Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002587
Parecer: P001612004
Nº do Documento: PPA030220050016100
Descritores: DEVER DE IDENTIFICAÇÃO
IDENTIFICAÇÃO DE SUSPEITO
PERMANÊNCIA EM POSTO POLICIAL
MEDIDA CAUTELAR DE POLÍCIA
FORÇAS DE SEGURANÇA
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
MEDIDA RESTRITIVA DA LIBERDADE
PRINCÍPIO DE PROIBIÇÃO DE EXCESSO
REVOGAÇÃO DA LEI
REVOGAÇÃO TÁCITA
SEGURANÇA INTERNA
Livro: 00
Numero Oficio: 7010
Data Oficio: 12/21/2004
Pedido: 12/23/2004
Data de Distribuição: 12/23/2004
Relator: ESTEVES REMÉDIO
Sessões: 01
Data da Votação: 02/03/2005
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: MIN DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 12/13/2007
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 11-01-2008
Nº do Jornal Oficial: 8
Nº da Página do Jornal Oficial: 1524
Data da Rectificação: 02/06/2008
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR PROC PENAL / DIR CIV * TEORIA GERAL
Ref. Pareceres:CB00091996Parecer: CB00091996
P000072002Parecer: P000072002
P001622003Parecer: P001622003
Legislação:CONST76 ART26 ART27 N1 N2 N3 G ART272; CPP87 ART1 N1 C E ART250 ART253; L 59/98 DE 1998/08/25 ART1 ART 8 ; L 5/95 DE 1995/02/21; L 20/87 DE 1987/06/12 ART1 N1 ART2 N2 ART14 N2 A C D E ART16 N2; DL 231/93 DE 1993/06/26 ART4 N1 ART29 N1 B; L 5/99 DE 1999/01/27 ART4 N1 B ART8; DL 275-A/2000 DE 2000/11/09 ART1 ART2 ART4 N1 N2; DL 352/2000 DE 2000/10/16 ART1 N1 N2 ART3 N4; DL 248/95 DE 1995/12/21 ART1 N2 N3 ART2 N2; DL 244/98 DE 1998/08/08 ART12; CCIV66 ART7
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TC N7/87 DE 1987/01/09 IN DR I N33 DE 1987/02/09
AC TC N479/94 DE 1994/07/94 IN DR I N195 DE 1994/08/24
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões:
1.ª – A Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, foi tacitamente revogada pelo artigo 250.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto;

2.ª – A identificação por órgãos de polícia criminal – de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sobre quem recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção – e, bem assim, a possibilidade de condução e permanência do identificando em posto policial obedecem ao disposto no artigo 250.º do Código de Processo Penal;

3.ª – A obrigação de identificação perante autoridade competente é uma medida de polícia e a sua aplicação está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia, com relevo para o princípio da proibição do excesso;

4.ª – Em conformidade com este princípio, a permanência de suspeito em posto policial para efeito de identificação deve, nos termos da lei (artigo 250.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), restringir-se ao «tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas».

Texto Integral:


Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:

1

Acolhendo proposta da Inspecção-Geral da Administração Interna ([1]) e sugestão da Auditoria Jurídica do Ministério ([2]), dignou-se Vossa Excelência solicitar que «seja emitido, com carácter de urgência, parecer do Conselho Consultivo da PGR», sobre a questão de saber se a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, se encontra em vigor e, na afirmativa, sobre a sua articulação com o artigo 250.º do Código de Processo Penal ([3]).

Cumpre dar satisfação ao solicitado.

2

A Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, de acordo com o sumário oficial, estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação. O artigo 250.º do Código de Processo Penal (CPP), integrado em capítulo relativo a medidas cautelares e de polícia, dispõe sobre identificação de suspeito e pedido de informações.

O objecto do parecer, relacionado com o controlo da identidade pelas forças de segurança, tem, pois, como principais referentes constitucionais os artigos 26.º, 27.º e 272.º da Constituição.


2.1. Na sequência da consagração do direito à vida (artigo 24.º) e do direito à integridade pessoal (artigo 25.º), o artigo 26.º da Constituição consagra outros direitos pessoais, com realce para o direito à reserva da intimidade da vida privada (n.º 1).

A identidade é uma das matérias protegidas pela reserva da intimidade da vida privada.

Defende-se, a este propósito, que, não sendo constitucionalmente admissível a consagração de um dever geral de identificação dos cidadãos, a previsão de hipóteses de controlo de identidade há-de respeitar os princípios a que obedece a restrição de direitos fundamentais ([4]).


2.2. No artigo 27.º a Constituição consagra o direito à liberdade e à segurança.

Estes dois direitos, «embora distintos, estão intimamente ligados desde a sua formulação nas primeiras constituições liberais»: o direito à liberdade significa «direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar»; o direito à segurança «significa essencialmente garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões» ([5]).

Quanto ao direito à liberdade, vigora, desde a versão originária da Constituição, o princípio, expresso no n.º 2 do artigo 27.º, de que «[n]inguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança».

O n.º 3 do artigo 27.º enumera excepções a este princípio, cujo elenco foi ampliado nas revisões constitucionais de 1982 ([6]) e de 1997 ([7]).

Em 1976 apenas se previa a prisão preventiva [n.º 3, alínea a)] e a prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou expulsão [n.º 3, alínea b)] ([8]).

Na revisão de 1982, o artigo 27.º foi alterado, com destaque para o alargamento dos casos enunciados no n.º 3 ([9]).

Agora o artigo 27.º da Constituição prescreve:
«Artigo 27.º
(Direito à liberdade e à segurança)

1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
4. (...)
5. (...)»

A redacção actual deste artigo data, como dissemos, da IV Revisão Constitucional (1997), sendo de realçar, na óptica do objecto do parecer, a novel alínea g) do n.º 3, que erige em excepção ao princípio de que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários.

A proposta de alteração consta do projecto de revisão constitucional n.º 3/VII (PS) ([10]), onde surge enquadrada pela seguinte justificação: «defesa do direito dos cidadãos à segurança e tranquilidade públicas, instituindo mecanismos que permitam reforçar a eficácia da justiça penal e, em geral, o combate à criminalidade com pleno respeito pelas garantias individuais; eliminação de dúvidas sobre o regime constitucional da detenção para identificação» ([11]).

Procurava-se, desse modo, clarificar a posição da Constituição em matéria de controlo da identidade dos cidadãos ([12]).

A solução aprovada vai no sentido da admissibilidade da detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessário ([13]).

Por suspeito deve entender-se, em consonância com o disposto na alínea e) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, «toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar».

De facto, reconhece-se que se trata de conceito oriundo do espaço semântico jurídico-penal e que só com referência a ele pode ser compreendido ([14]); aliás, não se vê que a Constituição não queira acolher o conceito de suspeito constante da lei processual penal ou que «queira permitir à lei alguma margem de conformação num domínio como este» ([15]).

O «tempo» não ficou quantificado, apesar de tal hipótese ter sido ventilada ([16]): os constituintes bastaram-se, neste aspecto, a par da remissão para a lei, com uma dupla alusão [na alínea g) e no proémio do n.º 3] aos requisitos da necessidade e da proporcionalidade inerentes ao princípio da proibição do excesso, a que está sujeita a aplicação das medidas de polícia ([17]).


2.3. Nos termos do artigo 272.º da Constituição, a polícia «tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos» (n.º 1); as medidas de polícia «são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário» (n.º 2).

Os princípios enunciados neste preceito constitucional são princípios gerais aplicáveis a todos os tipos de polícia ([18]), designadamente às diversas forças policiais quando actuam na veste de órgãos de polícia criminal, na acepção que o Código de Processo Penal atribui a esta expressão ([19]).

O n.º 2 do artigo 272.º da Constituição prevê dois importantes princípios materiais relativamente às medidas de polícia: o princípio da tipicidade legal e o princípio da proibição do excesso, assim enunciados ([20]):

«O princípio da tipicidade legal significa que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem ser medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas: quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares (autorizações, proibições, ordens), medidas de coerção (utilização da força, emprego de armas) ou operações de vigilância, todos os procedimentos estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal.

«O princípio da proibição do excesso significa que as medidas de polícia devem obedecer aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. Trata-se de reafirmar, de forma enfática, o princípio constitucional fundamental em matéria de actos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais e que consiste em que eles só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos cidadãos. Nesta sede isto significa que o emprego de medidas de polícia deve ser sempre justificado pela estrita necessidade e que não devem nunca utilizar-se medidas gravosas quando medidas mais brandas seriam suficientes para cumprir a tarefa.»

Entre as formas de exercício dos poderes de polícia por parte das autoridades de polícia ([21]), importa aqui considerar os actos de polícia, com destaque, dentro destes, para as medidas de polícia ([22]).

Os actos de polícia, actos de natureza preventiva, «podem decorrer da vigilância ou ser independentes dela».

Umas vezes configuram-se como actos genéricos, dirigindo-se a uma pluralidade de pessoas; outras vezes como actos individuais.

Os actos de polícia com carácter unilateral e imperativo constituem «comandos dirigidos aos indivíduos pelas autoridades, cuja eficácia não depende da aceitação dos destinatários e a que estes devem obediência».

Manifesta-se então com especial vigor nos actos de polícia «o privilégio da execução prévia da Administração».

Do ponto de vista do seu conteúdo, os actos de polícia, ora impõem uma conduta aos indivíduos (ordem), ora uma abstenção (proibição).

As proibições podem ser absolutas, «quando vedam o exercício de uma actividade a quaisquer pessoas e em quaisquer casos», ou relativas «quando apenas se referem a certas pessoas, ou a certos casos, ou se limitam a fazer depender o exercício da actividade proibida da apreciação de caso por caso a que corresponderá a concessão ou negação de licença para a exercer».

Entre os actos policiais merecem especial menção os que têm por objecto a aplicação de medidas de polícia.

As medidas de polícia podem definir-se como «providências limitativas da liberdade de certa pessoa ou do direito de propriedade de determinada entidade, aplicadas pelas autoridades administrativas (…) com o fim de evitar a produção de danos sociais cuja prevenção caiba no âmbito das atribuições da polícia» ([23]).

Basta, portanto, «que o perigo assuma proporções graves para, independentemente da produção de facto delituoso, a polícia poder tomar as precauções permitidas por lei a título de defesa da segurança pública».

As medidas de polícia, como resulta de todo o exposto, têm natureza essencialmente preventiva.

