Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001998
Parecer: P001422001
Nº do Documento: PPA140220020014200
Descritores: AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO
CONSULTA PÚBLICA
PROCEDIMENTO COLECTIVO
PROCEDIMENTO EM MASSA
PROCEDIMENTO ESPECIAL
APOIO FINANCEIRO PÚBLICO
CONCURSO PÚBLICO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
LACUNA
LEI SUBSIDIÁRIA
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
DISPENSA
INEXISTÊNCIA
PODER DISCRICIONÁRIO
CONCEITO VAGO OU INDETERMINADO
CONTROLO JUDICIAL
Livro: 00
Numero Oficio: 4282
Data Oficio: 10/02/2001
Pedido: 10/03/2001
Data de Distribuição: 10/16/2001
Relator: FERNANDES CADILHA
Sessões: 01
Data da Votação: 02/14/2002
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MC
Entidades do Departamento 1: MIN DA CULTURA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 04/01/2002
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 10-08-2002
Nº do Jornal Oficial: 184
Nº da Página do Jornal Oficial: 13746
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR ADM
Ref. Pareceres:P000651997Parecer: P000651997
P000641999Parecer: P000641999
Legislação:CRP76 ART 267 N5; DL 42/96 DE 1996/05/07 ART2 N3 F G M; DL 149/98 DE 1998/05/25 ART3 H I; DL 408/98 DE 1998/12/21 ART2 I; DL 160/97 DE 1997/06/25 ART4 N2; DN 21-A/2001 DE 2001/05/11 ART10; DN 23-A/2001 DE 2001/05/18; RECT 13-V/2001 DE 2001/06/30; PORT 482/2001 DE 2001/05/10 ART16; PORT 255/2001 DE 2001/03/24 ART15; PORT 280/2000 DE 2000/05/22; DN 25/2001 DE 2001/05/30; DN 27/2001 DE 2001/05/31; CPADM91 ART2 N1 N6 N7 ART100 ART103 N1 A B C N2 A B; DL 6/96 DE 1996/01/31; CCIV66 ART9
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - A audiência dos interessados, como manifestação do princípio da participação, concretizada nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), deve ter lugar nos procedimentos gerais, e, por aplicação supletiva daquelas normas, nos procedimentos previstos em lei específica, salvo os casos de inexistência ou dispensa expressamente indicados no artigo 103º do referido diploma;
2ª - A não previsão da formalidade da audiência dos interessados no complexo de normas que regule um procedimento especial só não é susceptível de integração subsidiária, se a actividade interpretativa, de acordo com os critérios hermenêuticos do artigo 9º do Código Civil, permitir concluir que se trata, no caso, de uma opção legislativa derrogatória do princípio da participação, naquela modalidade;
3ª - Em conformidade com as anteriores conclusões, a audiência dos interessados tem lugar nos procedimentos para concessão de apoio financeiro a actividades artísticas de iniciativa não governamental, organizados pelos organismos tutelados pelo Ministério da Cultura, e, designadamente, nos que se encontram regulados pelos Despachos Normativos n.ºs 23-A/2001, de 18 de Maio, 25/2001, de 30 de Maio, e 27/2001, de 31 de Maio, e pela Portaria n.º 280/2000, de 22 de Maio;
4ª - As causas de inexistência de audiência dos interessados, a que se refere o n.º 1 do artigo 103º do CPA, são objectivas e relevam do exercício de um poder administrativo estritamente vinculado quanto aos respectivos pressupostos, mesmo quando envolva um juízo de previsão sobre a utilidade do procedimento ou o preenchimento de um conceito indeterminado (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 103º);
5ª - A declaração de inexistência do direito de audição, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, exige, segundo um juízo de prognose, que o cumprimento da formalidade implique, com grande probabilidade, a própria inutilização do procedimento - por não poder ser concluído em tempo útil -, ou a impossibilidade de executar a decisão - por não possuir já qualquer efeito prático;
5.ª A impraticabilidade da audiência dos interessados nos procedimentos de massa, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, não resulta de num mero princípio de economia processual, mas antes da efectiva impossibilidade de o órgão instrutor reconsiderar individualmente a situação relativa de cada um dos opositores, caso se venha a cumprir a formalidade, pelo que não é de excluir que a mesma entidade, por identidade de razão, e com base no segmento final da mesma disposição, venha a prescindir também da consulta pública;
6.ª O conceito indeterminado constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA (número elevado de interessados), sendo meramente descritivo, é susceptível de controlo judicial, dado que a sua subsunção à situação de facto não carece de operações de valoração extra-legal.

Texto Integral:
Senhor Ministro da Cultura ,
Excelência:




I

Tendo sido suscitadas dúvidas sobre a necessidade da realização de audiência prévia dos interessados nos procedimentos de concurso público relativos a apoios financeiros concedidos por diversas entidades que se encontram sob a superintendência e tutela do Ministério da Cultura, dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer deste corpo consultivo ([1]).

A questão surge enunciada numa nota informativa do Gabinete e reporta-se aos apoios a conceder a actividades artísticas de iniciativa não governamental pelo Instituto Português de Artes do Espectáculo (IPAE), pelo Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM) e pelo Centro Português de Fotografia (CPF), no âmbito da respectiva área de intervenção, ao abrigo de diversos diplomas regulamentares que instituem um procedimento próprio de concurso público ([2]).

Nos termos da mesma nota, a controvérsia quanto à exigência da audiência dos interessados, no decurso desses procedimentos, resulta da divergência manifestada em pareceres solicitados pelos organismos em causa relativamente ao entendimento do próprio Gabinete, que, sendo favorável à realização da formalidade, originou, em anteriores concursos, a revogação do acto homologatório de graduação dos candidatos, através do Despacho nº 2MC/2001, de 11 de Janeiro, do então Ministro da Cultura.

Em vista a fundamentar a posição a adoptar por parte do Ministério da Cultura em situações futuras, formulam-se, assim, cinco ordens de questões, que poderão sintetizar-se do seguinte modo:

a) É exigível a audiência prévia dos interessados, nos termos previstos nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, nos concursos organizados pelo IPAE e o ICAM para concessão de apoios financeiros;

b) Nos concursos a que se apresente um elevado número de candidatos, designadamente na área do teatro, poderá configurar-se uma situação de inexistência da audiência prévia, com base no disposto no artigo 103º, n.º 1, alínea c), do CPA?

c) Poderá invocar-se, noutras situações, o comprometimento da execução ou da utilidade da decisão, conforme prevê o artigo 103º, nº 1, alínea b), do CPA ?

d)Os critérios a adoptar na aplicação da norma do artigo 103º do CPA têm natureza objectiva ou meramente casuística?

e)Na avaliação das situações que originem a inexistência ou a dispensa da audiência prévia, a margem de livre apreciação da Administração deverá prevalecer sobre o princípio da participação dos interessados?

Cumpre, assim, emitir o solicitado parecer.

II

1. O Decreto-Lei n.º 42/96, de 7 de Maio, que aprovou a nova Lei Orgânica do Ministério da Cultura, veio enquadrar em novos moldes o apoio governamental do Estado Português aos diversos sectores da actividade cultural, substituindo um princípio de ordenamento vertical por disciplina artística, que permitia agrupar simultaneamente no seio de cada organismo específico a gestão de unidades estatais de produção artística e o apoio a actividades de iniciativa não governamental, pela definição de novos organismos que, com elevada autonomia funcional, têm por objectivo estruturar a intervenção do Estado nos diferentes domínios da criação e produção artísticas.

Entre os organismos que, na sequência dessa reestruturação, passaram a incluir-se na dependência tutelar do Ministério da Cultura, com a natureza de pessoas colectivas públicas, contam-se o Instituto Português de Artes do Espectáculo (IPAE), o Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM) e o Centro Português de Fotografia (CPF), cujos diplomas orgânicos foram instituídos, respectivamente, pelos Decretos-Leis n.ºs 149/98, de 25 de Maio, 408/98, de 21 de Dezembro, e 160/97, de 25 de Junho (cfr. artigo 2º, n.º 3, alíneas f), g) e m), do Decreto-Lei n.º 42/96).

Ao IPAE cabe estruturar a intervenção do Estado no âmbito das artes do espectáculo em tudo o que não esteja coberto pelas estruturas de produção artística de directa responsabilidade estatal. Entre outras, tem como atribuições “fomentar as actividades de iniciativa não governamental nos domínios da música, da dança, do teatro e demais formas de criação nas artes do espectáculo, designadamente através do apoio financeiro e técnico à produção independente nestes domínios” e ainda “incentivar a difusão artística no âmbito das artes do espectáculo” (artigo 3º, alíneas h) e i), do Decreto-Lei n.º 149/98);

O ICAM, criado pelo Decreto-Lei n.º 408/98, em substituição do antigo Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual, tem por objectivos afirmar e fortalecer a identidade cultural e a diversidade nos domínios do cinema, do audiovisual e do multimédia, apoiando a inovação e a criação artística, fortalecendo a indústria de conteúdos e a promoção da cultura e da língua portuguesas. Em ordem à prossecução desses fins, cabe-lhe, designadamente, “conceder apoios financeiros e outros incentivos”, conforme prevê o artigo 2º, alínea i), daquele diploma.

Por seu turno, o CPF tem como responsabilidade o apoio aos produtores fotográficos contemporâneos, a manutenção, actualização e rentabilização de espólios históricos, a circulação das colecções, a promoção ou cooperação em mostras fotográficas nacionais ou internacionais, a formação, nomeadamente facultando aos produtores o acesso à obtenção de novos conhecimentos, e a investigação no campo da fotografia. Nesse sentido, o artigo 4º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 160/97 confere-lhe “competência para conceder subsídios destinados a financiar acções no âmbito das suas atribuições.”


2. Diversos diplomas regulamentares, sob a forma de despacho normativo ou portaria, têm vindo a definir, anualmente, as condições de atribuição de apoios financeiros com referência aos diferentes sectores da actividade cultural, bem como o respectivo regime procedimental.

Assim, e no quadro de intervenção do IPAE, o Despacho Normativo n.º 21-A/2001, de 11 de Maio de 2001, aprovou os regulamentos de apoio às actividades teatrais, musicais, de dança e pluridisciplinares, os quais constituem, respectivamente, os anexos I a IV a esse diploma.

No que se refere ao financiamento às orquestras regionais, que igualmente se insere no domínio das atribuições do IPAE, o respectivo regulamento consta do Despacho Normativo n.º 23-A/2001, de 18 de Maio ([3]).

Por seu turno, as Portarias n.ºs 482/2001, de 10 de Maio, 255/2001, de 24 de Março, e 280/2000, de 22 de Maio, no desenvolvimento das atribuições que incumbem ao ICAM relativamente ao apoio e incentivo à produção cinematográfica, aprovam, respectivamente, os regulamentos de apoio directo e selectivo à produção cinematográfica de filmes de longa metragem de ficção, e o apoio selectivo à escrita de argumentos cinematográficos para longas metragens de ficção.

Com referência à actividade do CPF, interessa considerar os Despachos Normativos n.ºs 25/2001, de 30 de Maio (apoio aos arquivos e património de fotografia) e 27/2001, de 31 de Maio (apoio à produção fotográfica contemporânea).

3. Todos os mencionados regulamentos fazem depender a concessão dos apoios financeiros da organização de prévio concurso público, o qual obedece a um formalismo que, nos seus marcos essenciais, apresenta alguma similitude.

