÇALVES, «o princípio da sujeição da Administração à lei vale naturalmente para toda a actuação administrativa e para todas as formas de actuação administrativa, pelo que o contrato administrativo não pode constituir um “ghetto” de excepção à aplicação do princípio» ([73]).

O princípio da legalidade, enquanto princípio da juridicidade ([74]), vincula todos os órgãos da Administração Pública, sujeitando não só os órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas, mas também os órgãos dos institutos públicos e os das autarquias locais (cfr. artigo 2º, nº 2 do CPA) ([75]).

A invalidade do acto administrativo, pondera JOÃO CAUPERS, «é o juízo de desvalor emitido sobre ele em resultado da sua desconformidade com a ordem jurídica» ([76]), destacando, dos vícios que podem afectar o acto, os vícios materiais, que são os relativos ao objecto, ao conteúdo e aos motivos do acto e, de entre estes, o vício de violação de lei, traduzido «na discrepância entre o objecto ou o conteúdo do acto e as normas jurídicas com que estes devem conformar-se. Integram este vício, nomeadamente, a falta de base legal do acto administrativo, a impossibilidade ou a ininteligibilidade do objecto ou do conteúdo do acto e a ilegitimidade dos elementos acessórios deste» ([77]).

No mesmo sentido, examinando os requisitos de validade do contrato administrativo, e quanto aos requisitos relativos ao conteúdo, escreve PEDRO GONÇALVES: «no que respeita às exigências de legalidade material, há que dizer que todos os contratos administrativos estão abrangidos pelo princípio da primazia da lei, pelo que, em nenhum caso, as cláusulas contratuais podem albergar conteúdos contrários à lei (“o acordo não pode ser pretexto para a ilegalidade”). Por outro lado, quanto à produção de efeitos jurídicos próprios de direito administrativo (efeitos que só são concebíveis numa relação jurídica administrativa), vigora um princípio de precedência de lei, no sentido em que a inclusão de cláusulas que se refiram a efeitos desses tem de se basear sempre numa lei» ([78]).

Como pondera SÉRVULO CORREIA, «os contratos administrativos subordinam-se no seu conjunto ao princípio da precedência de lei, no sentido de que não podem dispor contra quaisquer normas injuntivas do Ordenamento Jurídico» ([79]).

3. Em matéria de invalidade dos contratos, cujo regime se encontra enunciado no artigo 185º do CPA, o princípio geral é o de que o contrato administrativo «é nulo ou anulável quando, segundo os princípios do direito administrativo, constitua (pela sua autoria, procedimento, forma, pressupostos, conteúdo ou fim) uma violação de exigências legais ou regulamentares a que a Administração estivesse normativamente sujeita nessa matéria» ([80]).

A ordem jurídica prevê graus ou níveis diferentes de desvalor jurídico para a violação da legalidade, revelando, como sublinha PAULO OTERO, «que nem toda a desconformidade da actuação administrativa face à lei tem o mesmo sancionamento ou a mesma gravidade dentro do contexto do sistema jurídico» ([81]). Existem desconformidades, continua o mesmo Autor, «geradoras de ilegalidade que são toleráveis, reconhecendo-lhes a ordem jurídica a susceptibilidade de produzirem todos os efeitos jurídicos como se os respectivos actos fossem válidos (...); existem desconformidades cuja ilegalidade gerada é, pelo contrário, intolerável, negando a ordem jurídica a tais actos a produção de quaisquer efeitos jurídicos, sem prejuízo de, por decurso do tempo, poder reconhecer, segundo exigências ditadas pela tutela dos valores, segurança e confiança, alguns efeitos jurídicos a meras situações de facto criadas á sombra de tais actos» ([82]).

4. Nos termos do disposto no artigo 133º, nº 1, do CPA:

«1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade».

Prevê este preceito a designada nulidade por natureza dos actos administrativos [e dos contratos administrativos passíveis de acto administrativo, por força da remissão feita no citado artigo 185º, nº 3, alínea a), do CPA], cuja determinação, no caso em apreço, passa pela compreensão e extensão da cláusula geral, aí contida, quanto aos «actos a que falte qualquer dos elementos essenciais».

Segundo MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, à semelhança da solução consagrada na Alemanha, podem considerar-se nulos «os actos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta» ([83]). O mesmo Autor, sublinha, aliás, que «não se vêem razões para não considerar nulo, em geral, o acto que esteja inquinado com um vício anormal ou especialmente grave, ou até um vício “normal”, mas resultante de uma anormal má-fé ou intenção dolosa» ([84]).

5. Retornando ao caso, consideramos que o contrato-programa celebrado no âmbito do QCA III está inquinado com um vício especialmente grave que não deve ser ponderado no domínio da anulabilidade, mas sim perante o regime da nulidade estabelecido no artigo 134º do CPA.

Esse vício radica-se no facto de a Câmara Municipal de Guimarães ter apresentado a sua candidatura a uma comparticipação comunitária no âmbito do QCA III sem reunir uma condição essencial, um autêntico pressuposto, para aceder a tal ajuda. Não é proprietária do Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães -, para cuja remodelação foi contratada aquela comparticipação financeira.

Recorde-se que o quadro normativo aplicável, de natureza injuntiva e de matriz comunitária, prescreve determinadas condições de acesso às respectivas ajudas ou comparticipações financiadas pelos fundos comunitários que os interessados, mercê daquela natureza imperativa, não podem afastar ([85]). Uma dessas condições respeita, precisamente, à verificação e manutenção no tempo de um certo estatuto jurídico do candidato à comparticipação perante o bem objecto de comparticipação.

Referimo-nos ao estatuto de proprietário que se exige no já citado «Complemento de Programação», adoptado pela respectiva Comissão de Acompanhamento do Programa Operacional da Região Norte.

Recorde-se que, nos termos desse instrumento, e na parte que respeita à «Medida 3.10 – Desporto», as entidades promotoras dos projectos tinham (têm) de comprovar, designadamente, que:


«Detêm a propriedade do terreno ou do direito de superfície por, pelo menos, 25 anos, se outro limite temporal não estiver legalmente fixado;
Garantem a qualidade de dono da obra nos termos da legislação em vigor;
Se comprometem, após a conclusão das obras, a não alienar, durante 25 anos, a condição de titular da infra-estrutura construída ao abrigo do Contrato-Programa a celebrar;
Garantem a servidão desportiva, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 12 do decreto-lei nº 432/91, de 6 de Novembro, obrigando-se ainda a promover o seu registo como primeiro ónus;
Se comprometem, caso sejam Câmaras Municipais os promotores da obra, a garantir a vocação e afectação desportiva da infra-
-estrutura».


O artigo 30º, nº 4, alínea b), do Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, previne claramente a estabilidade, desde logo ao nível da sua propriedade, da operação e infra-estrutura comparticipadas, nos seguintes termos:

«4. Os Estados-Membros certificar-se-ão de que a participação dos Fundos fica definitivamente afectada a uma operação se, no prazo de cinco anos a contar da data da decisão da autoridade nacional competente ou da autoridade de gestão sobre a participação dos Fundos, essa operação não sofrer nenhuma alteração importante que:

(...)

b) Resulte quer de uma mudança na natureza da propriedade de uma infra-estrutura, quer do termo ou da mudança de localização de uma actividade produtiva.

Os Estados-Membros informarão a Comissão de qualquer alteração deste tipo; se esta se verificar, é aplicável o disposto no artigo 39º» ([86]).

Compreende-se a razão de ser da exigência da comprovação da propriedade dos terrenos e infra-estruturas desportivas a financiar já que, através dela, se pode verificar a elegibilidade das despesas a apoiar. A este propósito, refira-se que, de acordo com as regras definidas na Estrutura do Programa Operacional da Região do Norte, referentes à Medida – Desporto, e no Complemento de Programação daquele Programa Operacional, os equipamentos desportivos a serem apoiados deverão «ter como objecto despesas realizadas por entidades públicas e outras entidades que operem num quadro jurídico e administrativo que as torne assimiláveis a entidades públicas» ([87]).

Por seu lado, o compromisso quanto à manutenção da titularidade da infra-estrutura apoiada por um dilatado prazo (25 anos) justificar-se-á pela natureza dos fundos comunitários disponibilizados, que provêm do FEDER.

