Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003238
Parecer: P000452012
Nº do Documento: PPA04012013004500
Descritores: INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
JORNALISTA
MINISTÉRIO PÚBLICO
MEDIDA CAUTELAR DE POLÍCIA
OBTENÇÃO DE PROVA
SEGREDO PROFISSIONAL
DEVER DE COLABORAÇÃO
AUTORIDADE JUDICIÁRIA
PROVA EM SUPORTE ELETRÓNICO
MEIOS DE PROVA
PRESERVAÇÃO EXPEDITA DE DADOS
COMPETÊNCIA
INQUÉRITO
CIBERCRIME
Livro: 00
Numero Oficio: S/N
Pedido: 11/28/2012
Data de Distribuição: 11/28/2012
Relator: PAULO DÀ MESQUITA
Sessões: 01
Data da Votação: 01/04/2013
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: MINISTRO ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 01/09/2013
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 21-01-2013
Nº do Jornal Oficial: 14
Nº da Página do Jornal Oficial: 2870
Indicação 2: ASSESSORA: ISABEL CAPELA
Área Temática:DIR PENAL
Ref. Pareceres:CB00041992Parecer: CB00041992
P000381995Parecer: P000381995
P000052010Parecer: P000052010
P000322010Parecer: P000322010
P000472010Parecer: P000472010
P000112011Parecer: P000112011
P000082012Parecer: P000082012
P000262012Parecer: P000262012
Legislação:EMP ART37, ALA), ART43 N1; CPA ART98 N1, ART99 N1; CPP ART53 N2 ALA), ART96 N4, ART97 N5, ART124, ART135, ART167 N1, ART174 N5, ART177 N3, ART178 N4, ART182 N1, ART249 N1, N2 ALC), ART251 N1 ALA), ART262 N1, N2, ART263, ART264, ART270, ART391-A N1, ART392 N1; L 53/2007 DE 2007/08/31 ART3 N2 ALE); L 63/2007 DE 2007/11/06 ART3 N1 ALE); DL 126-B/2011 DE 2011/12/29 ART4 N1 A), ART6 N2; CRP ART272 N2; L 109/2009 DE 2009/09/15 ART11 N1 ALC), ART12 N2, ART14; L 1/99 DE 1999/01/13 ART11; L 64/2007 DE 2007/11/06
Direito Comunitário:Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, de 16.03.2005; Convenção do Conselho da Europa n.º 185
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Texto Integral:


Senhor Ministro da Administração Interna
Excelência:


I. Consulta

Sua Excelência o Ministro da Administração Interna solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer sobre questões relativas ao acesso e visionamento por elementos das forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna de imagens colhidas por jornalistas e outros funcionários ou colaboradores de órgãos de comunicação social que estejam na posse destes[1].

O parecer foi solicitado com urgência e distribuído ao relator ao abrigo do artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público (critério de especialização).

Cumpre emitir parecer.


II. Fundamentação

§ II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico

§ II.1.1 As questões suscitadas na consulta

Os termos da consulta encontram-se estabelecidos em despacho de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna.

O texto é concluído nos seguintes termos:
«Assim, sem prejuízo da formulação e do esclarecimento de outras questões que se mostrem pertinentes durante a elaboração do parecer ou em resultado desta, pretende-se obter parecer sobre as questões seguintes:
«- Os elementos das forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna têm necessidade de obter autorização prévia de autoridade judiciária para proceder ao visionamento de imagens colhidas por jornalistas, por outros funcionários e pelos demais colaboradores de órgãos de comunicação social?
«- No caso da autorização prévia de autoridade judiciária não ser necessária basta que, das diligências instrutórias, seja remetido relatório ao Ministério Público?
«- A utilização dessas imagens pelas forças de segurança deve ser sujeita, logo que visionadas, a autorização de autoridade judiciária?
«- Ainda no caso da autorização prévia de autoridade judiciária não ser necessária, quais os deveres que impendem sobre os elementos das forças de segurança em relação aos detentores, possuidores ou proprietários de tais imagens quando estes forem jornalistas, outros funcionários ou demais colaboradores de órgãos de comunicação social?
«- Nesta matéria, em que se traduz o dever de colaboração a que as entidades públicas e privadas estão vinculadas perante as forças de segurança, e que estas podem legitimamente solicitar para o exercício das suas funções (cfr. o n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro, e no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto)?
«- Quanto às imagens objeto de visionamento pretende-se apurar a quais podem os elementos referidos das forças de segurança ter acesso; a todas as que tiverem sido recolhidas; às que o seu autor ou órgão de comunicação social permitir o acesso aos elementos das forças de segurança, às que forem publicadas ou exibidas publicamente, a quaisquer outras, nesse caso, a quais?»
«- O acesso às imagens, com as distinções referidas na questão anterior, ou outras que se revelem pertinentes, reconduz-se ao simples visionamento ou, em alguns casos, permite a obtenção de cópias. Neste último caso em que situações? E que uso podem as forças de segurança fazer das imagens visualizadas? E que uso podem fazer daquelas de que tiverem obtido cópia? Podem conservar as cópias por quanto tempo? Podem destruir as cópias? Quando? Em que condições?»


§ II.1.2 As balizas do parecer e a função do Conselho Consultivo

§ II.1.2.1 As questões suscitadas na consulta relacionam-se com o exercício de competências estaduais de órgãos concretos reportadas à «investigação criminal» por forças de segurança na dependência orgânica do Ministro da Administração Interna.

O despacho que determinou a consulta estabelece as balizas do parecer ao elencar de forma direta questões sobre as quais se pretende a pronúncia do Conselho Consultivo. Nesse despacho destacou-se que o sentido da resposta à primeira questão sobre a suscetibilidade da prática de determinados atos pela Polícia de Segurança Pública (PSP) ou pela Guarda Nacional Republicana (GNR) afeta a eventual abordagem das subsequentes ­— «No caso da autorização prévia de autoridade judiciária não ser necessária […]».

Compreende-se a referida ressalva, na medida em que no introito do despacho delimitador da consulta se colocou o foco da consulta nas atividades relativas à «investigação criminal» e apenas se referiram de forma expressa as competências estabelecidas pelo artigo 3.º, n.º 2, alínea e), da Lei Orgânica da PSP (LOPSP)[2] e pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea e), da Lei Orgânica da GNR (LOGNR)[3] reportadas a esse universo (e ao procedimento contraordenacional), excluindo-se outras competências dessas entidades policiais.

Enquadramento que é explicitado na abordagem compreensiva do ordenamento empreendida no despacho ministerial:
«Neste âmbito, importa obter esclarecimento quanto ao sentido e ao alcance das disposições conjugadas dos artigos 12.º da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro, 11.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto, e 55.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em que se estabelece que “compete em especial aos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os atos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova”. Importa, ainda, colher parecer quanto às limitações, às restrições que se devem ter em conta na interpretação daqueles preceitos.
«É que, na interpretação dos preceitos atrás referidos importará, ainda, ter em conta o dever, estabelecido no artigo 249.º do Código de Processo Penal, que impende sobre os órgãos de polícia criminal, de executar as providências cautelares que se mostrem necessárias e urgentes para assegurar os meios de prova, a que se segue a remessa do competente relatório ao Ministério Público, nos termos do artigo 253.º do mesmo Código.»

Desenvolvimento congruente com parâmetros basilares do ordenamento jurídico português em que os órgãos de polícia criminal são integrados por todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo Código de Processo Penal. Neste contexto normativo a investigação da prática de um crime é uma matéria conceptualmente distinta e inconfundível com outras competências das entidades policiais[4].

Estabelecido esse ponto de partida, importa proceder à contextualização sistémico-funcional do parecer, pois a abordagem correta da «matéria de legalidade» (nos termos da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público) envolve um enquadramento jurídico da responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz conformada pelos princípios da legalidade e objetividade.


§ II.1.2.2 O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da interpretação jurídica da lei trabalhando sobre dados de facto ligados ao passado, supondo muitas vezes um prévio trabalho teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto a eventuais opções precetivas suportadas no parecer.

Daí que a entidade consulente, quando os pareceres não são obrigatórios nem vinculativos, assuma um papel insubstituível de redução da complexidade em dois momentos em que decide com plena independência:
(1) Ao estabelecer o objeto da pronúncia sobre uma determinada questão técnica;
(2) Ao extrair as consequências, após o parecer, da opinião expendida em termos de medidas com impacto na ordem jurídica[5].

Isto é, o exercício da função consultiva envolve mecanismos de responsabilizações múltiplas, do próprio órgão consultivo através das suas estruturas argumentativas e corolários extraídos das mesmas, e do consulente ao estabelecer o objeto daquela pronúncia exclusivamente técnica em que, para empregar as palavras de Luhmann, se estabelece um território em que «a extensão e a coordenação das diversas responsabilidades não podem ser realizadas isoladamente sem considerar o contexto estrutural e programático da atividade decisória»[6].

Nessa medida, o parecer não pode abrir-se a múltiplos universos epistemológicos sem específica delimitação de uma pergunta sobre concretizadas questões jurídicas, que são as únicas sobre as quais podem incidir os pareceres facultativos do Conselho Consultivo. Interrogações que têm implicadas possibilidades abstratas de mais do que uma solução, daí a dúvida que determina a solicitação de parecer. Existe, assim, um esquema insuperável de problema / solução em que a identificação do problema jurídico numa fase primária, em que se estabelecem balizas inequívocas sobre o objeto da consulta, é uma responsabilidade do consulente.

Como se destacou no parecer n.º 4/1992 - Complementar B, de 21-9-2000[7], as diferentes aceções da função consultiva, mesmo quanto a órgãos consultivos que não estão vinculados a pronunciar-se apenas sobre os aspetos estritamente jurídicos, compreendem uma destrinça de responsabilidades funcionais entre entes, consulente e consultivo, centradas na delimitação do respetivo objeto[8].

Acresce que as funções consultivas da Procuradoria-Geral da República integram-se numa linhagem com precedentes na atribuição ao Conselho de Estado (criado pela Carta Constitucional de 1826) de funções consultivas em 1850 e na conversão em 1870 da ala administrativa desse órgão do Estado «no Supremo Tribunal Administrativo, mas com supressão das funções consultivas»[9].

Enquadramento que implica a restrição do parecer aos aspetos jurídicos previamente identificados ou decorrentes do tratamento daqueles, excluindo dimensões político-administrativas ou financeiras sobre fins e objetivos.


§ II.1.2.2 Existe uma clara componente funcional no que concerne a pareceres do Conselho Consultivo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto do Ministério Público (EMP), incidam «sobre disposições de ordem genérica», os quais sendo homologados passarão a valer «como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer». Prevendo-se no caso de o «objeto da consulta interessar a dois ou mais Ministérios que não estejam de acordo com a homologação do parecer» que a decisão compete ao Primeiro-Ministro (n.º 2 do artigo 43.º do EMP).

Se relativamente a competências do Governo é importante definir qual o membro do Governo competente para a específica matéria administrativa, por maioria de razão, numa consulta formulada pelo Governo deve ser ponderado o tratamento das questões suscitadas tendo presente as competências próprias do executivo nesse subsistema jurídico-normativo.

Cruzando-se o tema com vertentes relativas a competências jurisdicionais e tendo presente que não incumbe ao Conselho Consultivo, nesta sede, pronunciar-se sobre os temas sujeitos a ponderação judicial, a abordagem vai, tanto quanto possível, ter por referência as competências do Governo quanto a órgãos de polícia criminal dependentes organicamente do Ministro da Administração Interna e os limites advenientes, em face das específicas questões suscitadas, dos imperativos decorrentes da separação e interdependência de poderes.

Pelo que, vão excluir-se as temáticas relativas às ponderações da competência dos tribunais ou do Ministério Público em processo penal naquilo que sejam cindíveis da intervenção dos órgãos de polícia criminal dependentes organicamente do Ministro da Administração Interna.

Limitação ao desenvolvimento do parecer conformada por duas ordens de razões:
(1) A natureza da consulta dirigida à análise de um problema jurídico-prático (e não uma especulação teórica);
(2) O escopo da consulta, dirigido a eventual fixação de doutrina obrigatória para as entidades policiais PSP e GNR na medida em que estão dependentes do Ministro da Administração Interna.


§ II.1.3 A estrutura do parecer

A estrutura do parecer vai ser determinada pelas questões formuladas, desdobrando-se pelas seguintes partes:
§ II.2 A atividade objeto do parecer: Iniciativa própria da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana relativa a fins do processo penal;
§ II.3 O espectro funcional do processo penal e a notícia do crime;
§ II.4 Enquadramento das medidas cautelares e de polícia como atividade processual penal;
§ II.5 Os órgãos de polícia criminal, as provas documentais e eletrónicas e a recolha e admissão de imagens como prova em processo penal;
§ II.6 Admissibilidade de medidas cautelares e de polícia da PSP e da GNR relativas a imagens na posse de órgão comunicação social captadas por pessoas ao seu serviço.

Depois da fundamentação, serão enunciadas as conclusões do parecer visando responder às questões colocadas na consulta que não sejam prejudicadas pelas primeiras respostas.


§ II.2 A atividade objeto do parecer: Iniciativa própria da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana relativa a fins do processo penal

§ II.2.1 O parecer restringe-se às responsabilidades da PSP e GNR na interpretação e aplicação da lei

Como se destacou acima, as questões suscitadas cingem-se à atividade de órgãos polícia criminal por iniciativa própria não envolvendo decisões de entidades independentes ou autónomas como são, respetivamente, os juízes de instrução e o Ministério Público. Aliás, nas perguntas formuladas está expressamente pressuposta uma atuação policial sob o abrigo direto da lei na ausência de atribuição de qualquer encargo por autoridade judiciária.

O tratamento das questões suscitadas vai cingir-se ao universo compreensivo dos problemas de legalidade diretamente colocados na consulta (enquadrados juridicamente à luz dos critérios de objetividade e legalidade que conformam a autonomia deste ente consultivo), sem enveredar por qualquer análise epistemológica de factos que possam estar na sua génese (que extravasaria as questões formuladas pelo consulente em termos abstratos).

Pronúncia restrita a disposições de ordem genérica em matéria de legalidade cuja apreciação foi solicitada por órgão de soberania competente. Sendo este um parecer facultativo a análise deve apenas incidir sobre «as questões indicadas na consulta», atentas as disposições dos artigos 37.º, alínea a) e 43.º, n.º 1, do EMP conjugadas com as dos artigos 98.º, n.º 1, e 99.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

Neste quadro, também estão excluídas do objeto do parecer problemáticas suscetíveis de decomposição analítica relativamente às questões suscitadas nas perguntas colocadas, que se reportem a processos decisórios da responsabilidade própria de órgãos de comunicação social eventualmente interpelados pela PSP e GNR.

A ótica exclusiva do parecer compreende, assim, as autoridades e os órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR e o quadro legal de uma determinada atividade empreendida por essas entidades[10].


§ II.2.2 O parecer restringe-se a atividade da PSP e GNR relativa às finalidades do processo penal

A presente consulta reporta-se a atividade das autoridades e órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR, forças que integram a administração direta do Estado no âmbito do Ministério da Administração Interna (artigos 4.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 126-B/2011, de 29 de dezembro).

Para além do recorte subjetivo, relativo à PSP e GNR, a consulta apresenta-se complementada por uma delimitação funcional que exclui do seu âmbito atos materiais das referidas entidades que visem fins relativos às respetivas competências próprias, entre as quais ressaltam as competências de prevenção criminal autónomas da «investigação criminal» e competências administrativas, nomeadamente de índole disciplinar, por referência aos poderes hierárquicos sobre os elementos dos organismos policiais.

Delimitação cabalmente estabelecida pelo consulente, em sintonia com os parâmetros basilares do regime jurídico-constitucional que diferencia a regulação da atividade policial de competência própria e a competência de coadjuvação relativa à investigação criminal. Daí que, o diploma que regule as relações entre os diversos intervenientes no inquérito judiciário seja o Código de Processo Penal e os diferentes regimes orgânicos das entidades intervenientes (Ministério Público e entidades que têm estatuto de órgãos de polícia criminal para a investigação de determinados crimes), não interfira com esse relacionamento processual, mas apenas complete os conceitos que foram intencionalmente deixados para a legislação subsidiária[11]. Pelo que, a lei processual, ao invés de operar uma definição fechada de órgãos de polícia criminal, procedeu a um reenvio aberto que tem por referente a repartição clássica entre funções de polícia judiciária e polícia administrativa, pois «a caracterização é de ordem finalística: a polícia judiciária é uma atividade auxiliar quando levada a cabo pela Administração Pública»[12].