O concurso é objecto de oportuna publicitação através de anúncio afixado na sede do organismo concedente ou divulgado em dois jornais de expansão nacional.

A apreciação e selecção das candidaturas é efectuada por um júri, designado, em regra, pelo Ministro da Cultura, sob proposta do organismo envolvido, definindo o regulamento os respectivos critérios de avaliação, bem como o sistema de classificação.

A decisão final do júri é submetida à homologação do Ministro da Cultura ou, noutros casos, apresentada à apreciação do membro do Governo sob a forma de proposta, e deverá ser sempre fundamentada.

No entanto, apenas nos regulamentos aprovados pelo Despacho Normativo n.º 21-A/2001, de 11 de Maio, e pelas Portarias n.ºs 255/2001, de 24 de Março, e 482/2001, de 10 de Maio ([4]), se prevê expressamente, a realização da audiência dos interessados, em momento prévio à decisão, sendo omitida nos restantes qualquer referência, ainda que por mera remissão para a lei geral do procedimento administrativo, a essa formalidade.


4. É neste ponto que entronca a primeira das questões que vêm suscitadas no pedido de consulta. Será exigível, em todos os casos, a audiência dos interessados, por simples apelo à regra geral que, nessa matéria, se contém no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo?

Deverá começar por dizer-se que a dúvida, exposta nestes termos, apenas terá razão de ser no tocante aos procedimentos de concessão de apoio financeiro que, encontrando-se especificamente regulados em diploma próprio, não contemplam a realização da audiência dos interessados. Em relação aos casos em que, pelo contrário, o direito de participação dos candidatos surge especialmente previsto, quer através de disposição expressa que tenha correspondência com a norma do artigo 100º do CPA, quer por remissão para os termos gerais deste Código – entre os quais se encontram alguns dos procedimentos organizados pelo IPAE e pelo ICAM -, não subsiste motivo para deixar de aplicar a disposição em causa, a menos que na hipótese concreta possa configurar-se uma situação de inexistência ou dispensa da audiência ([5]).

Com esta clarificação, a pergunta haverá de ser interpretada no sentido de saber se a formalidade da audiência dos interessados, tal como se encontra prevista no CPA, deverá ter aplicação em procedimentos administrativos especiais, quando os diplomas reguladores da respectiva tramitação não contêm qualquer menção à exigência dessa formalidade.

Conforme dispõe o nº 1 do artigo 2º do CPA - que regula o campo de aplicação das normas do Código - as disposições do CPA aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas.

Por seu lado, os nºs 6 e 7 desse artigo estatuem o seguinte ([6]):

“6. As disposições do presente Código relativas à organização e à actividade administrativa são aplicáveis a todas as actuações da Administração Pública no domínio da gestão pública.

7. No domínio da actividade da gestão pública, as restantes disposições do presente Código aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares.”

A delimitação do âmbito da aplicação das disposições do CPA, assim estabelecida, significa que as normas relativas à organização e actividade administrativa se aplicam em todos os casos em que a actividade de gestão pública da Administração envolva relacionamento com particulares, e as normas especificamente procedimentais apenas se aplicam directamente quando não existam procedimentos especiais que estejam previstos para determinadas situações. Existindo procedimentos especiais, as disposições procedimentais do Código apenas se aplicam supletivamente e desde que não diminuam as garantias (outras garantias) dos particulares previstas em cada procedimento especial ([7]).

Referindo-se o artigo 2º, nº 7, a procedimentos especiais, importa determinar o sentido em que o Código quer entender tal especialidade.

Não prevendo o CPA um procedimento-regra, mas apenas princípios a que devem obedecer os trâmites, formalidades e actos de qualquer procedimento, a noção de especialidade não pode ser referida por contraposição a um procedimento tipo.

Por isso, a especialidade estará no exercício de determinada competência que, enquanto tal, se encontra regulada em normas procedimentais próprias. Assim, poder-se-á aceitar que, para este efeito, procedimentos especiais “são todos aqueles cuja tramitação esteja estabelecida na lei, mais ou menos minuciosamente, para a prática de certa categoria de actos, regulamentos ou contratos administrativos” ([8]).

5. No caso vertente, como se deu já sucinta nota, estamos perante procedimentos concursais que se destinam a seleccionar projectos ou programas de criação ou produção artísticas, em diversos sectores da actividade cultural (teatro, música, dança, cinema, fotografia), em vista à atribuição de apoios financeiros por parte organismos (IPAE; ICAM; CPF) que se encontram vocacionados para estimular e valorizar as iniciativas culturais que surjam na sociedade civil.

A tramitação do concurso – entendida esta como uma sucessão de actos procedimentais – encontra-se regulada, para cada caso, desde o momento preliminar da apresentação e instrução de candidaturas até à elaboração da decisão final, passando pela fase de selecção e graduação dos concorrentes, nos já citados diplomas regulamentares que, justamente, foram publicados no desenvolvimento das atribuições cometidas àqueles organismos pelas respectivas leis orgânicas.

Estabelecendo, pois, tais regulamentos uma tramitação precisa que, numa sequência ordenada e com suficiente minúcia, identifica os actos que poderão ser praticados, quer pela Administração, quer pelos interessados (bem como os respectivos pressupostos materiais), culminando com uma decisão administrativa que determinará quem serão os beneficiários do apoio financeiro, haverá de reconhecer-se que esses constituem um tipo de procedimento especial a que se dirige a norma do n.º 7 do artigo 2º do CPA.

A primeira consequência da existência de um procedimento especial é que as normas particularizadas sobre os trâmites processuais que regulam esse procedimento devem em regra prevalecer sobre as regras genéricas do CPA com o mesmo objecto ([9]). É o que resulta desde logo do n.º 7 do artigo 2º do CPA, que considera o Código aplicável supletivamente aos procedimentos especiais, isto é, só em caso de lacuna ou dúvida insanável, e desde que a sua aplicação não envolva diminuição das garantias dos particulares (n.º 7 do artigo 2º, in fine).

Como anotam, porém, FREITAS DO AMARAL et alii ([10]), situações há em que, “os princípios gerais da actividade administrativa consagrados no CPA, bem como as normas que concretizam preceitos constitucionais (administração aberta, direito à informação, dever de notificar, dever de fundamentar, audiência prévia dos interessados no processo de formação das decisões) aplicam-se a todos os procedimentos, mesmo os especiais.”

Haverá, no entanto, que distinguir, para efeito da aplicação subsidiária do CPA, entre as normas deste Código que estabelecem o formalismo ou rito procedimental e aquelas que, segundo um certo critério científico, se limitam a estipular a respectiva regulamentação ou disciplina, definindo regras sobre os pressupostos e o modo da prática dos actos ou sobre as consequências da sua omissão.

Havendo lugar a um procedimento especial, o mais frequente é que o legislador, ao fixar a respectiva tramitação, se abstenha intencionalmente de definir as normas daquele segundo tipo, dando azo a que intervenham subidiariamente as disposições da lei geral aplicáveis aos casos análogos. Assim é, por exemplo, no tocante ao modo de contagem dos prazos: nada dizendo sobre essa matéria a legislação especial que regula um concreto procedimento administrativo, terão aplicação as disposições constantes do artigo 72º do CPA.

Tratando-se, porém, de um certo trâmite processual que se encontre regulado no CPA, mas que o procedimento especial não contemple expressamente – como será o caso da audiência do interessado a que se refere o artigo 100º do CPA -, impõe-se averiguar mais atentamente se estamos perante uma típica situação de integração subsidiária, em que a formalidade deva ser admitida nesse procedimento por sobreposição aos demais actos especialmente previstos, ou antes perante uma verdadeira modificação do regime regra que torne injustificável o recurso à norma supletiva.

O primeiro critério a atender deverá ser o da essencialidade da formalidade, tendo em conta a natureza do procedimento e o objectivo que com ele se pretende prosseguir. Se a realização da formalidade, apesar de não especialmente prevista, se tornar exigível, na hipótese concreta, em função dos princípios gerais da actividade administrativa, é de aceitar, dentro do espírito do sistema, que tenha ocorrido uma omissão, que carece de ser integrada pela via do direito subsidiário. Ao contrário, se o procedimento especial contempla um mecanismo formal de participação dos interessados diferenciado que, nas circunstâncias, possa com vantagem substituir a formalidade prevista genericamente, ou se, de outro modo, a observância desta formalidade, no caso, possa colidir com os interesses em jogo ou pôr em risco a própria utilidade do procedimento, será de ponderar se o legislador não terá pretendido afastar a aplicação da norma processual geral.

É nesse contexto que se justifica enquadrar a problemática da consulta no plano mais vasto do direito de participação dos particulares no procedimento administrativo e indagar um pouco mais quanto aos fundamentos e a conformação jurídico-constitucional desse direito.

III

1. Este Conselho Consultivo teve já oportunidade de abordar desenvolvidamente a matéria da audiência dos interessados em duas anteriores ocasiões, convergindo em ambos os casos - em que estavam em causa procedimentos administrativos especiais - numa resposta afirmativa quanto à necessidade de levar a efeito a formalidade.

No parecer n.º 65/97, de 14 de Maio de 1998, concluiu-se haver lugar à realização da audiência dos interessados no procedimento pré-contratual relativo a contratos administrativos, designadamente nos concursos de empreitadas de obras públicas; e no já citado parecer n.º 64/99, de 27 de Janeiro de 2000, considerou-se a mesma formalidade aplicável tanto nos procedimentos gerais, como nos que estejam previstos em lei específica (salvo os casos de inexistência ou dispensa expressamente indicados no artigo 103º do referido diploma) e concretamente, no procedimento de qualificação como deficiente das forças armadas.

Neste último escreveu-se o seguinte:

“O instituto do direito de audiência traduz uma manifestação marcada do princípio da participação no procedimento administrativo.
Num Estado de Direito democrático, a aquisição ou descoberta procedimental dos interesses relevantes não dispensa a participação dos respectivos portadores.
A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e de interesses dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos de fora do procedimento, sob pena de se tornarem em meros objectos do poder, entidades inaptas para participar em relações jurídicas bilaterais com os titulares do poder, súbditos, em vez de cidadãos” (x).
A participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disserem respeito assume fundamentalmente duas formas em função da natureza dos efeitos de direito por ela produzidos: participação co-constitutiva e participação dialógica” (x1).
A participação é co-constitutiva quando a vontade do particular tem, a par da vontade da Administração, um papel gerador da constituição, modificação e extinção de uma situação jurídico-administrativa – a forma correspondente a este tipo de participação é o contrato administrativo.
Mas, como refere SÉRVULO CORREIA (x2), “a circunstância de a exclusiva autoria do acto final do procedimento caber à Administração não impede o estabelecimento de formas de intervenção do particular que lhe reservem a possibilidade do exercício de uma legítima influência sobre o sentido da decisão.”
A sociedade pluralista e respeitadora da pessoa humana estrutura-se sobre uma rede de condutas comunicativas (kommunikativer Handlungen).
O poder legítimo identifica-se com a vontade dos cidadãos graças a um círculo de livre comunicação que canaliza para os órgãos titulares de autoridade o sentimento e a visão das coisas da generalidade das pessoas. Nesta circulação de pensamento livre repousa a associação do poder com o Direito. O Direito que organiza as condutas participadas da Administração assegura a transformação do poder de comunicação dos cidadãos (kommunikativer Macht) em poder administrativo. E para isso é essencial a abertura à sociedade do modelo procedimental e a sua capacidade de gerar consensos.
A necessidade de incentivar a troca de informações e de procurar soluções cujo equilíbrio ou proporcionalidade facilite o consenso, preservando a legitimidade de quem decide e a integração do administrado, impõe que a comunicação assuma no procedimento administrativo uma feição dialogante. O processo de concretização das normas jurídicas administrativas através de um tratamento de informação e da ponderação de alternativas permite falar de concretização sob a forma de diálogo (Konkretisierung als Dialog), de conduta administrativa dialógica (dialogisches Verwaltungshandeln).
Chamamos pois participação dialógica àquela que, sem uma co-autoria com a Administração na emissão do acto principal, relativamente ao qual o particular continua a figurar como destinatário, assegura a este último a emissão e a recepção, ao longo do procedimento, de comunicações informativas, valorativas e programáticas graças às quais desempenha um papel efectivo na aquisição, valoração, ponderação e qualificação jurídica de factos e interesses de onde resultará em termos lógicos o sentido da decisão.
No Estado de Direito democrático, a participação dialógica desempenha necessariamente uma dupla missão funcional e garantística.
A missão funcional cifra-se na contribuição do particular para a mais perfeita realização do interesse público, em virtude de, através de uma posição dialéctica ou de pura colaboração, enriquecer a perspectiva da Administração sobre a identidade, natureza e peso relativo dos interesses que povoam a situação real da vida que lhe cabe conformar. Inserido nessa situação, o particular poderá conhecê-la melhor do que os agentes administrativos. O contacto e até o confronto entre o particular e a Administração concorrerão para trazer ao procedimento os elementos que relevam para a decisão bem como, para além desse enriquecimento do iter cognoscitivo, argumentos que ilustrarão o item valorativo conducente à decisão.
Mas a intervenção do particular cujos interesses devam ser conformados pela decisão não poderá ser vista sob uma perspectiva totalmente funcionalizante, sob pena de se poder assistir a uma organização do procedimento pelo legislador que não defenda suficientemente o indivíduo do arbítrio do poder. A dignidade da pessoa humana, que o artigo 1º da Constituição arvora em valor basilar da República, não consente que a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito seja totalmente ou maioritariamente funcionalizada ao serviço do interesse público. O cidadão é chamado para defender os seus interesses, desde que em abstracto susceptíveis de tutela jurídica e com emprego de meios lícitos.”

2. A participação procedimental constituiu, pois, um imperativo estruturante decorrente da Constituição – artigo 267º, nº 5 -, e é concretizada, no que respeita à participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo ([11]).

Dispõe o artigo 100º:
“Audiência dos interessados”
1. Concluída a instrução e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2. O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral.
3. A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.”

Procurando caracterizar o exercício do direito de participação pelos particulares, tal como o previsto no artigo 100º do CPA, o parecer que vimos de citar discorre:

“A audiência dos interessados inicia uma fase do procedimento – de pré-decisão ou de saneamento (x3) -, quando o instrutor entenda que estão reunidos os elementos necessários para ponderar qual o sentido da decisão.
O direito a ser ouvido, que se concretiza mediante a audiência prevista no artigo 100º do CPA, deve consistir na possibilidade concedida ao interessado de participação útil no procedimento.
Por isso, deve pressupor a possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razões susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.
O direito de ser ouvido deve pressupor, assim, a concretização de várias possibilidades, como sejam, por exemplo, a oportunidade de o interessado exprimir as suas razões antes de ser praticado o acto final, direito a oferecer e a produzir prova; direito a que toda a prova pertinente oferecida venha a ser produzida, e que tal produção de prova seja efectuada antes da decisão final; o direito a controlar a produção de prova (x4).
A audiência é facultada aos interessados depois de ‘concluída a instrução’, isto é, quando se entenda (o instrutor entenda) que estão reunidos e coligidos no procedimento administrativo todos os elementos que interessam à decisão.
A instrução do procedimento consiste, como é noção comum concretizada nos artigos 86º e seguintes do CPA, na averiguação dos factos e de todos os elementos que interessam à decisão final, com a (através da) recolha das provas que se mostrarem necessárias relativamente a todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento – artigo 87º, nº 1, do CPA (´x5).
O conceito de instrução procedimental, para efeitos de determinação do momento em que actua o artigo 100º, nº 1, do CPA e da exigência da promoção da audiência dos interessados, deve abranger e integrar toda a actividade administrativa destinada a averiguar e recolher os factos e interesses relevantes para a decisão.
No exercício do seu direito de audiência, os particulares interessados devem pronunciar-se sobre o objecto do procedimento – isto é, sobre todas as questões ou problemas a resolver pelo órgão administrativo competente, e no exercício concreto da respectiva competência administrativa, perante toda a informação (factos, elementos, interesses a ponderar) constantes e recolhidos no procedimento e tal como este se apresenta à entidade competente para a decisão final.
Daí que, para este efeito, segundo PEDRO MACHETE (x6), “mesmo a actividade de natureza consultiva, pelo menos a legalmente prevista (seguramente os pareceres obrigatórios; com algumas dúvidas, também os facultativos solicitados pelo órgão competente para a instrução e durante esta fase), deve ser anterior à audiência dos interessados, independentemente de os pareceres serem ou não vinculativos”.
Com efeito, devendo os particulares pronunciar-se sobre o objecto do procedimento conhecendo todos os dados que a lei considera relevantes para a formação da decisão, impor-se-á, logicamente, a precedência da emissão de pareceres relativamente à audiência dos interessados.
No exercício do seu direito a ser ouvido, - a audiência pode ser escrita ou oral – o interessado pode, pois, pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos – artigo 101º, nºs 1 e 3, do CPA.
Após a audiência, podem ser efectuadas, nomeadamente a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes – artigo 104º do CPA.
O juízo sobre a utilidade de tais diligências complementares caberá, naturalmente, ao órgão instrutor (sob orientação e supervisão do órgão administrativo com competência decisória), que decidirá tendo em vista as necessidades em termos de instrução do procedimento, e o nível ou exigência de comprovação já existente sobre as questões de facto e de direito relevantes.”

3. Assentes os critérios básicos que identificam a estrutura e função da audiência dos interessados, bem como a sua inserção procedimental, cabe recordar que no caso sub judicio estamos perante um procedimento especial do tipo concorrencial.

Não é líquido, na doutrina, que audição prévia dos interessados deva ter lugar nos casos em que a Administração solicita ao particular determinada conduta ou a demonstração de certas qualidades ou capacidades como condição de atribuição de determinada vantagem ou concessão de um certo estatuto, de que são exemplo os procedimentos de concurso ([12]).

A este propósito, PEDRO MACHETE, depois de sublinhar que a lei especial pode sempre dispensar a audiência do interessado ou criar novas situações de inexistência dessa formalidade, a acrescer àquelas que se encontram elencadas no artigo 103º, n.º 1, do CPA, refere ([13]):

“Existe, todavia, um outro grupo significativo de casos carecidos de análise. Queremos referir-nos aos procedimentos de escolha dos co-contratantes da Administração Pública baseada em concurso público e às decisões de avaliação de qualidades pessoais com base apenas nos elementos por elas fornecidos (v.g., exames escolares ou concursos para recrutamento e selecção de pessoal (x7). Em ambos os casos, mesmo que não exista regulamentação especial, a audiência dos interessados, formal e de promoção obrigatória, deve ser dispensada.
Quanto à escolha do co-contratante baseada em concurso público (x8), o modelo legal é o de convidar os concorrentes a apresentarem propostas contratuais que se devem manter durante um determinado prazo e escolher a do concorrente preferido, tendo em conta os critérios de adjudicação previamente publicitados. Consequentemente, a decisão administrativa em causa analisa-se em dois momentos fundamentais: o acto público de concurso e a adjudicação.
No primeiro, procede-se, em sessão pública, à admissão dos concorrentes e à abertura das propostas. Os concorrentes podem, durante a sessão, pedir esclarecimentos, formular observações, solicitar o exame de qualquer proposta e dos respectivos documentos ou amostras e ainda reclamar das deliberações tomadas (cfr. o artigo 37º, nº 2, do Decreto–Lei nº 24/92 e os artigos 83º e segs. do Decreto–Lei nº 235/86, maxime a faculdade de exame de todas as propostas previstas no artigo 86º, nº 5). Tal significa a possibilidade concreta de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento.
Daí que antes de ser praticada a adjudicação – ‘o acto administrativo pelo qual a entidade pública contratante escolhe a proposta do concorrente preferido, tendo em conta os critérios de adjudicação publicitados’ (cfr. o artigo 49º do Decreto–Lei nº 24/92) – não tenha de haver nova audiência ou participação dos concorrentes. Na verdade, a avaliação das propostas – a actividade que medeia entre o acto público de concurso e a adjudicação – é insusceptível de modificar o objecto do procedimento. Directamente ou por analogia, é aplicável o disposto no artigo 103º, nº 2, alínea a), do CPA.
No caso das avaliações de pessoas com base nas provas que elas próprias prestam, não é dissociável, em concreto, a averiguação da matéria factual relevante para a decisão do procedimento, das pronúncias que sobre o mesmo os interessados pudessem fazer. Daí que uma eventual audiência não pudesse apresentar qualquer utilidade para o procedimento ou para os próprios interessados.”

Desenvolvendo um pouco mais esta ideia numa anotação a um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ([14]), o mesmo autor considera que a “disciplina do CPA relativamente à participação procedimental e à audiência dos interessados visa assegurar, em primeira linha, a objectividade e aderência à realidade do procedimento: este deve integrar todos os factos necessários à concretização numa dada situação do interesse público justificativo da actuação administrativa. (...) Mais do que o contraditório, está em causa a cooperação no esclarecimento dos presssupostos do exercício de competências administrativas e, designadamente, a definição concreta do círculo de interesses a considerar pela Administração em vista a uma democratização crescente da função administrativa.”

Criticando, a partir deste prisma, o entendimento jurisprudencial que considerou susceptível de audiência dos interessados, em processo de concurso, o projecto de decisão em que as propostas se encontrem já hierarquizadas, o mesmo autor observa que “os interessados só têm direito a pronunciar-se sobre o objecto do procedimento e as verificações ou juízos de existência emitidos pela Administração, mas não já sobre os juízos de mérito que a Administração faz sobre a mesma realidade.”

Assim, o direito de cada concorrente ser ouvido sobre o objecto do procedimento seria satisfeito, não apenas pela possibilidade de intervenção no acto público de concurso, mas também pela apresentação das respectivas propostas, que revelam as condições em que cada concorrente está disposto a contratar com a Administração ([15]).