Tratam-se de fundos de índole estrutural com objectivos de promoção e desenvolvimento regional. Por isso, a vocação comunitária das infra-estruturas ou equipamentos desportivos apoiados deve ser mantida durante um prazo que permita eficazmente a obtenção daqueles objectivos.

Refira-se que, de acordo com os instrumentos normativos acima referidos, constituem objectivos a prosseguir através da Medida 3.10: Desporto:

« - promover e desenvolver o desporto e generalizar o acesso à sua prática como suporte e factor contributivo da melhoria da qualidade de vida das populações;

- promover e desenvolver o desporto, nomeadamente ao nível da alta competição, como forma de incentivo à prática desportiva, melhoria das condições de sociabilização e afirmação da capacidade competitiva da Região no contexto nacional e internacional;

- estruturar redes de equipamentos desportivos que, de acordo com programas de requalificação urbana e planos integrados de infra-
-estruturas, permitam estabelecer ligações entre o desporto, a cultura, a educação, o lazer e o recreio.»


Os equipamentos desportivos a apoiar através de financiamento comunitário devem, por sua vez:

«- Demonstrar contribuir para o desenvolvimento regional e local, identificando nomeadamente a respectiva contribuição, em termos sociais, para a criação de postos de trabalho, para a renovação urbana, para a promoção do Turismo, para o acesso à prática desportiva do público em geral, para a promoção do desporto, podendo integrar-se em projectos identificados, mais vastos, de investimento público e privado em regiões e sub-regiões do País.»

6. Na situação que se nos apresenta, e como já se referiu, a Câmara Municipal de Guimarães não detinha a propriedade do Estádio D. Afonso Henriques, porque tempos antes a havia transmitido ao Vitória Sport Clube. Note-se que este exigido pressuposto não adquire verificação pelo facto de no registo predial aquele estádio figurar inscrito em nome daquela Autarquia, por não ter sido logo registada a alienação tempos antes contratada.

Consequentemente, a Câmara Municipal de Guimarães não satisfaz uma condição essencial para aceder à comparticipação financeira contratualizada – a condição ou pressuposto referente à propriedade do bem – nem em termos lógico-jurídicos se pode comprometer: (a) «a não alienar, durante 25 anos, a condição de titular da infra-estrutura construída»; (b) a garantir «a servidão desportiva, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 12 do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro»; (c) a promover o registo dessa servidão como «primeiro ónus»; (d) a «garantir a vocação e afectação desportiva da infra-estrutura».

O quadro exposto configura uma situação de incumprimento do contrato-programa a ponderar em sede de rescisão do contrato (cláusula 9ª do contrato-programa) pelas entidades competentes [cfr. artigo 180º, alínea e) do CPA].

Mas, pelo que ficou dito, configura uma situação muito mais grave, porque é portadora de um vício «anormal ou especialmente grave» ([88]), de uma desconformidade com a ordem jurídica que não se pode tolerar sob pena de se pactuar com uma situação que, objectivamente considerada, poderá porventura ser qualificada de fraudulenta e integradora de crime ([89]).

Ou seja, a apontada situação de desconformidade deve ser sancionada com a nulidade do contrato-programa celebrado.


IX

1. Perante o vício de nulidade que, a nosso ver, afecta o contrato administrativo, há que ponderar nas consequências que o ordenamento jurídico comina.

Referenciando as suas características essenciais, no regime da nulidade, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos ab initio, é insanável e qualquer tribunal ou órgão administrativo a podem declarar a todo o tempo, conforme se prevê no artigo 134º, nºs 1 e 2, do CPA, e no artigo 286º do Código Civil.

Relativamente ao contrato administrativo, os órgãos da Administração não podem declarar a sua nulidade. «É o que resulta do artigo 186º [do CPA], onde se estabelece que os actos que se pronunciem sobre a validade de contratos valem como declarações negociais e não como actos administrativos, o que significa que, se o contratante não concordar com o teor da declaração, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de uma acção judicial» ([90]).

Por força do disposto no artigo 137º, nº 1, do CPA, a Administração está legalmente impedida de ratificar, de reformar ou de converter um contrato administrativo afectado de nulidade.

Operando a nulidade do contrato, de acordo com o regime traçado para essa figura jurídica e tendo em conta a regra contida no artigo 289º, nº 1, do Código Civil, a Câmara Municipal de Guimarães, beneficiária da comparticipação financeira contratualizada, terá de restituir todas as quantias recebidas, quer das provenientes do FEDER, quer das referentes à contrapartida nacional, acrescidas de juros de mora [cfr. artigo 39º, nº 4, do Regulamento (CE) nº 1260/1999, do Conselho].

2. A rigidez que enforma o regime da nulidade e que tem merecido críticas de alguns autores ([91]), é compensada pelo nº 3 do artigo 134º do CPA por via da atribuição de certos efeitos jurídicos – efeitos putativos – a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.

Escreve, a este propósito, PAULO OTERO: «apelando para uma ideia de prescrição aquisitiva, o reconhecimento pela ordem jurídica de efeitos jurídicos a meras situações de facto decorrentes de actos nulos, expressando um corolário da tutela dos valores da segurança, da estabilidade e da confiança em conjunto com a relevância do decurso do tempo em Direito, se é certo que nunca implica qualquer convalidação ou legalização do acto em causa, continuando este a ser nulo e, nesse sentido, justificando-se sempre a declaração da respectiva nulidade, envolve, todavia, uma juridificação legitimadora de alguns dos efeitos gerados pelas situações factuais criadas à sua sombra» ([92]).

Prossegue o mesmo Autor: «a ordem jurídica entende, ponderados certos valores, que a severidade do regime jurídico normal da nulidade não se justifica no caso concreto, atendendo à circunstância de tais actos terem durante um lapso considerável de tempo gozado de uma aparência de validade e de uma aparente produção de efeitos jurídicos» ([93]).

Competirá à Administração ponderar quanto à eventual operatividade no caso em apreço deste específico regime através da (re)avaliação de todos os elementos fácticos e tendo em conta o interesse público.

O recurso a esta via pode aqui assumir uma particular justificação. Desde logo, atendendo à natureza pública das entidades intervenientes no contrato-programa em questão e ao conteúdo das respectivas vinculações. A propósito destas, há que sublinhar que elas se inserem num programa comum de acção em ordem à satisfação de um compromisso que foi assumido e reconhecido de interesse nacional (citada Resolução do Conselho de Ministros nº 117/98).

É patente, pois, aquele «interesse público de especial relevo» de que fala PAULO OTERO ([94]) – expressão do princípio da prossecução do interesse público -, o qual, em conjugação com o princípio da proporcionalidade que enforma a actividade administrativa, seria susceptível de justificar a dita ponderação.

O quadro normativo comunitário oportunamente apontado ([95]) não obstará ao reconhecimento de efeitos jurídicos decorrentes das vinculações assumidas se transmudadas para outro quadro contratual, designadamente, para o Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, celebrado em 5 de Junho de 2000, instrumento contratual que, como a seguir se dirá, reaquire aplicabilidade, com as adaptações que as actuais circunstâncias justificarem ou aconselharem, e ao qual está associada a Câmara Municipal de Guimarães, encontrando-se igualmente a ele associado, nos termos da sua cláusula 3ª, o coordenador nacional das intervenções do desporto no âmbito do QCA III.

No domínio da organização das acções comunitárias decorrentes do Regulamento (CE) nº 1260/1999, do Conselho, vigora, já o referimos, o princípio da parceria, relevando ainda no ordenamento jurídico comunitário o princípio da proporcionalidade nos termos do qual os actos comunitários deverão ser «necessários e apropriados à prossecução do objectivo visado» ([96]).

Estes dois princípios assumem particular importância operativa no domínio do regime das «correcções financeiras» estabelecido no artigo 39º do citado Regulamento (CE) nº 1260/1999.

Do nº 1 daquele preceito, não resulta necessariamente que a participação comunitária seja totalmente suprimida perante a verificação de uma «irregularidade individual ou sistémica», ou em caso de uma «alteração importante que afecte a natureza ou as condições de execução ou de controlo de uma intervenção».


X
1. Examinemos agora a questão de saber se, no pressuposto da nulidade do «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», ganham aplicabilidade imediata o contrato-programa de desenvolvimento desportivo, celebrado em 5 de Junho de 2000, e respectivo aditamento, datado de 16 de Novembro de 2000.