Isto é, o parecer não vai abordar o problema da solicitação e visionamento de imagens por parte de entidades policiais dirigidos a fins distintos dos do processo penal, nomeadamente, ações de prevenção criminal que não visem investigar a existência de um crime ou iniciativas relativas a procedimentos disciplinares no âmbito do organismo policial. Aliás, uma análise genérica de acesso a imagens por entidades policiais a imagens pecaria por uma indiferenciação de fins e competências policiais incompatível com o modelo sistémico-funcional de repartição e regulação de competências.


§ II.2.3 O parecer abrange exclusivamente a prática de atos por iniciativa própria de PSP e GNR não incidindo nos atos praticados por esses órgãos de polícia criminal ao abrigo de despacho de autoridade judiciária

Na fundamentação e conclusão do despacho que determinou a consulta, em coerência com o referido pressuposto sobre a dependência de PSP e GNR, exclui-se do objeto do parecer a atividade processual penal dessas entidades policiais por encargo de autoridade judiciária.

O universo fenomenológico objeto do parecer não compreende, assim, atos praticados por órgão de polícia criminal ao abrigo de despacho de autoridade judiciária, ainda que de «natureza genérica».

A linha de fronteira do objeto do parecer acabada de destacar resulta do texto da consulta e constitui, ainda, decorrência:
a) De um imperativo epistemológico;
b) De um pressuposto jurídico-constitucional.

No plano epistemológico-jurídico, os instrumentos conformadores da atividade dos órgãos de polícia criminal não têm como fonte exclusiva a lei mas podem compreender um espaço de atuação por encargo em que as respetivas balizas são estabelecidas por instrumento infralegal, um despacho de autoridade judiciária designado na lei como delegação da competência.

Essa matéria nunca poderia ser abrangida pelo objeto do presente parecer porque:
1- A consulta não se reporta a qualquer despacho de delegação da competência genérico ou específico;
2- Metodologicamente a análise e apreciação do espaço de ação de órgãos de polícia criminal no quadro de delegação da competência depende de um pressuposto gnoseológico: o conhecimento do despacho, enquanto fonte legitimadora da atividade policial (que não foi mencionado na consulta que também não se reporta a tipos de crime específicos objeto do processo penal).

Por seu turno, o enquadramento do consulente implicaria sempre como vinculante metódica a discriminação da dependência funcional do órgão de polícia criminal em relação ao Ministério Público da dependência orgânica relativamente ao Governo, e que se extraíssem dessa decomposição analítica limites às linhas de intervenção de uma e outra entidade.

Plano com dimensão constitucional, desde logo, ao nível do artigo 2.º da Constituição onde, após a revisão de 1997, como destacam Gomes Canotilho e Vital Moreira, se «incluiu expressamente o princípio da separação e interdependência dos poderes como princípio fundamental constitutivo do estado de direito democrático»[13].

Como também referem os aludidos autores:
«A separação e interdependência permitem definir competências separadas, controlos mútuos e garantias de defesa dos direitos fundamentais. A imbricação das duas dimensões – democrática e de estado de direito – no princípio da separação e interdependência radica nas ideias básicas inerentes à fundamentalidade deste princípio: exercício adequado e não arbitrário do poder, racionalização do esquema organizatório do poder, controlo recíproco de poderes, limite de poderes. Dito por outras palavras: o princípio fundamental da separação e interdependência de poderes desempenha uma pluralidade de funções constitucionais: função de medida, função de racionalização, função de controlo e função de proteção.»

A matéria relativa aos corolários e implicações dos despachos de delegação de competência do Ministério Público nos órgãos de polícia criminal reporta-se à dependência funcional destes relativamente àquele e não à dependência orgânica relativamente ao Governo, pelo que não pode neste domínio operar-se uma interferência do executivo em áreas de responsabilidade do judiciário[14].

A delimitação das medidas cautelares e de polícia (ou atos por iniciativa própria de órgãos de polícia criminal) é estabelecida por um critério funcional indissociável das reservas judiciárias sobre o processo penal e o inquérito como atividade.


§ II.3 O espectro funcional do processo penal e a notícia do crime

A perspetiva funcional enforma o inquérito como específica fase processual por via da correlação de três fatores: notícia do crime, investigação do crime e decisão sobre o exercício da ação penal.

O processo penal (e a fase de inquérito) nasce com a notícia do crime (e não com o cometimento do crime que é o momento de realização do direito penal), e os pressupostos da notícia do crime estão ligados às categorias axiológicas do direito penal. Conceito de notícia do crime revelador da autonomia teleológica do processo penal (ou mais propriamente da diversidade de objetos do processo penal e do direito penal substantivo), embora, em simultâneo, constitua uma figura indissociável da categoria crime do direito penal.

Delimitar pressupostos e contornos que um ato comunicacional tem de preencher para ser uma notícia do crime (funcionalmente relevante para a abertura da fase de inquérito do processo penal) apresenta-se, antes do mais, como uma problemática que envolve um fator presente em diferentes dimensões do procedimento de investigação criminal: os limites à intervenção estadual, no caso consubstanciados na notícia do crime enquanto pressuposto do desenvolvimento de um universo linguístico específico, a fase de inquérito do processo penal[15].

Conceito de notícia do crime que tem, desde logo, de ser objeto de uma delimitação negativa relativa à exigência de se reportar a um facto específico que constitua a mola idónea para o desenvolvimento de um procedimento investigatório relativo a um evento histórico[16].

Em termos procedimentais, a notícia do crime integra a informação de um facto destinada ao Ministério Público ainda que tramitada através de uma outra entidade que tem a obrigação de a transmitir, o embrião da questão penal na expressão do processualista italiano Franco Cordero.

Numa análise diacrónica podem identificar-se duas fases ao nível das operações valorativas a empreender pelo Ministério Público sobre o expediente que lhe é apresentado e se afigura suscetível de configurar uma notícia do crime:
1.º Compete em especial ao Ministério Público receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes[17].
2.º Aberto inquérito, impõe-se um outro juízo valorativo ao titular da ação penal (da responsabilidade do magistrado a quem é distribuída a direção dessa fase processual): determinar o curso do inquérito como atividade[18].

Cânones que se relacionam de forma direta com as funções do Ministério Público estabelecidas na lei processual e revelam que a análise do problema objeto da consulta, nomeadamente enquanto aspeto correlacionado com os limites da ação estadual, deve compreender uma análise integrada desses dois vetores ou responsabilidades decisórias do Ministério Público: (1) a abertura de inquérito e (2) a direção do inquérito.

O poder jurídico de direta orientação dos órgãos de polícia criminal detido pelo Ministério Público na fase de inquérito corresponde à garantia da titularidade do inquérito.

A delegação de competência circunscreve‑se ao encargo de proceder a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito, pelo que não se inserem nesse conceito outros atos que competem em especial ao Ministério Público e constituem competências indelegáveis, em particular, (a) a promoção processual no sentido de apreciação do seguimento a dar a uma denúncia e (b) o poder de direção do inquérito no sentido do poder de comando técnico‑jurídico da atividade do inquérito[19].

A decisão de abertura do inquérito relaciona‑se diretamente com a direção do inquérito, mesmo no sentido mais restrito de controlo do inquérito. No nosso sistema processual está consagrado o monopólio do Ministério Público para a iniciativa de abrir inquérito, competência inconfundível com o inquérito enquanto atividade. Já a atribuição da competência de coadjuvação aos órgãos de polícia criminal, fora do quadro de urgência e perigo na demora, depende da mediação do Ministério Público através do despacho de delegação de competência.

Em consequência, afigura-se incompatível com as competências de coadjuvação dos órgãos de polícia criminal atos de investigação por iniciativa própria insuscetíveis de ser enquadrados nas medidas cautelares e de polícia que:
(1) Sejam praticados em momento anterior à comunicação da notícia do crime, ou
(2) Realizados posteriormente àquela comunicação não respeitem os precisos termos (temporais e substanciais) da delegação de competência[20].

Limites temporais e materiais que conformam o manto legitimador de um despacho do Ministério Público como fonte do encargo de realização de quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito. Atos praticados por encargo da autoridade judiciária que a lei processual designa como atos delegados sem correspondência com o conceito jurídico-administrativo de delegação, pois o termo «delegação» empregue na lei processual penal corresponde simplesmente à expressão corrente e normal com o significado de encarregar outrem[21].

Parâmetros que, em face do escopo do parecer, obrigam ao enquadramento dos atos por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal que visem fins do processo penal, designados no Código de Processo Penal como medidas cautelares e de polícia, a qual se vai empreender de seguida.


§ II.4 Enquadramento das medidas cautelares e de polícia como atividade processual penal

A destrinça entre os atos dos órgãos de polícia criminal praticados por iniciativa própria e os atos realizados por encargo de autoridade judiciária constitui pauta metodológica preliminar que já conformou abordagens deste Conselho Consultivo sobre a competência dessas entidades na prossecução de fins do processo penal[22].

Retornando à vertente diacrónica, a aquisição da notícia do crime por conhecimento próprio de órgãos de polícia criminal, no estrito plano processual penal, não beneficia de qualquer particularidade, para além das tramitações especiais determinadas pelo Ministério Público com base em autos de notícia.

Em termos de responsabilização procedimental emergem as especificidades dos órgãos de polícia criminal aos quais compete, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir tanto quanto possível as suas consequências. Em contraponto, pré‑inquéritos na sequência da aquisição da notícia do crime não têm enquadramento jurídico‑legal, pois a notícia do crime determina o dever de comunicação ao Ministério Público e, para este órgão, a obrigatoriedade de abertura do processo penal. Sublinhe‑se, ainda, que tal obrigação implica a efetivação de controlo sobre todas as eventuais atividades heurísticas baseadas em suspeitas de crimes levadas a cabo por órgãos de polícia criminal (independentemente do nome que em termos de procedimentos burocráticos se lhes atribua).

Os atos cautelares praticados pelos órgãos de polícia criminal, embora possam vir a integrar o processo, não são no momento da sua prática atos processuais em sentido formal, pelo que a sua integração no processo depende de um ato decisório da autoridade judiciária que então assumirá uma responsabilidade própria[23].

A relevância processual penal da iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal compreende, assim, o surgimento da notícia do crime em sentido material e a realização de atos fundados numa pressuposta notícia do crime ou relacionados com uma notícia do crime.

A iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal obedece a dois vetores principais:
1 — Os atos cautelares e de polícia integram‑se nas finalidades do processo penal, agindo as entidades policiais em substituição precária da autoridade judiciária;
2 — Os atos cautelares e de polícia dependem dos pressupostos de necessidade e de urgência, isto é, de um circunstancialismo que exige uma intervenção pronta da entidade policial, sendo globalmente norteados por um princípio de eficácia que justifica que atuem sem prévia solicitação da autoridade judiciária, o que apenas pode ocorrer dentro de rigorosos pressupostos legais.

A diferença estrutural entre os atos por iniciativa própria e os atos por encargo reside, assim, na legitimação ope legis dos primeiros fundada no perigo na demora, sendo os atos por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal conformados pelos princípios da necessidade e urgência da intervenção policial e vinculados ao dever de ser transmitida imediata notícia à autoridade judiciária[24].

Contexto em que a atividade por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal apresenta quatro características processuais: «obrigatória», «preliminar», «temporária» e «auxiliar»[25].

O pressuposto nuclear dos atos por iniciativa própria classificados como medidas cautelares e de polícia é o de que se têm de reportar a fins do processo penal os quais, no caso de atividade anterior à decisão do Ministério Público sobre o exercício da ação penal, são enunciados no artigo 262.º, n.º 1, do CPP: Investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre o exercício da ação penal.

Já o principal fator caracterizador destas medidas, por contraponto à atividade por encargo atribuído por autoridade judiciária, é a circunstância de as respetivas coordenadas serem estabelecidas ope legis.

Postulado que implica, ainda, que as autoridades e os órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR apenas possam desenvolver ações por iniciativa própria quanto à perseguição criminal que lhes sejam atribuídas por lei. Obrigatoriedade de fonte legal determinada pela dicotomia entre atos por iniciativa própria e atuação por encargo presente na alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º da LOPSP e na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da LOGNR:
«Desenvolver as ações de investigação criminal e contra-‑ordenacional que lhe sejam atribuídas por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas.»

Pressuposto metodológico que foi integrado no despacho que determinou a consulta, no sentido de que a primeira pergunta que se impunha abordar é a de saber se a atividade de acesso e visionamento de imagens captadas por operadores ao serviço de órgãos de comunicação social e detidas por estes pode ser empreendida por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal no âmbito da «investigação criminal». Estando a pertinência de eventual resposta às outras perguntas colocadas (sobre requisitos específicos, procedimentos que devem ser adotados e efeitos na interação comunicativa com jornalistas e outros agentes dos órgãos de comunicação social, deveres de comunicação superveniente) na dependência lógica de uma resposta afirmativa à primeira questão[26].

Quanto ao processo penal, o artigo 249.º, n.º 1 do CPP prevê uma cláusula relativamente aberta sobre medidas cautelares e de polícia conformadas pelos pressupostos da urgência e perigo na demora e respetivo quadro operativo delimitado, atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova[27].

Cláusula aberta do artigo 249.º, n.º1, do CPP que se limita aos atos por iniciativa própria quanto a matérias relativamente às quais o Ministério Público pode atribuir o encargo da sua realização a órgãos de polícia criminal, intervenções policiais que não se encontrem excecionadas pelo disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CPP. Devendo considerar-se que o artigo 270.º, n.º 2, do CPP estabelece um princípio que vale para toda a atividade das autoridades e órgãos de polícia criminal que exclui as matérias objeto da «competência reservada da autoridade judiciária»[28].

Reserva da competência judiciária em que ressaltam duas categorias de atos essenciais que devem estar presentes na interpretação das normas de competência em matéria de medidas cautelares e de polícia:
- Atos da competência exclusiva do juiz de instrução que integram a reserva de juiz ou reserva de competência judicial[29];
- Atos que a lei expressamente determinar que sejam presididos ou praticados pelo Ministério Público.

Exigência de fonte legal específica para medidas cautelares e de polícia relativas a atos que integrem a reserva judiciária (em que as autoridades judiciárias não podem atribuir o encargo da decisão sobre os mesmos a autoridades ou órgãos de polícia criminal) que constitui um imperativo decorrente de uma interpretação sistemático-teleológica da função de coadjuvação das entidades policiais. A previsão legal específica constitui, nesta leitura, a linha de fronteira que permite, para utilizar a terminologia de José Faria Costa, concluir que as situações-desvio se mantêm dentro dos limites do razoável[30].

Matriz conforme imperativos constitucionais com abrigo no artigo 18.º da Constituição e que se revela na circunstância de a lei processual completar a cláusula geral do n.º 1 do artigo 249.º do CPP com regras relativas a situações específicas da reserva judiciária, no sentido de que se trata de decisões que sem essas previsões especiais, seriam insuscetíveis de atribuição do encargo decisório a autoridades ou órgãos de polícia criminal (caso dos artigos 174.º, n.º 5, 177.º, n.º 3, 178.º, n.º 4, 249.º, n.º 2, alínea c), 251.º, n.º 1, alínea a), do CPP)[31].

Em face do exposto, as autoridades e os órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR podem, por iniciativa própria que vise a prossecução de fins do processo penal, praticar:
1- Todos os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova quanto a matérias que não integrem a reserva judiciária legal;
2- Os atos permitidos por previsão legal especial e dentro dos estritos pressupostos jurídico-normativos relativamente a matérias previstas nas reservas de competência das autoridades judiciárias (v.g. artigos 174.º, n.º 5, 177.º, n.º 3, 178.º, n.º 4, 249.º, n.º 2, alínea c), 251.º, n.º 1, alínea a), do CPP).

Arquitetura processual penal portuguesa em que os limites a intromissões policiais constituem vias preventivas de proteção de postulados axiológicos (como a proteção do domicílio, privacidade, liberdade pessoal, segredos profissionais).

Regras de competência de antecipação de tutela ou proteção preventiva que se revelam numa técnica normativa focada na previsão das normas. Se a previsão referir que os atos processuais são da competência do juiz, do Ministério Público ou da autoridade judiciária (o juiz, o tribunal ou o Ministério Público em função da fase processual) estamos perante matéria da «competência reservada da autoridade judiciária».

Os parâmetros de leitura das medidas cautelares e de polícia como regras de competência conformam, no plano normativo, as próprias medidas de polícia administrativa. Acompanhando-se neste ponto a abordagem de Pedro Lomba, focada nas implicações do atual regime constitucional, quando destaca que o n.º 2 do artigo 272.º da Constituição comporta «um duplo significado: por um lado as medidas de polícia devem estar previstas na lei (princípio da tipicidade); por outro as medidas de polícia visam proteger interesses coletivos definidos também na lei»[32]. Autor que, mais à frente, acrescenta: «As medidas de polícia constituem competências de atuação administrativa típicas. As normas de polícia são, em boa verdade, normas de competência. É esse o sentido do princípio da legalidade do poder de polícia»[33].