Em sentido oposto se manifesta JOSÉ MÁRIO FERREIRA DE ALMEIDA ([16]). Perspectivando a questão, nos sobreditos procedimentos, no plano da dispensa da audiência do interessado, por se poder considerar, nesses casos, que os interessados já se pronunciaram sobre as questões neles tratadas, o autor escreve:

“O direito de audiência tem-se por legalmente dispensado quando do seu exercício nada de novo ou útil pode resultar para o procedimento: seja porque os interessados já se pronunciaram sobre as questões nele tratadas em algum momento do seu decurso, ou porque a decisão projectada é favorável ao interessado.
O primeiro destes pressupostos legais, que consentem a dispensa da audiência prévia, deve ser entendido com os devidos cuidados. Tem-se assistido à tentativa de formação de uma tendência para considerar este momento procedimental dispensável, designadamente nos processos de iniciativa oficiosa em que a Administração solicita ao particular determinada conduta ou a demonstração de determinadas qualidades ou capacidades como condição para atribuição de determinada vantagem ou concessão de determinado estatuto. Ou seja, no caso dos procedimentos de concurso.
Se se analisar a estrutura procedimental dos concursos, parecerá à primeira vista que, sendo o acto final dependente da demonstração que aos particulares cabe fazer, de determinadas situações capacidades ou qualidades a Administração se limita tão somente a escolher as qualidades daquele indivíduo ou aquela proposta que, objectivamente melhor correspondam ao interesse público, aferido pelos critérios a que antecipadamente sujeita a escolha. Assim entendida, a própria natureza do procedimento torna dispensável a fase da audiência, porquanto a decisão final se basearia nas informações carreadas por cada um dos interessados na sorte final do concurso.
Não é, todavia, assim. Tomando como exemplo o concurso para celebração de contrato administrativo de empreitada de obras públicas, a decisão de adjudicação não decorre unicamente da avaliação singular da capacidade técnica e económica dos concorrentes ou do mérito absoluto de cada uma das propostas. O acto de adjudicação apoia-se sempre num juízo de comparação entre os interessados e as propostas, e é esse juízo que a lei manda que seja sujeito a controlo dos interessados. Justifica-se, pois, nestes procedimentos, porventura com mais razão de ser da que em quaisquer outros, o exercício do direito de audiência sobre a apreciação relativa que vai fundamentar o acto de escolha.”([17])

4. Parece ser este último, sem dúvida, o melhor entendimento.

A audiência dos interessados é, como se assinalou, uma decorrência do princípio da participação, tal como está consagrado no artigo 8º do CPA, e ademais surge como um concretização da garantia constitucional consignada desde logo no artigo 268º, n.º 3, da versão originária da Constituição ([18]).

Como sublinham FREITAS DO AMARAL et alii ([19]) “a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões administrativas apresenta uma função legitimadora, característica de uma Administração Pública democrática, permitindo aos particulares a protecção dos seus direitos e interesses legalmente protegidos em face da Administração e conduzindo a um aumento de eficácia da actividade administrativa.”

Entre outras manifestações, este direito de participação revela-se no direito de audiência prévia dos particulares relativamente à tomada de qualquer decisão administrativa que lhes diga respeito. Por isso se entende que o direito de participação regulado naquele preceito do CPA constitui uma figura genérica, em princípio, tornada extensiva a todos os procedimentos administrativos ([20]).

A par da audiência dos interessados, muitas outras manifestações específicas daquele princípio coexistem no procedimento administrativo, desde o direito de informação sobre os actos e diligências praticados e as deficiências a suprir (artigo 61º), à faculdade concedida aos interessados de juntarem documentos e pareceres ou requererem diligências de prova em vista ao esclarecimento dos factos relevantes para a decisão (artigo 88º, n.º 2), ou à possibilidade de intervenção na designação de peritos e na formulação de quesitos quando haja lugar à realização de exames, vistorias, avaliações e outra diligências semelhantes (artigos 96º e 97º).

Acresce que, para além do formalismo da audiência prévia no momento imediatamente anterior à tomada de decisão final, a entidade instrutora não está impedida de, em qualquer fase do procedimento, notificar os interessados para se “pronunciarem acerca de qualquer questão” - artigo 59º. Como salientam ESTEVES DE OLIVEIRA et alii ([21]), o campo de aplicação desta norma é muito diverso do do artigo 100º: enquanto que este consagra o direito de audiência dos interessados finda a fase de instrução, aquele outro preceito respeita ao poder da Administração de ouvir os interessados sobre qualquer questão que se suscite no decurso do procedimento. A audiência do artigo 59º, constituindo um afloramento do princípio do inquisitório, tem lugar por iniciativa da Administração em ordem à satisfação dos objectivos que estão subjacentes ao procedimento, e a que corresponde um dever de colaboração dos particulares (artigo 60º). Contrariamente, a audiência prevista no artigo 100º é uma manifestação típica do princípio do contraditório.

A audiência dos interessados, no termo da instrução procedimental, não se confunde, pois, com a precedente actividade instrutória que, com ou sem a colaboração dos particulares, tenha sido desencadeada pela Administração em vista à recolha dos elementos necessários à prolação da decisão final. E, por isso mesmo, não poderá considerar-se substituída pela eventual intervenção que os interessados directos tenham tido no decurso do procedimento no exercício do seu dever de cooperação processual (cfr artigo 60º do CPA).

Os materiais (afirmações e provas) aduzidos por qualquer dos intervenientes até ao encerramento da instrução têm-se como adquiridos para o processo e são, como tal, atendíveis mesmo que favoráveis à parte contrária; coisa diversa é o direito que os mesmos interessados têm de se pronunciar sobre a fixação da matéria fáctica e a apreciação de direito que, com base nesses elementos, venha a ser efectuada pela entidade competente para decidir.

A nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 100º do CPA pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, é muito clara quanto ao objectivo da formalidade aí prevista: os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. Os interessados devem pronunciar-se sobre um projecto de decisão, o qual, num procedimento do tipo concursal, tem necessariamente de conter uma avaliação do mérito relativo das diversas propostas, como modo de fundamentar a preferência manifestada por uma das candidaturas em presença.

Por outro lado, importa reter que a audiência dos interessados prevista no artigo 100º do CPA – a ter lugar depois de concluída a instrução – representa o “conteúdo legal mínimo do direito de participação”, devendo ser levada a efeito, mesmo que o interessado não invoque no decurso do procedimento outras pretensões ou não responda a outas solicitações da entidade instrutora ([22]).

Nos procedimentos concursais, em que, de modo geral, há lugar à apreciação das candidaturas segundo critérios predeterminados de avaliação do mérito relativo, em vista à selecção e graduação dos concorrentes, cada um dos interessados poderá instruir a respectiva proposta com os elementos que julgue mais adequados a satisfazer a sua pretensão, mas também mantém o direito de informação sobre o conteúdo das propostas e os elementos juntos pelos restantes opositores, do mesmo modo que poderá prestar e pedir esclarecimentos e apresentar reclamações. Cada um dos interessados poderá assim exercer um controlo sobre o juízo formulado pela autoridade decidente quanto à capacidade dos concorrentes e o mérito das propostas e, inclusivamente, deduzir impugnação contenciosa contra o acto de classificação final.

A audiência do interessado mantém, pois, em plenitude, mesmo neste tipo de procedimentos, a função garantística que lhe é própria, permitindo aos particulares a protecção dos seus direitos e interesses legítimos em face da Administração, assim contribuindo para a adopção da decisão legal e justa, que, na medida do possível, possa merecer uma maior aceitação pelos destinatários.

5. Não poderá ignorar-se, também, alguns dos mais recentes contributos legislativos que apontam hoje decisivamente no sentido da exigência do direito de audição dos interessados em qualquer forma de procedimento.

O Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, que regula o concurso de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, passou a admitir inovatoriamente o direito de participação dos interessados na fase de elaboração pelo júri de lista de classificação final, pretendendo desse modo, conforme se refere no preâmbulo, acautelar o “cumprimento dos princípios e institutos previstos no Código do Procedimento Administrativo”.

Com efeito, o artigo 38º desse diploma, sob a epígrafe “Decisão final e participação dos interessados”, na parte que agora mais interessa considerar, veio dispor:
“Artigo 38º
Decisão final e participação dos interessados
1- Terminada a aplicação dos métodos de selecção o júri elabora no prazo máximo de 10 dias úteis a decisão relativa à classificação final e ordenação dos candidatos e procede à respectiva audição no âmbito do exercício do direito de participação dos interessados notificando-os para, no prazo de 10 dias úteis, contados nos termos do artigo 44º dizerem, por escrito o que se lhes oferecer.
(...)
7- Terminado o prazo para o exercício do direito de participação dos interessados, o júri aprecia as alegações oferecidas e procede à classificação final e ordenação dos candidatos.” ([23])

Também em matéria de contratação pública, e especificamente no tocante a empreitadas de obras públicas e à locação e aquisição de bens móveis e de serviços, o legislador, ao regular ex novo os respectivos procedimentos pré-contratuais, não deixa margem para dúvidas quanto à necessidade de levar a efeito a audiência dos interessados na fase prévia à decisão de adjudicação.

Nos termos do artigo 101º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, a entidade competente para adjudicar deve, antes de proferir a decisão, proceder à audiência prévia escrita dos concorrentes (n.º 1), sendo aplicável para o efeito o disposto no artigos 103º e 104º do Código do Procedimento Administrativo (nº 3). E conforme se depreende do n.º 2 do artigo 100º daquele diploma, essa audiência tomará por base o relatório fundamentado sobre o mérito das propostas que deverá ser elaborado pela comissão de análise e esta comissão, no relatório final que precede a decisão de adjudicação, deverá ponderar as observações formuladas pelos concorrentes em sede de audiência (artigo 102º) ([24]).

Idêntico esquema procedimental está previsto nos artigos 107º a 109º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, aplicável à locação e aquisição de bens e serviços ([25]).

Também aí haverá lugar, num primeiro momento, à apreciação, por parte do júri, das propostas apresentadas pelos concorrentes, que serão ordenadas para efeito de adjudicação segundo os critérios que tiverem sido fixados (artigo 106º e 107º, n.º 1), seguindo-se a audiência dos interessados, que incidirá sobre o projecto de decisão final (artigo 108º, n.º 1). Finda essa formalidade, o júri submete à aprovação da entidade competente para autorizar a despesa um relatório final em que pondera as observações feitas pelos concorrentes (artigo 109º, n.º 1) ([26]).

Em qualquer destes casos, a audiência dos interessados surge em momento subsequente à apresentação das propostas e ao acto público de concurso e pretende assegurar aos concorrentes uma intervenção de natureza distinta daquela que lhe é proporcionada pelas anteriores fases procedimentais: ela permite aos concorrentes pronunciarem-se, não já quanto ao objecto do procedimento ou aos actos de verificação praticados pela Administração na sua pendência – mediante a prestação de esclarecimentos ou a apresentação de reclamações -, mas antes sobre o juízo de mérito que o júri ou a comissão de análise tenha formulado, em vista à escolha do co-contratante, com base na apreciação comparativa das propostas.

A audiência dos interessados tal como se encontra regulada nesses procedimentos especiais tem, pois, uma função garantística em tudo similar à que está reservada à formalidade prevista, para o procedimento administrativo geral, no artigo 100º do CPA, pelo que os referidos instrumentos legislativos acabam por infirmar, de forma flagrante, a interpretação restritiva desse preceito formulada por alguns autores, que reputavam a formalidade como desnecessária e inútil no quadro dos procedimentos do tipo concursal.

Resta acrescentar que a jurisprudência administrativa tem vindo também a afirmar a imperatividade da audiência do interessado, independentemente da natureza do procedimento, e nesse sentido se pronunciou no tocante a concursos de empreitada de obras públicas levados a efeito ainda no domínio do regime anterior ao Decreto-Lei n.º 59/99 ([27]).

IV

Delineado, nos seus mais salientes aspectos, o quadro teorético-normativo em que se move a problemática da consulta, é o momento de enfrentar a primeira das questões que vêm suscitadas.