Recordemos que o contrato-programa de desenvolvimento desportivo, celebrado em 5 de Junho, tem como outorgantes, de um lado, o da Administração prestadora, o Instituto Nacional de Desporto (IND) e a sociedade EURO 2004, S.A.. Do outro, a entidade beneficiária, o Vitória Sport Clube.

O seu objecto é a «execução da obra de remodelação e beneficiação do estádio D. Afonso Henriques de propriedade do Vitória Futebol Clube». A execução dos trabalhos é assegurada por esta entidade desportiva.

A comparticipação financeira a conceder ao Vitória Sport Clube foi ajustada em «oitocentos mil contos», correspondente a 3.990.383,18 €, com base num custo de referência de 3,2 milhões de contos (cláusula 5ª, nº 1).

O «Primeiro Aditamento» a esse contrato-programa, com data de 16 de Novembro de 2000, traduziu-se, como já se referiu, na associação da Câmara Municipal de Guimarães ao cumprimento das obrigações ali assumidas pelo Vitória Sport Clube.

Em 24 de Outubro de 2002, foi celebrado o já apreciado «Contrato-
-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III» no qual outorgaram, de um lado, a Gestora do Programa Operacional da Região Norte, o Coordenador Nacional da Intervenção Operacional Regionalmente Desconcentrada da Medida Desporto, o Instituto Nacional do Desporto (IND), e do outro, como beneficiária, a Câmara Municipal de Guimarães.


2. Procedendo a um exame comparativo entre os dois contratos, verificamos que:

A finalidade e o objecto de ambos os contratos-programa são essencialmente os mesmos: concessão de uma comparticipação financeira para as obras de remodelação da mesma infra-estrutura desportiva (o Estádio D. Afonso Henriques).

O valor da comparticipação financeira prevista conceder no primeiro contrato a favor do Vitória Sport Clube é exactamente igual ao valor da que foi atribuída à Câmara Municipal de Guimarães: 3.990.383,18 €.

Os sujeitos contraentes não coincidem totalmente nos dois contratos. No primeiro contrato-programa a entidade que concede a comparticipação é a Administração Central, através do IND. No contrato-
-programa celebrado no âmbito do QCA III, a comparticipação financeira é suportada pelo FEDER, disponibilizada pela Administração, e pelo IND. A Câmara Municipal de Guimarães está presente em ambos os contratos. No primeiro contrato-programa como associada do Vitória Sport Clube. No outro contrato como outorgante principal, no papel de beneficiária da comparticipação contratualizada. O Vitória Sport Clube e a sociedade EURO, S.A. deixaram de figurar no segundo contrato-programa.


Em ambos se prevêem obrigações tendo por objecto os equipamentos e infra-estruturas apoiadas, obrigações essas cuja caracterização jurídica não é exactamente coincidente. Assim, no primeiro contrato-programa, com remissão para o disposto no artigo 13º do Decreto-
-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, é estabelecida relativamente a esses equipamentos e infra-estruturas uma servidão desportiva com uma duração de cinco anos (cláusula 12ª). No contrato-programa celebrado no âmbito do QCA III, não se oneram as infra-estruturas e equipamentos com a correspondente servidão desportiva. Em vez disso, o promotor obriga-se a mantê-los afectos à prática de futebol e outras modalidades adaptáveis e a geri-los de modo a que possam ser prioritariamente utilizados no âmbito da formação, treino e competições desportivas, «tendo em conta as necessidades do associativismo desportivo da sua área de influência, nas condições a estabelecer em protocolo a celebrar com o mesmo, durante o prazo de 25 anos a partir da data da recepção provisória da obra» (cláusula 13ª).


3. Perante a descrita situação e as apontadas coincidências, poderíamos ser tentados a concluir que o primeiro contrato-programa se extinguiu por novação subjectiva, em conformidade com o disposto no artigo 858º do Código Civil, na medida em que deparamos com a constituição de um novo complexo obrigacional por substituição do contraente beneficiário da comparticipação financeira ajustada. No entanto, o artigo 859º do mesmo Código exige que «a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada», pressuposto que aqui não se observa ([97]).

Em matéria de extinção do contrato administrativo, a doutrina tem referido a existência de alguns traços característicos, decorrentes dos poderes de autoridade da Administração, conjugados com as garantias dos interesses do outro contraente.

Entende FREITAS DO AMARAL que, «para além das causas normais de extinção do contrato administrativo [designadamente por caducidade ou termo (-)], e de outras causas menos frequentes [verificação de condição resolutiva, impossibilidade absoluta superveniente, anulação judicial (...)], há causas específicas que importa considerar: a extinção por acordo das partes (revogação), a extinção por decisão unilateral da Administração (rescisão) e a extinção por facto jurídico alheio às partes (caso de força maior) ([98]).

Relativamente ao mencionado contrato-programa de 5 de Junho de 2000, é manifesto que não ocorre qualquer uma das causas específicas de extinção.

Relativamente às demais causas de extinção, propendemos também para considerar que elas não ocorrem no caso em apreço.

Com a celebração do «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», o primeiro contrato-programa e seu aditamento, através do qual se operou a associação da Câmara Municipal de Guimarães, ficou num estado de inacção, em situação de não operatividade.

Porém, a declaração da nulidade do contrato-programa, outorgado no âmbito do QCA III, reclama que aquele outro contrato retome a função e os efeitos que os sujeitos nele outorgantes visaram e que a lei impõe.

Naturalmente, a vigência desse contrato-programa terá de considerar as alterações fácticas entretanto ocorridas, adaptando-se às actuais circunstâncias, demandando, eventualmente, a celebração de aditamento que se justificar ([99]).

A sua vigência justifica-se, antes de mais, pelo interesse público em titular as vinculações aí assumidas pelo Outorgante Vitória Sport Clube relativamente à disponibilização das «áreas desportivas e dos equipamentos complementares e de apoio que constituem o Estádio de Futebol para a realização das actividades integradas nas fases finais do Campeonato Europeu de Futebol, em 2004, nas condições definidas no Caderno de Encargos da UEFA» (cláusula 7ª) e relativamente à servidão desportiva constituída, nos termos do artigo 13º, do Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, sobre as infra-estruturas e equipamentos objecto de comparticipação financeira (cláusula 12ª).

Aliás, havendo comparticipação financeira pública para construção ou melhoramento de infra-estruturas desportivas de propriedade de entidades privadas, como sucede no caso presente, a vigência desse contrato-programa é imposta pelos artigos 34º, nº 2, e 36º, nº 7, da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro). Esse contrato-
-programa constitui o instrumento jurídico para documentar a assunção pela entidade beneficiária da comparticipação «das inerentes contrapartidas de interesse público, social e escolar».



XI

Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - As comparticipações financeiras públicas para construção ou melhoramento de infra-estruturas desportivas de propriedade de entidades privadas apenas podem ser concedidas mediante celebração de contratos-
-programa de desenvolvimento desportivo cujo conteúdo deve reflectir as vantagens de interesse público que consubstanciam a contrapartida de tais comparticipações;


2ª - O Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo celebrado, em 5 de Junho de 2000, entre o Instituto Nacional de Desporto (IND) e a EURO 2004, S.A., e o Vitória Sport Clube, e seu Aditamento, decorrente da associação da Câmara Municipal de Guimarães, acordada em 16 de Novembro de 2000, tendo por objecto a execução da obra de remodelação e beneficiação do «Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães», em Guimarães, obedece, no essencial, aos parâmetros estabelecidos no Decreto-Lei nº 432/91, de 6 de Novembro, tendo a natureza de contrato administrativo de atribuição;

3ª - Por escritura pública celebrada em 21 de Setembro de 1990, a Câmara Municipal de Guimarães vendeu ao Vitória Sport Clube, o prédio urbano denominado Estádio Municipal de Guimarães, referido na conclusão anterior, pelo preço e demais condições ali indicadas;

4ª - A compra e venda constitui um contrato real quoad effectum, dando-se a transmissão da propriedade da coisa por mero efeito do contrato (artigos 408º, nº 1, 879º, alínea a), e 1317º, alínea a), do Código Civil);

5ª - O registo predial tem como função essencial dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, tendo o relevo, quando definitivo, de constituir presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito;

6ª - Não obstante o objecto do contrato referido na conclusão 3ª ter continuado inscrito no registo predial em nome da Câmara Municipal de Guimarães, o direito de propriedade do Vitória Sport Clube sobre o Estádio, embora não registado, mantém a oponibilidade erga omnes que é própria do direito real;