Retornando a um tópico que já foi abordado acima, o universo de poderes no quadro de medidas cautelares e de polícia reporta-se a funções de coadjuvação proactiva dos órgãos de polícia criminal relativamente às autoridades judiciárias.

Pelo que, o campo de atos que podem (ou não) ser praticados nesse domínio, de substituição precária da autoridade competente, não deve ser confundido com a suscetibilidade de atos materiais similares no quadro das competências precípuas das entidades policiais[34].

Como se destacou no parecer n.º 8/2012, de 27 de setembro de 2012[35]:
«No modelo jurídico-constitucional português, em matéria de ilícitos criminais a separação de atribuições repressivas e preventivas está associada à distinção de fins, ainda que com elementos de interdependência, entre a justiça penal e a polícia em sentido estrito (prevista no artigo 272.º da Constituição). Contexto em que as autoridades policiais devem, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir tanto quanto possível as suas consequências, para além de incumbir à polícia prevenir a prática de quaisquer crimes.
«Uma ação estadual unitária no plano empírico (por exemplo na sequência da notícia de um crime) pode compreender cumulação de finalidades, mas nas operações valorativas e decisórias, pelo menos fora de um quadro de urgência, deve sempre subsistir “a delimitação funcional e orgânica” quanto a cada uma das dimensões. Por outro lado, existindo múltiplas continuidades entre, por um lado, funções policiais em sentido estrito, e, por outro, atividades repressivas, expressas designadamente na substituição excecional das autoridades judiciárias por órgãos de polícia criminal, o padrão de legalidade procedimental deve sempre conformar as duas atividades.
«As medidas de dupla função que envolvem mais do que um tipo de finalidade exigem delicadas operações de concordância prática, em que se exige a ponderação dos fins prosseguidos e dos meios necessários, pertinentes, adequados e proporcionais[36].
«Este é um universo problemático que marca a intervenção da PSP e da GNR em face da notícia de crimes, já que constitui atribuição nuclear dessas entidades “prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança”[37]».

Em síntese, a questão de saber se as pessoas interpeladas em atividade por iniciativa própria de órgão de polícia criminal visando fins do processo penal têm o dever de colaboração depende da questão prévia de saber se a entidade policial tem competência conferida pela lei para aquela ação.


§ II.5 Os órgãos de polícia criminal, as provas documentais e eletrónicas e a recolha e admissão de imagens como prova em processo penal

§ II.5.1 O inquérito e a prova

A dimensão da atividade da GNR e PSP objeto do parecer reporta-se, exclusivamente, à indagação factual em processo penal numa fase anterior ao exercício da ação penal.

Atividade conformada pelo escopo específico da fase de inquérito do processo penal, na qual a estrutura acusatória se reflete em dois planos essenciais: (a) autonomia entre o órgão que dirige a fase de inquérito (e exerce a ação penal) e o órgão com competência decisória em sede de restrição de direitos, liberdades e garantias e (b) o princípio de que os atos do inquérito não são provas em sentido estrito, pois as provas devem ser adquiridas no contraditório entre sujeitos processuais e não se pode falar de contraditório numa fase em que não vale «a regra da participação contemporânea e oposta da altera pars na reconstituição dos factos e suas circunstâncias»[38].

No sistema vigente as provas devem ser produzidas, reproduzidas ou examinadas no momento de plena jurisdição, o julgamento, com respeito das garantias de defesa e contraditório. Quadro em que o sentido funcional da atividade cognitiva pré-acusatória é o de habilitar a entidade competente a proferir a decisão sobre o exercício da ação penal[39].

Em resumo, a atividade indagatória relativa ao inquérito não se confunde com o conceito de prova, e muitos dos dados informacionais recolhidos não se apresentam suscetíveis de constituir prova admissível em julgamento, podendo dizer-se que inquérito e prova integram áreas diversas segundo uma repartição inerente ao modelo acusatório vigente.

Vertente especialmente marcante na prova testemunhal em sentido amplo (abrangente além de testemunhas em sentido estrito de outras fontes pessoais de prova que não o arguido), relativamente à qual ressaltam como características fundamentais a dimensão narrativa e o programa processual no sentido de que se trata de uma prova constituenda no quadro da interação comunicativa em que participam, pelo menos, a fonte pessoal, o juiz, o defensor e o magistrado do Ministério Público. Uma prova que se deve formar no âmbito do julgamento, apresentando o procedimento legal definido uma natureza vinculativa, taxativa e exclusiva[40].

Sistema probatório que, contudo, também compreende provas pré-‑constituídas, entre as quais emerge a importância fundamental da categoria documento.


§ II.5.2 As provas documentais e eletrónicas e as imagens objeto do parecer

No atual direito português está consagrado um conceito amplo e heterogéneo de documento para efeitos de prova, qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

Ideia abrangente de documento perfilhada na lei processual penal sobre a forma de corporização (escrito ou qualquer outro meio técnico) em que se traça uma descrição do conteúdo (declaração, sinal ou notação) e não do objeto do documento, vertentes em que o intérprete é reencaminhado para a lei penal[41].

Prova documental que, como categoria abrangente, vê a complexidade originária acentuar-se num mundo em que se alteraram artefactos e a ampliação das comunicações humanas através de mecanismos transmissores da palavra e plúrimas formas de captação e registo digital de imagem e sons num contexto de desmaterialização acelerada.

Campo profundamente marcado pelas etapas mais recentes da Terceira Revolução Industrial, em que emerge um novo conceito integrável na categoria mais ampla das provas documentais:
A prova eletrónica que integra as provas pré-constituídas que se apresentam na forma digital e não em suporte papel ou outro meio tangível.

As expressões do universo específico das provas eletrónicas no processo penal ao nível do código apresentam-se de forma dispersa e atomizada, mas ganharam nova dimensão com a lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro) resultante de obrigações internacionais do Estado português por força da Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, de 16-3-2005 e, fundamentalmente, da Convenção do Conselho da Europa Sobre Cibercrime CTS n.º 185 (aprovada pela Resolução n.º 88/2009, de 15-9-2009[42]).

Lei do Cibercrime que integrou na ordem legal portuguesa um conceito com componentes específicas em termos processuais penais, «a prova em suporte eletrónico» ou em suporte digital. Novo regime em que se apresentam essenciais duas categorias legais, adotadas a partir da Convenção sobre o Cibercrime nas alíneas a) e b) do artigo 2.º da Lei do Cibercrime:
«a) “Sistema informático”, qualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados ou associados, em que um ou mais de entre eles desenvolve, em execução de um programa, o tratamento automatizado de dados informáticos, bem como a rede que suporta a comunicação entre eles e o conjunto de dados informáticos armazenados, tratados, recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles dispositivos, tendo em vista o seu funcionamento, utilização, proteção e manutenção;
«b) “Dados informáticos”, qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma suscetível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função.»

Cruzando conceitos, um dos polos da consulta é a categoria fenomenológica «imagens que se encontrem na posse de órgãos de comunicação social» e o objeto do parecer, em termos de universo empírico, restringe-se a imagens já «colhidas». Convocando-se este ente consultivo para uma problematização sobre o acesso e visionamento de imagens captadas e detidas por órgãos de comunicação social tal implica, necessariamente, que as imagens já estejam num determinado suporte o qual, em abstrato, pode ser material ou digital.

Para efeitos de processo penal as «imagens» de que o mesmo trata são documentos suscetíveis de serem admitidos e valorados como prova (artigos 164.º, n.ºs 1 e 2, 165.º, n.º 1 e 167.º, n.º 1, do CPP). Dimensão a que acresce uma outra, as imagens de que trata este parecer são documentos que podem estar sujeitos a regras especiais de recolha de prova no caso de se encontrarem em suporte digital.


§ II.5.3 A recolha e admissão de imagens como prova e os regimes sobre a obtenção de provas documentais e eletrónicas

O suporte digital apresenta-se hoje claramente como o principal instrumento de arquivo e preservação de imagens, em particular de vídeos (que constituem, aparentemente, o principal foco de interesse da consulta) e na organização de registos e arquivos dos órgãos de comunicação social. Acresce que na maior parte dos casos a captação é empreendida por câmaras digitais em que embora as lentes, tal como nas câmaras analógicas, representem uma função inicial em que a luz é transmitida a um sensor a «imagem» registada no equipamento já corresponde a «dados informáticos»[43].

As imagens em suporte digital integram o conceito de prova em suporte eletrónico objeto de um regime especial de recolha de prova consagrado na Lei do Cibercrime.

Na parte relativa à prova eletrónica, a Lei do Cibercrime visou cumprir obrigações do Estado português derivadas da Convenção do Conselho da Europa sobre recolha de prova eletrónica suprindo uma lacuna do direito processual penal em termos amplos e abrangentes da generalidade dos crimes.

Com efeito, na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei do Cibercrime, prosseguindo uma obrigação a que o Estado Português se vinculou, prescreve-se que as disposições processuais previstas no capítulo III dessa lei, com exceção das previsões dos artigos 18.º e 19.º, se aplicam «a processos relativos a crimes […] em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico». Prescrição que implica, apesar de o legislador não ter assumido a via sistemática de integração dos novos normativos do capítulo III da Lei do Cibercrime no Código de Processo Penal, que o intérprete aborde o capítulo III da Lei do Cibercrime, como um novo capítulo V («da prova eletrónica») do título III («meios de obtenção de prova») do livro III («da prova») do Código de Processo Penal ou múltiplas normas integráveis em diferentes capítulos do referido título III sobre meios de obtenção de prova[44].

Regime que implica, no caso de imagens em suporte digital, a necessidade de articular as regras sobre meios de obtenção de prova consagradas no Código de Processo Penal com as regras prescritas no capítulo III da Lei do Cibercrime. Cruzamento de regimes que envolve relações de especialidade entre normas, caso em que, seguindo os critérios doutrinários clássicos, sobrepondo-se previsões deve aplicar-se a regra especial sendo a regra geral apenas aplicável naquilo que não for regulado na especial e que se compatibilize com esta.

Vertente em que importa relembrar pautas importantes sobre o critério de especialidade destacados no parecer n.º 26/2012, de 16 de setembro de 2012[45]:
«O recurso ao axioma lex specialis derogat legi generali depende da demonstração da especialidade de uma das normas relativamente à outra. Pressuposto hermenêutico que depende de uma interpretação cautelosa, que, não pode ser deturpada por simplismos metodológicos.
«Uma aparente relação de especialidade pode corresponder a relações de interferência normativa distintas e às quais não é aplicável o critério de especialidade. Ilustrando, os âmbitos de previsão de duas normas, a e b, sobre segredos podem reportar-se a duas tipologias de sigilos, intersetando-se as respetivas previsões em termos complexos pela circunstância de, em concreto, se revelar a possibilidade de haver situações jurídicas que preenchem os preceitos a e b, apenas integram o a sem preencher o b e vice versa.»

Qualificação das regras sobre recolha de prova em suporte eletrónico como regras especiais que se apresenta inconfundível com uma designação dessas normas como excecionais relativamente às do CPP que, na nossa perspetiva, se apresentaria conceptualmente infundada. Como se destacou no parecer deste Conselho Consultivo n.º 47/2010, de 13-10-2011, a qualificação como excecional de uma norma exige, à luz de cânones clássicos, que a mesma contrarie a valoração ínsita à regra e prossiga finalidades particulares, e se se aprofundar uma ponderação teórica exigente da categoria, a mesma reporta-se a regras que «vão contra um princípio fundamental do direito – contra rationem iuris»[46].


§ II.5.4 A prova em processo penal e os limites à intervenção do executivo

Existe uma dimensão que não pode ser olvidada sobre a natureza da intervenção por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal no processo penal, em particular no que concerne à recolha de prova: O caráter de substituição precária da autoridade judiciária a quem a lei atribui a competência.

Perspetiva que conforma, no caso de estritas medidas cautelares e de polícia que não se integrem em medidas de dupla função[47], as inferências empreendidas pelas polícias enquanto operações subordinadas às funções policiais de substituição precária de autoridades judiciárias e finalisticamente vinculadas a atos que têm de integrar os pressupostos de urgência e perigo na demora, isto é, a inviabilidade de contacto tempestivo de magistrado do Ministério Público.

Pelo que, o visionamento de imagens a que se reporta a consulta, ainda que admissível, nunca se poderia configurar como valoração probatória em sentido próprio (a que se reporta, nomeadamente, o artigo 167.º, n.º 1, do CPP), mas como um mero passo de uma intervenção «obrigatória», «preliminar», «temporária» e «auxiliar»[48]. Medida obrigatoriamente sujeita a dois pressupostos fundamentais
1 — Atos cautelares integrados nas finalidades do processo penal, em que as entidades policiais intervêm em substituição precária da autoridade judiciária;
2 — Atuação subordinada aos pressupostos de necessidade e de urgência, condição necessária para agirem sem prévia solicitação da autoridade judiciária.

A divisão de responsabilidades funcionais entre autoridades judiciárias, o Governo e entidades organicamente dependentes deste foi objeto de ponderação no recente parecer n.º 26/2012, de 16 de setembro de 2012 deste Conselho Consultivo[49]:
«Na organização política consagrada no sistema jurídico-constitucional português, o processo penal, enquanto universo prático-jurídico, compreende uma reserva judiciária em que se articulam as competências do Ministério Público, relativas à ação penal, com as dos tribunais judiciais, órgãos de soberania independentes responsáveis pela repressão criminal. Vertentes que implicam que a aplicação do direito aos casos concretos em processo penal não integre as competências do Governo, pautas que conformam o disposto nos artigos 32.º, 165.º, n.º 1, alínea c),182.º, 202.º, n.ºs 1 e 2, e 219.º, n.º 1, da Constituição, sem prejuízo do dever de «coadjuvação» dos tribunais (diretamente prescrito no n.º 3 do artigo 202.º da Constituição).
«Em síntese, a intervenção judicial no âmbito da punição coerciva estadual está inserida num procedimento que se baseia num desdobramento funcional que envolve o Ministério Público, recorrendo à fórmula de Carnelutti, o ius puniendi implica a par da jurisdição a ação, sendo independente da função administrativa encabeçada pelo Governo.
«Coordenadas jurídico-constitucionais que se afiguram incompatíveis com soluções jurídicas em que as ponderações de valores relativas à aplicação do direito ao caso concreto para os fins do processo penal fossem empreendidas pelo executivo no quadro de um interação comunicativa com um interessado particular (arguido ou outro) e num procedimento alheio às autoridades judiciárias.
«Opções fundamentais do sistema constitucional português consagrado em 1976 que, nesta parte, já se tinham revelado em legislação anterior à aprovação do texto constitucional, nomeadamente, a eliminação da “garantia administrativa” determinada pelo Decreto-Lei n.º 74/75, de 21 de fevereiro, em nome da rotura com o Estado Novo, que pôs fim, de acordo com o preâmbulo desse diploma, a “um instituto injustificado no regime deposto e, por maioria de razão, sem lugar no quadro legal que rege hoje a vida democrática do Estado”.
«Modelo sobre a repressão criminal em que a combinação da garantia judiciária com o fim da garantia administrativa envolve, além de uma arquitetura de poderes estaduais, uma dimensão mais vasta do controlo dos poderes públicos, onde estão incluídas as entidades responsáveis pela efetivação da repressão criminal. Daí que, à luz do novo quadro constitucional a ação penal popular, que já era admitida no processo penal anterior, se passe a sustentar em novos parâmetros como expressão de um direito de ação constitucionalmente tutelado.»