Pretende-se saber – recorde-se – se é legalmente exigível a audiência prévia dos interessados, nos termos do disposto nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, nos concursos destinados à selecção de beneficiários dos apoios financeiros que poderão ser atribuídos, quer pelo Instituto Português de Artes do Espectáculo (IPAE), quer pelo Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM) ([28])

Como se deixou referido, o IPAE e o ICAM - tal como o Centro Português de Fotografia (CPF) -, são pessoas colectivas de direito público, sujeitas à superintendência e tutela do Ministério da Cultura, com atribuições, nas respectivas áreas de intervenção, de fomento e apoio a actividades artísticas de iniciativa não governamental.

Diversos diplomas regulamentares – já acima analisados – definem os requisitos materiais da concessão do apoio (modalidades, limites, beneficiários), bem como a tramitação do concurso público para selecção dos projectos.

No que se refere ao concurso, o procedimento previsto é estruturalmente idêntico, envolvendo as sucessivas fases de publicitação do concurso, de apresentação e instrução de candidaturas, de admissão, e de selecção e ordenação dos concorrentes.

A apreciação das candidaturas em vista à elaboração da classificação final é efectuada por um júri, por vezes designado comissão técnica, em regra, nomeado pelo Ministro da Cultura, e a decisão final pertence a este mesmo membro do Governo, tomando a forma de homologação ou aprovação da proposta que lhe é apresentada pelo organismo que organiza o processo.

No entanto, não obstante a tendencial uniformidade de tramitação, alguns dos regulamentos, ao contrário de outros, não contêm referência expressa à audiência dos interessados. É o caso dos aprovados pelo Despacho Normativo n.º 23-A/2001 (financiamento às orquestras regionais), pela Portaria n.º 280/2000 (apoio financeiro selectivo à escrita de argumentos cinematográficos para longas metragens de ficção), e pelos Despachos Normativos n.ºs 25/2001 e 27/2001 (apoio aos arquivos e património de fotografia e apoio à produção fotográfica contemporânea).

No que concerne à situação regulada pelo Despacho Normativo n.º 23-A/2001, em que a concessão do apoio financeiro é da responsabilidade do IPAE, a ausência de qualquer menção à audiência dos interessados representa uma clara discrepância relativamente aos procedimentos previstos para os financiamentos de actividades teatrais, de dança, de actividades musicais de carácter profissional e de projectos pluridisciplinaraes, estes regulados no Despacho Normativo n.º 21-A/2001, que se incluem na competência funcional do mesmo organismo.

Por outro lado, e no que se refere à área de intervenção do ICAM, a não previsão da audiência dos interessados no procedimento relativo ao financiamento de projectos de argumentos cinematográficos não tem paralelo nos sistemas de apoio financeiro para a produção cinematográfica de filmes que se encontram regulados nas Portarias n.ºs 255/2001 e 482/2001, em que, diversamente, se contempla o direito de os concorrentes se pronunciarem sobre a proposta do ICAM antes de esta ser remetida ao Ministro da Cultura para decisão.

Também os regulamentos que definem as condições de acesso aos apoios financeiros a conceder pelo Centro Português de Fotografia são omissos quanto à necessidade da realização da formalidade da audiência dos interessados (Despachos Normativos n.ºs 25/2001 e 27/2001).

Todos estes diplomas regulamentares são precedidos de notas preambulares, que, apesar de sucintas, explicitam o objectivo do procedimento, bem como os interesses que se pretendem salvaguardar com a concessão de financiamento, acrescentando-se, por vezes, referências pontuais a alterações que se entendeu serem de introduzir relativamente ao regime jurídico anteriormente vigente (v.g., Despacho Normativo n.º 23-A/2001); em nenhum caso, porém, foi apresentada uma qualquer explicação para a inexistência da audiência dos interessados quando ela não se encontra expressamente prevista.

E nenhum motivo aparente se descortina para que procedimentos com uma estrutura comum e que visam a realização de um interesse público de índole idêntica, ainda que passível de se projectar sobre diferentes áreas da actividade artística e cultural, devam adoptar critérios divergentes no que se refere à aplicação de um princípio basilar como é a participação dos particulares na formação das decisões administrativas.

E, como vimos, não poderá constituir suficiente razão o facto de estarmos perante um procedimento do tipo concorrencial, dado que a mais recente evolução legislativa tem caminhado abertamente no sentido de esbater a distinção entre espécies procedimentais, no tocante à concretização do direito de audiência dos interessados, como o demonstra a inclusão dessa formalidade nos processos de concurso relativos a empreitadas de obras públicas e à aquisição de bens e serviços, em que está em causa a avaliação da qualificação profissional e da capacidade técnica e financeira dos candidatos.

Na hipótese vertente, a circunstância de alguns dos procedimentos previstos consignarem expressamente a audiência dos interessados, por remissão directa para as disposições aplicáveis do Código de Procedimento Administrativo, é já um indicador seguro de que a não previsão da mesma formalidade em situações similares não constitui uma opção derrogatória do princípio da participação, mas antes uma simples omissão que carece de ser preenchida por recurso às normas procedimentais gerais.

Uma lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio de um todo ([29]), na medida em que representa uma falta ou falha em algo que tende para a completude. Pode, assim, dizer-se, com a doutrina alemã, que uma lacuna é “uma incompletude contrária a um plano” e, tratando-se de uma “lacuna jurídica”, que ela consiste numa “imperfeição contrária ao plano do direito vigente, determinada segundo critérios extraídos da ordem jurídica global”.

Porém, conforme refere KARL ENGISCH ([30]), “não podemos falar numa lacuna no Direito (positivo) logo que neste não exista uma regulamentação cuja existência nos representamos. Não nos é lícito presumir pura e simplesmente uma determinada regulamentação, antes temos de sentir a sua falta, se queremos apresentar a sua não-existência como uma lacuna.”

Como já foi assinalado, casos há em que a inexistência de regulamentação pode corresponder a um plano do legislador ou da lei, e então a mesma não representa uma “deficiência” que o intérprete esteja autorizado a superar ([31]). Noutras circunstâncias, pode suceder que aquela ausência represente uma verdadeira lacuna a preencher pelo aplicador do direito, por não estar no pensamento do legislador a intenção de excluir a previsão jurídica que está em causa.

Em última análise, determinar se a inexistência de norma explícita configura ou não uma lacuna de regulamentação depende da actividade interpretativa que, com recurso aos critérios hermenêuticos previstos no artigo 9º do Código Civil, permita fixar o sentido e alcance da regulação legal para o caso.

O momento da “incongruência com um plano” ganha, porém, particular relevância como elemento do conceito de lacuna quando se trate da ausência de disposições excepcionais. Neste caso, no plano do legislador pode estar implícita a intervenção da norma-regra, não podendo falar-se, em rigor, de uma verdadeira lacuna ([32]).

Essa é a hipótese em que as normas excepcionais, representando um jus singulare, se limitam a consagrar um sector restrito de regulação, dando campo à aplicação do regime-regra nos espaços não directamente regulamentados quando este deva funcionar subsidiariamente.

Na situação concreta, todos os elementos apontam para considerar que a não previsão da audiência dos interessados nalguns dos procedimentos especiais analisados não obedeceu a uma vontade determinada por interesses específicos que estejam em jogo, não podendo entrever-se, aí, onde ocorreu a ausência de regulação, um regime oposto àquele que resulta da lei geral.

Nenhum motivo há, pois, para afastar a aplicação supletiva das normas do Código do Procedimento Administrativo, fazendo valer um critério interpretativo que, além do mais, é o que melhor se compagina com a directriz constitucional.

V
1. A entidade consulente coloca seguidamente quatro outras questões que se relacionam com aspectos específicos relativos à interpretação do disposto no artigo 103º, n.º 1, do CPA. Pretende-se saber se poderão configurar-se, nos referidos procedimentos, situações de inexistência de audiência dos interessados, conforme prevêem as alíneas b) e c) do n.º 1 daquele preceito, e quais os critérios que deverão ser adoptados na aplicação concreta desses dispositivos.

Tratando-se de questões que se interligam e cujas respostas dependem de um enfoque jurídico comum, nada obsta a que se ensaie um modelo de análise destinado a enquadrar a temática numa perspectiva global.

O direito de audiência dos interessados não é encarado como um princípio absoluto, visto que o próprio Código do Procedimento Administrativo contempla situações em que a entidade instrutora poderá prescindir da realização da formalidade.

Dispõe, a este respeito, o artigo 103º do CPA, sob a epígrafe “inexistência e dispensa de audiência dos interessados”:

“1. Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.

2. O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.”

A lei prevê, nesta disposição, quer os casos em que ocorre um circunstancialismo justificativo da preterição do direito de audiência – os casos de inexistência deste direito (n.º 1) -, quer os casos de desnecessidade de uma audiência formal – casos de dispensa de audiência (n.º 2).

PEDRO MACHETE caracteriza a primeira situação como constituindo um limite ao direito de participação dos interessados, e a segunda como uma delimitação negativa do exercício desse direito ([33]).

Nos casos previstos no nº 2 – dispensa de audiência – o critério é indicativo da função procedimental atribuída ao direito de os interessados serem ouvidos sobre o objecto do procedimento antes da decisão final ([34]).

A dispensa, uma vez verificados os pressupostos de aplicação do artigo 103º, nº 2, alínea a), do CPA, significa que, no juízo do legislador, os valores tutelados já se encontram acautelados por outra via, sendo desnecessário proceder a nova audiência, que, nessas situações, representaria uma duplicação.

“O critério fundamental da dispensa neste caso é, assim, a desnecessidade de nova audiência para a garantia do direito de ser ouvido sobre o objecto do procedimento antes de ser tomada a decisão final, o qual, em bom rigor, já terá sido efectivado” ([35]).

O artigo 103º, nº 2, alínea b), do CPA prevê, por seu lado, um outro caso de dispensa de audiência formal. A desnecessidade de audiência tem aqui a ver com uma “experiência de senso comum”. “Se os elementos constantes de procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados, a audiência destes, em regra, nada iria adiantar em relação à informação de que a Administração já dispõe, porquanto a intervenção procedimental dos interessados, apesar de não se ter de limitar à defesa rígida dos seus interesses e antes dever contribuir para a definição de um equilíbrio entre interesses públicos e privados de que resulta a determinação do interesse público concreto a realizar pela Administração, também não vai ao ponto do sacrifício de interesses próprios” ([36]).

Os casos de inexistência de audiência revelam, por seu lado, a resolução pelo legislador de um conflito de valores. Neste caso, a formalidade é preterida a favor da protecção de outros valores tidos por mais relevantes – a própria utilidade da decisão administrativa, quer em consequência da ponderação de factor tempo (decisões urgentes), quer por motivo da verificação de outras circunstâncias que comprometem a utilidade ou a execução da decisão.

O juízo de verificação dos pressupostos que impõem a não realização da audiência dos interessados, embora de natureza interpretativa, envolve sempre o exercício de um poder vinculado por parte do órgão instrutor.

A decisão final do procedimento é susceptível de impugnação contenciosa, no plano da violação de lei, caso se não verifique a situação material a que se reporta a entidade instrutora ou se essa situação, embora verificável, não comporte um juízo de urgência, de impraticabilidade, ou de risco para a utilidade ou execução da decisão que, nos termos da lei, justificam a preterição da formalidade.

Além do mais, a supressão da audiência, na medida em que implica a denegação de um direito processual dos interessados, carece de ser fundamentada, pelo que se exige que o órgão instrutor, em declaração prévia, indique os factos que justifiquem o juízo de prognose quanto à impossibilidade de, na situação concreta, levar a efeito a diligência ([37]).