7ª - Não se coloca a inoponibilidade a terceiros da aquisição, não inscrita no registo, do Estádio Municipal de Guimarães pelo Vitória Sport Clube, por não se verificar qualquer conflito de terceiros entre si relativamente a tal prédio, em termos de o direito de um ser posto em causa pelo outro, sendo que, inter partes, aquela aquisição é válida e eficaz;

8ª - A Câmara Municipal de Guimarães, por não ser titular do direito de propriedade sobre o «Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães», nem possuir outro título bastante, não detinha legitimidade para, no «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», praticar actos de disposição e de oneração sobre essa infra-
-estrutura desportiva, objecto daquele contrato;


9ª - O quadro normativo, de natureza injuntiva e de matriz comunitária, aplicável no «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo», celebrado no âmbito do Programa Operacional da Região do Norte, 2000-2006, e integrado no Quadro Comunitário de Apoio III, estabelece, como condição ou pressuposto essencial para acesso à comparticipação financeira que a entidade promotora dos projectos detenha a propriedade do terreno ou do direito de superfície, ou da infra-estrutura construída por, pelo menos, 25 anos;

10ª - A Câmara Municipal de Guimarães, por não ser proprietária do «Estádio D. Afonso Henriques – Estádio Municipal de Guimarães» não satisfaz esse pressuposto essencial, nem as demais condições, também essenciais, que têm subjacente a verificação de tal estatuto, não podendo, designadamente, garantir a vocação e gestão, durante o mesmo prazo, dessa infra-estrutura desportiva;

11ª - Perante o princípio geral do sistema jurídico, acolhido no artigo 892º do Código Civil, segundo o qual, nemo dat quod non habet, e perante o tipo de vício que a situação referida na conclusão anterior traduz [artigos 133º, nº 1, e 185º, nºs 1 e 3, alínea a), do CPA], o «Contrato-
-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», celebrado em 24 de Outubro de 2002, está afectado de nulidade, com as inerentes consequências;


12ª - Com declaração da nulidade do «Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III», e por não ter ocorrido qualquer causa susceptível de determinar a sua extinção, o «Contrato-–Programa de Desenvolvimento Desportivo, celebrado em 5 de Junho de 2000, e seu «Primeiro Aditamento», de 16 de Novembro de 2000, readquirem aplicabilidade, com as adaptações que as actuais circunstâncias eventualmente reclamarem ou aconselharem.

VOTO

(José Adriano Machado Souto de Moura) - Vencido nos termos do voto da Srª Drª Maria Fernanda Maçãs que acompanho.

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) - Não se acompanha a doutrina do parecer[100], em especial a vazada nas Conclusões 10ª e 11ª, pelos fundamentos que sumariamente se indicam, tendo em conta a natureza urgente do pedido.


1. A conclusão no sentido propugnado - o da nulidade do Contrato Programa de Desenvolvimento Desportivo e consequente restituição dos fundos comunitários recebidos no âmbito do mesmo - resulta, entre outras razões que serão adiante analisadas, de se ter enveredado por uma aplicação rígida e estritamente formal do regime das invalidades, em especial o da nulidade do acto administrativo ao contrato administrativo.

É que, como observa a doutrina, mesmo no domínio do acto administrativo, o regime de improdutividade total e de invocação perpétua da nulidade é considerado “por demais rígido, sendo susceptível de afectar desrazoavelmente interesses dignos de protecção jurídica”[101].

Se tal regime é considerado inadequado no âmbito do acto administrativo, dominado pela proeminência do interesse público, por maioria de razão o será no caso do contrato, por ser um instrumento jurídico caracterizado pela flexibilidade e consenso.

No caso sub judicio, a inflexibilidade do regime resulta mais acentuada, em virtude de ter sido tomado em conta, além das particularidades próprias do contrato, o circunstancialismo da situação derivado, em especial, do facto de a infra-estrutura desportiva em causa se encontrar executada e a comparticipação financeira recebida.

Acresce que não podemos deixar de questionar a interpretação estritamente literal que é levada a efeito no parecer sobre o instrumento normativo aplicável ao contrato[102] e as pertinentes cláusulas contratuais, interpretação esta que não tem minimamente em consideração a vontade das partes, os interesses em jogo, nem o interesse público.

Como ensina CASTANHEIRA NEVES, “o objecto problemático da interpretação jurídica não é a norma como objectivação cultural (o texto-norma, com os problemas de determinação significativa que esse texto-norma como tal suscite), mas o caso decidendo, o concreto problema prático que convoca normativo-interpretativamente a norma como seu critério judicativo.”

Ainda segundo o mesmo autor, “Não se visa na interpretação e com a interpretação (...) tão só compreender culturalmente a norma na sua autonomia e subsistência objectiva, ou simplesmente como teorético-–cultural objecto significante (...), mas seleccioná-la e perspectivá-la problematicamente em função de um concreto caso jurídico, a fim de poder ser ela normativamente, também em concreto e de um modo metodologicamente específico, critério prático ou judicativo-decisório desse caso”[103].

Tendo presente as breves considerações expostas, desde já se adianta que é perfeitamente sustentável a manutenção do contrato ou, pelo menos, dos efeitos entretanto produzidos, como passamos a demonstrar.


2. Em termos sumários, retira-se do parecer que a Câmara Municipal de Guimarães, por não ser proprietária nem detentora do direito de superfície sobre o Estádio Municipal de Guimarães, carece de legitimidade para intervir no “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, celebrado no âmbito do programa Operacional da Região do Norte, 2000- -2006, e integrado no Quadro Comunitário de Apoio III.”

Isto porque, em conformidade com o normativo aplicável ao Contrato-Programa, constitui condição de acesso, entre outras, a comprovação por parte das entidades promotoras de que “detêm a propriedade do terreno ou do direito de superfície por mais de 25 anos...”.

Acontece, porém, que, não obstante não estar preenchida esta condição considerada essencial, a verdade é que o contrato foi celebrado, a obra encontra-se executada e a comparticipação financeira já foi recebida.

Ora, perante esta factualidade, a questão central que se coloca é a de saber se é de considerar este contrato, que se encontra parcialmente cumprido, ferido de nulidade. Sendo certo que a nulidade tem como efeito a total improdutividade ab initio e a consequente obrigação de restituição dos fundos comunitários.


2.1. Reportando-nos em concreto à análise que é feita no parecer sobre a qualificação da invalidade do contrato, verifica-se que no mesmo se conclui pela nulidade[104] do Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no âmbito do QCA III”, celebrado em 24 de Outubro de 2002 (cfr. Cláusulas 10ª e 11ª).

Ora é fundamentalmente aqui que reside a nossa divergência em relação à doutrina que fez vencimento.

Não pode negar-se que no quadro normativo que rege o contrato programa em causa se estabelece como requisito de candidatura, entre outros, que “o promotor seja proprietário ou superficiário”.

Aceita-se que tal requisito possa ser qualificado de essencial, na medida em que seja susceptível de consubstanciar uma falta grave de legitimação do sujeito[105] co-contrante (Câmara Municipal de Guimarães) para assumir obrigações fundamentais no âmbito do contrato.

Acontece que o sentido e alcance deste requisito carece, em nossa óptica, de ser interpretado à luz das obrigações assumidas no âmbito do contrato e do fim visado pelo mesmo.

Dito por outras palavras, impõe-se questionar se, para consecução das obrigações fundamentais do contrato e para a plena concretização do fim último do mesmo, é de exigir que o promotor seja necessariamente titular de um direito real sobre o terreno de implantação do projecto.

De entre as obrigações fundamentais a assumir pelo promotor no âmbito do contrato, impõe-se a de “garantir a existência, propriedade ou direito de superfície do terreno adequado à implantação de equipamentos objecto deste contrato, durante o prazo referido na Cláusula Décima Terceira” [cfr. alínea a) do nº 1 da Cláusula Quinta][106].

Por sua vez, esta Cláusula, sob a epígrafe “Vocação e gestão de equipamentos”, tem o seguinte conteúdo:

“As infra-estruturas e equipamentos objecto do presente contrato são especialmente vocacionados para a prática de Futebol e outras modalidades adaptáveis designadamente no âmbito da formação, treino e competições desportivas, obrigando-se o Promotor a mantê-los afectos a tal fim e a geri-los de modo a que possam ser prioritariamente utilizados no referido âmbito, tendo em conta as necessidades do associativismo desportivo da sua área de influência, nas condições a estabelecer em protocolo a celebrar com o mesmo, durante o prazo de 25 anos a partir da recepção provisória da obra.”