Mesmo «quando assumam natureza repressiva (v. g., dispersão pela força de uma assuada), não revestem natureza sancionatória ou punitiva». A «aplicação de sanções exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais da polícia» ([24]).

As medidas de polícia «não devem exceder “a mera prevenção” de comportamentos ilícitos e, portanto, nunca sancioná-los». Têm sempre apenas uma «função de garantia»: «ou da legalidade democrática, ou da segurança interna, ou dos direitos dos cidadãos, pelo que “previnem” apenas em geral». Continua a existir, assim, um «denominador comum entre todas as suas funções: o carácter preventivo e o da natureza de garantia». «São medidas preventivas e não sancionatórias» ([25]).

Mas, como referimos, nos termos do artigo 272.º, n.º 2, da Constituição, as autoridades de polícia só têm competência para aplicar as medidas de polícia previstas na lei (princípio de tipicidade) e não devem utilizá-las para além do estritamente necessário, com respeito pelos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade (princípio da proibição do excesso).

3

Em aproximação aos textos legais implicados na consulta, importa situar, na evolução da legislação processual penal, o artigo 250.º do Código de Processo Penal e a Lei n.º 5/95, de 21 de Janeiro.


3.1. O Código de Processo Penal de 1987 (CPP), tanto na versão originária como na versão em vigor, dedica o capítulo II (artigos 248.º a 253.º) do título I do livro VI da Parte Segunda a medidas cautelares e de polícia.

Trata-se de medidas «que têm de ser levadas a cabo imediatamente, sem a existência de processo no sentido técnico do termo, pois caso contrário perder-se-á a respectiva utilidade e não se recolherão as provas» ([26]).

Os artigos que integram esse capítulo dispõem sucessivamente sobre comunicação da notícia do crime (artigo 248.º), providências cautelares quanto aos meios de prova (artigo 249.º), identificação de suspeito e pedido de informações (artigo 250.º), revista e buscas (artigo 251.º), apreensão de correspondência (artigo 252.º) e relatório (artigo 253.º).

Na versão originária do Código, o artigo 250.º dispunha:
«Artigo 250.º
(Identificação de suspeito e pedido de informações)

1. Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes.
2. Os órgãos de polícia criminal procedem à identificação dos suspeitos, facultando-lhes, para o efeito, a possibilidade de comunicação com pessoa da sua confiança e realizando, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza e convidando-os a indicar residência onde possam ser encontrados e receber comunicações.
3. Havendo motivo para suspeita, os órgãos de polícia criminal podem conduzir as pessoas que forem incapazes de se identificar ou se recusarem a fazê-lo ao posto policial mais próximo e compeli-las a permanecer ali pelo tempo estritamente necessário à identificação, em caso algum superior a seis horas.
4. Os actos de identificação levados a cabo nos termos da segunda parte do n.º 2 e nos do n.º 3 são sempre reduzidos a auto.
5. Os órgãos de polícia criminal podem pedir ao suspeito bem como a quaisquer pessoas susceptíveis de fornecer informações úteis, e deles receber, sem prejuízo, quanto ao suspeito, do disposto no artigo 59.º, informações relativas a um crime e, nomeadamente, à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária.»

O Presidente da República requereu a apreciação preventiva da constitucionalidade de diversas disposições do Código de Processo Penal, designadamente do artigo 250.º, n.º 3, disposição que, «ao fixar um tempo de permanência compulsória até seis horas no posto policial, para os fins aí previstos, pode violar o disposto no n.º 2 do artigo 27.º da CRP, visto parecer configurar um caso de prisão preventiva fora dos casos admitidos constitucionalmente».

O Tribunal Constitucional ([27]) não se pronunciou pela inconstitucionalidade do artigo 250.º, n.º 3, do CPP, cuja medida qualificou como «retenção no posto policial até seis horas», com a justificação seguinte:

«É certo que a hipótese não cabe na letra do artigo 27.º Mas, havendo pessoas com penas de prisão ou medidas de segurança privativas da liberdade a cumprir (n.º 2 do artigo 27.º) ou sujeitas a privação de liberdade por prisão ou detenção (n.º 3 do mesmo artigo), necessariamente que tem a lei de admitir os actos instrumentais necessários e adequados a conseguir a sua prisão ou detenção. Ora, o processo aqui estabelecido pode considerar-se meio necessário para atingir tal objectivo. De notar, aliás, a cautela de que se faz rodear a realização da diligência, ao impor-se no n.º 4 do artigo a obrigação de que o acto de identificação levado a cabo nos termos do n.º 3 seja sempre reduzido a auto.»

O artigo 250.º do CPP não tinha correspondência do Código de Processo Penal de 1929, e «só nos regulamentos das polícias havia disposições com alguma afinidade» ([28]).

Em face daquela disposição, os órgãos de polícia criminal ([29]) podiam exigir a identificação de pessoas que se encontrassem em lugar que estivesse aberto ao público e que fosse habitualmente frequentado por delinquentes; a identificação seria feita através de documento autêntico adequado ou pelos meios descritos no n.º 2; não sendo possível proceder à identificação no local onde o identificando se encontrava podia o mesmo ser compelido ao processo de identificação descrito no n.º 3.


3.2. Em 1995, a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro.

3.2.1. A Lei n.º 5/95 tem na sua origem a proposta de lei n.º 85/VI em cuja exposição de motivos se refere que a exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial representa «uma medida de polícia para cuja ordenação devem ser competentes todos os agentes de forças ou serviços de segurança», importando, «por esse motivo, regular os termos em que pode ser efectivada essa medida e criar um procedimento de identificação nos casos de falta de documento ou recusa de identificação, concretizando a possibilidade de os agentes exigirem um documento de identidade» ([30]).

A proposta de lei n.º 85/VI começava por consagrar no n.º 1 do artigo 1.º a obrigação de identificação:

«1 – Os agentes das forças ou serviços de segurança, previstos nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial, quando existam razões de segurança interna que o justifiquem.»

O artigo 2.º consagrava a obrigação do porte de documento de identificação: o n.º 1 estatuía que «[o]s cidadãos maiores de 16 anos devem ser portadores de documentos de identificação sempre que se encontram em lugares públicos», versando os n.os 2 a 4 sobre documentos de identificação.

O artigo 3.º era dedicado ao procedimento de identificação e dispunha no n.º 1:

«1 – Os agentes das forças ou serviços de segurança podem ordenar aos cidadãos que não tenham sido devidamente identificados nos termos do artigo anterior ou tenham recusado identificar-se que se dirijam ao posto policial mais próximo, onde deverão permanecer pelo tempo estritamente necessário à identificação, que não poderá, em qualquer caso, exceder seis horas.»

O artigo 4.º estabelecia que o disposto no diploma «não prejudica a aplicação das providências aplicáveis no âmbito do processo penal».

No decurso do processo legislativo, a Secretária de Estado da Justiça (Maria Eduarda Azevedo) frisou que, nos termos da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho (Lei de Segurança Interna) ([31]), «os agentes das forças e serviços de segurança podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial, quando existirem razões de segurança interna que o justifiquem» ([32]); e acrescentou que o procedimento de identificação segue «de perto, num total paralelismo, o disposto no Código de Processo Penal, designadamente o encaminhamento ao posto policial mais próximo para, em caso de insuficiência ou recusa de identificação e pelo tempo estritamente necessário mas nunca superior a seis horas, se proceder à identificação completa do cidadão» ([33]).

Reconheceu, todavia – em resposta a intervenção de um Deputado ([34]) – a existência de diferenças entre a proposta e o Código de Processo Penal, afirmando ([35]):

«A partir do momento em que admitimos que, com base em razões de segurança interna, entidades identificadas neste diploma – e reporto-me à lei de segurança interna – exijam identificação a qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial – o legislador quis que estes pressupostos se distinguissem dos do Código de Processo Penal porque as necessidades de segurança interna têm um alcance maior do que o conteúdo desse Código –, então, temos de querer um modus operandi eficaz, uma actuação que permita que esta medida tenha conteúdo.»

No termo do respectivo processo legislativo ([36]), a proposta de lei n.º 85/VI deu origem ao decreto n.º 161/VI da Assembleia da República.

O Presidente da República suscitou a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas constante dos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, deste decreto, assim redigidas:
«Artigo 1.º
Obrigação de identificação

1 – Os agentes das forças ou serviços de segurança, previstos nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, quando existam razões de segurança interna que o justifiquem e que são previamente comunicadas ao identificando.»
«Artigo 3.º
Procedimento de identificação

1 – Os agentes das forças de segurança podem proceder à identificação dos cidadãos que não tenham sido devidamente identificados nos termos do artigo anterior ou tenham recusado identificar-se, conduzindo-o ao posto policial mais próximo, onde permanecerão apenas pelo tempo estritamente necessário à identificação, que não poderá, em qualquer caso, exceder seis horas.»

O Tribunal Constitucional pronunciou-se «pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, do decreto n.º 161/VI da Assembleia da República, enquanto autorizam que uma pessoa insuspeita da prática de qualquer crime e em local não frequentado habitualmente por delinquentes possa ser sujeita a identificação policial, com base na invocação de razões de segurança interna, através de procedimento susceptível de o vir a privar da liberdade por um período até seis horas, por violação do disposto no artigo 27.º, n.os 1, 2 e 3, da Constituição» ([37]).

O Tribunal considerou que «o procedimento de identificação a que se reporta o artigo 3.º, n.º 1, do decreto sob exame, ao permitir que se imponha aos identificandos, com base em exclusivas razões de segurança interna, uma permanência num posto policial que pode prolongar-se até seis horas, há-de considerar-se como uma privação total da liberdade não cabível no quadro das excepções que taxativa e tarifadamente a Constituição prevê.

«Tem-se por inaceitável o entendimento de que a privação da liberdade assim verificada possa ser entendida como mera restrição da liberdade, implicando tão-só um condicionamento da liberdade ambulatória dos identificandos autorizado no quadro das restrições consentidas pela Constituição em sede de direitos, liberdades e garantias.

«E tem-se por inaceitável porque a norma sob sindicância, na sua “máxima dimensão abstracta” – permanência coactiva até seis horas em posto policial para efeito de identificação por razões de segurança interna (...) –, se traduz manifestamente numa privação da liberdade, numa privação total da liberdade, já que o identificando, durante este lapso temporal, fica circunscrito ao espaço confinado das instalações de um posto policial, de todo impedido de circular e de livremente se movimentar.»