2. O n.º 1 do artigo 103º do CPA enumera três diferentes situações em que é de excluir a audiência dos interessados, e que, atento o objecto da consulta, interessará analisar mais de perto.

Em primeiro lugar, prevê o caso de a decisão do procedimento ser urgente.

ESTEVES DE OLIVEIRA et alii ponderam que a urgência da decisão se deverá reportar à situação objectiva que está sob apreciação e não à situação procedimental. Não serão, pois, razões ligadas à necessidade do cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou à conveniência de evitar a formação de actos tácitos que poderão ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência ([38]).

Estando em causa a preterição de uma formalidade essencial do procedimento, a posição da Administração não pode orientar-se por mero apelo a um princípio de celeridade. Este justifica que o órgão instrutor formule um juízo de pertinência sobre a realização de certas diligências em função da sua utilidade para a instrução, mesmo quando requeridas pelos particulares, mas não poderá constituir fundamento para que recuse o exercício de um direito procedimental de matriz constitucional ([39]).

Como observa FRANCISCO GONZÁLEZ NAVARRO, a situação de urgência ocorre quando sobrevém a necessidade de atender a uma finalidade determinada que não seja possível cumprir se se levarem a efeito todas as formalidades normais do procedimento ([40]). O factor tempo, como razão justificativa da diminuição das garantias dos particulares processualmente previstas, deverá ser, pois, um elemento determinante e constitutivo do fim administrativo que se pretende prosseguir e não mera condição de rapidez ou eficácia do procedimento.

Não basta invocar a mera convicção subjectiva de que o processo é urgente, é necessário demonstrar que a decisão, pela sua própria natureza, assume esse carácter ([41]).

3. Um segundo caso de inexistência de audiência dos interessados é aquele em que “seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão.”

Nessa hipótese, o órgão instrutor terá de formular um juízo de prognose quanto à possibilidade de a diligência, a efectuar-se, comprometer a utilidade da decisão ou a sua execução. Esse juízo terá de fundar-se numa razoável probabilidade, visto que a lei exige uma razoabilidade de previsão do comprometimento. Por outro lado, não basta que a realização da formalidade possa causar uma maior ou menor dificuldade na execução da decisão ou de algum modo afectar o seu efeito útil, é necessário que venha a impedir a execução ou a prejudicar definitivamente a sua utilidade ([42]).

Acresce que na apreciação da situação concreta, a entidade competente não poderá deixar de ponderar, também, o eventual decretamento de medidas provisórias, nos termos do artigo 84º do CPA, como meio de garantir a eficácia da decisão final e a salvaguarda do interesse público em jogo, sem concomitantemente afectar os direitos procedimentais dos interessados. A aplicação de medidas provisórias não carece de audição prévia dos interessados e pode constituir a forma mais adequada de evitar a frustração do procedimento sem implicar a perturbação da sua normal tramitação.

4. Uma outra situação de inexistência de audiência dos interessados, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, através do aditamento de uma alínea c) ao n.º 1 do artigo 103º, respeita aos procedimentos de massas e opera quando “o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável.”

A circunstância preclusiva da audiência dos interessados relaciona-se aqui, não com a dificuldade de realização das notificações para efeito do exercício do direito, mas com a impossibilidade prática de levar a efeito a diligência em virtude do grande número de pessoas que teriam de ser ouvidas.

A notificação aos interessados poderia sempre ser efectuada de forma expedita e simultânea, e designadamente através de edital ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em jornais de expansão nacional ou regional, tal como prevê o artigo 70º, n.º 1, alínea d), do CPA, pelo que a necessidade de dar conhecimento oficial aos destinatários do projecto de decisão não seria em si mesma impeditiva do exercício, por parte destes, do direito de participação.

A impraticabilidade da audiência parece resultar, antes, da impossibilidade de ouvir individualmente todos interessados quando estes sejam em número muito elevado, não só por razões de morosidade, como pelo agravamento complexivo do processo decisório em face da interdependência e multiplicidade das questões que pudessem ser então invocadas.

Neste caso, a necessidade de suprimir a audiência poderá ter a ver com a concretização mínima do princípio da celeridade e da eficiência, partindo da consideração de que a excessiva demora ou complexidade, em virtude do grande número de pessoas envolvidas, poderia inutilizar ou de algum modo pôr em causa os objectivos do procedimento.

Assim se poderá compreender que, na parte final da alínea c) do nº 1 do artigo 103º, ao determinar-se a realização de consulta pública como sucedâneo da audiência escrita ou oral, quando esta se torne inviável pelo elevado número de interessados, se tenha intercalado a expressão quando possível.

Alguns autores manifestam dúvidas quanto ao sentido interpretativo a atribuir a este inciso, argumentando que na impossibilidade de se proceder a uma audiência individualizada, haveria sempre lugar, no mínimo, à consulta pública, não se descortinando quais as hipóteses em que esta não pudesse também realizar-se ([43]).

A formulação legal torna-se, no entanto, mais compreensível se se considerar, nos termos anteriormente expostos, que a causa de inexistência de audiência dos interessados introduzida pelo diploma de revisão do CPA se relaciona com a imposibilidade prática de recolher e tomar em consideração todas as observacões que pudessem ser apresentadas pelos interessados, e não com o modo pelo qual deve efectivar-se o direito de participação procedimental.

A consulta pública é admitida, por via de regra, no domínio dos procedimentos urbanísticos e destina-se a permitir uma alargada participação dos cidadãos, bem como de associações representativas de interesses económicos, sociais, culturais e ambientais na apreciação dos projectos ([44]).

A consulta tem lugar através da publicitação do início do procedimento ou de uma específica fase procedimental (v.g., avaliação do impacte ambiental) e tem em vista recolher, durante um período predeterminado, sugestões e pedidos de esclarecimento, implicando, por parte das entidades públicas responsáveis o dever de ponderação das propostas apresentadas e de resposta fundamentada às exposições ou reclamações formuladas ([45]).

Certas formas de procedimento permitem que a consulta ocorra através de audiência pública, aberta aos interessados, na qual se procederá à discussão e debate de aspectos específicos do projecto previamente divulgado e se prestarão os esclarecimentos considerados úteis ([46]).

À luz destes elementos caracterizadores, é possível estabelecer uma distinção entre a consulta pública e a figura procedimental prevista no artigo 100º do CPA. A audiência dos interessados visa essencialmente assegurar, no âmbito do procedimento, o princípio do contraditório, permitindo a defesa de direitos e interesses personalizados directamente implicados na apreciação da pretensão e que possam serem postos em crise pelo projecto de decisão. A consulta pública pressupõe, ao contrário, uma intervenção popular numa perspectiva uti cives e apresenta como função primordial a protecção de interesses difusos, e não já directamente de interesses particulares hipoteticamente afectados pelo projecto em análise. Daí que se considere que a consulta pública redunda essencialmente no esclarecimento da própria Administração em ordem a uma avaliação correcta dos interesses em jogo ([47]).

Neste circunstancialismo, a consulta pública poderá não ser a forma mais adequada de realizar o princípio da participação, e pode revelar-se mesmo impraticável, quando estejam em causa procedimentos de massas destinados a satisfazer interesses pretensivos, em que as observações que poderão ser apresentadas pelos particulares interessados relevam de uma grande variedade de factores e condicionantes. Assim, por exemplo, os procedimentos de concurso público que envolvam centenas ou milhares de candidatos, quando esteja em causa a posição relativa dos diversos opositores.

A consulta pública, numa tal hipótese, depara com as mesmas objecções, no plano da sua praticabilidade, que poderão ser apontadas à audiência individualizada, assim se justificando que a entidade instrutora, em certos casos, com arrimo no segmento final da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º, opte por prescindir de uma qualquer forma alternativa de audição.

5. Uma outra questão que cabe analisar, ainda no quadro interpretativo da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, respeita ao preenchimento do conceito indeterminado ínsito no segmento inicial desse preceito.

A exclusão da formalidade da audiência dos interessados pode ocorrer quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável.

A norma não indica um qualquer padrão numérico que habilite o intérprete a definir com precisão quando poderá estar em causa, por virtude da quantidade de pessoas envolvidas, uma situação de impraticabilidade da realização da formalidade.

O único sinal do legislador é o de que pretendeu instituir uma modificação à disciplina comum do procedimento – que, em regra, exige a audiência prévia – em função do grande número de interessados, o que permite concluir que a intencionalidade da lei é apenas a de superar as disfunções administrativas que poderiam resultar da obrigatoriedade de cumprir, nesses casos, o princípio da participação.

De onde se infere que o procedimento a que se reporta a norma é, não um procedimento colectivo ou popular, mas, ainda, um procedimento administrativo comum, referente a direitos ou interesses individualizáveis, e unicamente caracterizado pelo grande número de intervenientes ou de contra-interessados – geralmente designado por procedimento de massa.

O certo é que a caracterização precisa do procedimento que está em causa reveste-se de uma importância não despicienda para a tarefa de integração do conceito indeterminado usado pela lei.

Os procedimentos colectivos ou populares destinam-se a preparar decisões ou deliberações administrativas susceptíveis de afectarem grandes conjuntos indeterminados de pessoas -.instalação de centrais energéticas ou de indústrias poluentes, delimitação de parques naturais, definição de redes viárias, localização de estabelecimentos de saúde ou outros grandes investimentos públicos.

São procedimentos que regulam relações jurídicas multipolares ou poligonais em que sobrelevam interesses difusos – relativos à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida, ao património cultural – para cuja legitimação não se exige, por parte dos cidadãos, uma conexão mínima com o dano ou perigo de dano que possa advir da concreta actuação administrativa ([48]).

O procedimento colectivo ou popular corresponde, nestes termos, a uma nova configuração do direito de acção popular, perspectivada agora no plano estritamente gracioso, que tem a sua matriz constitucional no artigo 52º, n.º 3, da Lei Fundamental ([49]) ([50]).

Ao contrário, o procedimento administrativo regulado no CPA tem como antecedente necessário a conformação de uma situação jurídica bilateral ou trilateral em que os respectivos sujeitos são indivudualizáveis por referência a posições jurídicas subjectivas e que pressupõe o exercício de um direito de participação individual.

6. O legislador fornece algumas referências pontuais para a definição do conceito de procedimento de massa.

No artigo 10º da Lei n.º 83/95, ao regular o direito de audição dos interessados nos procedimentos populares, prescreve que “sempre que a autoridade instrutora deva proceder a mais de 20 audições, poderá determinar que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiências a efectuar”. Por sua vez, o Decreto n.º 195/VIII, que aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos ([51]), no artigo 48º, inserido no Titulo III, respeitante à acção administrativa especial, prevê que “quando sejam intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, o presidente do tribunal pode determinar (...) que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles (...) e se suspenda a tramitação dos demais.”

Em qualquer dos casos o legislador aponta o número de 20 como suficiente para que se passe a seguir um especial regime procedimental (ou processual) em detrimento da disciplina comum, sendo pois essa a referência numérica que dita a existência, nessas situações particulares, de um processo em massa (é essa, aliás, a epígrafe do artigo 48º do citado Decreto n.º n.º 195/VIII)

Poderíamos ser tentados a adoptar idêntico critério para a delimitação dos casos em que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, há lugar à exclusão da audiência dos interessados. Afigura-se, porém, que não existe uma suficiente equivalência ou analogia entre a situação vertida na norma da lei geral do procedimento administrativo e aqueles dois outros casos paradigmáticos que possa justificar a identidade de soluções.