Segundo o nosso entendimento, a obrigação prevista na alínea a) do nº 1 da Cláusula Quinta tem de ser lida em estreita conexão com o teor desta Cláusula. Isto é, as exigências que impendem sobre o promotor quanto à “existência, propriedade ou direito de superfície” têm de ser vistas em função da necessidade de garantir a satisfação das obrigações constantes, em especial, da Cláusula Décima Terceira.

Desta Cláusula decorre, como obrigação essencial do contrato, que o promotor garanta, durante 25 anos, a afectação e gestão do equipamento aos fins de interesse público, nos termos nela previstos.

Dizemos que se trata de obrigação essencial na medida em que se afigura poder concluir, do contexto do contrato e da natureza dos fundos comunitários, que a comparticipação financeira constitui contrapartida directa das garantias a dar quanto à vocação e gestão do equipamento.

Como se refere a dado passo no parecer, “o compromisso quanto à manutenção da titularidade da infra-estrutura (...) justificar-se-á pela natureza dos fundos comunitários disponibilizados, que provêm do FEDER. Trata-se de fundos de índole estrutural com objectivos de promoção e desenvolvimento regional. Por isso, a vocação comunitária das infra-estruturas ou equipamentos desportivos apoiados deve ser mantida durante um prazo que permita eficazmente a obtenção daqueles objectivos”[107].

Por conseguinte, não basta a execução da obra, torna-se essencial dar garantias da sua afectação e gestão aos fins de interesse público, ligados designadamente à promoção do desporto, utilização para o acesso à prática desportiva do público em geral, etc.

Ora, encontrando-se a obra executada, para garantir a concretização da vocação e gestão do equipamento, o promotor não tem necessariamente de ser proprietário ou superficiário.

A exigência de tais poderes seria compreensível, quando muito na fase de reconstrução da infra-estrutura desportiva[108]. Neste momento, é suficiente que a Câmara disponha de poderes adequados ao cumprimento das obrigações assumidas, em especial na Cláusula Décima Terceira.

Tais poderes decorrem naturalmente do facto de a Câmara Municipal ser a dona da obra e constituem mesmo um imperativo derivado do investimento levado a acabo. Dito por outras palavras, não só é natural, como se impõe que a Câmara disponha de poderes que lhe permitam assegurar a vocação e gestão do equipamento desportivo, designadamente nos termos da Cláusula Décima Terceira, como contrapartida do investimento.

Com efeito, a afectação de fundos comunitários à reconstrução da infra-estrutura desportiva só se explica pelo facto, já mencionado, desta fazer parte dos estádios onde será realizada a fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004.

De todo o modo, para aquela afectação ser válida, a infra-estrutura em causa tem de ser funcionalmente vocacionada para a realização de fins de interesse público em geral e municipal em particular. Isto é, não é concebível que a Câmara Municipal patrocine um investimento desta natureza para ser gerido por um clube desportivo e apenas em proveito dos seus próprios interesses. Pelo contrário, tratando-se de uma obra realizada com dinheiros destinados a investimentos em prol da colectividade tem, por isso mesmo, de reverter em benefício da mesma[109].

Assim sendo, atento o fim do contrato e a razão de ser da exigência referida na Cláusula Quinta, em conexão com o Estabelecido na Cláusula Décima Terceira, desde que exista um mecanismo jurídico (de natureza contratual ou protocolar) que confira ao promotor os poderes adequados a satisfazer os compromissos assumidos, será de considerar suprida a falta de legitimação da Câmara Municipal.

Nesta perspectiva, o contrato só não poderá manter-se se tal não for possível ou não for aceite pelas partes[110].

Poderia configurar-se uma situação de impossibilidade derivada em resultado da recusa do Vitória Futebol Clube em solidarizar-se com a Câmara Municipal na assunção das responsabilidades.

Acontece que não se afigura plausível a verificação de uma tal situação.

Desde logo, porque o Clube aceitou que a Câmara se tivesse associado ao primeiro Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo celebrado em 5 de Julho de 2000, através de um “Aditamento “ de 16 de Novembro de 2000.

Nos considerandos desse “Aditamento” pode ler-se que “foi reconhecido ser do superior interesse nacional, que seja a Câmara Municipal de Guimarães a assegurar a execução do objecto do referido Contrato-Programa.”

De acordo com o estatuído na Cláusula Primeira, a Câmara Municipal ficou vinculada, na qualidade de 4º Outorgante, ao cumprimento das obrigações assumidas pelo 3º Outorgante, o Vitória Futebol Clube. Ainda em conformidade com a mesma Cláusula, a Câmara Municipal e o Clube passaram a ser responsáveis solidariamente pelo cumprimento de todas as obrigações resultantes do Contrato-Programa em causa.

No quadro da solidariedade institucional que tem de subsistir nestas realizações de vulto, tendo em conta o desígnio nacional do investimento efectivado, e considerando que a obra acabou por ser financiada por intervenção e à custa da Câmara Municipal, será a vez do Clube se associar na assunção das responsabilidades que são exigidas à Câmara Municipal.

Quanto à eventual não aceitação pelas partes, dir-se-à que, como nos encontramos perante um contrato, não se pode deixar de dar relevo à vontade das partes. Neste caso, ganha especial significado sobretudo a vontade da Entidade Gestora do Programa Operacional da Região Norte (Primeiro Outorgante no Contrato-Programa)[111]. Se esta entidade considerar absolutamente essencial que o promotor seja “proprietário ou superficiário” do terreno onde se encontra implantada a infra-estrutura desportiva, em termos tais que não teria celebrado o contrato se tivesse tido conhecimento oportuno da situação, então o contrato não poderá manter os seus efeitos.


2.2. As considerações expendidas habilitam-nos a concluir que a carência de legitimação da Câmara Municipal para intervir no Contrato-–Programa em análise não são de molde a consubstanciar uma falta grave geradora de nulidade, uma vez que se afigura viável obter o seu suprimento[112].

Neste contexto, tornando-se possível suprir a falta de poderes da Câmara Municipal para garantir as obrigações do contrato, defender a sua total improdutividade conduz, a nosso ver, a um resultado que, além de desprovido de fundamento, afecta de forma desproporcionada e desrazoável o interesse público em jogo.

Na verdade, não se vislumbram que interesses públicos ou privados tenham sido postergados e que sejam incompatíveis com a manutenção do contrato. Pelo contrário, razões ponderosas de interesse público[113] militam neste sentido.

Segundo MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, “a razão da consagração do regime da invalidade absoluta está no facto de se reconhecer que certos interesse públicos ou particulares têm uma tal dignidade e relevância que seria aberrante aplicar-lhes o regime de invalidade relativa” [114].

De igual modo, também ROGÉRIO SOARES[115] pondera que a nulidade se circunscreve às hipóteses de lesão mais profunda e substancial dos preceitos em jogo, o mesmo é dizer do interesse público que se pretende tutelar.

Não havendo norma ou princípio imperativo de direito público a impor a nulidade do contrato, caberá às partes e, em especial, à entidade Gestora do Programa Operacional da Região do Norte determinar, em última análise, o seu destino.

Temos, pois, que a solução do parecer, evidencia a não ponderação do interesse público na manutenção do contrato, não dá relevo à vontade das partes e trata o contrato como se fosse um mero acto administrativo.

3. Uma última observação nos merece a doutrina que fez vencimento.

Não obstante ter aplicado ao contrato o regime da nulidade do acto administrativo, o parecer não teve em consideração este regime na sua globalidade.

De facto, ao concluir pela nulidade do contrato, o parecer deveria ter retirado consequências da aplicabilidade, ao caso, do regime específico consagrado no artigo 134º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo.

Este preceito visa compensar de alguma forma a rigidez do regime da nulidade do acto administrativo, permitindo a “possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.”

Em tese geral, os efeitos putativos considerados neste artigo são tão-só os derivados do decurso do tempo, isto é, os que resultam da efectivação prática dos efeitos do acto nulo por um período prolongado de tempo.

A relevância do decurso do tempo há-de variar em conformidade com as circunstâncias do caso, o tipo de bens ou valores lesados e a proteger, o relevo específico do interesse público em presença, etc.