Na sequência da intervenção do Tribunal Constitucional, o decreto n.º 161/VI da Assembleia da República foi expurgado da apontada inconstitucionalidade, vindo a dar origem à Lei n.º 5/95.

3.2.2. Com a epígrafe «Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação», a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro ([38]), apresenta o seguinte articulado:
«Artigo 1.º
Dever de identificação
1 – Os agentes das forças ou serviços de segurança a que se refere a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, no artigo 14.º, n.º 2, alíneas a), c), d) e e), e a Polícia Marítima, como força policial com competência de fiscalização e policiamento nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima, podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre a mesma pessoa existam fundadas suspeitas da prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a Humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado ou tenha penetrado e permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual penda processo de extradição ou de expulsão.
2 – Os mesmos agentes só podem exigir a identificação depois de exibirem prova da sua qualidade e de terem comunicado ao identificando os seus direitos e, de forma objectiva, as circunstâncias concretas que fundam a obrigação de identificação e os vários meios por que se pode identificar.
3 – A omissão do dever de comunicação a que se refere o número anterior determina a nulidade da ordem de identificação.
Artigo 2.º
Obrigação do porte de documento de identificação
1 – Os cidadãos maiores de 16 anos devem ser portadores de documento de identificação sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial.
2 – Para os efeitos do número anterior, considera-se documento de identificação:
a) O bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos portugueses;
b) O título de residência, o bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia;
c) O título de residência, o bilhete de identidade de estrangeiro ou o passaporte, para os estrangeiros nacionais de países terceiros.
3 – Na impossibilidade de apresentação dos documentos referidos nas alíneas a) e b) do número anterior, pode ser apresentado documento original, ou cópia autenticada, que contenha o nome completo, a assinatura e a fotografia do titular.
4 – Consideram-se, ainda, documentos de identificação, para os efeitos do presente artigo, os documentos referidos no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, que substituem o passaporte.
Artigo 3.º
Procedimento de identificação
1 – Nos casos de impossibilidade de identificação, nos termos do artigo anterior, ou nos casos de recusa de identificação, terá lugar um procedimento de identificação que consiste em conduzir o identificando ao posto policial mais próximo, onde permanecerá pelo tempo estritamente necessário à identificação e que não poderá, em caso algum, exceder duas horas.
2 – O mesmo procedimento pode incluir, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza, as quais são destruídas, na presença do identificando, não se confirmando a suspeita, e ainda a indicação, pelo identificando, de residência onde possa ser encontrado e receber comunicações;
3 – A redução a auto do procedimento de identificação é obrigatória em caso de recusa de identificação e é nos demais casos dispensada, a solicitação da pessoa a identificar.
4 – Quando seja lavrado o auto, nos termos do número anterior, do mesmo será entregue cópia ao identificando e ao Ministério Público.
5 – Quando se deva presumir que o identificando possa ser menor, os agentes das forças ou serviços de segurança devem, de imediato, comunicar com os responsáveis pelo mesmo.
6 – O procedimento de identificação será sempre comunicado a pessoa da confiança do identificando, quando este o solicite.
Artigo 4.º
Meios de identificação
Quando o cidadão não possa identificar-se, por não ser portador de documento de identificação, o recurso ao procedimento a que se refere o artigo 3.º só terá lugar na impossibilidade de utilização dos seguintes meios:
a) Identificação por um terceiro, devidamente identificado, que garanta a veracidade dos dados pessoais oferecidos pelo cidadão não portador de documento com que possa identificar-se;
b) Comunicação do identificando com pessoa da sua confiança, no sentido de apresentar, por via dela, os meios de identificação;
c) Acompanhamento do identificando ao lugar onde se encontrem os seus documentos de identificação.
Artigo 5.º
Normas processuais penais
O disposto no presente diploma não prejudica a aplicação das providências previstas no âmbito do processo penal.» ([39])


3.2.3. A Lei n.º 5/95 foi alterada pela Lei n.º 49/98, de 11 de Agosto, com vista a alargar o respectivo âmbito de aplicação à Polícia Marítima, permitindo-lhe uma actuação análoga à das outras forças ou serviços de segurança nela previstos.

A alteração, meramente pontual, traduziu-se na introdução no n.º 1 do artigo 1.º do inciso «e a Polícia Marítima, como força policial com competência de fiscalização e policiamento nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima» ([40]) ([41]).

3.2.4. O n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95 confere o poder de exigirem a identificação de qualquer pessoa aos agentes das forças de segurança a que se referem as alíneas a), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, e à Polícia Marítima.

A Lei n.º 20/87, de 12 de Junho (Lei de Segurança Interna) ([42]), define segurança interna como «a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática» (n.º 1 do artigo 1.º).

A actividade de segurança interna exerce-se nos termos da lei, designadamente da lei penal e processual penal, das leis orgânicas das polícias e serviços de segurança (n.º 2 do artigo 2.º).

Segundo o artigo 14.º, as forças e serviços de segurança são organismos públicos, estão exclusivamente ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e concorrem para garantir a segurança interna.

De acordo com o n.º 2 do artigo 14.º exercem funções de segurança interna, designadamente, a Guarda Nacional Republicana [alínea a)], a Polícia de Segurança Pública [alínea c)], a Polícia Judiciária [alínea d)] e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [alínea e)] ([43]).

O artigo 16.º da Lei n.º 20/87 versa sobre medidas de polícia e estabelece no n.º 2 que os estatutos e diplomas orgânicos das forças e serviços de segurança tipificam as medidas de polícia aplicáveis nos termos e condições previstas na Constituição e na lei, designadamente a «[e]xigência de identidade de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial» [alínea b)].

As leis orgânicas das polícias e serviços de segurança não deixam de acentuar a sua dimensão de órgãos de polícia criminal.

Em conformidade com o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana ([44]), «[s]ão considerados órgãos de polícia criminal, nos termos do Código de Processo Penal, todos os militares da Guarda a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por aquele código».

O artigo 29.º, com a epígrafe Medidas de polícia, dispõe que constituem medidas de polícia aplicáveis nos termos e condições previstos na Constituição e na lei, entre outras, a «exigência de identificação de qualquer pessoal que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial» [n.º 1, alínea b)].

A Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro (aprova a Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública) ([45]), dispõe que, para efeitos do Código de Processo Penal, consideram-se autoridades de polícia criminal, além do director nacional, elementos com funções policiais que exerçam funções de comando e consideram-se órgãos de polícia criminal todos os elementos da PSP com funções policiais (artigo 8.º, n.º 1); enquanto órgão de polícia criminal, a PSP actua sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, em conformidade com as normas do CPP (artigo 8.º, n.º 2).

E o artigo 4.º (Medidas de polícia) estabelece que, no âmbito das suas atribuições, a PSP utiliza as medidas de polícia legalmente previstas, e aplicáveis nas condições e termos da Constituição e da lei, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção para além do estritamente necessário, designadamente «[e]xigência de prova de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou aberto ao público ou sujeita a vigilância policial, nos termos do Código de Processo Penal [n.º 1, alínea b)].

O Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro ([46]), aprova a Lei Orgânica da Polícia Judiciária.

Compete à Polícia Judiciária – definida como «corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça» – coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação e desenvolver as acções de prevenção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes (artigos 1.º e 2.º).

A actividade da PJ, dada a sua natureza de «polícia criminal», está naturalmente sujeita ao disposto no Código de Processo Penal.

Este aspecto é, por exemplo, acentuado naquele diploma orgânico, a propósito da enunciação da competência da PJ em matéria de prevenção criminal: no exercício de acções tendentes a efectuar a detecção e dissuasão de situações propícias à prática de crimes, a PJ pode proceder à identificação de pessoas e realizar vigilâncias, se necessário, com recurso a todos os meios e técnicas de registo de som e de imagem, bem como a revistas e buscas, nos termos do disposto no Código de Processo Penal e legislação complementar (artigo 4.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 275-‑A/2000).

O Decreto-Lei n.º 352/2000, de 16 de Outubro ([47]), que aprova a estrutura orgânica e define as atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), considera o SEF um serviço de segurança que, no quadro da política de segurança interna, tem por objectivos fundamentais, designadamente controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional (artigo 1.º, n.º 1); enquanto órgão de polícia criminal, o SEF actua no processo, nos termos da lei processual penal, sob a direcção e em dependência funcional da autoridade judiciária competente, realizando as acções determinadas e os actos delegados pela referida autoridade (artigo 1.º, n.º 2).

Os funcionários do SEF considerados autoridades de polícia criminal e agentes de autoridade «podem ordenar a identificação de qualquer pessoa, nos termos da lei» (artigo 3.º, n.º 4, daquele diploma).

Resta aludir à Polícia Marítima (PM), força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao Sistema da Autoridade Marítima e composta por militares e agentes militarizados da Marinha, com competência ainda, em colaboração com as demais forças policiais, para garantir a segurança e os direitos dos cidadãos (artigo 1.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Dezembro).

O pessoal da PM é considerado órgão de polícia criminal para efeitos de aplicação da legislação processual penal, sendo os inspectores, subinspectores e chefes considerados, no âmbito das suas competências, autoridades de polícia criminal (artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima anexo àquele decreto-lei.

Os elementos de todas estas forças e serviços de segurança – referidos no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/95 – são, como se vê, face às respectivas leis orgânicas, considerados autoridades ou órgãos de polícia criminal para efeitos da aplicação do Código de Processo Penal.


3.3. Na revisão de 1998 do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o artigo 250.º foi uma das disposições alteradas.

A Comissão de Revisão ([48]) equacionou deste modo a alteração do artigo 250.º:

«Constitui quase um enigma a conjugação do artigo 250.º do Código de Processo Penal com a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro

«Esta lei, recorde-se, foi aprovada de acordo com as pulsões securitárias que então se faziam sentir. Num primeiro momento, chegou a conceber-se a possibilidade de detenção de qualquer pessoa, abstraindo da qualidade de suspeita, para efeitos de identificação, pelo prazo máximo de 2 horas. Reprovado este desígnio pelo Tribunal Constitucional (em sede de fiscalização preventiva), manteve-se um pitoresco dever geral de porte de identificação, cuja violação não é sancionada.