Reservas judiciárias estabelecidas pela lei portuguesa que marcam ainda dimensões do direito probatório, como também foi destacado no parecer n.º 26/2012:
«No Estado de direito apresenta-se nuclear a legitimação dos veredictos penais o que se articula com o imperativo de a descoberta da verdade factual constituir um objetivo central do julgamento sem, contudo, ser o único.
«O direito probatório penal compreende um corpo de regras que determinam a informação que deve ser adquirida e valorada no processo e a forma como pode ser obtida a prova, num contexto de realização do direito penal com reservas constitucionais. Nesse corpo de regras estão, designadamente, compreendidas vertentes epistemológicas relativas à descoberta da verdade (com dimensões gnoseológicas sobre a fiabilidade do conhecimento do facto) e vertentes políticas relativa ao exercício legítimo da pretensão punitiva do Estado (envolvendo direitos fundamentais).
«O conjunto de regras e mecanismos para as inferências sobre os enunciados de facto estabelecido no direito probatório integra uma arquitetura conformada por uma pluralidade de coordenadas adotadas para a repressão do crime numa determinada sociedade.
«Nas questões de direito probatório as razões epistemológicas e as políticas podem confluir ou divergir quanto à via de solução. Existe uma tensão com a consequente necessidade de ponderação de valores (em primeira linha pelo legislador e, numa segunda fase, pelos intérpretes e aplicadores), num quadro em que as razões da verdade num Estado de direito democrático podem colidir com exigências do processo, do Due Process, do fair trial, que constrangem o recurso a todos os meios epistemologicamente mais fiáveis, ou ainda valores políticos que obstam à consagração de factos com determinado sentido, apesar de os mesmos serem os mais prováveis no plano epistemológico.»
«A reconstrução da verdade material do evento histórico pode, assim, ser condicionada por outros valores. A verdade processual pode, por razões políticas, ser limitada por regras que confinam o acesso à verdade material. Plano em que o Código de Processo Penal português de 1987 se destacou pela consagração da ideia de proibições de prova, com subsistência do esquema de invalidades. Um modelo com interseções e articulações geradoras de específicas dificuldades técnico-jurídicas, face à pretendida superação dos arquétipos do anterior modelo misto (o formalismo processual exacerbado e o substancialismo no julgamento de facto), e à ponderação (além das regras sobre o rito processual, em especial eventuais invalidades e seus efeitos) de proibições de prova determinadas por imperativos axiológico-constitucionais.
«Nos sistemas processuais penais de matriz francófona, a partir do século XIX existiu um enfoque na regulação do rito em que o sancionamento como nulidade estribava obstáculos à descoberta da verdade, posteriormente desenvolveram-se outras categorias jurídicas nos processos penais da Europa continental, por cruzamentos do direito comparado, nomeadamente a fixação de proibições de prova que tanto podem derivar de motivos epistemológicos para minorar o erro como de razões políticas intrínsecas ou extrínsecas ao processos. Modelos em que o reconhecimento de uma política processual extrínseca legítima que obste à obtenção de uma prova ou condicione a produção de prova (como o segredo de Estado) pode exigir um balanceamento com políticas processuais intrínsecas (designadamente, relativas a parâmetros sobre os direitos de defesa).
«Fatores fundamentais sobre a problematização do direito probatório penal contemporâneo que, no plano da aplicação do direito, se centram numa dimensão judiciária que escapa a competências prescritivas do poder executivo na sua relação com os particulares […].»

A doutrina preconizada nos trechos transcritos do parecer n.º 26/2012 repercute-se na matéria objeto do presente parecer em dois parâmetros centrais:
1- Relativamente a todas as questões de recolha de prova para efeitos de processo penal os órgãos de polícia criminal estão funcionalmente dependentes da autoridade judiciária;
2- A legitimidade da atuação dos órgãos de polícia criminal depende:
(a) da atribuição de encargo para esse efeito pela autoridade judiciária, ou
(b) de a medida se integrar em medida cautelar e de polícia em que a atuação por iniciativa própria se tem de fundar na lei.

Quadro em que a autoridade judiciária competente está, nomeadamente, vinculada ao artigo 124.º do Código de Processo Penal ao determinar perante outras entidades as diligências relativas ao objeto da prova que é constituído por todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.

Em complemento deve destacar-se que a análise de parâmetros abstratos, aqui empreendida, sobre disposições genéricas relativas a medidas cautelares e de polícia não se confunde com as funções da autoridade judiciária que casuisticamente aprecia a ação policial cuja intervenção integra vetores insuscetíveis de sínteses artificiais. Em particular, as iniciativas policiais podem ser determinadas por componentes preventivas que alteram drasticamente os parâmetros de decisão policial e de integração processual judiciária.

Importa realçar, assim, que a legitimidade da finalidade processual penal, independentemente de a medida de polícia obedecer a uma exclusiva finalidade processual ou uma dupla função, deve ser analisada à luz das categorias que originariamente determinam o ato em causa, tendo sido esboçados alguns tópicos sobre a operação judiciária envolvida que aqui apenas se recordam sumariamente em termos ilustrativos da constelação de problemas aplicativos que escapam ao tema do presente parecer:
1- A iniciativa própria de investigação criminal quando autonomizável tem de obedecer aos pressupostos da urgência e perigo na demora;
2- A apreciação judiciária dessa intervenção terá de compreender o processo causal na sua globalidade, isto é, a autoridade judiciária ao apreciar a legalidade da vertente repressiva terá de integrar a componente preventiva na medida em que a mesma esteja associada e condicione a repressiva;
3- Ao proceder a essa dupla valoração (policial e processual penal), a autoridade judiciária deverá ter em atenção as categorias do direito policial, nem sempre coincidentes com as de processo penal, e a circunstância de a entidade policial ter aí iniciativa própria à luz dos seus quadros de competência legal e não em substituição da autoridade judiciária;
4- O controlo a posteriori da atuação policial terá de integrar uma prognose póstuma e uma avaliação dos juízos de suspeição realizados pelo agente policial, pelo que não pode ter como base a informação posteriormente adquirida em virtude da intervenção policial;
5- A medida policial de dupla função (originária ou superveniente) terá ainda de ser apreciada no quadro do contraditório, na medida em que integre um meio de obtenção de prova relevante para a acusação que vem a ser sustentada no julgamento[50].


§ II.6 Admissibilidade de medidas cautelares e de polícia da PSP e da GNR relativas a imagens na posse de órgão comunicação social e captadas por pessoas ao seu serviço

§ II.6.1 Autonomia conceptual dos procedimentos cautelares e probatórios condicionados por visarem órgãos de comunicação social relativamente aos limites à prova derivados diretamente do segredo dos jornalistas

Os dados na posse de órgãos de comunicação social podem compreender elementos protegidos pelo segredo de jornalista. Tutela do sigilo jornalístico com repercussão na obtenção e produção de prova em processo penal, embora seja conformada por uma política extrínseca ao processo. Isto é, as regras sobre o sigilo profissional dos jornalistas são relativas a fins e valores exógenos ao processo penal suscetíveis de colisão com políticas processuais intrínsecas[51].

Temática do segredo de jornalista conjugada com o problema das imagens detidas por órgãos de comunicação social e a atividade das autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal que constituiu matéria objeto do parecer n.º 38/1995, de 22-2-1996, deste Conselho Consultivo[52].

O tema específico do presente parecer não obriga, pelo menos no passo reportado à primeira questão, a revisitar a doutrina do parecer n.º 38/1995 em duas vertentes nucleares da mesma:
1- Delimitação do âmbito do segredo de jornalista relativamente a imagens captadas por pessoas ao serviço de órgão de comunicação social;
2- Procedimentos que podem ser adotados pelas autoridades judiciárias em face da recusa de acesso às imagens e/ou disponibilização das mesmas nos suportes originais ou cópias (digitais ou analógicos).

Por um lado, a doutrina do parecer n.º 38/1995 (que tinha sido solicitado pelo Procurador-Geral da República) não foi submetida a pedido específico de nova apreciação, ao abrigo do artigo 42.º, n.º 3, do EMP, e, por outro, a problemática do visionamento de imagens na posse de órgãos da comunicação social por iniciativa própria de órgão de polícia criminal não implica, à partida, a delimitação do âmbito do segredo de jornalista relativo a imagens, nem o tratamento dos procedimentos das autoridades judiciárias visando o controlo prévio da legitimidade da sua invocação e o levantamento judicial do segredo profissional no processo penal.

Existe uma linha de tutela, com abrigo direto na lei portuguesa, que precede a problemática da eventual invocação do segredo de jornalista suscitada na primeira questão da consulta e que se pode descrever no plano processual penal como tendo o seguinte objeto:
Regulação do procedimento anterior à eventual invocação do segredo de jornalista e consequente delimitação das competências dos órgãos de polícia criminal de acesso e visionamento de imagens na posse de órgãos de comunicação social e captadas por pessoas ao seu serviço.

Delimitação que permite discriminar dois tópicos sequenciais que conformam a primeira questão colocada na consulta:
1.º Pode o órgão de polícia criminal por iniciativa própria relativa à prossecução dos fins do processo penal aceder e visionar imagens captadas e detidas por órgão de comunicação social?
2.º Concluindo-se que o órgão de polícia criminal tem competências próprias para aceder àquelas imagens, qual o âmbito e implicações da proteção informativa diretamente determinada pelo sigilo profissional dos jornalistas?

Relativamente ao primeiro tópico destaca-se como orientação metodológica da lei processual penal portuguesa, já referida acima[53], que os limites a intromissões policiais, nomeadamente nos órgãos de comunicação social, podem envolver mecanismos preventivos de proteção de postulados axiológicos extraprocessuais (como o segredo de jornalista).

Antecipações da tutela ou proteções preventivas estabelecidas, designadamente, através de regras de competência.

Quadro conceptual envolvente da matéria objeto do presente parecer que conforma a operatividade de salvaguardas profiláticas relativas ao acesso a imagens captadas e detidas por órgãos de comunicação social, as quais se repercutem nas regras procedimentais. Regime processual sobre acesso a imagens na posse de órgão de comunicação social por pessoas ao seu serviço independente:
1) De as imagens concretas serem protegidas pelo segredo de jornalista;
2) Da ponderação casuística sobre colisões de valores, em particular entre a descoberta da verdade no processo penal e a proteção das fontes do jornalista.

Proteções preventivas que se caracterizam por anteciparem a tutela através de constrangimentos diretos à intervenção policial, daí a designação de regras de competência estabelecidas profilaticamente pela lei[54].

Plano em que importa destacar que existe um outro campo jurídico relativo às medidas de polícia que integram vertentes preventivas, em especial quanto a perigos que afetam valores fundamentais, como o terrorismo. Nessas medidas que não visam exclusivamente fins processuais penais podem ser envolvidas exigências de concreta ponderação dos interesses em conflito em que, como em geral em qualquer situação de ponderação de valores, é necessário concordância prática[55].

De qualquer modo, o objeto do presente parecer centra-se no estabelecimento do quadro procedimental abstrato de ação por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal visando fins do processo penal. Daí que não se vá analisar, ainda que em termos hipotéticos, casos em que se prosseguem outras finalidades além das processuais penais, as quais, sublinhe‑se, são da competência própria das entidades policiais, ao contrário da intervenção para os fins do processo penal em que as polícias intervêm como coadjuvantes das autoridades judiciárias[56].

Contexto em que o enquadramento da primeira questão, centrada no procedimento processual especial de interpelação de agentes de órgãos de comunicação social, torna impertinente, nesta sede, um aprofundamento problematizante dos fundamentos jurídico-constitucionais do sigilo jornalístico[57].

Tratamento jurídico-constitucional sobre o suporte axiológico dos segredos que foi empreendido por este Conselho Consultivo, nomeadamente, no parecer n.º 38/1995 sobre o âmbito do sigilo jornalístico[58] e no parecer n.º 26/2012 sobre a desclassificação de segredo de Estado[59].


§ II.6.2 Recorte fenomenológico do problema relativo ao acesso a imagens captadas por pessoas ao serviço de órgão de comunicação social e na posse deste

Como se destacou no parecer n.º 26/2012 deste Conselho Consultivo, o processo penal português «apresenta-se incompatível com a proatividade de um órgão de soberania que integre o poder executivo (ou uma entidade dele dependente) na prossecução de fins de um processo penal concreto, apenas podendo os órgãos de polícia criminal praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata à autoridade judiciária competente (nos termos do disposto pelos n.ºs 1 e 3 do artigo 249.º do CPP)»[60].

Recordando os parâmetros que conformam o presente parecer facultativo: Vão ser exclusivamente abordadas as perguntas formuladas pelo consulente e «outras questões que se mostrem pertinentes durante a elaboração do parecer ou em resultado deste»[61]. Nessa medida não serão tratadas questões vizinhas que se apresentam autónomas das suscitadas, como as reportadas a imagens detidas por órgãos de comunicação social que foram captadas por terceiros estranhos às três categorias de pessoas singulares identificadas nas perguntas (todas pressupondo uma relação com os órgãos de comunicação social, «jornalistas», «outros funcionários» ou demais «colaboradores»).

Acrescente-se que a captação de imagens por órgãos de comunicação social é inconfundível com regimes específicos de recolha e tratamento de imagens que envolvem dimensões jurídicas distintas das que são objeto do parecer[62], em particular quanto a tratamento de dados pessoais[63]. Por seu turno a destacada divisão de responsabilidades funcionais entre autoridades judiciárias e entidades organicamente dependentes do Governo delimita o espectro de análise, que não compreende, como já se sublinhou, o tratamento probatório das imagens[64].

A consulta pressupõe um dado de facto que marcará os passos seguintes do parecer:
O órgão de comunicação social tem na sua posse as imagens «colhidas» por «jornalistas», outros «funcionários» ou «demais colaboradores» a que o órgão de polícia criminal pretende aceder.

A fundamentação do despacho que determinou a consulta revela que esta se cinge a dúvidas sobre o acesso a imagens na posse de órgãos de comunicação social e foram colhidas por pessoas ao seu serviço, não abrangendo o visionamento independente da colaboração específica de agentes de órgãos de comunicação social ou do acesso às respetivas instalações ou equipamentos. Isto é, a consulta não se reporta ao visionamento de imagens divulgadas pelos meios de difusão televisiva, mas, exclusivamente, ao acesso a imagens por via de uma intervenção policial junto de órgãos de comunicação social.

Neste quadro, a consulta compreende duas fenomenologias associadas em termos de ação policial:
- Interpelação de órgãos de comunicação social relativamente a imagens colhidas por pessoas ao seu serviço;
- Visionamento dessas imagens proporcionada por aquela interpelação.

Parâmetros em que a primeira pergunta poderá ser assim estabelecida nos seguintes termos:
É admissível que os órgãos de polícia criminal, por iniciativa própria dirigida à prossecução de finalidades do processo penal, interpelem elementos de órgão de comunicação social com vista ao visionamento de imagens que estão na sua posse e foram captadas por «jornalistas», outros «funcionários» ou «demais colaboradores» dessa entidade?


§ II.6.3 As autoridades e os órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR e a interpelação por iniciativa própria dirigida aos fins do processo penal de órgão de comunicação social visando aceder a imagens que se encontram na posse deste e foram captadas por agentes ao respetivo serviço

A primeira via de intervenção policial que se pode configurar como suscetível de ser intentada para a prossecução do objetivo de acesso e visionamento de imagens é a interpelação do órgão de comunicação social para o acesso às imagens e/ou entrega de suportes com as mesmas.

Interpelação de órgão de comunicação social por órgão de polícia criminal visando a obtenção de imagens para fins processuais penais que foi objeto de apreciação do Conselho Consultivo no parecer n.º 38/1995, cuja 7.ª conclusão foi a seguinte:
«A Polícia Judiciária, no exercício das suas competências de investigação criminal, sob a direção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, pode solicitar a esta, se necessário, a apreensão de objetos, nomeadamente gravações em poder dos jornalistas e das respetivas empresas de comunicação social, nos termos e para os fins dos artigos 178.º e 182.º do Código de Processo Penal, lançando mão, se for caso disso, do mecanismo legal fixado nos artigos 135.º n.ºs 2 e 3, e 182, n.º 2 deste diploma legal.»

Como já se destacou, o parecer n.º 38/1995 tinha um âmbito diferente do presente, por força da respetiva consulta, tendo compreendido uma reflexão global sobre a proteção pelo segredo de jornalista de imagens detidas por órgãos de comunicação, em face de iniciativas procedimentais de autoridades judiciárias, comissões de inquérito parlamentar, Provedor de Justiça e Polícia Judiciária[65].

Relativamente à Polícia Judiciária, o pensamento subjacente à 7.ª conclusão do parecer n.º 38/1995 é iluminado pela fundamentação que consta do § 6.3 desse parecer:
«Destes normativos resulta a impossibilidade de a Polícia Judiciária requerer diretamente aos jornalistas e respetivas estações televisivas a apresentação das referidas "gravações em bruto", para serem apreendidas e juntas a processo, devendo, antes, solicitar à autoridade judiciária competente que o faça, sempre que julgado necessário à investigação em curso.
«Ter-se-á presente, de novo, o princípio atrás assente de que "onde há dever de sigilo não há dever de cooperação com qualquer autoridade", salvo se existir disposição — o que não é o caso — que, sobrepondo-se‑lhe, afaste esse dever de sigilo.
«Daí que, tratando-se ou julgando tratar-se de matéria sigilosa, podem (os jornalistas) e devem (as respetivas empresas) invocar o caráter sigiloso do material requisitado pela competente autoridade judiciária, recusando a sua apresentação.
«Nesse caso resta à autoridade judiciária lançar mão do mecanismo, já descrito, previsto nos artigos 182.º, n.º 2, e 135.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
«Sintetizando:
«Não sendo a Polícia Judiciária uma autoridade judiciária — mas, sim, um órgão da polícia criminal que atua sob a direção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente —, deve aquela entidade, quando o considerar necessário, solicitar à autoridade judiciária competente que ordene a apreensão das referidas "gravações em bruto" (artigos 178.º, n.º 3, e 182.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), desencadeando-se depois, se for caso disso, o mecanismo já conhecido, dos artigos 182.º, n.º 2, e 135.º, n.º 2, deste diploma legal.»