A nosso ver, em muitas situações, o decurso do tempo deverá aferir--se, não tanto pelo mero prolongamento no tempo da aparência de efeitos jurídicos, mas pelo grau de consolidação e necessidade de estabilização das relações sociais.

Neste sentido, é defensável que os efeitos putativos possam ser associados “a outros factores de estabilidade das relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do suum cuique tribuere, da igualdade, do não locupletamento, e até da realização do interesse público (...)”[116].

No caso em apreço, não obstante ter decorrido apenas cerca de um ano após a celebração do contrato, os efeitos entretanto produzidos encontram-se de tal modo consolidados que a sua manutenção é exigida pelos princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da prossecução do interesse público.

Assim sendo, a eventual declaração de nulidade do contrato não prejudicaria a possibilidade da atribuição de relevo jurídico aos efeitos entretanto produzidos[117] [118].


4. Por tudo quanto foi exposto, conclui-se que por não existir no caso lesão profunda e substancial de normas ou princípios e, por conseguinte, lesão do interesse público que com os mesmos se pretende tutelar, a tese da total improdutividade do contrato não merece acolhimento.

Como ficou demonstrado, é defensável, em primeiro lugar, a manutenção do contrato, através do suprimento da falta de legitimação da Câmara Municipal de Guimarães.

Em segundo lugar, em última análise, e na perspectiva do parecer no sentido da nulidade do contrato, ainda assim, é admissível a salvaguarda dos efeitos entretanto produzidos, pela via da aplicação do nº 3 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo.


_______________________________

[1] Ofício datado de 8 de Setembro de 2003.
[2] Pedido formulado através do Ofício nº 1296, de 30 de Setembro de 2003, com entrada na mesma data e distribuído no dia seguinte.
[3] Apresentam-se em itálico os trechos que, na dita Informação, figuram destacados, omitindo-se a indicação da numeração dos documentos aí referenciada.
[4] “Elementos sobre o Impacto do Euro 2004 na Normação Pública”, Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, Ano I – Setembro/Dezembro 2003, 1, pág. 11.
[5] JOSÉ MANUEL MEIRIM, ob. e loc. cits.
[6] Alterado pelo Decreto-Lei nº 30/2001, de 7 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei nº 267/2001, de 4 de Outubro.
[7] No artigo 3º dos Estatutos, antes da sigla “UEFA”, figura a designação da entidade a que corresponde: “Union des Associations Européennes de Football”.
[8] Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 267/2001.
[9] JOSÉ MANUEL MEIRIM, ob. e loc. cits., pág. 23.
[10] Este diploma foi rectificado pela Declaração de Rectificação nº 20-B/2001, publicada no Diário da República, I Série A, de 31 de Outubro de 2001.
[11] Ob. cit., pág. 26.
[12] Ibidem.
[13] SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pág. 422.
[14] Noções de Direito da Economia, 1º volume, reimpressão, edição da AAFDL, 1982-1983, pág. 332. A função do contrato, sublinha o Autor, é executar o programa e, por este, o plano em que se integra.
[15] Lições de Direito da Economia, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2001, pág. 351.
[16] Mais recentemente, foi alterado pelo Decreto-Lei nº 319/2001, de 10 de Dezembro.
[17] EDUARDO PAZ FERREIRA, ob. cit., pág. 351. Sobre as características específicas que os contratos económicos assumem em França, enquanto processos convencionais utilizados pelos poderes públicos para realização de objectivos de intervencionismo económico, vide ANDRÉ DE LAUBADÈRE, Direito Público Económico, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, págs. 420 a 427. A ideia dos contratos económicos como manifestação de um «fenómeno cada vez maior da contratualização entre a Administração e os particulares e entidades autónomas no âmbito da intervenção administrativa na economia (uso do contrato como meio de acção administrativa) é também salientada por LUÍS S. CABRAL DE MONCADA, Direito Económico, 2ª Edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1988, págs. 379 e segs..
[18] ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, MARIA EDUARDA GONÇALVES e MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, Direito Económico, 4ª Edição, revista e actualizada, 2001, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pág. 199.
[19] Ibidem.
[20] EDUARDO PAZ FERREIRA, ob. cit., pág. 352, e ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS e outros, ob. cit., pág. 200.
[21] SÉRVULO CORREIA, ob. cit., pág. 423.
[22] “Léxico – Direito do Desporto”, entrada “Contrato-programa de desenvolvimento desportivo”, Sub Judice, Justiça e Sociedade, 8, Janeiro / Março, 1994.
x Em sede de infra-estruturas desportivas dispõe-se aí que as comparticipações financeiras públicas para a construção ou melhoramento de infra-estruturas desportivas de propriedade de entidades privadas, e, bem assim, os actos de cedência gratuita do uso ou da gestão de património desportivo público a entidades privadas são obrigatoriamente condicionados à assunção por estas das inerentes contrapartidas de interesse público, social e escolar, as quais devem constar de instrumento bastante, de natureza real ou obrigacional, consoante a titularidade dos equipamentos.
[23] «Elementos sobre o impacto do Euro 2004 na normação pública», Desporto & Direito, cit., págs. 31 e 32.
[24] De acordo com o disposto no artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 62/97, de 26 de Março, diploma que aprova a Lei Orgânica do Instituto Nacional do Desporto, «os contratos-
-programa de desenvolvimento desportivo são aprovados pelo presidente, devendo, quando o seu montante ultrapassar o valor que for definido por despacho do membro do Governo da Tutela, ser submetidos à homologação deste». Refira-se que este diploma, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/98, de 3 de Abril, foi revogado pelo Decreto-Lei nº 96/2003, de 7 de Maio, que criou o Instituto do Desporto de Portugal (IDT), resultante da fusão do Instituto Nacional do Desporto (IND) e do Complexo de Apoio às Actividades Desportivas (CAAD).