«O regime da Lei n.º 5/95 não tem a pretensão de revogar o artigo 250.º do Código de Processo Penal (cfr. artigo 5.º da lei). Porém os desfasamentos são incompreensíveis: a lei é restritiva ao admitir apenas a detenção de suspeitos pela prática de certos crimes (seleccionados, de resto, sem grande critério); continua a ser restritiva ao encarar, correctamente a detenção como último meio de identificação, precedido de um vasto conjunto de procedimentos; passa a ser ampliativa ao admitir a identificação em qualquer lugar público, aberto ao público ou vigiado; volta a ser restritiva ao encurtar para 2 horas o período máximo de detenção.

«A estas dificuldades adiciona-se a ambiguidade do próprio artigo 250.º, n.º 1, que, por si só, parece prescindir da qualidade de suspeito ou presumi-la em todos os que se encontrem em lugares habitualmente frequentados por delinquentes.

«A proposta de articulado tenta conciliar os dois regimes aproveitando os seus aspectos mais positivos: a identificação pode ser levada a cabo em qualquer lugar não reservado; pode recair sobre suspeito da prática de qualquer crime; tem de ser rodeada das garantias previstas na Lei 5/95; mas a detenção pode estender-se pelo período máximo de 6 horas, sem que corra o risco de se revelar ineficaz.»

O processo legislativo formal da reforma iniciou-se com a proposta de lei n.º 157/VII ([49]), em cuja exposição de motivos (n.º 21) se refere em relação ao artigo 250.º o seguinte:

«No livro VI, no que se refere às medidas cautelares e de polícia, reformula-se o artigo 250.º, que regula os procedimentos de identificação e de pedido de informações, resolvendo-se as dificuldades de conjugação da sua previsão actual com o estipulado na Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, e eliminando-se as incertezas e ambiguidades numa matéria que se prende directamente com direitos fundamentais.»

Na justificação da reforma o legislador não se pronuncia pela permanência ou não da lei; preocupa-se mais em deixar claro que pretende resolver as «dificuldades de conjugação» entre o artigo e a lei por forma a eliminar «incertezas e ambiguidades» em matéria directamente relacionada com direitos fundamentais.

No termo do processo legislativo – em que não encontramos outros elementos de interesse para a questão que nos ocupa ([50]) – foi aprovada a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, cujo artigo 1.º alterou entre outros o artigo 250.º, que passou a dispor:
«Artigo 250.º
(Identificação de suspeito e pedido de informações)

1. Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção.
2. Antes de procederem à identificação, os órgãos de polícia criminal devem provar a sua qualidade, comunicar ao suspeito as circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação e indicar os meios por que este se pode identificar.
3. O suspeito pode identificar-se mediante a apresentação de um dos seguintes documentos:
a) Bilhete de identidade ou passaporte, no caso de ser cidadão português;
b) Título de residência, bilhete de identidade, passaporte ou documento que substitua o passaporte, no caso de ser cidadão estrangeiro.
4. Na impossibilidade de apresentação de um dos documentos referidos no número anterior, o suspeito pode identificar-se mediante a apresentação de documento original, ou cópia autenticada, que contenha o seu nome completo, a sua assinatura e a sua fotografia.
5. Se não for portador de nenhum documento de identificação, o suspeito pode identificar-se por um dos seguintes meios:
a) Comunicação com uma pessoa que apresente os seus documentos de identificação;
b) Deslocação, acompanhado pelos órgãos de polícia criminal, ao lugar onde se encontram os seus documentos de identificação;
c) Reconhecimento da sua identidade por uma pessoa identificada nos termos do n.º 3 ou do n.º 4 que garanta a veracidade dos dados pessoais indicados pelo identificando.
6. Na impossibilidade de identificação nos termos dos n.os 3, 4 e 5, os órgãos de polícia criminal podem conduzir o suspeito ao posto policial mais próximo e compeli-lo a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas, realizando, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga e convidando o identificando a indicar residência onde possa ser encontrado e receber comunicações.
7. Os actos de identificação levados a cabo nos termos do número anterior são sempre reduzidos a auto e as provas de identificação dele constantes são destruídas na presença do identificando, a seu pedido, se a suspeita não se confirmar.
8. Os órgãos de polícia criminal podem pedir ao suspeito, bem como a quaisquer pessoas susceptíveis de fornecerem informações úteis, e deles receber, sem prejuízo, quanto ao suspeito, do disposto no artigo 59.º, informações relativas a um crime e, nomeadamente, à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária.
9. Será sempre facultada ao identificando a possibilidade de contactar com pessoa da sua confiança.»

A redacção final é idêntica à proposta pela Comissão, com alterações de pormenor ([51]).

A revisão abrangeu também o artigo 251.º que dispõe sobre revistas e buscas.

Por sua vez, o artigo 253.º continua a dispor (como antes) que os órgãos de polícia criminal que procederem a diligências referidas nos artigos anteriores elaboram um relatório onde mencionam, de forma resumida, as investigações levadas a cabo, os resultados das mesmas, a descrição dos factos apurados e as provas recolhidas (n.º 1); o relatório é remetido ao Ministério Público ou ao juiz de instrução, conforme os casos (n.º 2).

Refira-se, enfim, que a disposição revogatória da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (o artigo 8.º) não faz alusão à Lei n.º 5/95.

4

Somos chegados à questão nuclear objecto do parecer: trata-se de saber se a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, se encontra revogada e, na negativa, como é que a mesma se compatibiliza com o artigo 250.º do CPP.

É sabido que as leis que não estiverem sujeitas a prazos especiais de vigência permanecem na ordem jurídica por tempo indefinido.

A «força de lei» constitui elemento operativo e consequencial do acto legislativo e manifesta-se, nomeadamente, através do instituto da revogação, considerada o processo «normal» ([52]) de cessação de vigência da lei.

Uma lei só pode ser revogada por outro acto legislativo do mesmo valor formal (ou de valor formal superior), se este lhe for superveniente.

Essa superveniência deverá ser medida em função da data de entrada em vigor de cada diploma legislativo, que, por seu turno, depende da publicação ([53]).

Como modos de cessação da vigência da lei, o artigo 7.º do Código Civil prevê a caducidade e a revogação ([54]).

A caducidade, em sentido estrito, «dá-se por superveniência de um facto (previsto pela própria lei que se destina a vigência temporária) ou pelo desaparecimento, em termos definitivos, daquela realidade que a lei se destina a regular.»

A revogação, além de expressa, pode também ser tácita, «quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas, ou ainda quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior – substituição global» ([55]).

Na revogação tácita por incompatibilidade é necessário verificar e estabelecer se entre as disposições em causa existe a incompatibilidade que constitui precisamente o fundamento da revogação.

Na revogação por substituição global, também chamada revogação global ou revogação de sistema, tal verificação é dispensável, uma vez que a nova lei regula toda a matéria da lei anterior ([56]).

5

A questão da vigência (ou não) da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, não é estranha à actividade do Conselho Consultivo.

A mesma foi assim abordada no Parecer n.º 7/2002 ([57]):

«Quanto à falta de documento de identificação, a eventual existência de um regime sancionatório pressuporá a consagração de uma obrigação do porte de documento de identificação.

«Essa obrigação foi consignada no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro (-), nele se estipulando que “os cidadãos maiores de 16 anos devem ser portadores de documento de identificação sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial”. Na parte que interessa ao caso sub judicio, lia-se no n.º 2, alínea b), desse preceito, que “para os efeitos do número anterior, considera-se documento de identificação, (...) o título de residência, o bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia”.

«Porém, não se previa qualquer sanção pecuniária para o incumprimento dessa obrigação do porte de documento de identificação (x). Associadamente a esse dever, apenas se estabelecia um dever de identificação perante agentes de forças ou serviços de segurança, no artigo 1.º, n.º 1, do diploma. E, na parte que interessa ao tema da consulta, resultava dessa disposição legal que o cumprimento desse dever de identificação podia ser imposto a quem permanecesse irregularmente no território nacional.

«O conteúdo desse diploma (-) era vocacionado para aplicação fora do âmbito do processo penal, como decorria do teor do seu artigo 5.º (-). Para o processo penal regia o artigo 250.º do Código de Processo Penal (CPP). Porém, dada uma certa incongruência entre os dois blocos normativos (-), foi dada uma nova redacção ao artigo 250.º do CPP, através da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, com o intuito de conjugar os modelos em confronto, da qual terá resultado a revogação tácita da Lei n.º 5/95 (x1).

«O artigo 250.º do CPP não contém norma correspondente ao citado artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 5/95, mas daquele decorre implicitamente a consagração da obrigação do porte de documento de identificação, ao estatuir o dever de identificação. E também nele se indicam como documentos de identificação os mencionados na citada alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 5/95 [artigo 250.º, n.º 3, alínea b)] e se estabelece que o cumprimento desse dever de identificação pode ser imposto a quem “permaneça irregularmente no território nacional” (artigo 250.º, n.º 1). Sendo impossível a identificação, por falta do respectivo documento (-), está previsto um procedimento de identificação, a realizar por vários meios, designadamente a identificação por terceiro (n.os 5 a 9).»

Os termos cautelosos em que a questão da eventual revogação da Lei n.º 5/95 – da redacção dada ao artigo 250.º do CPP pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, «terá resultado a revogação tácita da Lei n.º 5/95» ([58]) – coadunam-se com a desnecessidade de, no Parecer n.º 7/2002, se tomar posição sobre a matéria.

A questão surge aí de forma lateral e a resposta descomprometida adequa-se à feição como é encarada. Aqui, ao contrário, a questão constitui o objecto do parecer.

6

Os actos regulados nos artigos 248.º a 253.º do CPP, em capítulo com epígrafe «Das medidas cautelares e de polícia», não são ainda actos processuais, são actos de polícia que o legislador entendeu disciplinar no CPP dada a sua estreita conexão com os actos do processo e a relevância que neste podem assumir ([59]).

O artigo 250.º disciplina a identificação de suspeitos e o pedido de informações a levar a cabo por órgãos de polícia criminal, «matéria em que não é possível separar as funções de prevenção das de repressão e, por isso, pertence indistintamente à função administrativa e à função judiciária das polícias» ([60]).

Assim, a obrigação de identificação perante a autoridade competente, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 250.º, é uma medida cautelar de polícia ([61]). Enquanto medida de polícia legalmente prevista, a sua aplicação está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de policia, com relevo para o princípio da proibição do excesso, devendo, por isso, obedecer aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade.