Estabelecendo uma ponte com o universo específico da presente consulta[66], no parecer n.º 38/1995 considerou-se que, tanto no caso da atividade por encargo[67] como nas medidas por iniciativa própria[68], a entidade policial não pode «requerer diretamente aos jornalistas e respetivas estações televisivas a apresentação das referidas "gravações em bruto"».

Entendimento que vamos revisitar à luz dos imperativos normativos identificados no presente parecer sobre a atividade por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal que constitui a única matéria objeto da presente análise[69].

Recordando conclusão formulada acima, as autoridades e os órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR podem, por iniciativa própria que vise a prossecução de fins do processo penal, praticar:
1- Quanto a matérias que não integrem a reserva judiciária legal, todos os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova que não atinjam direitos protegidos por lei;
2- Relativamente a matérias previstas nas reservas de competência das autoridades judiciárias, os atos permitidos por previsão legal especial dentro dos estritos pressupostos jurídico-normativos estabelecidos pela lei[70].

Tendo presente a referida dualidade, na análise da admissibilidade de uma específica medida cautelar e de polícia importa começar por ponderar se os atos são da reserva judiciária quanto ao agente ativo. Vertente em que sobressai, quanto à interpelação de órgãos de comunicação social, a importância da previsão do artigo 182.º, n.º 1 do CPP:
«As pessoas indicadas nos artigos 135.º a 137.º apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objetos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado.»

Prescrição do n.º 1 do artigo 182.º do CPP que tem de ser articulada com o disposto no artigo 135.º, n.º 1, do mesmo diploma:
«Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.»

No que concerne à interpelação de órgãos de comunicação social com vista à solicitação de documentos ou quaisquer objetos que estiverem na respetiva posse, os destinatários abrangidos pela reserva judiciária compreendem, além dos «jornalistas», os diretores de informação, administradores ou gerentes das entidades proprietárias dos órgãos de comunicação social bem como qualquer pessoa que neles exerça funções, por força da conjugação do regime processual penal com o Estatuto do Jornalista, fonte normativa central na regulação extrínseca ao processo penal do sigilo jornalístico[71].

No Estatuto do Jornalista, os complexos organizacionais e de recursos humanos relativos aos órgãos de comunicação social foram ponderados nas regras especiais sobre o sigilo profissional dos jornalistas, em particular no n.º 5 do artigo 11.º desse diploma que prescreve:
«Os diretores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respetivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções, não podem, salvo mediante autorização escrita dos jornalistas envolvidos, divulgar as respetivas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas ou quaisquer documentos suscetíveis de as revelar.»

Esta regra pretende assegurar a intervenção dos «jornalistas envolvidos», sendo certo que foi adotado no Estatuto um conceito amplo de jornalista, nomeadamente, suscetível de abranger operadores de imagem ao serviço de órgãos de comunicação social[72].

Seguindo os trilhos argumentativos de Karl Larenz na captação do sentido das disposições dos artigos 182.º, n.º 1 e 135.º, n.º 1, do CPP, diríamos que «só tomadas conjuntamente ambas as disposições se pode conhecer a conceção do legislador»[73], de molde a compreender, de acordo com a terminologia do mesmo autor, a «intenção reguladora do legislador ou a sua ideia normativa»[74].

Dimensão em que ressaltam dois segmentos essenciais:
1- O artigo 182.º, n.º 1, do CPP reporta-se a interpelações que têm por referência uma categoria de destinatários independentemente de os documentos ou objetos visados estarem protegidos por sigilo profissional;
2- Procedimento revestido de particular formalismo que permite que o destinatário identifique a instância formal de controlo responsável pela intervenção e compreenda sem equívocos o respetivo contexto operativo e fins prosseguidos.

Mecanismo específico sobre a solicitação de documentos e objetos na posse de determinados destinatários que permite interpretar a prescrição estabelecida sobre a competência estadual decisória como uma regra profilática que prossegue uma política extrínseca relativa ao processo penal, no caso a tutela dos segredos por via da responsabilização da autoridade judiciária pela decisão sobre a necessidade, relevância e admissibilidade do potencial elemento de prova e o destinatário enquanto primeiro responsável pela ponderação das implicações sobre as regras relativas ao segredo profissional, de funcionário ou de Estado.

Solução normativa que se deve articular com outras dimensões da intervenção judiciária, em particular a obrigatoriedade de os atos decisórios das autoridades judiciárias no inquérito terem a forma de despacho (artigo 97.º, n.ºs 1 e 3, do CPP) necessariamente fundamentado (artigo 97.º, n.º 5, do CPP).

No caso dos jornalistas, a norma especial do n.º 5 do artigo 11.º do Estatuto do Jornalista constitui uma prescrição que visa assegurar uma intervenção autónoma dos jornalistas no quadro dos complexos organizacionais em que exercem funções. Em certa medida traduz-se numa norma que promove a preservação de um núcleo de poder decisório dos jornalistas sobre a disponibilização de material que possa envolver informação protegida pelo sigilo profissional.

Da interpretação sistemático-teleológica do artigo 182.º, n.º 1, do CPP extrai-se que a sua previsão abrange como destinatários, além dos jornalistas, todos aqueles cuja margem de atuação se apresenta conformada pelas regras relativas ao segredo profissional. Sob esta luz, a norma processual penal tem de ser articulada com o artigo 11.º, n.º 5, do Estatuto do Jornalista que consagra uma regra preventiva que conforma a atuação de agentes distintos dos jornalistas, permitindo aos «jornalistas envolvidos» pronunciarem-se sobre a existência de risco para «fontes de informação» abrangidas pelo sigilo profissional.

Quanto à dimensão normativa relativa à vertente objetiva das condutas tuteladas, a letra do artigo 182.º, n.º 1, do CPP refere-se à entrega dos objetos ou documentos com vista à respetiva apreensão. Em face das vertentes fenomenológicas do tema problematizado neste parecer, interpelação policial e visionamento de imagens, pode suscitar-se a questão de saber se a pretensão de acesso ao conteúdo de documento integra a previsão processual penal. Por outras palavras, pode perguntar-se se a norma de competência reservada da autoridade judiciária se reporta exclusivamente à entrega dos suportes das imagens sem condicionar o acesso aos dados que não impliquem transferência de qualquer posse e, eventualmente, a sua cópia.

O regime procedimental consagrado no artigo 182.º, n.º 1, do CPP compreende uma medida profilática relativa à interação comunicativa das instâncias formais de controlo com um conjunto de destinatários específicos: os titulares de informações suscetíveis de estarem protegidas por segredo. Pelo que, a regra de competência apresenta-se indissociável de uma tutela antecipada do conteúdo informativo dos materiais, a qual é inconfundível com os bens físicos e o respetivo valor material.

Acrescente-se que o próprio elemento literal da interpretação se compatibiliza com a perspetiva de que a tutela se centra em conteúdos e não em elementos corpóreos, na medida em que a prescrição refere que os destinatários «apresentam», verbo que compreende uma expressão polissémica a qual, além da entrega, compreende a simples exibição.

Exibição de conteúdos que constitui o aspeto fundamental da previsão se se atender ao elemento histórico, via essencial para, seguindo Larenz, identificar a «a intenção reguladora do legislador e as decisões valorativas por ele encontradas», e «acomodar» a lei «a novas circunstâncias, não previstas pelo legislador»[75].

Segmento em que sobressai a importância do Progetto Preliminare de 1978 para um novo Código de Processo Penal italiano que conformou de forma direta a sistemática do código português e muitas das suas normas, nomeadamente a previsão do artigo 182.º, n.º 1, do CPP, existindo um preceito paralelo no artigo 249.º do referido projeto com a epígrafe deveres de exibição e segredos[76].

A complexidade das antinomias em torno dos segredos profissionais exige uma hermenêutica cautelosa na ponderação axiologicamente comprometida dos valores colidentes, a qual se apresenta incompatível com uma ilusão objetivista de genérica contraposição segredo versus revelação. Na abordagem do âmbito do segredo é necessário atender a uma plêiade de fatores em função de uma delicada análise heurístico-teleológica (v. g. agentes das relações comunicacionais, âmbito de proteção da prerrogativa de silêncio, objeto das comunicações, detentores da informação, divulgadores). De qualquer modo, sem necessidade de aprofundar as múltiplas dimensões envolvidas na regulação dos segredos em geral (e no sigilo do jornalista em particular), incursão incompatível com a economia do parecer e o contexto da sua solicitação, afigura-se de meridiana clareza que a tutela se reporta a conteúdos informativos e não a bens materiais. Concretizando com um exemplo: O que interessa é o que está escrito na ficha pelo médico e não o papel como suporte físico onde está o escrito.

Em conclusão, a regra de competência estabelecida no artigo 182.º, n.º 1, do CPP enquanto tutela antecipada reporta-se a conteúdos informacionais e o sentido da prescrição é conformado pela teleologia do preceito:
Fazer depender de decisão de autoridade judiciária o acesso a informação funcionalmente detida por destinatários abrangidos por regras sobre os segredos profissionais, de funcionário e de Estado.

Identificada a ratio da reserva de competência podemos empreender uma conclusão direta sobre o nosso tema:
A profilaxia da regra legal estabelecida pelo artigo 182.º, n.º 1, do CPP visa a proteção preventiva do potencial informativo do documento ou objeto na posse de pessoa ou entidade abrangida por segredos profissionais, condicionando o mero acesso ao conteúdo ainda que sem transferência da posse.

Estabelecido o âmbito da norma de competência definida no artigo 182.º, n.º 1, do CPP importaria, como segunda vertente, aferir se existe uma norma especial em termos de medidas cautelares e de polícia que preveja ações por iniciativa própria de órgão de polícia criminal nesse domínio específico.

Plano em que, depois de uma viagem pelo regime legal, se impõe a conclusão negativa:
O sistema legal não compreende qualquer norma especial que preveja a derrogação da reserva judiciária no caso de medidas cautelares e de polícia determinadas pela urgência e perigo na demora relativa ao acesso a conteúdos de documentos, em qualquer suporte, na posse de destinatários que podem deter informação protegida pelo sigilo jornalístico.

Quadro em que que a ausência de norma especial constitui um obstáculo imposto pelo sistema legal que não pode ser removido pelo intérprete ou aplicador em sede de procedimentos dirigidos aos fins do processo penal, sendo, consequentemente, inviabilizada pela lei a substituição precária do despacho de autoridade judiciária por ato de autoridade ou órgão de polícia criminal.

Neste plano, o princípio geral de colaboração devida às entidades policiais no âmbito da investigação criminal apenas pode legitimar ações admissíveis no âmbito da atividade por encargo e não permite a derrogação de regras legais de competência que inibem medidas cautelares policiais preordenadas aos fins do processo penal.

A competência reservada das autoridades judiciárias neste domínio é resultado de uma opção legislativa sobre a estrutura axiológica da fase pré-acusatória do processo penal, a qual compreende, nomeadamente, regras dirigidas à responsabilização do titular da ação penal por decisões suscetíveis de envolver ponderações de valores sobre a necessidade e relevância de iniciativas probatórias com determinado potencial intrusivo. Vertentes com alguma densidade jurídica, desde logo, na identificação da pessoa com o poder dispositivo relativamente ao dado cuja obtenção se pretende para a eventualidade de o mesmo estar protegido por segredo[77].

A ratio da norma do n.º 1 do artigo 182.º do CPP e a sua natureza de regra de competência implicam que não se possa reduzir o respetivo alcance prescritivo por via do reconhecimento (extra legem ou praeter legem) de um espaço aberto ao poder dispositivo do visado.

Contra a derrogação da reserva de competência da autoridade judiciária por consentimento do visado emergem cinco argumentos determinantes:
1- Uma norma de competência estadual não pode ser desaplicada, sem previsão expressa, por ato dispositivo de um particular;
2- Relativamente a outras normas de reserva judiciária a competência para agir por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal suportada no consentimento do visado depende de previsão legal específica (v.g. artigos 155.º, n.º 2, 174.º, n.º 5, alínea b), 177.º, n.º 2, alínea b) ex vi alínea b) do n.º 3 do mesmo preceito todos do CPP);
3- A ratio da reserva de competência neste domínio relaciona-se com a solenidade e exigências na interação comunicativa visando, nomeadamente, a consciencialização do destinatário sobre o responsável pela fase processual e o significado, contexto e efeitos do solicitado;
4- A regra de competência visa uma responsabilização direta e prévia da autoridade judiciária sobre a necessidade e relevância da iniciativa probatória;
5- O visado cuja tutela se pretende em sede de regra de competência pode não ser o interpelado (quando se trate de diretor de informação, administrador ou gerente da entidade proprietária dos órgãos de comunicação social bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções), por existir um terceiro a essa interação comunicativa, o «jornalista envolvido», que é o responsável pela ponderação inicial de eventuais exigências, ou sua inexistência, de proteção de «fontes de informação».

A reserva de competência relaciona-se com o regime processual específico dos atos decisórios judiciais e do Ministério Público, os quais têm a forma de despacho obrigatoriamente motivado em termos de facto e de direito (artigos 96.º, n.º 4, e 97.º, n.º 5, do CPP). Ressaltando no caso dos atos do Ministério Público que para os mesmos serem considerados decisórios, em termos processuais, têm de cumular três vetores: (1) resolução durante a fase de inquérito (2) de uma questão (3) que não se integre na reserva judicial. Plano em que que os atos decisórios na fase de inquérito, enquanto específicos subsistemas de informação constituem cortes que valorando informação anterior abrem, «desenvolvem ou encerram específicos processos de obtenção e valoração de informação»[78].

Contextualização compreensiva do ato decisório reveladora de fatores congruentes com a dupla opção legal determinante para a resposta empreendida à nossa questão:
1- Reserva da competência de autoridade judiciária quanto à interpelação de jornalistas, diretores de informação, administradores ou gerentes das entidades proprietárias dos órgãos de comunicação social bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções para a exibição de imagens captadas por pessoas ao serviço de órgão de comunicação social e na posse deste;
2- Inexistência de uma previsão que contemple uma medida cautelar e de polícia equivalente em termos materiais ao ato da competência reservada de autoridade judiciária.

Uma última nota quanto ao regime relativo às imagens em suporte digital previsto no capítulo III da Lei do Cibercrime, o qual não compreende nenhuma norma que derrogue a reserva de competência de autoridade judiciária quanto à exibição de imagens captadas e na posse de órgão de comunicação social, tendo presente as considerações expendidas sobre as relações de especialidade internormativa[79].

Sendo a ratio da norma do artigo 182.º, n.º 1, do CPP conformada por uma ideia profilática relativa à sensibilidade potencial da informação na posse dos destinatários aí previstos a mesma não se altera se os dados estiverem em suporte digital. Por seu turno, a previsão de uma injunção relativa à permissão de acesso a dados informáticos, quando se afigure necessário à descoberta da verdade obter dados informáticos específicos armazenados num determinado sistema informático, constitui matéria da competência reservada de autoridade judiciária (artigo 14.º, n.º 1 da Lei do Cibercrime) independentemente do destinatário. Acrescente-se que na norma específica sobre acesso a dados em suporte eletrónico se prescreve, de forma expressa, que o mesmo não prejudica a aplicação do regime do artigo 182.º do CPP (artigo 14.º, n.º 7 da Lei do Cibercrime)[80].

Em conclusão:
Estando na posse de órgão de comunicação social imagem captada por «jornalista», outro «funcionário» ou «colaborador» dessa entidade, os órgãos de polícia criminal não têm competência para uma medida cautelar preordenada para os fins do processo dirigida à exibição, transmissão ou permissão de acesso a essas imagens (por força do disposto no n.º 1 do artigo 182.º do CPP, conjugado com o n.º 2 do artigo 135.º do mesmo diploma, o artigo 11.º, n.º 5, do Estatuto do Jornalista e artigos 11.º, n.º 1, alínea c), e 14.º, números 1 e 7, da Lei do Cibercrime).


§ II.6.4 Medidas cautelares e de polícia admissíveis relativamente a imagens captadas e detidas por órgãos de comunicação social

A atividade dos órgãos de polícia criminal, entidades organicamente dependentes do executivo, por iniciativa própria preordenada aos fins do processo penal deve restringir-se aos fins cautelares admitidos por lei, não podendo compreender uma autónoma ponderação sobre iniciativas judiciárias adequadas, nem qualquer juízo de valoração de prova que esteja para além do fim específico de salvaguarda de elementos de prova que se possam perder.