O artigo 10º da Lei n.º 83/95 refere-se, como se deixou já esclarecido, a procedimentos colectivos ou populares em que o direito de participação está essencialmente vocacionado para a tutela de interesses difusos. Naturalmente, nem todos os cidadãos estão predispostos a defender nesse tipo de procedimento, numa veste uti cives, interesses que se não reflectem directamente na sua esfera jurídica, mas respeitam antes a toda a colectividade, pelo que o número de 20 aí proposto poderá ser já suficientemente representativo de um leque de sugestões e observações que poderiam ser formulados pelas populações ou por conjuntos mais ou menos amplos de cidadãos relativamente à obra ou investimento projectado. É de considerar, por outro lado, que alguns dos intervenientes serão associações de defesa de interesses ambientais, sociais, económicos e culturais - especialmente preparadas e documentadas para a defesa dos valores que estejam em causa -, podendo ocorrer, desse modo, uma predominância ou sobreposição de pontos de vista em relação a outras manifestações individuais, assim se compreendendo que a norma – seguindo aliás uma orientação da lei de procedimento alemã ([52]) – opte por organizar as audiências públicas através de um mecanismo de representação.

No que se refere à situação prevista no artigo 48º da nova lei de processo nos tribunais administrativos, é relevante notar que a medida aí preconizada é determinada por razões de celeridade e de economia processual, não implicando uma efectiva restrição de direitos processuais em relação aos demandantes cujos processos não tenham seguimento imediato ([53]).

Em contraponto, os procedimentos de massa em que deva ponderar-se a impossibilidade de efectuar a audiência dos interessados, são por via de regra procedimentos concorrenciais relativos à apreciação do mérito ou da capacidade dos candidatos para o desempenho de um tarefa ou a atribuição de uma vantagem, em que o exercício do direito de participação se manifesta, de forma individualizada, pela invocação de argumentos ou qualidades contrapostos aos de todos e cada um dos outros interessados. Por outro lado, a audiência dos interessados integra um direito procedimental fundamental, cuja restrição é apenas admissível a título excepcional, pelo que a razão de ser da supressão da formalidade não poderá assentar num mero princípio de economia processual, mas antes na efectiva impossibilidade de o órgão instrutor reconsiderar individualmente a situação relativa de cada um dos opositores.

O limite é, pois, a possibilidade prática de levar a efeito a realização da formalidade, tendo em consideração o universo de destinatários da decisão administrativa e as restantes circunstâncias do caso.

FREITAS DO AMARAL, num seminário que teve por tema o Novo Código do Procedimento Administrativo, organizado logo após a entrada em vigor do diploma (e, portanto, antes ainda do aditamento da alínea c) ao n.º 1 do artigo 103º, efectuado pela Decreto-Lei n.º 6/96), invocando um argumento de bom senso, defendeu já a desnecessidade de cumprir a formalidade da audiência prévia no caso de procedimentos de massa, identificando como tais “aqueles que envolvem centenas ou milhares de destinatários ao mesmo tempo.” E a título de exemplo invocou a situação extrema de certos concursos para professores no âmbito do Ministério da Educação, com cerca de 30 mil candidatos ([54]) ([55]).

Esta percepção, provinda de um dos fautores do Código do Procedimento Administrativo, é elucidativa quanto ao elenco de situações que o legislador pretendeu abarcar, ao introduzir, na revisão de 1996, uma nova a causa de inexistência da audiência dos interessados.

Não é crível que a intervenção num procedimento de algumas dezenas de interessados (que poderão ser notificados do projecto de decisão por via edital) seja por si só impeditiva do exercício do direito de audição, a menos que se trate de um processo decisório de grande complexidade, ou pela especificidade do objecto, ou pela natureza e volume dos elementos que o deverão instruir, ou pela extrema dificuldade da análise dos elementos de ponderação.

O mais frequente é que a impraticabilidade da audiência se desencadeie a partir do aparecimento de um número de interessados da ordem de grandeza das centenas, caso em que é previsível que as consequências negativas derivadas da realização da formalidade, em termos de onerosidade e dilação, e até a eventualidade de destruição do efeito útil do procedimento, suplantam em larga medida as vantagens que lhe são inerentes, designadamente no tocante à qualidade da decisão administrativa e à segurança jurídica ([56]) ([57]).

VI
1. Os elementos próprios do regime que tivemos ocasião de relatar, colocam-nos agora em condições de ensaiar uma resposta concreta ao conjunto de questões que respeitam à matéria de interpretação do artigo 103º do CPA.

Começa por perguntar-se, nesta sede, se em certos tipos de concursos organizados pelo IPAE e pela ICAM, e sobretudo nos relativos à área do teatro a que normalmente concorre um elevado número de candidatos, poderá configurar-se uma situação de inexistência de audiência dos interessados.

A entidade consulente não explicita uma situação factual precisa, limitando-se a expôr a sua dúvida por referência ao conceito indeterminado que é usado pela própria lei (número elevado de candidatos), não havendo assim maneira de concretizar a resposta senão por recurso aos princípios gerais que foram antecedentemente enunciados.

Número elevado de candidatos é aquele que torne impraticável a realização da formalidade da audiência. A título indicativo consideramos poder ocorrer essa situação quando os interessados atinjam a ordem de grandeza das centenas, mas a integração do conceito indeterminado terá de ser efectuada também em função das especificidades próprias do procedimento. Numa consideração muito genérica, desligada da apreciação concreta de elementos preponderantes, poderia indicar-se prudencialmente um número equivalente ao que é apontado pela lei de procedimento alemã ([58]).

2. Num segundo momento questiona-se se é “razoável prever que a diligência da audiência prévia possa, em algumas situações, comprometer a execução ou a utilidade da decisão.”

Também neste caso a pergunta não é reportada a uma qualquer situação concreta, mas dirige-se apenas à interpretação da fórmula verbal adoptada pelo legislador, ao definir a causa de inexistência da audiência dos interessados prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 103º do CPA.

Valem mutatis mutandis as considerações imediatamente precedentes, havendo de remeter-se a resposta a esta questão para os critérios interpretativos que se deixaram explanados no antecedente ponto V. 3.

O juízo sobre a razoabilidade da previsão de comprometimento da execução ou da utilidade da decisão é um juízo de prognose que deverá ser efectuado pelo órgão instrutor perante as circunstâncias do caso.

Exige-se, como se afirmou, uma razoável probabilidade de comprometimento, e, do mesmo modo, um comprometimento total ou muito significativo: ou seja, é necessário que, caso se realize a formalidade, se verifique, com grande probabilidade, a própria inutilização do procedimento, por não poder ser concluído em tempo útil, ou a impossibilidade de executar a decisão, caso esta seja tomada, por não possuir já qualquer efeito prático.

Poderá conjecturar-se, na espécie de procedimentos organizados pelos organismos tutelados pelo Ministério da Cultura, que os projectos que se candidatem aos apoios financeiros se encontrem condicionados pelo factor tempo, porque eventualmente se destinam a integrar o programa comemorativo de uma certa efeméride ou um evento de grande projecção nacional ou internacional que se encontre temporalmente datado. Não deverá excluir-se, do mesmo modo, a possibilidade de uma prévia assunção de compromissos por parte de algumas candidaturas relativamente a projectos já programados, designadamente por terem já garantido financiamentos parcelares, como poderá haver também uma maior premência na concessão do apoio estadual quando este seja a única fonte viabilizadora do projecto.

O certo é que o interesse público em jogo, e relativamente ao qual deverá aferir-se a utilidade do procedimento e a conveniência de execução da decisão administrativa, se concentra no fomento das actividades de iniciativa não governamental no domínio cultural e no incentivo da difusão artística, pelo que a eventual impossibilidade, em virtude da excessiva demora na concessão do apoio, de contemplar um dado projecto que satisfaça as condições para ser seleccionado, não deixa de pôr em risco, em certa medida, os próprios objectivos de política cultural que os procedimentos pretendem concretizar.

Será, pois, a intensidade do interesse público que ditará, em última análise, a necessidade de excluir o direito de audição, o que sucederá quando exista um risco real de diminuição drástica da oferta cultural e artística, seja pelo afastamento de um grande número de projectos, seja pela eliminação de outros que, já avaliados, evidenciam uma maior qualidade artística.

Não poderá ignorar-se, em todo o caso, que os concursos são lançados anualmente e se destinam a subsidiar iniciativas que deverão ser preparadas e levadas a efeito no decurso do ano civil. Por isso que as entidades competentes para organizar os procedimentos devam ajustar a sua calendarização de modo a que eles cumpram a sua finalidade em termos de normalidade. A supressão da audição dos interessados, sendo uma medida excepcional, em si mesma restritiva de um direito fundamental, apenas poderá justificar-se, por apelo à regra da alínea b) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, por circunstâncias supervenientes que escapem aos parâmetros normais da previsibilidade.

3. A consulta abrange ainda duas outras questões que, por facilidade de exposição, se analisarão conjuntamente na perspectiva da sua resolução concreta. Pergunta-se se os critérios definidores das causa de inexistência e de dispensa da audiência dos interessados a que se refere o artigo 103º do CPA são de natureza casuística ou antes objectiva, e se, na aferição dos respectivos pressupostos, a margem de livre apreciação da Administração deverá prevalecer sobre o princípio da participação dos interessados.

A resposta a estas questões emana de todas as considerações formuladas, em tese geral, quanto ao princípio da participação e o seu incluso direito de audiência prévia dos interessados.

Como se observou, o direito de audiência dos particulares relativamente à tomada de decisões que lhes disserem respeito é admitido, em regra, em todos os procedimentos, incluindo os de natureza concursal que se destinem a avaliar o mérito e a capacidade dos candidatos.

Através da regulamentação especial de certos procedimentos, o legislador poderá sempre instituir novas situações excludentes do direito de audição, podendo apenas discutir-se a validade dessa opção no plano da constitucionalidade. Fora desses casos, e de acordo com os princípios gerais constantes do CPA, aplicáveis ao procedimento administrativo geral e, supletivamente, aos procedimentos especiais, a audiência apenas pode ser afastada por algum dos fundamentos mencionados no artigo 103º desse diploma.

Vimos que as causas de inexistência tipificadas no n.º 1 desse preceito caracterizam um sistema de vinculação legal. O órgão instrutor não dispõe de liberdade de decidir: apenas poderá considerar inexistente o direito de audição se se verificarem os pressupostos expressamente previstos na norma; e quando estes se verifiquem, não poderá deixar de excluir a audiência, em ordem ao interesse público subjacente ao procedimento que a norma pretende salvaguardar.

As circunstâncias enumeradas na lei são objectivas: a urgência da decisão administrativa, considerando a sua natureza ou objecto; o risco de inutilidade do procedimento ou da execução da decisão, caso esta chegue a ser tomada; a impraticabilidade da audiência.

O que sucede é que, num caso, se exige um juízo de previsão que só pode ser adoptado casuisticamente, em função das especificidades do procedimento e das características da decisão a proferir; e, noutro, a lei impõe ao intérprete o recurso a um conceito indeterminado (elevado número de candidatos).

Em qualquer das hipóteses consideradas, porém, a actividade subsuntiva não deixa de ser vinculada, de tal modo que a avaliação indevida das circunstâncias previstas na lei integra um erro de direito que se repercute na validade do procedimento e inquina o acto final por vício de forma ([59]).

E isso é assim, designadamente, no tocante à integração do conceito indeterminado a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA.