Face à redacção originária do artigo 250.º do Código de Processo Penal, a «identificação de pessoas», prevista no n.º 1, foi considerada uma «nítida concessão à regulação neste diploma de uma actividade administrativa dos órgãos de polícia criminal», tendo-se procedido, «conscientemente, à ampliação das pessoas que podem ser compulsivamente identificadas, ou seja, não só os “suspeitos”, mas todas as pessoas que se encontrem “em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes”»; «[o]s restantes números do mesmo artigo 250.º visam já o tratamento de matéria especificamente processual penal, ao regular a identificação de “suspeitos”» ([62]).

Mas, diversamente, também se entendia que tinha que existir um juízo de suspeita sobre uma pessoa para que ela pudesse ser identificada ao abrigo do disposto na redacção primitiva do n.º 1 do artigo 250.º ([63]).

Em todo o caso, a «identificação de pessoas» revestia a natureza de medida de polícia: polícia criminal, caso se exigisse a existência de um juízo de suspeita sobre o identificando; polícia administrativa, caso se admitisse que podia abranger qualquer pessoa (e não apenas os suspeitos da prática de crimes).

O Tribunal Constitucional (acórdão n.º 7/87), em fiscalização preventiva, não se pronunciou pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 250.º – onde se previa, no caso de impossibilidade ou recusa de identificação, a condução e permanência em posto policial «pelo tempo estritamente necessário à identificação, em caso algum superior a seis horas» – com fundamento em que se trata de actos instrumentais necessários e adequados a conseguir a prisão ou a detenção.

Mais tarde, a Lei n.º 5/95 veio dispor sobre a obrigatoriedade do porte de documento de identificação.

A proposta de lei n.º 85/VI, que esteve na origem desta lei, assentava em «necessidades de segurança interna» e tinha, à partida, um «alcance maior» ([64]) do que o visado pelo artigo 250.º do CPP: os agentes de forças ou serviços de segurança previstos em disposições da lei n.º 20/87, de 12 de Julho (Lei de Segurança Interna) «podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial, quando existam razões de segurança interna que o justifiquem» (artigo 1.º, n.º 1); os cidadãos não identificados ou que recusem a identificação são conduzidos «ao posto policial mais próximo, onde deverão permanecer pelo tempo estritamente necessário à identificação, que não poderá, em qualquer caso, exceder seis horas» (artigo 3.º, n.º 1).

O «alcance maior» mais não era que a confirmação da leitura abrangente dos destinatários pessoais do artigo 250.º do CPP (a «ampliação das pessoas» de que falava Anabela Rodrigues).

Em fiscalização preventiva, o Tribunal Constitucional (acórdão n.º 479/94) decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade dessas duas normas (agora do decreto n.º 161/VI da Assembleia da República), por violação do disposto no artigo 27.º, n.os 1, 2 e 3, da Constituição, enquanto autorizam que uma pessoa insuspeita da prática de qualquer crime e em local não frequentado habitualmente por delinquentes possa ser sujeita a identificação policial, com base na invocação de razões de segurança interna, através de procedimento susceptível de o vir a privar da liberdade por um período até seis horas.

Na sequência do expurgo da inconstitucionalidade, a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro ([65]) veio dispor que os agentes das forças ou serviços de segurança nela referidos ([66]) «podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre a mesma pessoa existam fundadas suspeitas da prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a Humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado ou tenha penetrado e permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual penda processo de extradição ou de expulsão» (artigo 1.º, n.º 1); nos casos de impossibilidade de identificação ou nos casos de recusa de identificação, «terá lugar um procedimento de identificação que consiste em conduzir o identificando ao posto policial mais próximo, onde permanecerá pelo tempo estritamente necessário à identificação e que não poderá, em caso algum, exceder duas horas» (artigo 3.º, n.º 1).

Do confronto da Lei n.º 5/95 com o artigo 250.º do CPP, que, nesta altura mantém ainda a redacção primitiva, resulta que a Lei n.º 5/95 restringiu o âmbito pessoal da identificação aos casos de suspeita (i) da prática crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a Humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado (ii) de entrada e permanência irregular no território nacional e (iii) de pendência de processo de extradição ou de expulsão.

Quando se trate, pois, de suspeita da prática de crime é preciso ainda que esteja em causa algum dos tipos legais identificados na lei.

Simultaneamente, nos casos de impossibilidade de imediata identificação ou de recusa de identificação, restringiu-se para duas horas o tempo máximo de permanência em posto policial.

Importa acentuar que a Lei n.º 5/95 ficou aquém da sua teleologia inicial, traduzida na imposição da exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontrasse ou circulasse em lugares públicos.

A intervenção do Tribunal Constitucional ao nível da fiscalização preventiva do diploma que está na sua origem (o decreto n.º 161/VI) «desvirtua» aquele propósito, restringindo, no que importa frisar, a obrigação de identificação a pessoas sobre as quais existissem fundadas suspeitas da prática de certos tipos legais de crimes. Apesar desta dupla exigência, restringiu-se de seis para duas horas o tempo máximo de permanência no posto policial.

Trata-se de soluções diferentes das então consagradas no artigo 250.º do CPP que, no que importa acentuar, continuava a admitir, em termos gerais, a «identificação de pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes» (n.º 1) e a prever, nos casos de identificação, a permanência em posto policial por período até seis horas (n.º 3).

E ainda que se exigisse, para a identificação, a existência de um juízo de suspeição, este podia dizer respeito a qualquer tipo legal de crime.

É neste quadro ambíguo e contraditório – perante o qual chega a defender-se a revogação do artigo 250.º do CPP pela Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro ([67]) – que surge a revisão de 1998 do Código de Processo Penal.

7

A reformulação do artigo 250.º do CPP visa resolver «as dificuldades de conjugação da sua previsão actual com o estipulado na Lei n.º 5/95» e eliminar «as incertezas e ambiguidades numa matéria que se prende directamente com direitos fundamentais»; tenta-se conciliar os dois regimes aproveitando os seus aspectos mais positivos: «a identificação pode ser levada a cabo em qualquer lugar não reservado; pode recair sobre suspeito da prática de qualquer crime; tem de ser rodeada das garantias previstas na Lei n.º 5/95; mas a detenção pode estender-se pelo período máximo de 6 horas, sem o que corre o risco de se revelar ineficaz».

Analisemos esta reformulação, confrontando, ponto por ponto, as soluções consagradas no artigo 250.º (que utilizaremos como matriz de referência) com as contidas na Lei n.º 5/95.

7.1. O n.º 1 do artigo 250.º dispõe que os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção.

Esta formulação funde a anterior com o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95, de que omite a enunciação dos «agentes das forças ou serviços de segurança» implicados, bem como a restrição do juízo de suspeição a certos crimes, e a que adita a pendência de mandado de detenção.

O n.º 1 do artigo 250.º tem, pois, um conteúdo mais amplo que o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95: esta última disposição abarca tão-só as forças ou serviços de segurança nela mencionados e exige a existência de suspeitas fundadas de crime incluído nas espécies identificadas; ao contrário, o n.º 1 do artigo 250.º abrange quaisquer órgãos de polícia criminal e a existência de suspeitas reporta-se à prática de qualquer tipo legal de crime; além disso, há ainda lugar a identificação na pendência de mandado de detenção.

7.2. O n.º 2 do artigo 250.º e o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95 dispõem, coincidentemente, que os órgãos de polícia criminal (ou os agentes das forças e serviços de segurança) devem fazer prova da sua qualidade, comunicar ao suspeito as circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação e indicar os meios por que se pode identificar.

O n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95 (a omissão desse dever de comunicação determina a nulidade da ordem de identificação) não tem correspondência no artigo 250.º: tal omissão ficará aqui sujeita ao regime geral das nulidades em processo penal (artigos 118.º a 123.º do CPP).

7.3. O n.º 3 do artigo 250.º e o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 5/95 indicam, em termos próximos, ressalvadas diferenças de redacção, os documentos de identificação. O código apresenta uma redacção mais simples, com distinção entre as situações de cidadão português e de cidadão estrangeiro, valendo, nesta hipótese, como meio de identificação, além do título de residência, do bilhete de identidade e do passaporte, a apresentação de «documento que substitua o passaporte», conceito aberto susceptível de enquadrar modalidades de identificação diversas.

Não tem correspondência expressa no artigo 250.º do CPP o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/95, que, em conformidade com a epígrafe do artigo (Obrigação do porte de documento de identificação), prescreve que «[o]s cidadãos maiores de 16 anos devem ser portadores de documento de identificação sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial».

7.4. O n.º 4 do artigo 250.º e o n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 5/95 admitem, em termos idênticos, a identificação mediante apresentação de documento original, ou cópia autenticada, que contenha o nome completo, a assinatura e a fotografia do identificando.

Não tem correspondência no artigo 250.º do CPP o n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 5/95.

7.5. O n.º 5 do artigo 250.º, sobre meios alternativos de identificação, corresponde, com diferenças de redacção, ao artigo 4.º da Lei n.º 5/95.

7.6. Os n.os 6 e 7 do artigo 250.º regulam o procedimento de identificação nos casos de impossibilidade de identificação nos termos dos n.os 3, 4 e 5, matéria regulada no artigo 3.º da Lei n.º 5/95.

Trata-se, pelas suas implicações, da matéria mais sensível dos suportes normativos em causa.

No domínio do Código, naqueles casos, o suspeito pode ser conduzido ao posto policial mais próximo e compelido «a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas, realizando, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga e convidando o identificando a indicar residência onde possa ser encontrado e receber comunicações» (n.º 6); os actos de identificação levados cabo nos termos do n.º 6 «são sempre reduzido a auto e as provas de identificação dele constantes são destruídas na presença do identificando, a seu pedido, se a suspeita não se confirmar» (n.º 7).

Na Lei n.º 5/95, o procedimento de identificação está descrito no artigo 3.º: o identificando será conduzido «ao posto policial mais próximo, onde permanecerá pelo tempo estritamente necessário à identificação e que não poderá, em caso algum, exceder duas horas» (n.º 1); o procedimento pode incluir, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza, as quais são destruídas, na presença do identificando, não se confirmando a suspeita, e ainda a indicação, pelo identificando, de residência onde possa ser encontrado e receber comunicações (n.º 2); a redução a auto do procedimento de identificação é obrigatória em caso de recusa de identificação e é nos demais casos dispensada, a solicitação da pessoa a identificar (n.º 3); quando seja lavrado o auto, nos termos do número anterior, do mesmo será entregue cópia ao identificando e ao Ministério Público (n.º 4); quando se deva presumir que o identificando possa ser menor, os agentes devem, de imediato, comunicar com os responsáveis pelo mesmo (n.º 5); o procedimento de identificação será sempre comunicado a pessoa da confiança do identificando, quando este o solicite (n.º 6).