O parecer podia encerrar-se no passo em que se concluiu estar vedado às autoridades e órgãos de polícia criminal da PSP e GNR a interpelação, por iniciativa própria, de elementos de órgãos de comunicação social dirigida ao visionamento de imagens captadas e detidas por pessoas ao serviço daqueles. Entende-se, contudo, que se deve avançar um pouco sobre os deveres de ação dessas entidades tendo presente duas ordens de razões:
1- Como se destaca na consulta, o parecer pode alargar-se ao «esclarecimento de outras questões que se mostrem pertinentes durante a elaboração do parecer ou em resultado desta»;
2- A inadmissibilidade de interpelação para acesso, visionamento o entrega de imagens captadas e na posse de órgão de comunicação social abre o problema da admissibilidade de outras medidas para assegurar ou preservar as imagens enquanto eventuais meios de prova até que seja possível a intervenção de autoridade judiciária.

Importará agora, tendo presente o escopo do parecer, analisar o âmbito da «competência cautelar preordenada para os fins do processo» relativa a imagens na posse de órgão comunicação social captadas por pessoas ao seu serviço[81].

Se um órgão de polícia criminal, antes de ser proferido despacho de delegação de competência ou de o mesmo produzir efeitos, tiver conhecimento de que elementos de um órgão comunicação social recolheram imagens que podem ser relevantes para investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas deve comunicá-lo no mais curto prazo ao Ministério Público para este decidir ou promover o que tiver por conveniente (atentas as disposições conjugadas dos artigos 55.º, n.º 1, 248.º, n.ºs 1 e 3, 249.º, n.º 1, e 264.º, n.ºs 1 e 4, do CPP).

A questão que subsiste é a de saber se existe algum dever de ação dos órgãos de polícia criminal no caso de fundado receio de que antes de se conseguir contactar um magistrado do Ministério Público as imagens recolhidas e na posse de órgão de comunicação social, eventualmente relevantes para o processo penal, possam perder-se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis.

Neste ponto devemos começar por abordar a problemática específica das imagens em suporte digital, plano em que a recolha de prova se encontra prima facie regulada na Lei do Cibercrime. Regime em que ressalta a importância, quanto à nossa matéria, da medida cautelar e de polícia especial prevista no artigo 12.º, n.º 2, da Lei do Cibercrime. Preceito do qual se pode extrair a seguinte regra quanto à problemática objeto do presente parecer:
Se se afigurar necessário à descoberta da verdade obter imagens em suporte digital armazenado num sistema informático de órgão de comunicação social em relação às quais haja receio de que possam perder-se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis, quando haja urgência ou perigo na demora e não seja possível contactar tempestivamente magistrado do Ministério Público, as autoridades e órgãos de polícia criminal da PSP e GNR podem ordenar a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que preservem os dados em causa, devendo dar notícia imediata do facto à autoridade judiciária e transmitir-lhe o relatório previsto no artigo 253.º do Código de Processo Penal.

Via de preservação de eventuais meios de prova, em caso de urgência, compatível com os valores protegidos pelos artigos 135.º e 182.º do CPP, na medida em que não envolve qualquer acesso a conteúdos por iniciativa própria de autoridade ou órgão de polícia criminal. Medida que permite, por outro lado, a responsabilização da autoridade judiciária que apreciando o relatório do órgão de polícia criminal assumirá a intervenção sobre o caso[82].

Interpelação que também se apresenta admissível e congruente com os critérios gerais relativos às medidas cautelares e de polícia, pois, embora a injunção em causa seja matéria da competência reservada de autoridade judiciária (artigos 11.º, n.º 1, alínea c), e 12.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime[83]), o ato policial está suportado em previsão legal especial (artigo 12.º, n.º 2, da Lei do Cibercrime) que admite essa competência cautelar em termos conformes com os princípios da proporcionalidade e da necessidade[84].

Em conclusão, as autoridades e órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR podem ordenar a quem tenha disponibilidade ou controlo de imagens em suporte digital relevantes para processo penal que preservem os dados em causa (ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 12.º, n.º 2, da Lei do Cibercrime e dos artigos 55.º, n.º 2, e 249.º, n.º 1, do CPP).

Relativamente às imagens que se encontrem em suporte material (v.g. película ou papel) afigura-se admissível medida similar, à luz do regime geral, já que não existe nenhuma reserva de competência da autoridade judiciária quanto à ordem de preservação de imagens na posse de órgãos de comunicação social, intervenção que se apresenta analítica e materialmente distinta do acesso e visualização (não interferindo com as reservas de competência nesse domínio)[85]. Por esse motivo, a preservação de imagens pode ser determinada ao abrigo da cláusula geral do n.º 1 do artigo 249.º do CPP, em sentido análogo ao que é previsto para o procedimento regulado com maiores exigências relativo às imagens em suporte digital no artigo 12.º, n.º 2, da Lei do Cibercrime.

Pelo que, caso exista fundado receio de que antes de se conseguir contactar um magistrado do Ministério Público imagens, eventualmente relevantes para a descoberta da verdade em processo penal, recolhidas e na posse de órgão de comunicação social em qualquer suporte material (nomeadamente película ou papel) possam perder-se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis, as autoridades e órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR podem ordenar a quem tenha disponibilidade ou controlo dessas imagens que preserve os elementos em causa (ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 55.º, n.º 2, e 249.º, n.º 1, do CPP).

Sobre o procedimento que deve ser adotado existem diretivas legais estabelecidas quanto aos termos da injunção, que deve discriminar a natureza das imagens, a sua origem e destino, se forem conhecidos, e o período de tempo pelo qual as imagens deverão ser preservadas, até um máximo de três meses, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime que se aplica diretamente às imagens em suporte digital e, por analogia, à medida cautelar e de polícia relativa a imagens noutro suporte — pois também quanto a essas imagens valem as ideias de necessidade, proporcionalidade e precariedade, de que essa norma legal constitui corolário, e, no plano epistemológico-jurídico, o órgão de polícia criminal dificilmente pode antecipar antes do acesso que a imagem não se encontra arquivada em suporte digital[86].

Por último, quanto ao procedimento subsequente dúvidas não existem no sentido da obrigatoriedade do relatório previsto no artigo 253.º do CPP, regime aplicável a todas as medidas cautelares e de polícia, pelo que:
1- Os órgãos de polícia criminal que ordenarem a preservação das imagens elaboram um relatório onde mencionam, de forma resumida, as investigações levadas a cabo, os resultados das mesmas, a descrição dos factos apurados e os dados disponíveis sobre as imagens cuja preservação foi determinada.
2 – Na fase de inquérito, o relatório é remetido ao Ministério Público.

III. Conclusões

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª O Ministério Público é a entidade competente para a direção do inquérito e para a seleção dos atos dirigidos aos respetivos fins: investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre o exercício da ação penal.

2.ª Os órgãos de polícia criminal podem realizar atividades dirigidas aos fins do processo penal:
a) Ao abrigo direto da lei, no caso de medidas cautelares e de polícia (sempre dependentes dos pressupostos urgência e perigo na demora); ou
b) Por encargo do Ministério Público (caso em que é necessária a cobertura de um despacho de delegação de competência).

3.ª Os órgãos de polícia criminal apenas podem praticar atos de investigação criminal ao abrigo de despacho de delegação de competência depois da comunicação da notícia do crime ao Ministério Público, de acordo com os termos estabelecidos no despacho e no respeito das competências reservadas do juiz e do Ministério Público.

4.ª Na impossibilidade de comunicação com o Ministério Público competente, o órgão de polícia criminal pode contactar qualquer magistrado ou agente do Ministério Público e este pode determinar os atos urgentes de aquisição e conservação de meios de prova que considerar pertinentes ao abrigo do disposto no artigo 264.º, n.º 4, do CPP.

5.ª A prática de atos relativos aos fins do inquérito por iniciativa própria do órgão de polícia criminal depende sempre da verificação dos pressupostos de necessidade e urgência.

6.ª As autoridades e os órgãos de polícia criminal da PSP e da GNR, por iniciativa própria que vise a prossecução de fins do processo penal, podem:
a) Quanto a matérias que não integrem a reserva judiciária legal, praticar todos os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova que não atinjam direitos protegidos por lei (artigo 249.º, n.º 1, do CPP);
b) Relativamente a matérias previstas nas reservas de competência das autoridades judiciárias, realizar os atos permitidos por previsão legal especial dentro dos estritos pressupostos jurídico-normativos estabelecidos pela lei.

7.ª A interpelação de «jornalistas», diretores de informação, administradores ou gerentes de entidade proprietária de órgão de comunicação social ou qualquer outra pessoa que nele exerça funções com vista à solicitação de documentos ou quaisquer objetos que estiverem na posse daquele órgão, para a prossecução de fins do processo penal, integra a competência reservada da autoridade judiciária que dirige o processo (por força do disposto no n.º 1 do artigo 182.º do CPP conjugado com o artigo 135.º, n.º 1, do CPP e o artigo 11.º, n.º 5, do Estatuto do Jornalista).

8.ª A solicitação de imagens captadas e na posse de órgãos de comunicação social para os fins do processo penal é, assim, matéria da competência reservada das autoridades judiciárias independentemente de as imagens estarem protegidas por sigilo profissional do jornalista ou não.

9.ª O sistema legal não compreende qualquer norma especial que preveja a derrogação da reserva judiciária no caso de medidas cautelares e de polícia determinadas pela urgência e perigo na demora relativa ao acesso a conteúdos de documentos, em qualquer suporte, na posse de destinatários que podem deter informação protegida pelo sigilo jornalístico.

10.ª Não é admissível que órgãos de polícia criminal, por iniciativa própria dirigida à prossecução de finalidades do processo penal, interpelem elementos de órgão de comunicação social com vista ao visionamento de imagens que estão na sua posse e foram captadas por «jornalistas», outros «funcionários» ou «demais colaboradores» dessa entidade (por força do disposto no n.º 1 do artigo 182.º do Código de Processo Penal, conjugado com o n.º 2 do artigo 135.º do mesmo diploma, o artigo 11.º, n.º 5, do Estatuto do Jornalista e artigos 11.º, n.º 1, alínea c), e 14.º, números 1 e 7, da Lei do Cibercrime).

11.ª Se autoridade ou órgão de polícia criminal da PSP ou da GNR tiver conhecimento de que elementos de um órgão comunicação social recolheram imagens que podem ser relevantes para investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas deve comunicá-lo no mais curto prazo ao Ministério Público para este decidir ou promover o que tiver por conveniente.

12.ª Se uma autoridade ou um órgão de polícia criminal da PSP ou da GNR entender que se afigura necessário à descoberta da verdade em processo penal obter imagens recolhidas e na posse de órgão de comunicação social (em suporte digital ou material) em relação às quais haja receio de que possam perder-‑se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis, existindo urgência ou perigo na demora e não sendo possível contactar tempestivamente magistrado do Ministério Público, pode ordenar a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que os preserve (ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 55.º, n.º 2 e 249.º, n.º 1, do CPP e dos artigos 11.º, n.º 1, alínea c), e 12.º, n.º 2, da Lei do Cibercrime).

13.ª Sendo emitida a injunção referida na conclusão anterior, deve ser dada notícia imediata do facto à autoridade judiciária que dirige o processo e transmitido o relatório previsto no artigo 253.º do Código de Processo Penal.

14.ª A injunção policial deve discriminar a natureza das imagens, a sua origem e destino, se forem conhecidos, e o período de tempo pelo qual as imagens deverão ser preservadas, até um máximo de três meses (artigo 12.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime).


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 4 DE JANEIRO DE 2013.


Maria Joana Raposo Marques Vidal – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Relator) – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira (Com declaração de voto em anexo) – Maria Isabel Fernandes da Costa.


(Maria Manuela Flores Ferreira) – Declaração de voto


Votei as conclusões do parecer e a respetiva fundamentação, mas entendo suscitar uma questão prévia quanto à delimitação do objeto do parecer.

Com efeito, afigura-se-me que no pedido de parecer não se consideraram exclusivamente as atividades relativas à investigação criminal.

Desde logo, no introito quando se delineia o escopo do parecer, Sua Excelência o Ministro da Administração Interna consigna que vem solicitar «a emissão de parecer […] quanto à possibilidade de elementos das forças de segurança […] procederem ao visionamento de imagens colhidas por jornalistas, por outros funcionários ou por outros colaboradores de órgãos de comunicação social, tendo em vista o prosseguimento das atribuições próprias das forças de segurança, nomeadamente, o desenvolvimento de ações de investigação criminal […]».

E, sem proceder agora a uma análise minuciosa do pedido de consulta, não será despiciendo aludir à última pergunta que é dirigida a este Conselho. Todo o questionamento sobre a obtenção de cópias das imagens por parte das forças de segurança, em minha opinião, extravasam a matéria da investigação criminal, embora naturalmente esta vertente deva ser analisada, como o foi no parecer.

Em suma, entendo que a questão fulcral colocada ao Conselho Consultivo do visionamento de imagens pelas forças de segurança deveria também ser analisada no domínio da prevenção e da segurança pública, o que entre outros aspetos, implicaria inexoravelmente a problemática dos dados pessoais, ou melhor, da sua proteção.