[25] Ob. cit., pág. 396.
[26] Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, pág. 518.
[27] Ob. cit., pág. 519. A temática do contrato administrativo tem sido frequentemente apreciada pelo Conselho Consultivo, como sucedeu, de entre outros, nos pareceres nºs 74/91, de 21 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Maio de 1992, 67/95, de 18 de Abril de 1996, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Agosto de 1996, 72/95, de 24 de Janeiro de 1996, 44/98, de 24 de Setembro de 1998, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Março de 1999 e 137/2001, de 25 de Outubro de 2001, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Janeiro de 2002.
[28] Ob. cit., pág. 421.
[29] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo - Comentado, 2ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pág. 813, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Enciclopédia Polis, entrada contrato administrativo, págs. 1246 e segs..
[30] Sobre os contratos-programa e sustentando a sua natureza administrativa, vide LUIS SOLANO CABRAL DE MONCADA, O Problema do Critério do Contrato Administrativo e os Novos Contratos-Programa, Separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro», Coimbra, 1979. Sobre a importância dos contratos-programa enquanto instrumentos de integração comunitária e, especificamente, no âmbito do Regulamento (CEE) nº 1787/84, do Conselho, de 19 de Junho de 1984, relativo ao FEDER (Regulamento que, no entanto, já não vigora), JOÃO LOBO, Natureza Jurídica e Limites do Contrato-Programa no âmbito da Política Comunitária de Cooperação Regional, Edição de Barbosa & Xavier, Limitada e Domingos Marques, Braga, 1990, págs. 20 a 25.
[31] O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, Lex, Edições Jurídicas, Lisboa, 1994, pág.12.
[32] Ibidem.
[33] Sendo aplicável à sua constituição e funcionamento o disposto na Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (nº 2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 432/91).
[34] Sobre a caracterização das obrigações solidárias e justificação do seu regime, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 2ª Edição, Livraria Almedina, 1973, págs. 611 e segs..
[35] Esta a principal vocação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), conforme Regulamento (CE) nº 1783/1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 1999, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO)nº L 213, de 13 de Agosto de 1999. A Comunidade, pondera MIGUEL ALMEIDA ANDRADE, «surge, por vezes, como um centro financiador da actividade desportiva. Desde logo, através de projectos que se insiram no âmbito da actuação dos fundos estruturais, designadamente do FEDER, e que podem abranger a construção de infra-estruturas desportivas», in Léxico Direito do Desporto, entrada ”Comunidade Europeia e Desporto”, loc. cit., pág. 119.
[36] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 379.
[37] Com as alterações decorrentes do Tratado de Nice que, no entanto, não abrangeram o preceito citado.
[38] Manual de Direito Comunitário, 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, pág.130. O Autor examina, em seguida, os dois princípios fundamentais que dominam a acção do FEDER: o princípio da complementaridade e o princípio da concentração de esforços e de recursos. Cfr. Regulamento (CE) nº 1783/1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 1999, mencionado na nota 35.
[39] Seguimos neste passo, quase textualmente, o documento de apresentação do Quadro Comunitário de Apoio III disponível no endereço http://www.qca.pt.. No parecer nº 79/98, de 15 de Fevereiro de 2001, encontram-se referências às políticas comunitárias no domínio da coesão económica e social e à utilização dos fundos de carácter estrutural, especialmente do Fundo Social Europeu.
[40] Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO) L 161, de 26 de Junho de 1999. Foi alterado pelo Regulamento (CE) nº 144/2001 do Conselho, de 28 de Junho de 2001, publicado no JO L 198, de 21 de Julho de 2001.
[41] Publicada no JO L 186, de 15 de Julho de 2002.
[42] Cfr. parecer nº 79/98, de 15 de Fevereiro de 2001 (nota 37).
[43] Acompanhamos, neste passo, o documento disponível no sítio referido na nota 39.
[44] Os Equipamentos de Base são «equipamentos organizados, quer de treino, quer de competição local e regional, que devem ser concebidos para funções polivalentes e permitir flexibilidade de utilização».O desenvolvimento da rede destes equipamentos «envolve a modernização, recuperação, adaptação e construção de grandes campos de jogos, pistas de atletismo, pavilhões, salas de desporto e piscinas cobertas».
Os Equipamentos Especializados são os «equipamentos destinados à prática desportiva específica de uma modalidade ou de um grupo de modalidades particulares».
Os Equipamentos para Alta Competição e Espectáculos são «equipamentos orientados para a realização de competição de alto nível nacional e internacional com razoável capacidade de público e infra-estruturas para a comunicação social». O desenvolvimento desta rede, integra a modernização, recuperação, adaptação e construção de estádios bem como, entre outros, pavilhões de competição e espectáculo».
[45] Publicado no JO, L 213, de 13 de Agosto de 1999.
[46] Publicado no JO, L 63, de 3 de Março de 2001, alterado pelo Regulamento (CE) nº 2355/2002, da Comissão, de 27 de Dezembro de 2002, publicado no JO, L 351, de 28 de Dezembro de 2002
[47] Alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei nº 20/2000, de 10 de Agosto, e pelo Decreto-Lei nº 122/2001, de 17 de Abril.
[48] Publicada no Diário da República, I Série – B, de 16 de Maio de 2000.
[49] Rectificado pela Declaração de Rectificação nº 13-Q/2001, publicada no Diário da República, I Série – A, de 30 de Junho de 2001.
[50] Publicada no Diário da República, I Série – B, de 26 de Dezembro de 2001.
[51] Vide preâmbulo do Decreto-Lei 54-A/2000, de 7 de Abril, e artigo 36º.
[52] Direito das Obrigações, Vol. III, Livraria Almedina, 2002, pág. 16. No mesmo sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos, Livraria Almedina, 2003, pág. 24. Não deixa de ser compra e venda, refere este Autor, se o preço acordado for excessivamente baixo ou elevado em relação ao valor do direito transferido (ob. e loc. cits.).
[53] ÁLVARO MOREIRA e CARLOS FRAGA, Direitos Reais (Segundo as lições de MOTA PINTO proferidas ao 4º Ano Jurídico de 1970-71), Livraria Almedina, 1972, pág. 112.
[54] LUÍS MANUEL T. MENEZES LEITÃO, ob. cit., pág. 22. Cfr. também, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, 1987, pág. 122..
[55] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 25.
[56] De acordo com certidão constante do processo remetido, o Estádio Municipal de Guimarães está descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00366/21082003, da Freguesia de São Paio. O registo da aquisição a favor da Câmara Municipal de Guimarães operou-se através da Ap. 07/210383 (relativamente a dois prédios), e da Ap. 24/220383 (relativamente a outro prédio), referindo-se-lhes as inscrições G-1 e G-2, respectivamente.
[57] De acordo com a certidão referida na nota anterior. O motivo das dúvidas radica na circunstância de «haver divergência na localização do prédio transmitido entre o que consta das descrições e o que consta do título», conforme informação entretanto obtida junto da 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães.
[58] Aprovado pelo Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de Julho, com várias alterações sem relevância para o caso presente, com excepção da alteração ao artigo 5º, introduzida pelo Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro.
[59] Publicado no Diário da República, I Série - A, de 10 de Julho de 1999.
[60] “Terceiros para efeitos de registo”, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, LXX, 1994, págs. 98 e 99. As questões de direito registral relativas às características do sistema do registo predial e princípios basilares a que o sistema se acha subordinado foram apreciadas nos pareceres nºs 73/96, de 19 de Maio de 2000, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Novembro de 2000, e 36/2000, de 21 de Dezembro de 2000, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Março de 2001.
[61] Direito Civil – Reais, 5ª Edição (reimpressão), Coimbra Editora, 2000, pág. 360.
[62] Ibidem.
[63] Publicado no Diário da República, I Série – A, de 4 de Julho de 1997.
[64] Este acórdão está anotado por CARVALHO FERNANDES na Revista da Ordem dos Advogados, ano 57, 1997, págs. 1283 e segs..
[65] Cfr. ORLANDO DE CARVALHO, loc. cit., pág. 102.
[66] Expresso, nomeadamente, nos ofícios, datados de 14 de Agosto de 2003, assinados pelo Presidente da Câmara Municipal de Guimarães e endereçados à sociedade Portugal 2004, S.A. e ao Coordenador Nacional do QCA III - Desporto.
[67] Obrigações Reais e Ónus Reais, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 61.
[68] Ibidem.
[69] A legitimidade traduz uma qualidade do sujeito que supõe certa relação entre ele e o conteúdo concreto do acto. Para INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, a legitimidade, mais do que uma qualidade, representa verdadeiramente uma posição. «É o poder de celebrar actos com determinado conteúdo concreto, em atenção às pessoas a quem pertencem os interesses que formam a matéria desses actos», in Manual dos Contratos em Geral, refundido e actualizado, Coimbra Editora, 2002, pág. 399. No mesmo sentido, mas designando a figura como «legitimação», ANTUNES VARELA, Direito da Família, 1º Volume, 5ª Edição, Livraria Petrony, 1999, pág. 388 (nota 1): «a legitimação refere-se à posição que o sujeito necessita ter perante determinados bens, para validamente dispor deles».
[70] Publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Outubro de 1989.
[71] A disponibilidade, conceito com origem na Alemanha, traduz-se, refere INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ob. cit., pág. 400, no «poder ou faculdade de disposição – por natureza restrito aos actos de disposição, ou seja, aos actos pelos quais se altera ou perde, inclusive se extingue, um direito de conteúdo económico ou avaliável em dinheiro, nalguns casos com enriquecimento de um património alheio (atribuição patrimonial). Mas o poder de disposição não é mais do que uma das faculdades integrantes do direito patrimonial – aquilo a que os romanos chamavam ius abutendi».
[72] No parecer nº 95/80, de 24 de Julho de 1980, ponderou-se a questão da disposição de coisas alheias numa situação descrita na 5ª conclusão: «(...) obrigando-se “Animatógrafo – Produção de Filmes, Limitada” a obter, relativamente aos filmes e negativos seleccionados pelo Instituto Português de Cinema, autorização de cedência da sua posse e fruição dos respectivos produtores, estava, nessa medida, a dispor de coisas alheias para o que carecia de legitimidade, afectando o contrato de nulidade, a menos que supervenientemente o convalidasse, obtendo as autorizações em falta».
[73] O Contrato Administrativo – Uma Instituição do Direito Administrativo do Nosso Tempo, Almedina, 2003, pág. 94.
[74] Cfr. ALEXANDRA LEITÃO, A Protecção dos Terceiros no Contencioso dos Contratos da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 67.
[75] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. cit., pág. 86.
[76] Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 2001, pág.191.
[77] Idem, págs. 192 e 193, e FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 392 e 393.
[78] Ob. cit., págs. 138 e 139.
[79] Ob. cit., pág. 618. Cfr. também MARCELO REBELO DE SOUSA, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, Lex, Edições Jurídicas, Lisboa, 1994, pág. 36.
[80] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. cit., pág. 846.
[81] Legalidade e Administração Pública, O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, 2003, pág. 963.
[82] Ibidem. O Autor refere, em seguida, as desconformidades geradoras de inexistência jurídica: «a gravidade da ilegalidade é considerada em termos tais que a ordem jurídica se recusa a aceitar ou a identificar qualquer configuração jurídica mínima a esses actos e aos seus pretensos efeitos, banindo ambos do mundo do Direito».
[83] Ob. cit., pág. 642.
[84] Ibidem.
[85] A propósito dos elementos normativos, injuntivos ou supletivos, que integram o conteúdo do negócio jurídico, cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, Livraria Almedina, 1999, pág. 414.
[86] Este artigo 39º prevê as designadas «correcções financeiras» ( epígrafe do preceito) em consequência das irregularidades verificadas. Nos termos do nº 1 deste preceito:
«Os Estados-Membros são os primeiros responsáveis pela investigação das irregularidades, e pela actuação em caso de uma alteração importante que afecte a natureza ou as condições de execução ou de controlo de uma intervenção, bem como por efectuar as correcções financeiras necessárias.