É grande, quanto ao processo de identificação, a proximidade normativa entre o artigo 250.º e a Lei n.º 5/95.

Mas há também diferenças, sendo a mais significativa (atenta a sua relevância prática) a relativa ao tempo máximo de permanência no posto policial (seis e duas horas, respectivamente).

Merece aqui menção o disposto no artigo 253.º do CPP, onde se impõe a obrigatoriedade de elaboração de relatório sobre as diligências efectuadas ao abrigo dos artigos anteriores, a remeter ao Ministério Público ou ao juiz de instrução, conforme os casos.

7.7. O n.º 8 do artigo 250.º corresponde quase ipsis verbis ([68]) ao n.º 5 na redacção anterior, sem correspondência na Lei n.º 5/95: prevê a possibilidade de os órgãos de polícia criminal pedirem ao suspeito e a outras pessoas informações relativas a um crime, matéria estranha à Lei n.º 5/95.

7.8. O n.º 9 do artigo 250.º dispõe que será sempre facultada ao identificando a possibilidade de contactar com pessoa da sua confiança. Por seu turno, o n.º 6 do artigo 3.º da Lei n.º 5/95 dispõe que o procedimento de identificação «será sempre comunicado a pessoa da confiança do identificando, quando este o solicite».

7.9. Uma última nota para recordar que o artigo 5.º da Lei n.º 5/95, com a epígrafe «Normas processuais penais», estabelece que «[o] disposto no presente diploma não prejudica a aplicação das providências previstas no âmbito do processo penal».


8

Na análise das relações entre o artigo 250.º do CPP e a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, há dois aspectos que importa ter presentes.

O primeiro prende-se com o processo legislativo da Lei n.º 5/95.

Esta lei visava o estabelecimento da obrigatoriedade de porte de documento de identificação, o qual, nos termos da respectiva proposta, era exigível a qualquer pessoa que se encontrasse ou circulasse em lugar público ou sujeito a vigilância policial, quando razões de segurança interna o justificassem.

A exigência de identificação era encarada como uma medida de polícia (administrativa), da competência dos agentes das forças ou serviços de segurança que exerciam funções de segurança interna (forças e serviços identificados por remissão para disposições da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, a Lei de Segurança Interna).

A intervenção do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva (acórdão n.º 479/94) retirou ao diploma a sua abrangência inicial e originou a sua modificação, restringindo-se a obrigação de identificação aos casos de existência de fundadas suspeitas da prática de certos tipos legais de crimes. Se não for possível formular este juízo de suspeição, não existe obrigação de identificação nem é possível a condução de cidadão a posto policial com a única finalidade de proceder à sua identificação.

Isto é, a obrigação de identificação, inicialmente concebida como medida de polícia administrativa transmuda-se em medida cautelar de polícia inserida na função administrativa e na função judiciária das polícias, na sua actividade de órgãos de polícia criminal.

O outro aspecto tem a ver com a reforma do processo penal de 1998.

Com a reformulação do artigo 250.º do CPP o legislador pretende resolver as «dificuldades de conjugação» entre este artigo e a Lei n.º 5/95 por forma a eliminar «incertezas e ambiguidades» em matéria directamente relacionada com direitos fundamentais.

Isto dito, há que reconhecer que a reformulação, na reforma de 1998, do artigo 250.º do CPP obedece ao propósito, assumido pelo legislador, de eliminar «incertezas e ambiguidades» existentes entre o primitivo artigo 250.º e a Lei n.º 5/95, aproveitando os aspectos mais positivos de cada um destes regimes.

O novo artigo 250.º, ao regular de forma sistematizada a identificação de suspeitos, incorporando ou contrariando soluções anteriores, vai procurar substituir tanto o artigo alterado como a Lei n.º 5/95, cujas soluções nalguns casos reproduz, noutros afeiçoa, noutros contraria.

Só esta solução poderá eliminar «as incertezas e ambiguidades numa matéria que se prende com os direitos fundamentais».

O certo é, porém, que a Lei n.º 5/95 não só não foi objecto de revogação expressa por parte da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (que aprovou a reforma do processo penal e a nova redacção do artigo 250.º) como foi alterada, algum tempo antes, pela Lei n.º 49/98, de 11 de Agosto.

Esta alteração, tratada no âmbito do Ministério da Defesa Nacional, traduziu-se tão-só no aditamento da Polícia Marítima ao elenco das forças e serviços de segurança constante do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95 [a inclusão não ocorrera inicialmente por causa da indecisão então existente sobre o futuro da Polícia Marítima ([69])]

A observação da não revogação expressa reveste, como a anterior, carácter formal e não tem maior valor que o da mera constatação de um dado de facto: a inexistência de revogação expressa.

Para além da revogação expressa, nas situações de sucessão de leis, quando existe incompatibilidade entre as disposições novas e as regras precedentes, as primeiras substituem as segundas, que cessam a sua vigência por efeito da chamada revogação tácita.

E, justamente, os autores que encararam a questão que nos ocupa têm considerado – mas não justificado, reconheça-se – que a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, foi tacitamente revogada pelo artigo 250.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.

Assim, Lopes da Mota ([70]), depois de referir que a reformulação do artigo 250.º resolveu as dificuldades de conjugação com o estipulado na Lei n.º 5/95, afirma que esta circunstância «implica a revogação tácita das normas da Lei n.º 5/95 cujo conteúdo passou a fazer parte da previsão do artigo 250.º do CPP».

Também Maia Gonçalves se pronuncia sobre a matéria, referindo, primeiro, que «[c]om o texto deste artigo ficaram revogados dispositivos da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro» e noutro passo, mais afirmativo, que a Lei n.º 5/95 «ficou revogada com os novos dispositivos deste art. 250.º» ([71]).

Secundando o anterior entendimento de que da redacção dada ao artigo 250.º do CPP «terá resultado a revogação tácita da Lei n.º 5/95» ([72]), afigura-se-nos que tal posição deve ser confirmada.

Mas importa analisar mais de perto a solução da revogação tácita.

O artigo 250.º do CPP e a Lei n.º 5/95 versam sobre a mesma matéria e há, como acabamos de ver, entre ambos uma grande sobreposição normativa.

Esta sobreposição abrange os aspectos essenciais do regime jurídico da identificação de suspeitos (e só esta é possível): competência subjectiva para a identificação, pressupostos, meios de identificação e procedimento de identificação no caso de condução e permanência em posto policial.

Em todos estes aspectos as disposições novas do artigo 250.º afastam a aplicação das regras precedentes constantes da Lei n.º 5/95. Nomeadamente, a permanência em posto policial não pode em caso algum ser superior a seis horas, devendo restringir-se ao tempo estritamente indispensável à identificação.

O legislador, acentuando que o tempo de permanência deve ser o «estritamente indispensável à identificação», manteve o limite máximo constante do código, porventura por o considerar mais realista face à natureza das provas que haja necessidade de produzir.

Apesar disto, os órgãos de polícia criminal devem sempre restringir ao mínimo o tempo de permanência em posto policial, o que, face à obrigatoriedade de documentação dos actos e investigações efectuados (cf. artigos 250.º, n.º 7, e 253.º, n.º 1, do CPP), não deixará de ser fiscalizado tanto pelas autoridades judiciárias como pelos controlos policiais internos.

Mas há também, é certo, aspectos pontuais da Lei n.º 5/95 que não são considerados nem têm correspondência no artigo 250.º

Em primeiro lugar, o n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 5/95 (a omissão do dever de comunicação ao identificando das circunstâncias que fundam a obrigação de identificação e de indicação dos meios por que se pode identificar determinam a nulidade da ordem de identificação) não tem paralelo no artigo 250.º do CPP. Neste consagra-se igualmente esse dever, mas, por opção do legislador, a sua omissão ficará sujeita ao regime geral das nulidades previsto no código.

Em segundo lugar, a obrigatoriedade de os cidadãos maiores de 16 anos serem portadores de documento de identificação sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial (n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/95), também não tem correspondência no artigo 250.º do CPP.

E compreende-se que não tenha. Tal prescrição – como a constante do n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 5/95 (comunicação ao respectivo responsável quando se deva presumir que o identificando possa ser menor) – faziam sentido na lógica abrangente da proposta de lei n.º 85/VI e do decreto n.º 161/VI, que previam a possibilidade de os agentes das forças ou serviços de segurança exigirem a identificação de qualquer pessoa que se encontrasse em lugar não reservado.

Quando, nos termos da própria Lei n.º 5/95 tal obrigação passa a abranger apenas os suspeitos da prática de crime (e não qualquer pessoa), a obrigatoriedade do porte de documento de identificação deixou de fazer sentido; e é por isso que a Comissão de Revisão do CPP fala na manutenção de «um pitoresco dever geral de porte de identificação, cuja violação não é sancionada».

De todo o modo, ainda se pode dizer, a este propósito, que do artigo 250.º, ao estatuir o dever de identificação, «decorre implicitamente a consagração da obrigação do porte de documento de identificação» ([73]), ao menos para aqueles a quem o mesmo pode ser exigido.

Por fim, merece menção o n.º 4 do artigo 2.º ([74]) também sem expressão no artigo 250.º do Código.

Tal disposição – proveniente da proposta de lei n.º 85/VI – faz todo o sentido em diploma que imponha o dever geral de identificação e que preveja a possibilidade de detenção de qualquer pessoa, abstraindo da qualidade de suspeita, para efeito de identificação. Já faz menos sentido num diploma como a Lei n.º 5/95 ou o actual artigo 250.º do CPP, onde se restringe a obrigação de identificação aos suspeitos da prática de crimes.

Todavia, ainda aqui importa acrescentar o seguinte: alguns dos documentos referidos no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, como no correspondente n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto (agora em vigor), são susceptíveis de enquadramento no conceito de «documento que substitua o passaporte» ou no de «documento original, ou cópia autenticada» que contenha o nome completo, a assinatura e a fotografia do identificando [artigo 250.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4, respectivamente] ([75]).

Enfim, tudo ponderado, afigura-se-nos que os elementos coligidos – com realce tanto para os resultantes dos processos legislativos da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, e da reforma de 1998 do processo penal como para a teleologia subjacente à alteração do artigo 250.º do CPP – apontam com clareza no sentido de que a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, foi objecto de revogação tácita pelo artigo 250.º do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.