[1] Pedido entrado em 28-11-2012.
[2] Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto.
[3] Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro.
[4] Sobre a referida base conceptual e a destrinça dos regimes procedimentais relativos a diferentes competências, intraorgânicas e extraorgânicas, das entidades policiais, em particular entre competências próprias e de coadjuvação, vd. ainda infra §§ II.2.2, II.3 e II.4 — Como aí se destaca, a investigação de factos pretéritos a fim de aferir se se trata de um crime constitui investigação criminal, isto é, a prossecução de fins preordenados do processo penal, referindo-se a prevenção criminal ao perigo de eventos futuros.
[5] Cf. Niklas Luhmann, Legitimation durch Verfahren, 1975 [tr. it. de Sergio Siragusa da 2ª ed. De 1975 do original alemão (1ª ed. data de 1969) com o tít. Procedimenti giuridici e legitimazione sociale, Milano, Giuffrè, 1995] pp 130-133.
[6] Luhmann, op. cit., p. 129.
[7] Esse parecer encontra-se disponibilizado na zona de acesso aberto ao público da base de dados sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[8] Então, identificou-se como primeira linha, suportada no ensino de Rogério Soares:
«Numa certa conceção, os pareceres seriam “atos instrumentais com conteúdo declarativo”, na subespécie das “avaliações” - atos declarativos “que traduzem uma apreciação do ‘sentido’ duma certa situação de facto”; uma determinação que, “segundo regras elásticas, de caráter administrativo ou técnico, alcança uma interpretação da conveniência e oportunidade ou esclarece dúvidas de caráter hermenêutico” -, posto que, justamente, traduzem determinada “apreciação de caráter jurídico ou relativo à conveniência administrativa ou técnica, emitida por um órgão consultivo, a propósito de um ato em preparação ou de realização eventual”.»
Como uma segunda conceção, reportada a Freitas do Amaral, o parecer prossegue:
«Noutra aceção, os pareceres constituem uma modalidade dos “atos opinativos”, atos instrumentais “pelos quais um órgão da Administração emite o seu ponto de vista acerca de uma questão técnica ou jurídica”; trata-se, no fundo de “opiniões”; aqui a Administração não resolve problemas, não toma decisões, apenas emite opiniões”.
«Precisamente, os pareceres são atos “elaborados por peritos especializados em certos ramos do saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva”.
«O parecer apresenta-se “como uma opinião crítica autorizada, em que são aprofundados os mais difíceis problemas técnicos, jurídicos e políticos e proposta uma solução final firmada em fundamentos cuidadosamente apurados, depois de examinados todos os ângulos e possíveis incidências de tal solução”.»
[9] Cf. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 9.ª ed., 1973, § 80. Como lembra o mesmo autor, apesar de um hiato em que o Supremo Tribunal Administrativo deteve funções consultivas da administração central metropolitana do Estado estas acabaram por ficar para a Procuradoria-geral da República, «mas só para o estudo dos aspetos jurídicos dos problemas», e, na sequência de Marcello Caetano, Freitas do Amaral é ainda mais enfático sobre a aludida limitação «aos aspetos estritamente jurídicos» (Curso de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, Coimbra, 3.ª ed., 2006, pp. 292-293).
[10] As quais são enunciadas, respetivamente, nos artigos 10.º e 11.º da LOPSP e nos artigos 11.º e 12.º da LOGNR, preceitos que se devem conjugar com artigo 1.º, alíneas c) e d) do CPP.
[11] Matriz que está presente no despacho que determinou a consulta (cf. supra § I.1.2.1).
[12] Sérvulo Correia, «Polícia», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VI, 1994, p. 405. Sobre a distinção funcional entre polícia judiciária e polícia administrativa, vg. Sérvulo Correia, op. cit., pp. 394 e ss., e Paulo Dá Mesquita, Direção do inquérito penal e garantia judiciária, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 121 e ss..
[13] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª ed., 2007, p. 208.
[14] Vertente recordada nas leis orgânicas das duas entidades policiais onde se prescreve que os respetivos membros «enquanto órgãos de polícia criminal e sem prejuízo da organização hierárquica» respetiva da Guarda «atuam sob a direção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente» (artigos 11.º, n.º 2, da LOPSP e 12.º, n.º 2, da LOGNR). Sobre a direção judiciária do inquérito como imperativo constitucional, cf. Paulo Dá Mesquita, Direção do inquérito penal e garantia judiciária, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 154-163, com referências bibliográficas.
[15] Cf. com mais desenvolvimento sobre esta temática, e referências bibliográficas, Direção do inquérito penal e garantia judiciária, cit., 2003, pp. 76-83.
[16] Cf. Luigi Carli, Le indagini preliminari nel sistema processuale penale, Milão, Giuffrè, 1999, pp. 159 e ss.. Esta é uma pauta de análise fundamental e uma base de partida no tratamento da questão objeto do parecer. A referência a um facto histórico, que permita, em traços grossos, delimitar ou identificar um hipotético evento histórico que, em abstrato, possa vir a ser objeto de uma atividade heurística com vista à sua cognição, é um pressuposto mínimo para, eventualmente, suscitar uma apreciação de instâncias judiciárias com competência em matéria de repressão criminal. Apenas um hipotético evento histórico, ainda que enunciado através de narrativa essencialmente subjetivista e marcada por valorações, pode ser suscetível de qualificação jurídico-penal (positiva ou negativa) e consequentemente de indagação heurística ou valoração liminar à luz dos cânones de um sistema conformado dogmática, ideológica e politicamente pelos princípios do direito penal do facto. Nesta medida também se colocam em evidência os três elementos que integram a notícia do crime: o objeto, a qualificação jurídica e o destinatário da notícia do crime (A. A. Dalia / M. Ferraioli, Manuale di diritto processuale penale, Pádua, CEDAM 1999, p. 413).
[17] Art. 53.º, nº 2, al. a), do CPP. Entre as alternativas de encaminhamento do expediente no processo penal português compreendem-se a ausência de qualquer impulso processual penal, a abertura de inquérito ou o envio para uma fase especial com dispensa de inquérito. Os casos de dispensa de inquérito são: (a) O processo sumário cujos pressupostos constam do art. 381.º do CPP; (b) Quando se considere que do auto de notícia (art. 243.º, do CPP) resultam provas simples e evidentes do crime e seus agentes, o Ministério Público também pode deduzir acusação sem precedência de inquérito sob a forma de processo abreviado logo no primeiro despacho (arts. 391.º-A e 391.º-B, do CPP). Sublinhe-se que nas outras formas especiais de processo, abreviado precedido de inquérito e sumaríssimo, é aberto inquérito e no encerramento do mesmo o MP decide com a acusação que, por entender que se encontram reunidos os pressupostos e requisitos para o efeito, o processo deve prosseguir sob uma dessas formas - cfr. arts. 262.º, nº 2, 391.º-A, nº 1 e 392.º, nº 1, do CPP. Já o regime da mediação penal consagrado na Lei n.º 21/2007, de 12-6 consagrou uma alternativa nova que pode ser promovida pelo Ministério Público, depois de concluir pela existência de indícios suficientes do crime (art. 3.º, n.º 1) e que caso culmine num acordo entre arguido e ofendido, esse desenlace «equivale a desistência da queixa», embora esta seja suscetível de «renovação» no caso de incumprimento do acordo pelo arguido (cf. art. 5.º, n.º 4).
[18] Arts. 262.º, n.º 1 e 263.º, n.º 1, do CPP. Em termos temporais, os atos podem ser concentrados, na medida em que em função da organização dos concretos serviços do MP nada impede que, em certos casos, o procurador que profere a decisão relativa ao registo, distribuição e autuação como inquérito pratique também um primeiro ato dessa fase, nomeadamente, a atribuição do encargo de diligências de investigação a um determinado órgão de polícia criminal (desde que tenha competência para o efeito, cf. art. 264.º, do CPP e arts. 58.º, n.º 1, al. h) e 64.º, n.º 3, do EMP).
[19] A definição do objeto das investigações é uma das expressões do poder de direção. Outro corolário é a inadmissibilidade de conflitos normativos entre Ministério Público e órgãos de polícia criminal dado o poder de supraordenação funcional do Ministério Público.
[20] Com mais desenvolvimento, nomeadamente por referência também ao artigo 2.º, n.º 3 da Lei de Organização da Investigação Criminal (da Lei n.º 21/2000, de 10 de agosto, que é similar à atual redação fixada pela Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto), cf. Paulo Dá Mesquita, «Repressão criminal e iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal», Revista do Ministério Público, ano XXV, n.º 98 (2004), pp. 18-27 (texto também publicado em AAVV, I Congresso de Processo Penal, Almedina, Coimbra, 2005). Como se sublinhou nesse texto, por definição, os termos e tempos da investigação por encargo do MP realizam-se de acordo com o despacho deste órgão e não ope legis, e tanto o despacho do MP como a atuação processual dos órgãos de polícia criminal têm de obedecer aos termos da lei processual. Pelo que, a notícia do crime deve dar origem à abertura de inquérito (art. 262.º, nº 2, do CPP), mas a valoração da notícia do crime e a abertura do processo é uma competência exclusiva do MP (arts. 48.º e 53.º, nº 2 a), do CPP) e a este órgão compete dirigir o inquérito (arts. 53.º, nº 2 a) e 263.º, nº 1, do CPP), o que apenas pode ser efetivado com o conhecimento da sua existência. Acresce que a definição de âmbitos de competência legal não pode ser deixada para um ato administrativo, em especial em matérias em que existe reserva de lei, que no caso é uma reserva, ainda que relativa, de competência da Assembleia da República.
[21] Cf. Anabela M. Rodrigues, «O Inquérito no novo Código de Processo Penal» in Jornadas de direito processual penal - O novo Código de Processo Penal (org. CEJ), Coimbra, Almedina, 1988, p. 70, n. 10; Damião da Cunha, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal - No Novo Código de Processo Penal, Porto, Universidade Católica, 1993, p. 124; e Dá Mesquita, Direção do inquérito penal, cit., 2003, p. 147, n. 85.
[22] Como se disse no § VIII.5 do parecer n.º 5/2010, de 1-7-2010 (que, à data do presente parecer, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada»): «Há que distinguir os atos praticados por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal das atividades processuais por eles desenvolvidas por delegação do Ministério Público». Esse parecer, solicitado pelo Procurador-Geral da República, teve como objeto questões relativas à realização de interrogatório de arguido por órgão de polícia criminal no quadro da atividade por encargo do Ministério Público, daí a importância de a separar da atividade por iniciativa própria (plano que não mereceu a divergência no voto de vencido elaborado por um membro do Conselho, acompanhado por outro, relativamente às conclusões 3.ª e 5.ª do parecer). A destrinça voltou a estar presente no parecer n.º 32/2010, de 27-10-2011, no qual o Conselho abordou problemas envolvidos no quadro da atividade por encargo do Ministério Público (parecer sobre a realização de buscas e revistas igualmente solicitado pelo Procurador-Geral da República e que, à data do presente parecer, também ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada»). No parecer n.º 32/2010 a destrinça entre atividade por iniciativa própria do órgão de polícia criminal e atos determinados pela autoridade judiciária esteve na génese da divergência com a maioria expressa em voto de vencido (subscrito por um membro do Conselho, que foi acompanhado por outros dois nessa parte) relativamente à conclusão 8.ª desse parecer. O tema foi novamente abordado no § VI.3 do parecer n.º 11/2011, de 26-1-2012, a propósito da atividade por iniciativa própria de um órgão de polícia criminal que não tinha competência para a coadjuvação por encargo do Ministério Público (parecer aprovado por unanimidade e publicado no Diário da República II.ª Série, de 5-6-2012, que também se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf). Mais recentemente o tema voltou a estar presente no § II.3.2 do parecer n.º 8/2012, de 27-9-2012 então reportado ao procedimento contraordenacional (parecer sobre o crime de desobediência, igualmente solicitado pelo Procurador-Geral da República e que, à data do presente parecer, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada»).
[23] No mesmo sentido, relativamente ao direito vigente, G. Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Lisboa, Verbo, 2009, § 227 e, já à luz do direito anterior, Eduardo Correia se referia aos atos cautelares ou de informação oficiosa como «atos praticados pelos funcionários ou autoridades, subsidiariamente às suas funções precípuas, com vista a informar, permitir ou facilitar o exercício da ação penal pelos seus titulares, têm uma natureza material ou melhor oficiosa que, precisam do ponto de vista do processo penal de ser oficializados ou legalizados» («A Instrução Preparatória em processo penal (alguns problemas)», BMJ nº 42, 1954, p. 17).
[24] Cf. sobre este ponto, com referências bibliográficas Paulo Dá Mesquita, Direção do inquérito penal e garantia judiciária, cit., 2003, pp. 120-143; «Repressão criminal e iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal», cit., 2004, pp. 10-11; Processo penal, prova e sistema judiciário, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 383-384. Perspetiva coincidente com a preconizada em pareceres do Conselho Consultivo, designadamente os referidos na nota anterior e em particular o § VIII.5 do parecer n.º 5/2010.
[25] Anabela Miranda Rodrigues, «A fase preparatória do processo penal - Tendências na Europa: o caso português», Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. X, n.39 (2002), p. 25.