Os Estados-Membros efectuarão as correcções financeiras necessárias em relação à irregularidade individual ou sistémica em questão. Estas consistirão numa supressão total ou parcial da participação comunitária. (...)»
[87] Por não revestir esta natureza, o Vitória Sport Clube não poderia candidatar-se à comparticipação de fundos comunitários para fazer face a despesas que efectuasse para a beneficiação ou remodelação do seu Estádio.
[88] Expressão usada por MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et allii, ob. cit., pág. 642.
[89] Nomeadamente do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e punido pelo artigo 36º, nº 1, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. Abordando diversas questões suscitadas por este tipo de infracções, vide “Criminalidade no domínio da Obtenção e Utilização de Subsídios”, separata do Boletim do Ministério da Justiça nº 454, contendo as comunicações apresentadas no Seminário realizado no Convento da Arrábida, de 14 a 16 de Março de 1996, com a participação de magistrados do Ministério Público e de representantes da UCLAF-Unidade de Coordenação da Luta Antifraude da União Europeia.
[90] PEDRO GONÇALVES, ob. cit., pág. 145.
[91] Para J. C. VIEIRA DE ANDRADE, «o regime de improdutividade total e de invocação perpétua da nulidade é, por demais rígido, sendo susceptível de afectar desrazoavelmente interesses dignos de protecção jurídica», “A «revisão» dos actos administrativos no direito português”, Legislação, nº 9/10, Janeiro – Junho de 1994, INA. Cfr. também MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. cit., pág. 652.
[92] PAULO OTERO, ob. cit., pág. 1032.
[93] Ibidem.
[94] Ob. cit., pág. 1017.
[95] Cfr. supra, ponto V.
[96] JOÃO MOTA DE CAMPOS, ob. cit., pág. 340.
[97] Sobre a figura da novação, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1986, págs. 149 a 151.
[98] Ob. cit., pág. 645. Cfr. também PEDRO GONÇALVES, ob. cit., págs.131 a 136.
[99] Nomeadamente para documentar a concessão da comparticipação financeira referida na alínea c) da Resolução do Conselho de Ministros nº 117/98, de 3 de Setembro de 1998. A este propósito e com essa finalidade, refira-se a recente publicação (Diário da República, II Série, nº 273, de 25 de Novembro de 2003, pág. 17587) de um aditamento ao contrato-programa de desenvolvimento desportivo (contrato nº 1577/2003), envolvendo o Boavista Futebol Clube, justificado pelo facto de a Comissão Europeia não ter considerado elegíveis os investimentos que constituíam o projecto relativo ao Estádio desse Clube
[100]) Dispensamo-nos de abordar no voto outros pontos de discordância com a doutrina que fez vencimento, restringindo-o aos aspectos que têm reflexo nas conclusões.
[101]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, Direito Administrativo, Sumários ao curso de 2001/2002, edição policopiada, p. 59. Do mesmo autor, cfr. “Validade (do acto administrativo)”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, pp. 590 ss.
[102]) Cfr. o denominado “Complemento de Programação”, que integra o quadro regulamentar do “Programa Operacional da Região do Norte 2000-2006”.
[103]) Cfr. O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 79-80.
[104]) Por a Câmara Municipal de Guimarães não satisfazer uma condição ou pressuposto essencial para aceder à comparticipação financeira contratualizada (Cláusula 9ª).
[105]) Sobre a validade do acto, no que respeita à conformidade com as normas relativas ao sujeito que o pratica, pondera VIEIRA DE ANDRADE, “Invalidade...,” cit., pp. 582-83, que é preciso verificar se a constituição do acto se inscreve no conjunto das atribuições (dos interesse públicos) a cargo do ente público a que pertence o órgão-autor; se o poder exercido se inclui na competência legal (nos poderes) deste (especialmente em razão da matéria e do lugar) e se o órgão administrativo está, em concreto, legitimado para o exercício dessa competência (por exemplo, se o respectivo titular está investido, se não sofre de impedimentos ou se está autorizado agir).” As considerações expendidas tendo como referente o acto administrativo terão de ser adaptadas ao caso, visto tratar-se de um contrato.
[106]) Cláusula que reproduz os requisitos exigidos no regulamento de candidatura.
[107]) Cfr. fls. 66. Para além do exposto, é preciso não esquecer que a infra-estrutura desportiva em causa tem como fim imediato integrar a rede de infra-estruturas desportivas a utilizar no Campeonato Europeu de Futebol a realizar em 2004.
[108]) Deve ter havido um protocolo ou qualquer outro instrumento jurídico a permitir que a Câmara Municipal reconstruísse a infra-estrutura desportiva. No processo faz-se alusão à celebração de um protocolo entre a Câmara Municipal e o Clube, mas o mesmo não faz parte da documentação que acompanhou o pedido de parecer.
[109]) Repare-se que a Câmara Municipal, além de ter canalizado os fundos comunitários na reconstrução da infra-estrutura desportiva, obriga-se ainda a assegurar “a cobertura financeira do remanescente do custo total da obra e ainda os eventuais custos resultantes de revisões de preços, erros e omissões ou outros trabalhos a mais, compensações por trabalhos a menos ou indemnizações que eventualmente venham a ser devidas ao adjudicatário ou a terceiros” (nº 3 da Cláusula Segunda do Contrato Programa).
[110]) PEDRO GONÇALVES, O Contrato Administrativo, Almedina, Coimbra, 2002, p. 31, assenta a autonomia substantiva do contrato pelo facto de se tratar de uma figura “na qual se cruzam ou fundem (pelo menos) duas declarações de vontade. É a essa ‘fusão’ ou ‘cruzamento’ que se imputam os efeitos jurídicos que o contrato vai produzir. Ou seja, no contrato os respectivos efeitos jurídicos produzem-se ‘ex voluntate,’ enquanto no acto administrativo se produzem ‘ex lege’”
[111]) Responsável no contrato pela comparticipação financeira relativa ao Fundo Estrutural do Desenvolvimento Regional (FEDER).
[112]) Não seria assim se se tratasse, por exemplo, de falta de atribuições. O mesmo sucederia no caso de actos praticados com dolo ou que constituam um crime. Anote-se, porém, que as considerações feitas assentam no pressuposto de não se verificarem no caso tais situações, sendo que dos elementos que acompanham o pedido de parecer nada parece indiciar neste sentido. O que se verifica é que subjacente à questão que vem colocada existem complexos problemas jurídicos e que terão motivado o pedido de parecer.
[113]) Além das já apontadas e ligadas à realização da parte Final do Campeonato Europeu de Futebol, impõe-se realçar as repercussões financeiras gravíssimas para o Orçamento do Estado decorrentes da restituição dos Fundos comunitários, para não falar do desprestígio que a situação há-de acarretar para a imagem de Portugal na Comunidade Europeia.
[114]) Cfr. Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1980, vol. I, p. 547.
[115]) Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, MCMLV, 1955, pp. 271 ss.
[116]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp. 655 ss.
[117]) Tal não significa que o acto ou contrato em causa se considere convalidado ou legalizado. Neste sentido, cfr., entre outros, PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2003, p. 1032.
[118]) Não será assim no caso de coacção ou crime, ou até, simplesmente, de dolo ou má fé do interessado (cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM, ibidem.