9

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – A Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, foi tacitamente revogada pelo artigo 250.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto;

2.ª – A identificação por órgãos de polícia criminal – de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sobre quem recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção – e, bem assim, a possibilidade de condução e permanência do identificando em posto policial obedecem ao disposto no artigo 250.º do Código de Processo Penal;

3.ª – A obrigação de identificação perante autoridade competente é uma medida de polícia e a sua aplicação está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia, com relevo para o princípio da proibição do excesso;

4.ª – Em conformidade com este princípio, a permanência de suspeito em posto policial para efeito de identificação deve, nos termos da lei (artigo 250.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), restringir-se ao «tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas».






([1]) Ofício do Inspector-Geral da Administração Interna, de 13 de Julho de 2004, acompanhado de parecer de 12 de Novembro do Subinspector-Geral.
([2]) Parecer de 9 de Dezembro de 2004.
([3]) Ofício n.º 7010/2004, de 21 de Dezembro de 2004, com entrada na Procuradoria-‑Geral da República no dia imediato.
([4]) Cf. Alexandre Sousa Pinheiro/Jorge Menezes de Oliveira, “O Bilhete de Identidade e os controlos de identidade”, Revista do Ministério Público, Ano 15.º, n.º 60, Outubro/Dezembro, 1994, pp. 70-72.
([5]) J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 184.
([6]) Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro (I Revisão Constitucional).
([7]) Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro (IV Revisão Constitucional).
([8]) Na redacção originária, o artigo 27.º da Constituição dispunha:
«Artigo 27.º
(Direito à liberdade e à segurança)
1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptuam-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior;
b) Prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou expulsão.
4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada, no mais curto prazo, das razões da sua prisão ou detenção.»
([9]) Na sequência da revisão de 1982, o artigo 27.º da Constituição passou a dispor:
«Artigo 27.º
(Direito à liberdade e à segurança)
1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptuam-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior;
b) Prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
c) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
d) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
e) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante a autoridade judicial competente.
4. (...)
5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.»
([10]) Diário da Assembleia da República (DAR), II Série-A, Suplemento ao n.º 27, de 7 de Março de 1996. O projecto de revisão constitucional n.º 5/VII (PSD) (ibidem) apresenta também uma proposta de alteração do artigo 27.º, mas restrita à alínea b) do n.º 3.
([11]) A redacção proposta para a alínea g) do n.º 3 do artigo 27.º era a seguinte:
«g) detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessário e nos termos previstos na lei».
([12]) Cf. José Magalhães (Dicionário da revisão constitucional, Editorial Notícias, Lisboa, 1999, p. 125), que afirma: «a alteração foi proposta pelo PS para enterrar de vez as dúvidas sobre se a Constituição permite controlos de identidade de qualquer pessoa». A necessidade de clarificação fizera-se sentir algum tempo antes, aquando do processo legislativo que conduziu à aprovação da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, a que adiante faremos referência (infra, n.os 3.2.1 e 3.2.2).
([13]) Tal solução – diz José Magalhães (ibid.) – «exclui inequivocamente as doutrinas securitárias que preconizavam a possibilidade de controlo de qualquer pessoa, em quaisquer condições»; assim, não se autoriza «a detenção, para efeitos de identificação, de quaisquer pessoas, mas apenas de “suspeitos” de crimes e apenas nos casos estritamente necessários e pelo tempo estritamente necessário».
([14]) Assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 185.
([15]) Marcelo Rebelo de Sousa/José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada, Lex, Lisboa, 200, p. 114. No mesmo sentido, v. a acta da reunião de 17 de Abril de 1997 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (Diário da Assembleia da República, II Série-RC, n.º 77, de 18 de Abril de 1997, pp. 2240-2244).
([16]) Cf. a acta da reunião de 3 de Outubro de 1996 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (DAR, II Série-RC, n.º 33, de 4 de Outubro de 1996, pp. 978-‑990).
([17]) Sobre a discussão na especialidade, em plenário, da actual alínea g) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, v. o DAR, I Série, n.º 94, de 16 de Julho de 1997. A votação na especialidade de tal disposição está documentada no DAR, I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, e a votação final global do Decreto de Revisão Constitucional no DAR, I Série, n.º 106, de 4 de Setembro de 1997.
([18]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 954-955.
([19]) Todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo Código [alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Processo Penal].
([20]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 956.
([21]) Seguimos neste ponto muito de perto os Pareceres do Conselho Consultivo n.º 9/96-B/Complementar, de 25 de Março de 1999, ponto III, 5 (Diário da República, II Série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2000) e 162/2003, de 18 de Dezembro de 2003, ponto 3.2 (Diário da República, II Série, n.º 74, de 27 de Março de 2004); sobre medidas de polícia, v. também o Parecer n.º 95/2003, de 6 de Novembro de 2003, ponto V, 2 (Diário da República, II Série, n.º 54, de 4 de Março de 2004).
([22]) Cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (reimpressão), p. 1164 e segs., que, seguindo o Parecer n.º 9/96-B/Complementar, se acompanha.
([23]) Marcello Caetano, Manual..., cit., vol. II, p. 1170. Noutro local (Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Reimpressão da edição Brasileira de 1977, 1.ª Reimpressão Portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, 1996, pp. 279-280), o mesmo Autor precisa que os actos de polícia compreendem actos administrativos – as autorizações, licenças e medidas de polícia – e meras «operações de polícia». Operações de polícia, a maioria dos actos de polícia, não qualificáveis, portanto, como actos jurídico-administrativos, são as «intervenções dos agentes policiais exigidas pelas circunstâncias de momento, sob a forma de ordens e de proibições», tais como o encerramento temporário do trânsito numa rua, a suspensão de uma reunião ilegal ou de um espectáculo, a dissolução de um ajuntamento, etc.
([24]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 956.
([25]) Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 489/89, de 13 de Julho de 1989, e n.º 160/91, de 24 de Abril de 1991 (Diário da República, II Série, respectivamente, n.º 27, de 1 de Fevereiro de 1990, p. 1131 e segs., e n.º 203, de 4 de Setembro de 1991, p. 8953 e segs.).
([26]) Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Almedina, Coimbra, 1987, p. 322.
([27]) Acórdão n.º 7/87, de 9 de Janeiro de 1987 (Diário da República, I Série, n.º 33, de 9 de Fevereiro de 1987).
([28]) Maia Gonçalves, ob. cit., p. 319.
([29]) Com o alcance que à expressão era (é) dado pela alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Código: «todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código».
([30]) DAR, II Série-A, n.º 17, de 20 de Janeiro de 1994.
([31]) Cf. artigo 16.º, n.º 2, alínea b).
([32]) DAR, I Série, n.º 41, de 25 de Fevereiro de 1994, p. 1392.
([33]) Ibid., p. 1393.
([34]) Referimo-nos ao Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) que afirmara (ibid., p. 1394):
«Sr.ª Secretária de Estado, aquilo que, no Código de Processo Penal, era um procedimento cautelar para os delinquentes ou suspeitos de crimes, tornou-se, com esta proposta de lei, uma regra geral, pois ela não é mais do que a transposição dos artigos 250.º e outros daquele Código.»
Este aspecto foi também realçado por outros intervenientes no debate parlamentar.
Deputado Alberto Costa (PS) (DAR., cit., p. 1398):
«Na proposta governamental, a inovação mais gravosa, do ponto de vista de liberdade, é a legalização da possibilidade de retenção em posto policial, até seis horas, de um cidadão, não suspeito de prática de crime, “quando existam razões de segurança interna que o justifiquem”. Com base nestas mesmas razões assim definidas, ou melhor, assim indefinidas, passa a ser irrestritamente exigível a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em qualquer lugar público ou sujeito a vigilância policial.»
Deputada Odete Santos (PCP) (DAR., cit., p. 1402):
«(...) com a presente proposta de lei, o Governo pretende, afinal, introduzir um entorse no actual Código do Processo Penal. Dirigindo os normativos da mesma a todos os cidadãos maiores de 16 anos (idade da imputabilidade penal), o Governo demonstra (ainda que não o confesse) que desta forma, afinal, vem pretender alterar o Código de Processo Penal, que não lhe serve e não é suficiente para os seus objectivos.
Com efeito, muito embora o actual Código preveja já a possibilidade de ser exigida a um cidadão a sua identificação, a verdade é que tal só pode ser feito relativamente ao que se encontrar em local habitualmente frequentado por delinquentes.
(...)
Pelo actual Código de Processo Penal só podem realizar-se provas dactiloscópicas e fotográficas relativamente a um cidadão suspeito. E só havendo motivos para suspeita, no caso de identificação ou de recusa da mesma, é que o cidadão pode ser conduzido ao posto policial onde pode permanecer até seis horas.
Nos termos da proposta em debate, ainda que não haja suspeita alguma, o cidadão será submetido àquelas provas e será retido – mas eu direi “será detido”, porque é isso mesmo que o cidadão será – por período que poderá ir até seis horas, no posto policial.»
([35]) Ibid., p. 1396.
([36]) Depois de apreciada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a proposta de lei n.º 85/VI foi discutida e aprovada, na generalidade, nas reuniões plenárias de 24 de Fevereiro e 3 de Março, vindo a ser aprovada em votação final global na reunião plenária de 27 de Abril, depois de terem sido rejeitados requerimentos de avocação pelo Plenário da votação na especialidade dos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º (cf. DAR, II Série-A, n.º 24, pp. 372-375, e I Série, n.os 41, 44 e 64, de, respectivamente, 24 e 25 de Fevereiro, 4 de Março e 28 de Abril de 1994).
([37]) Acórdão n.º 479/94, de 7 de Julho de 1994 (Diário da República, I Série-A, n.º 195, de 24 de Agosto de 1994).
([38]) Alterada pela Lei n.º 49/98, de 11 de Agosto.
([39]) O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março (regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional), dispunha:
«Artigo 5.º
Documentos de viagem e documentos que os substituem
1 – Para a entrada ou saída do território nacional os estrangeiros têm de ser portadores de passaporte com validade superior à duração da estada autorizada.
2 – Podem, no entanto, entrar no País ou sair dele sem passaporte os estrangeiros que:
a) (...);
b) (...);
c) Sejam portadores do documento de identificação de marítimo a que se refere a Convenção n.º 108 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 47 712, de 19 de Maio de 1967, quando em serviço;
d) Sejam nacionais de países com os quais Portugal tenha acordos bilaterais, permitindo-lhes a entrada apenas com a cédula de inscrição marítima, quando em serviço;
e) Sejam portadores do documento de viagem a que se refere a Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951;
f) Sejam portadores de certificado colectivo de identidade e viagem;
g) Sejam portadores de laissez-passer emitido pela Organização das Nações Unidas, pelas Comunidades Europeias ou por outras organizações internacionais reconhecidas por Portugal;
h) Sejam portadores de laissez-passer emitido peIas autoridades do Estado de que sejam nacionais;
i) Sejam portadores da licença de voo ou do certificado de tripulante a que se referem, respectivamente, os anexos n.os 1 e 9 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, quando em serviço.
3 – O laissez-passer previsto na alínea h) do número anterior só é válido para trânsito e quando emitido em território nacional apenas permite a saída do País.
4 – (...).
5 – (...).»
O Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, que agora regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, cujo artigo 12.º dispõe:
«Artigo 12.º
Documentos de viagem e documentos que os substituem
1 – Para entrada ou saída do território português os estrangeiros têm de ser portadores de um documento de viagem válido reconhecido.
2 – A validade do documento de viagem deverá ser superior à duração da estada, salvo quando se tratar da reentrada de um estrangeiro residente no País.
3 – Podem igualmente entrar no País ou sair dele os estrangeiros que:
a) (...);
b) (...);
c) Sejam portadores de laissez-passer emitido pelas autoridades do Estado de que são nacionais ou do Estado que os represente;
d) Sejam portadores da licença de voo ou do certificado de tripulante a que se referem os anexos n.os 1 e 9 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, ou de outros documentos que os substituam, quando em serviço;
e) Sejam portadores do documento de identificação de marítimo a que se refere a Convenção n.º 108 da Organização Internacional do Trabalho, quando em serviço;
f) Sejam nacionais de Estados com os quais Portugal tenha acordos permitindo-lhes a entrada apenas com a cédula de inscrição marítima, quando em serviço.
4 – O laissez-passer previsto na alínea c) do número anterior só é válido para trânsito e, quando emitido em território português, apenas permite a saída do País.
5 – (...).
6 – (...).»
([40]) A Lei n.º 49/98 assenta nos seguintes trabalhos preparatórios: proposta de lei n.º 130/VII, aprovada em Conselho de Ministros a 3 de Julho de 1997 (DAR, II Série-A, n.º 66, de 26 de Julho de 1997, p. 1269); Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (ibid., n.º 61, de 20 de Junho de 1998, pp. 1331-1332); discussão e votação na generalidade (DAR, I Série, respectivamente, n.º 83, de 20 de Junho de 1998, pp. 2871-2876, e n.º 85, de 27 de Junho de 1998, p. 2944); texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (DAR, II Série-A, n.º 67, de 4 de Julho de 1998); votação final global do texto final (DAR, I Série, n.º 87, de 1 de Julho de 1998); Decreto n.º 257/VII (DAR, II Série-A, n.º 69, de 24 de Julho de 1998, p. 1622).
([41]) A Polícia Marítima não havia sido incluída no elenco inicial porque à data da elaboração da Lei n.º 5/95 discutia-se a sua eventual integração na Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana, o que não veio a acontecer.
([42]) Rectificada por declaração de 13 de Agosto de 1987 (Diário da República, I Série, n.º 134, de 12 de Junho de 1987), a Lei n.º 20/87 foi alterada pela Lei n.º 8/91, de 1 de Abril.
([43]) Na alínea b) figurava a Guarda Fiscal entretanto extinta pelo Decreto-Lei n.º 230/93, de 26 de Junho; as alíneas restantes referem os órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica [alínea f)] e o Serviço de Informações de Segurança [alínea g)].
([44]) Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, diploma que foi rectificado pela Declaração de rectificação n.º 138/93 (Diário da República, I Série-A, n.º 178, de 31 de Julho) e alterado pelos Decretos-Leis n.os 298/94, de 24 de Novembro, 15/2002, de 29 de Janeiro.
([45]) A Lei n.º 5/99 foi objecto da Declaração de rectificação n.º 6/99 (Diário da República, I-A série, n.º 39, de 16 de Fevereiro de 1999), tendo sido alterada pelo Decreto-Lei n.º 137/2002, de 16 de Maio.
([46]) Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-D/2000 (Diário da República, I-A série, n.º 277 (3.º Suplemento), de 30 de Novembro de 2000) e alterado pela Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto, e pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, 304/2002, de 13 de Dezembro, e 43/2003, de 13 de Março.
([47]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro.
([48]) Nomeada pelo despacho n.º 54/MJ/96, do Ministro da Justiça (Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1996).
([49]) Aprovada em Conselho de Ministros a 3 de Julho de 1997 e publicada no DAR, II Série-A, n.º 27.
([50]) Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdades e Garantias (DAR, II Série-A, n.º 53, de 23 de Maio de 1998); Discussão na generalidade (DAR, I Série, n.º 71, de 21 de Maio de 1998) e respectiva votação (DAR, I Série, n.º 74, de 29 de Maio de 1998); Relatório, texto final, proposta de alteração e texto integral da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (DAR, II Série-A, n.º 65, de 1 de Julho de 1998); Decreto n.º 267/VII (DAR, II Série-A, n.º 70, de 29 de Julho de 1999).
([51]) No n.º 1 aditaram-se os incisos «fundadas» e «ou de haver contra si mandado de detenção»; na alínea c) do n.º 5 onde está «indicados» estava «fornecidos»; e no n.º 9 os termos «identificando» e «contactar» substituíram, respectivamente, «suspeito» e «comunicar».
([52]) José de Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 299-300.
([53]) Cf. Carlos Blanco de Morais, As Leis Reforçadas – As Leis Reforçadas pelo Procedimento no Âmbito dos Critérios Estruturantes das Relações entre Actos Legislativos, Coimbra Editora, 1998. p. 352 e segs.
([54]) É o seguinte o teor deste preceito:
«Artigo 7.º
(Cessação da vigência da lei)
1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.»
([55]) Citámos J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 165-166.
([56]) Cfr. também Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 302 e segs.; Blanco de Morais, Leis Reforçadas..., cit., pp. 338-343; Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1984, p.116; e, do Conselho Consultivo, os Pareceres n.os 20/99, de 25 de Novembro de 1999, 357/2000, de 17 de Janeiro de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 244, de 22 de Outubro de 2002), 74/2001, de 12 de Julho de 2001, ponto 10.1 (Diário da República, II Série, n.º 265, de 15 de Novembro de 2001), e 13/2004, de 1 de Abril de 2004, ponto VII-2.
([57]) De 14 de Março de 2002, ponto IV-3 (Diário da República, II Série, n.º 145, de 26 de Junho de 2002).
«(x) Note-se que também a legislação sobre identificação civil e emissão de bilhete de identidade (Lei n.º 33/99, de 18 de Maio), respeitante aos nacionais portugueses, não contém qualquer previsão de sanção pecuniária pela falta desse documento. O titular pode justificar a sua falta por extravio, furto ou roubo (artigo 41.º, n.º 1), sendo possível, nesses casos, pedir 2.ª via (artigo 19.º, n.os 1 e 2) – mas, mesmo que aquela justificação não seja verdadeira, não está prevista qualquer sanção. Entre as disposições sancionatórias, prevendo coimas (artigos 47.º a 50.º), nenhuma se refere a situações de falta de porte do bilhete de identidade.»
«(x1) Neste sentido, considerando que o conteúdo da Lei n.º 5/95 passou a fazer parte da previsão do artigo 250.º do CPP, v. José Luís Lopes da Mota, “A Revisão do Código de Processo Penal”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc. 2.º (Abril-Junho/1998), p. 191. Na mesma linha, v. Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 487, embora não tão categórico, por apenas referir genericamente que “com o novo texto deste artigo ficaram revogados dispositivos da Lei n.º 5/95”.»
([58]) Frisado acrescentado.
([59]) Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição revista e actualizada, Editorial Verbo, 2000, p. 63.
([60]) Germano Marques da Silva, Curso..., cit., p. 66.
([61]) Cf. Maia Gonçalves, Código..., cit., 13.ª edição, revista e actualizada, 2002, p. 526; e M. Simas Santos/M. Leal Henriques/D. Borges de Pinho, Código de Processo Penal, II volume, Rei dos Livros, 1996, p. 30.
([62]) Anabela Miranda Rodrigues, “O inquérito no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, 1995, pp. 71-72. No sentido de que a identificação abrangia «qualquer pessoa», v. Maia Gonçalves, Código..., cit., 1987, p. 319, e mesmo Código..., 3.ª edição, 1990, p. 372; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, p. 57.
([63]) Alexandre Sousa Pinheiro/Jorge Menezes de Oliveira, loc. cit., pp. 53-56.
([64]) Na expressão da Secretária de Estado da Justiça aquando do debate da proposta na Assembleia da República (cf., supra, n.º 3.2.1.).
([65]) Resultado da proposta de lei n.º 85/VI e do decreto n.º 161/VI.
([66]) Trata-se da Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária, Serviço de Estrangeiros e de Fronteiras e Polícia Marítima.
([67]) Neste sentido Fernando Gonçalves/Manuel João Alves, Os Tribunais as Polícias e o Cidadão, Almedina, 2000, pp. 104 e 111, onde defendem que a Lei n.º 5/95 «revogou tacitamente o art. 250.º do Código de Processo Penal, com excepção do n.º 5».
([68]) Exceptua-se um tempo verbal («fornecerem» em vez de «fornecer»).
([69]) Cf. supra, ponto 3.2.3.
([70]) Loc. cit., p. 191.
([71]) Código..., cit., 13.ª edição, 2002, pp. 525 e 526, respectivamente. No mesmo sentido, v. Fernando Gonçalves/Manuel João Alves, Os Tribunais as Polícias e o Cidadão, cit., p. 119.
([72]) Citado Parecer do Conselho Consultivo n.º 7/2002, ponto IV-3.
([73]) Parecer n.º 7/2002.
([74]) Dispõe:
«4 – Consideram-se, ainda, documentos de identificação, para os efeitos do presente artigo, os documentos referidos no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, que substituem o passaporte.»
([75]) Sirva de exemplo o documento de identificação de marítimo a que se refere a Convenção n.º 108.º da Organização Internacional do Trabalho, que, entre outros elementos de informação, deve conter o nome completo, a fotografia e a assinatura do titular (cf. o artigo 4.º, n.º 3, daquela Convenção, aprovada, para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 47 712, de 19 de Maio de 1967).