[26] Supra §§ II.1.1 e II.1.2.1.
[27] Quanto ao procedimento contraordenacional, na falta de uma cláusula aberta, como a prevista no artigo 249.º, n.º 1, do CPP, em sintonia com a diferença de competências precípuas das entidades policiais nesse domínio, existe uma dependência mais estrita de norma legal de autorização para medidas cautelares proactivas dirigidas aos fins repressivos de contraordenações, cf. § II.3.3 do parecer n.º 8/2012.
[28] Expressão de Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, Universidade Católica, 2011 (4.ª ed.), p. 725.
[29] Expressões a que se atribui, no plano da delimitação das competências, «sentido tendencialmente equivalente», assim Maria de Fátima Mata-Mouros, embora essa autora privilegie «o uso da primeira num referente mais substancial e o uso da segunda num sentido mais marcadamente orgânico» (Juiz das Liberdades — Desconstrução de um mito do processo penal, Coimbra, Almedina, 2011, p. 42).
[30] «As relações entre o Ministério Público e a polícia: a experiência portuguesa», BFD, vol. LXX, Coimbra, 1994, p. 233. Em termos de terminologia sobre as fronteiras da autónoma iniciativa policial em processo penal, Damião da Cunha refere-se ao limite legal sobre o «espaço de exercício promíscuo de competências (e, naturalmente, que de promiscuidade só se poderá falar quando o órgão principal não tiver ainda exercido o seu direito de definição da atuação do órgão coadjutor, portanto quando este tiver iniciativa própria na competência a exercitar), definindo como limite daquele exercício promíscuo os atos de urgência e de necessidade, por impossibilidade de atuação do órgão principal, pelo que só dentro deste reduzido espaço têm os órgãos de polícia criminal uma iniciativa própria no exercício da sua competência de coadjuvação» (op. cit., p. 140).
[31] Cf. no mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, cit., 2011, p. 675
[32] «Sobre a teoria das medidas de polícia administrativa», Estudos de Polícia (ed. Jorge Miranda), Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2003, p. 193.
[33] Op. cit., p. 202. Pedro Lomba, no contraponto entre a tipicidade das medidas de polícia e no direito penal, acrescenta: «Se o tipo penal é necessariamente incriminador (o tipo justificativo é excecional), o tipo das medidas de polícia é necessariamente justificador, habilitando a Administração à prática de uma determinada atuação jurídica lesiva de direitos e liberdades dos cidadãos. Ao contrário dos tipos penais, os tipos das medidas de polícia constituem normas de competência» (op. cit., p. 204).
[34] Refira-se que este Conselho Consultivo se pronunciou no parecer n.º 95/2003, de 12-1-2004 (publicado no Diário da República II.ª Série, de 4-3-2004) sobre medidas de polícia admissíveis na restrição de direitos de informação de jornalistas, tendo-se preconizado nas conclusões 11.ª a 13.ª:
«11.ª Ocorrendo a concentração de jornalistas, repórteres fotográficos e operadores de imagem junto às portas de acesso aos tribunais, fotografando e filmando a imagem das pessoas que entram e saem do edifício, no contexto da cobertura informativa de eventos relacionados com processos criminais, as forças de segurança devem, em regra: (a) Assumir a adequada vigilância do local, garantindo a ordem pública e a segurança de pessoas e dos seus bens; (b) Impor as restrições necessárias para garantir a livre entrada e saída de pessoas e viaturas no edifício; (c) Proceder à recolha de informação destinada a habilitar as autoridades de polícia a prevenir quaisquer possíveis perturbações e a adotar as necessárias providências para atalhá-las quando se produzam, ou para identificar os seus autores;
«12.ª Nas situações de facto assinaladas na conclusão anterior, o exercício do direito de informação pode ser restringido para: (a) Garantir a livre entrada e saída de pessoas e viaturas no tribunal; (b) Salvaguardar a vida, a integridade física, a liberdade e a segurança de intervenientes processuais, em particular dos que beneficiem de específicas medidas de proteção policial, devendo essas restrições respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade e o conteúdo essencial do direito de informação;
«13.ª As forças de segurança não podem impor outras medidas de limitação ao exercício do direito de informação, para além das restrições enunciadas na conclusão 12.ª.»
[35] O qual, à data do presente parecer, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[36] Não tendo fundamento jurídico-constitucional, por exemplo, uma genérica prevalência da perseguição criminal sobre a prevenção do perigo ou a inversa – Cf. com mais desenvolvimento e referências bibliográficas, Paulo Dá Mesquita, «Repressão criminal …», já citado, 2004, pp. 27‑30.
[37] Prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da LOPSP e no art. 3.º, n.º 1, al. c), da LOGNR. A PSP e a GNR têm competências de polícia administrativa geral que, como sublinha Sérvulo Correia, «visa a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente considerada, com particular ênfase no domínio da ordem e segurança públicas» («Polícia», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VI, 1994, p. 407). Neste plano importa, ainda, ter presente a destrinça entre a polícia de segurança e polícia administrativa em sentido estrito – para uma panorâmica, com referências bibliográficas, cf. Fernanda Maria Marchão Marques, «As polícias administrativas», Estudos de Polícia (ed. Jorge Miranda), Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2003, pp. 135-151.
[38] Delfino Siracusano in D. Siracusano / A. Galati / G. Tranchina / E. Zapallà, Diritto processuale penale, Milão, Giuffrè, 1995, p. 8.
[39] Daí que os elementos recolhidos não sejam provas, em sentido ontológico-funcional, do julgamento, sobre as categorias conceptuais empregues neste passo do parecer e referências bibliográficas cf. Paulo Dá Mesquita, Direção do inquérito penal, cit., 2003, pp. 64-66.
[40] Cf. Paulo Dá Mesquita, A prova do crime e o que se disse antes do julgamento – Estudo sobre a prova no processo penal português, à luz do sistema norte-americano, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 514.
[41] Por via da remissão do n.º 1 do artigo 164.º, n.º 1, do CPP para o artigo 255.º do Código Penal, que integra as definições de documento e notação técnica, esta à luz de uma matriz funcional com enfoque nas vertentes de perpetuação, probatória e de garantia —Sobre este ponto da norma penal, cf. Helena Moniz in Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal Parte Especial, ed., v. 2, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp. 666-673.
[42] Assinada por Portugal em 23 de novembro de 2001, a qual foi discutida e aprovada pela Assembleia da República na mesma data da Lei do Cibercrime.
[43] Existindo sobretudo duas tecnologias as câmaras com dispositivo de carga acoplada ou CCD (charge-coupled device) que transforma a informação elétrica e analógica em dados informáticos e os equipamentos com um sensor CMOS (complementary metal-oxide-semiconductor) que converte diretamente a luz em cargas elétricas traduzidas em dados digitais.
[44] Assim, com desenvolvimento sobre as alterações adotadas, Paulo Dá Mesquita Processo penal, prova e sistema judiciário, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp., 83-129, e integrando essa matéria em problemáticas gerais das provas pré-constituídas, A prova do crime e o que se disse antes do julgamento, cit., 2011, pp. 629-630, n. 313. Este aspeto também foi destacado no ponto VI.7 do já citado parecer n.º 11/2011, de 26-1-2012.
[45] Parecer que, à data de emissão presente, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[46] Desenvolvimento empreendido no § II.4.2 desse parecer, com referências a Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Almedina, Coimbra, 13.ª ed. (2.ª reimp.), 2005, §§ 254, 255 e 302, pp. 448-449, 451 e 527 e Karl Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, tradução portuguesa de José Lamego da 5.ª ed. alemã de 1983, com o título Metodologia da Ciência do Direito, F. C. Gulbenkian, Lisboa (2.ª ed.), 1989, p. 428. O parecer n.º 47/2010 nesta data também ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[47] Cf. supra § II.4.
[48] Anabela Miranda Rodrigues, «A fase preparatória do processo penal …», cit., 2002, p. 25.
[49] Na transcrição subsequente vão omitir-se as notas de rodapé do parecer que compreendem, no essencial, referências bibliográficas.
[50] Cf. Paulo Dá Mesquita, «Repressão criminal e iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal», cit., 2004, pp. 27-30.
[51] Entre estas destacam-se finalidades expressas nos princípios da descoberta da verdade material, do acusatório e do contraditório.
[52] Parecer solicitado pelo Procurador-Geral da República que se encontra disponibilizado na zona de acesso aberto ao público da base de dados sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase e também foi publicado em Pareceres — Os segredos e a sua tutela, vol. VI, Lisboa, Procuradoria-Geral da República, 1997, pp. 463-518. Refira-se que o texto das três declarações de voto de vencido (uma das quais mereceu a adesão de um quarto membro do Conselho) incidentes sobre a delimitação do segredo de jornalista não constam do texto disponibilizado na base de dados eletrónica, mas apenas do publicado em livro. Existiram ainda três votos de vencido (incluindo o relator do parecer) relativamente aos poderes das comissões parlamentares de inquérito (conclusão 9.ª), que apenas constam do texto publicado no livro. Anteriormente, o Conselho Consultivo já tinha abordado o tema com desenvolvimento no parecer n.º 205/1977, de 3-11-1977 (o qual não se encontra publicado mas cujas conclusões estão acessíveis em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase).
[53] Supra § II.4.
[54] Numa regulação processual alternativa, nomeadamente, à exclusividade de remédios supervenientes
[55] Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 57.
[56] Cf. supra §§ II.3 e II.4.
[57] Consagrado na alínea b) do n.º 2 do artigo 38.º:
«A liberdade de imprensa implica […] O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais […].
«Direito à proteção do sigilo profissional» analisado por Gomes Canotilho / Vital Moreira como «direito constitucional dos jornalistas» «conexo» com o «direito de acesso às fontes de informação» — Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007 (4ª edição revista), p. 583. Por seu turno, Jorge Miranda classifica-o como «um direito só dos jornalistas» — «Anotação ao artigo 38.º» in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 435.
O Tribunal Constitucional no § 2.4 do acórdão de fiscalização preventiva do CPP dedicado à constitucionalidade da redação originária dos n.ºs 2 e 3 do artigo 135.º do CPP, defendeu:
«Há aqui, segundo se pensa, duas questões diferentes.
«A primeira está em saber se, invocado o segredo profissional como fundamento de escusa a depor, à autoridade judiciária só resta uma atitude passiva, isto é, aceitar, sem mais, o fundamento invocado, ou se à mesma autoridade é consentido indagar da legitimidade da escusa e chegar à conclusão de que, no caso concreto, o facto não está abrangido pelo segredo. É esta primeira questão que o n.º 2 resolve, dando à autoridade judiciária o poder de averiguar a legitimidade da escusa e, se concluir pela ilegitimidade, ordenar, ou requerer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. E neste caso pode dizer-se, com o Governo, que não há violação do segredo profissional.
«A outra questão consiste em saber se, averiguado que o facto em causa está abrangido pelo segredo profissional, pode ainda assim ordenar-se a prestação do depoimento, com quebra, portanto, desse segredo. É a questão resolvida pelo n.º 3, nos seguintes termos: em primeiro lugar, atribuindo-se a competência para decidir o incidente ao tribunal imediatamente superior àquele onde o mesmo se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao plenário das secções criminais; em segundo lugar, conferindo ao juiz o poder de, oficiosamente ou a requerimento, suscitar a intervenção daquele tribunal; em terceiro lugar, fazendo preceder a decisão da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa; em quarto lugar, possibilitando a quebra do segredo profissional, quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.º do CP.
«Haverá, assim, quebra do segredo profissional se, nos termos deste artigo 185.º, o segredo “for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim”.
«Será isto inconstitucional?
«O n.º 3 do artigo 38.º da Constituição foi introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro. Individualizam-se nele quatro direitos dos jornalistas, todos eles incluídos na liberdade de imprensa: o direito de acesso às fontes de informação, o direito à proteção da independência profissional, o direito à proteção do sigilo profissional e o direito de elegerem conselhos de redação.
«No que respeita ao direito à proteção do sigilo profissional, único aqui em causa, a CRP remete para a lei ordinária: a liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei - lê-se no referido n.º 3 -, à proteção do sigilo profissional.
«Cabe, portanto, à lei delimitar o seu âmbito e garantir o seu exercício.
«A questão estará, pois, em saber se a restrição aqui estabelecida constitui uma “agressão desproporcionada” ao segredo profissional garantido aos jornalistas.
«E a resposta parece dever ser negativa, dados os valores em favor dos quais o segredo profissional dos jornalistas é sacrificado e as cautelas de que se faz rodear a quebra do segredo.»
[58] Matéria objeto do parecer n.º 38/1995 cuja 3.ª conclusão, votada por uma maioria de 5-4, foi no sentido de que:
«Os jornalistas têm o direito e os diretores das empresas de comunicação social, nomeadamente das estações televisivas, o dever de não revelar e exibir as fontes referidas na conclusão anterior, salvo consentimento expresso do interessado (nº 2 do artigo 8º da Lei nº 62/79).»
Três dos vencidos preconizaram, em alternativa à conclusão transcrita, a seguinte formulação:
«O sigilo profissional dos jornalistas permite-lhes a não revelação de fontes de informação sempre que uma pessoa tenha facultado diretamente o conteúdo da comunicação jornalística, ou ainda quando alguém, consciente ou inconscientemente, tenha proporcionado o acesso à informação que se veiculou.»
[59] Recorde-se, neste ponto, o mencionado parecer n.º 26/2012:
«O problema deve começar por ser enquadrado à luz do regime jurídico-constitucional do segredo de Estado no SIRP […].
«O segredo de Estado é um tema que nos remete para a problemática do relevo sócio-jurídico do valor da transparência, plano em que a tutela jurídico-constitucional do segredo de Estado sempre o envolveu como instrumento (ou garantia) funcionalizado à salvaguarda de determinados valores constitucionais, constituindo um limite, em determinadas circunstâncias, de direitos fundamentais, em particular de direitos de informação. Sintomaticamente, uma das referências expressas ao segredo de Estado no texto da Constituição anterior à revisão de 1997 compreendia-o, a par do segredo de justiça, como limite de um direito fundamental: «todos os cidadãos têm o direito de tomar conhecimento dos dados constantes de ficheiros ou registos informáticos a seu respeito [...] sem prejuízo do disposto na lei sobre o segredo de Estado e segredo de justiça».
«Dimensão funcional do segredo de Estado que acaba por se relacionar com imperativos constitucionais de proteção, ressaltando a sua configuração como garantia institucional para a prossecução da «tarefa fundamental» do Estado prevista na alínea a) do artigo 9.º da Constituição: «garantir a independência nacional».
«A restrição por força do segredo de Estado de direitos fundamentais, tem de se compaginar com os princípios derivados dos artigos 18.º e 19.º da Lei Fundamental: aplicação imediata dos direitos fundamentais, vinculação das entidades públicas e privadas, proporcionalidade, necessidade e reserva de lei como fonte de restrições.
«Destaca-se, neste domínio de direitos constitucionais restringidos pelo segredo de Estado, o direito de informação, consagrado no artigo 37.º, nº 1, da Constituição, que nas suas três vertentes (direitos de informar, se informar e ser informado) tem natureza universal. Vetor em que se impõe uma perspetiva restritiva do segredo de Estado, reforçada pela própria natureza de garantia institucional desse segredo não poder colidir com «um adequado sistema de direitos fundamentais».
[60] Cf. § II.3.6 do parecer n.º 26/2012.
[61] Cf. supra §§ II.1.2.2 e II.2.1.
[62] Oportunamente delimitado cf. supra §§ II.1 e II.2.
[63] Não sendo pertinente a convocação, nesta sede, dos regimes específicos sobre a recolha de imagens no âmbito da atividade de segurança privada (cf. art. 13.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de fevereiro), sobre a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos (cf. arts. 3.º a 10.º da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, revista pelas Leis n.º 39-A/2005, de 29 de julho, n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, e n.º 9/2012, de 23 de fevereiro), sobre a vigilância eletrónica rodoviária (cf. arts. 2.º a 15.º do Decreto-Lei n.º 207/2005, de 29 de novembro), ou videovigilância em táxis (cf. arts. 2.º a 13.º da Lei n.º 33/2007, de 13 de agosto), ou vigilância a distância no trabalho (arts. 20.º e 21.º do Código do Trabalho), pois o acesso a essas categorias de imagens pelos órgãos de polícia criminal é estranho ao objeto do parecer.
[64] Cf. supra § II.5.4.
[65] Parecer n.º 38/1995 que veio a ser ponderado pela Alta Autoridade para a Comunicação Social em «Deliberação sobre o efeito da invocação do sigilo profissional nas relações dos jornalistas e órgãos de comunicação social com o Ministério Público, Polícia Judiciária, Provedor de Justiça e comissões de inquérito parlamentar», aprovada na reunião plenária dessa autoridade de 26-6-1996.
[66] Cujo objeto se circunscreve à atividade por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal para fins do processo penal, Cf. supra §§ II.2, II.3 e II.4.
[67] Supra § II.3.
[68] Supra § II.4.
[69] Supra § II.2.
[70] Supra § II.4.
[71] Aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro, e revisto pela Lei n.º 64/2007, de 6 de novembro.
[72] O artigo 1.º, n.º 1, desse estatuto prescreve:
«São considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio eletrónico de difusão.»
[73] Methodenlehre der Rechtswissenschaft, tradução portuguesa de José Lamego da 5.ª ed. alemã de 1983, com o título Metodologia da Ciência do Direito, F. C. Gulbenkian, Lisboa (2.ª ed.), 1989, p. 428.
[74] Op. cit., p. 395.
[75] Op. cit., p. 395.
[76] Cf. Giovanni Conso / Vittorio Grevi / Guido Neppi Modona, Il nuovo codice di procedura penale, v. I, Pádua, CEDAM, 1989, pp. 626-628. Esse preceito veio a estar na origem do artigo 256.º do código italiano de 1989, tendo sido preservado o enquadramento sistemático do projeto, continuando o artigo no mesmo lugar em que foi colocado no diploma português: No capítulo III (Sequestri que significa apreensões), do título III (Mezzi di ricerca della prova) do livro III (Prove). Na redação originária do código italiano o n.º 1 do artigo 256.º, com a epígrafe Dovere di esibizione e segreti, dispunha: «Le persone indicate negli articoli 200 e 201 [relativas ao sigilo profissional e de funcionário] devono consegnare immediatamente all'autorità giudiziaria, che ne faccia richiesta, gli atti e i documenti, anche in originale se così è ordinato e ogni altra cosa esistente presso di esse per ragioni del loro ufficio, incarico, ministero, professione o arte, salvo che dichiarino per iscritto che si tratti di segreto di Stato ovvero di segreto inerente al loro ufficio o professione».

[77] Sendo verdade, como foi referido em declaração de voto aposta ao parecer n.º 38/1995, que «o chamado segredo dos jornalistas assume particular especificidade relativamente ao sigilo profissional em geral» (declaração de voto de Salvador de Costa), tal não significa que se simplifique necessariamente a interação comunicativa das instâncias formais de controlo com a entidade que detém a informação suscetível, em abstrato, de ser protegida por aquele sigilo. Como se revela pelo alargamento da categoria de destinatários identificados como relevantes por via da conjugação do artigo 182.º, n.º 1, do CPP com o artigo 11.º, n.º 5, do Estatuto do Jornalista. Neste ponto Conselho Consultivo já se tinha pronunciado no parecer n.º 205/1977, de 3-11-1977 no sentido de que «O sigilo profissional dos jornalistas é um direito destinado a garantir a sua independência e o exercício do direito de acesso a informação, pelo que só nessa medida tem justificação legal». Quanto à especificidade do segredo de jornalista no panorama dos sigilos profissionais, remete-se para o que foi dito, com referências bibliográficas, em Paulo Dá Mesquita, «O segredo do inquérito penal — uma leitura jurídico-constitucional», Direito e Justiça, v. 14, n. 2 (2000), pp. 70-71; A prova do crime e o que se disse antes do julgamento, cit. pp. 222, n. 139, pp. 549-550, n. 190 e p. 553, n. 196.
[78] António Ulisses Cortês, «A fundamentação das decisões no processo penal», Direito e Justiça, vol. XI, t. 1 (1997), p. 289, cf. ainda Direção do Inquérito e garantia judiciária, cit., 2003, pp. 97-98.
[79] Supra § II.5.3.
[80] Nomeadamente do n.º 2 do artigo 182.º do CPP no caso em que seja invocado segredo profissional. Regulação que se apresenta em sintonia com a solução sistematicamente mais cuidada adotada pelo legislador italiano nas alterações empreendidas ao regime processual penal determinadas pela aprovação da Convenção do Conselho da Europa Sobre Cibercrime, CTS n.º 185, as quais incidiram de forma direta no CPP tendo sido acrescentado, pela Lei n.º 48 de 18-3-2008, um inciso ao preceito correspondente ao artigo 182.º, n.º 1, do CPP português, o artigo 256.º, n.º 1, do Código italiano, no qual se acrescentou a seguir à referência a documentos, nonché i dati, le informazioni e i programmi informatici, anche mediante copia di essi su adeguato suporto.
[81] Expressão de Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, cit., 2011, p. 674 que condensa as ideias sobre a delimitação funcional da iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal classificada como medidas cautelares e de polícia (supra §§ II.3 e II.4)
[82] Cf. supra § II.5.4. Procedimento subsequente que não integra o objeto do presente parecer (supra § II.1.2.2), motivo pelo qual se omitirá qualquer desenvolvimento sobre eventuais revogações ou ratificações judiciárias da medida cautelar e de polícia ou iniciativas judiciárias que visem o acesso às imagens, nomeadamente, a interpelação dos seus detentores. Recorde-se que essa matéria escapa ao objeto do parecer pois, por um lado, é estranha à iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal e, por outro, falece competência ao Conselho Consultivo para qualquer proatividade relativamente à pronúncia sobre questões cuja apreciação depende de solicitação do Procurador-Geral da República (artigo 37.º, alínea e), do EMP). A única matéria em que se admite uma proatividade deste ente consultivo reporta-se à informação do Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais e proposta das devidas alterações (artigo 37.º, alínea d), do EMP).
[83] Dispõe esse preceito:
«Se no decurso do processo for necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos armazenados num sistema informático, incluindo dados de tráfego, em relação aos quais haja receio de que possam perder-se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis, a autoridade judiciária competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados, designadamente a fornecedor de serviço, que preserve os dados em causa.»
[84] Deve referir-se que neste ponto existiu uma assinalável evolução relativamente ao texto do anteprojeto de proposta de lei governamental. Com efeito, a redação do anteprojeto compreendia a previsão da possibilidade expressa de decisão do órgão de polícia criminal podendo gerar uma extrapolação inadmissível no caso em que não existisse prévia delegação. Os atos decisórios dos órgãos de polícia criminal no sistema processual penal português por iniciativa própria dependem de urgência e perigo na demora, como veio a ser corretamente traçado no art. 12.º, n.º 2, atendendo à diferença estrutural entre os atos por iniciativa própria e os atos por encargo que reside na legitimação ope legis dos primeiros fundada no perigo na demora, pelo que se compreende que a lei preveja atos por iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal supervenientes à intervenção da autoridade judiciária (a autónoma iniciativa do órgão de polícia criminal para assegurar novos meios de prova) fundados pelos princípios da necessidade e urgência da intervenção policial que não afetam o dever de transmissão imediata da notícia ao Ministério Público (sobre o regime da prova eletrónica neste ponto, cf. Paulo Dá Mesquita, Processo penal, prova e sistema judiciário, cit., 2010, p. 112, vd. ainda em termos termos gerais sobre o enquadramento da iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal supra § II.4 do presente parecer).
[85] Cf. supra § II.6.3.
[86] Cf. supra § II.5.3.