A actividade de preenchimento de um conceito vago ou indeterminado, geralmente definida na doutrina como integrando a chamada discricionaridade técnica, não envolve necessariamente o exercício de um poder de livre apreciação. Não estamos perante uma questão de escolha entre vários comportamentos administrativos juridicamente indiferentes, mas perante a interpretação de um conceito inserto na previsão de uma norma a que vai subsumir-se uma situação de facto. Poderá tratar-se de um conceito indeterminado de valor, cuja concretização não exija especiais conhecimentos técnicos, científicos ou de arte, ou de um conceito especificamente jurídico que possa ser directamente controlado por um tribunal, que não implique uma valoração de natureza eminentemente pessoal. Só nos casos em que a Administração se encontra particularmente posicionada, pelo seu contacto com a situação de facto, para captar um certo número de elementos imponderáveis que não são transmissíveis a outrem, é que é possível considerar que o decisor actua, no preenchimento do conceito indeterminado, com uma componente de discricionaridade que escapa a sindicância do tribunal ([60]).

No caso da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, o legislador utiliza um conceito meramente descritivo, cuja subsunção não carece de operações de valoração extra-legal. A entidade instrutora não poderá efectuar uma opção arbitrária, mas terá de analisar, em termos aproximativos, o efeito da realização da audiência no próprio desenvolvimento do procedimento, tendo em conta o número de interessados que deverão ser ouvidos. As condicionantes procedimentais que poderão intervir na avaliação (volume dos elementos instrutórios, complexidade do processo decisório) poderão ser averiguadas judicialmente, assim se permitindo controlar a validade do acto de aplicação da norma jurídica.

Por seu lado, no tocante às situações de dispensa da audiência, previstas no n.º 2 do artigo 103º, estamos perante uma competência discricionária, mas que se encontra subordinada a pressupostos vinculados. O órgão instrutor pode dispensar ou não a audiência, caso se verifiquem as circunstâncias mencionadas nas alíneas a) e b) do preceito, mas não poderá prescindir da realização da formalidade se não estiver preenchido o condicionalismo que aí se encontra descrito.

Não é possível estabelecer, por conseguinte, em qualquer dos casos, uma relação dicotómica entre o princípio da participação e a discricionaridade ou a liberdade de apreciação da Administração. O direito de os cidadãos participarem no processo de tomada de decisões administrativas, em vista à defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, constitui um princípio geral, que é potencialmente extensivo a todos os procedimentos, e só conhece as excepções especialmente previstas na lei. Os casos de inexistência de audiência envolvem apenas um conflito de interesses: a formalidade é preterida a favor da protecção de outros valores mais relevantes, que, em última análise, se reconduzem à necessidade de salvaguarda da utilidade do procedimento. Nas hipóteses contempladas no n.º 2 do artigo 103º do CPA, por seu lado, não ocorre, em rigor, uma preterição do princípio da participação: a audiência é dispensada por não apresentar, nas circunstâncias, um efeito útil para os interessados, seja porque estes já tiveram oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam à decisão, seja porque a proposta decisória é de sentido favorável à sua pretensão.

Acresce que o poder de declarar inexistente o direito de audição, por parte do órgão instrutor, é estritamente vinculado, e mesmo a dispensa de audiência, ainda que envolva uma liberdade de actuação, depende da existência de certas circunstâncias de facto e é, por isso, vinculada quanto à determinação dos pressupostos da competência.

Deste modo, a questão não pode pôr-se nunca em termos de prevalência da discricionaridade administrativa sobre o princípio da participação. Este apenas cede perante valores superiores que deverão igualmente enformar o procedimento administrativo, mas cuja percepção é inteiramente alheia ao exercício de um poder discricionário.


VII

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - A audiência dos interessados, como manifestação do princípio da participação, concretizada nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), deve ter lugar nos procedimentos gerais, e, por aplicação supletiva daquelas normas, nos procedimentos previstos em lei específica, salvo os casos de inexistência ou dispensa expressamente indicados no artigo 103º do referido diploma;

2ª - A não previsão da formalidade da audiência dos interessados no complexo de normas que regule um procedimento especial só não é susceptível de integração subsidiária, se a actividade interpretativa, de acordo com os critérios hermenêuticos do artigo 9º do Código Civil, permitir concluir que se trata, no caso, de uma opção legislativa derrogatória do princípio da participação, naquela modalidade;

3ª - Em conformidade com as anteriores conclusões, a audiência dos interessados tem lugar nos procedimentos para concessão de apoio financeiro a actividades artísticas de iniciativa não governamental, organizados pelos organismos tutelados pelo Ministério da Cultura, e, designadamente, nos que se encontram regulados pelos Despachos Normativos n.ºs 23-A/2001, de 18 de Maio, 25/2001, de 30 de Maio, e 27/2001, de 31 de Maio, e pela Portaria n.º 280/2000, de 22 de Maio;

4ª - As causas de inexistência de audiência dos interessados, a que se refere o n.º 1 do artigo 103º do CPA, são objectivas e relevam do exercício de um poder administrativo estritamente vinculado quanto aos respectivos pressupostos, mesmo quando envolva um juízo de previsão sobre a utilidade do procedimento ou o preenchimento de um conceito indeterminado (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 103º);

5ª - A declaração de inexistência do direito de audição, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, exige, segundo um juízo de prognose, que o cumprimento da formalidade implique, com grande probabilidade, a própria inutilização do procedimento - por não poder ser concluído em tempo útil -, ou a impossibilidade de executar a decisão - por não possuir já qualquer efeito prático;

5.ª A impraticabilidade da audiência dos interessados nos procedimentos de massa, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, não resulta de num mero princípio de economia processual, mas antes da efectiva impossibilidade de o órgão instrutor reconsiderar individualmente a situação relativa de cada um dos opositores, caso se venha a cumprir a formalidade, pelo que não é de excluir que a mesma entidade, por identidade de razão, e com base no segmento final da mesma disposição, venha a prescindir também da consulta pública;

6.ª O conceito indeterminado constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA (número elevado de interessados), sendo meramente descritivo, é susceptível de controlo judicial, dado que a sua subsunção à situação de facto não carece de operações de valoração extra-legal.





[1]) Ofício n.º 4282, de 2 de Outubro de 2001, entrado na Procuradoria-Geral da República no dia imediato.
[2]) São mencionados os Despachos Normativos nº 21-A/2001, de 11 de Maio (teatro, música, dança e pluridisciplinares) e 23-A/2001, de 18 de Maio (orquestras regionais), as Portarias nº 482/2001, de 10 de Maio (apoio à produção cinematográfica de filmes de longa metragem de ficção), 225/2001, de 24 de Março (apoio financeiro selectivo à produção cinematográfica de filmes de longa metragem de ficção) e 280/2000, de 22 de Maio (apoio selectivo à escrita de argumentos cinematográficos para longas metragens de ficção) e, ainda, os Despachos Normativos nº 25/2001, de 30 de Maio (apoio aos arquivos e património de fotografia) e 27/2001, de 31 de Maio (apoio à produção fotográfica contemporânea).
[3]) Rectificado pela Declaração n.º 13-V/2001, de 30 de Junho.
[4]) Trata-se das disposições dos artigos 10º dos regulamentos anexos ao Despacho Normativo n.º 21-A/2001, e dos artigos 15º e 16º, respectivamente, dos regulamentos aprovados pelas Portarias n.ºs 255/2001 e 482/2001, que estatuem do seguinte modo:
“Artigo 10º
Audiência dos interessados
Ao procedimento de concurso previsto no presente Regulamento aplica-se o disposto nos artigos 100º a 105º do Código do Procedimento Administrativo.”
“Artigo 15º
Decisão
“Compete ao Ministro da Cultura decidir sobre a atribuição do apoio financeiro previsto no presente Regulamento, mediante proposta apresentada pelo ICAM, baseada na deliberação do júri e após audiência dos interessados, nos termos constantes do Código do Procedimento Administrativo.”
“Artigo 16º
Decisão
“Com base na deliberação da comissão técnica, e após audiência dos interessados nos termos do Código do Procedimento Administrativo, o ICAM deve, no prazo de 10 dias úteis, elaborar proposta de decisão que contenha a lista ordenada das candidaturas a apoiar.”
[5]) Este aspecto será abordado posteriormente visto que interfere com algumas das restantes questões formuladas no pedido de consulta.
[6]) Na redacção da Lei n.º 6/96, de 31 de Maio, que alterou também o n.º 5 do mesmo artigo.
[7]) Neste sentido, o parecer do Conselho Consultivo n.º 64/99, de 27 de Janeiro de 2000, que aqui se segue, por momentos, textualmente.
[8]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra, 2.ª edição, págs. 78-79. Cfr., também, o Parecer deste Conselho nº 82/96, de 23 de Janeiro de 1997 (inédito).
[9]) Cfr. FREITAS DO AMARAL/JOÃO CAUPERS/JOÃO MARTINS CLARO/JOÃO RAPOSO/PEDRO SIZA VIEIRA/VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, 3.ª edição (Reimpressão), pág. 37.
[10]) Ibidem.
x) Cfr. JOSÉ SÉRVULO CORREIA, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, in, “Legislação”, “Cadernos da Ciência da Legislação”, ed. INA, nº 9/10, Janeiro de 1994, págs. 133 e segs.
x1) Cfr. idem, pág. 147.
x2) Cfr. idem, págs. 148 a 150.
[11]) O artigo 267º, nº 5, da Constituição dispõe: “O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.”
x3) A expressão “fase de saneamento” é de ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 453.
x4) Cfr. v.g. A.GORDILLO, cit. em JOSÉ MANUEL DOS SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, 1996, pág. 347.
´x5) Cfr., sobre a noção de instrução, FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit., pág. 191.
A prova dos factos pode obter-se através de todos os meios de prova admitidos em direito. No procedimento administrativo o principal meio de instrução é a prova documental, mas, sendo previstos todos os meios de prova admitidos em direito, estão incluídos outros meios de prova, como a prova testemunhal, inquéritos, vistorias, avaliações e outras diligências semelhantes – artigo 94º do CPA.
x6) Cfr. A Audiência dos Interessados, citado, págs. 450-451 e especialmente, nota (928), referindo as razões de natureza literal, sistemática e histórica que concorrem neste sentido.
[12]) Uma análise exaustiva destas posições, pode ver-se no parecer n.º 67/97 já citado.
[13]) Idem, págs. 479-480.
x7) V.g. nos termos do Decreto–Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro.
x8) Cfr. Os artigos 181º e 182 do CPA e os Decretos–Leis nºs 235/86, e 24/92, de 18 de Agosto e de 25 de Fevereiro, respectivamente. Na doutrina, v., por todos, SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual... citado, nº 14, págs. 690 e segs.
[14]) Trata-se do acórdão de 5 de Dezembro de 1996, em que se considerou exigível a audiência dos interessados antes do acto final de adjudicação, num concurso de empreitada de obras públicas (in “Cadernos de Justiça Administativa”, n.º 3, págs. 3 e segs.).
[15]) O mesmo entendimento é sufragado por DAVID DUARTE (Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Coimbra, 1996, p. 130), que, numa referência breve aos procedimentos que terminem por uma decisão que pressuponha a avaliação de qualidades pessoais ou científicas de um candidato ou outros destinados à escolha do co-contratante, baseados em concurso público, entende que "nem na perspectiva contraditória, nem na perspectiva do fornecimento de informação, a audiência dos interessados poderá atingir objectivos que não tenham já sido realizados com a instrução" não se retirando, por isso, quaisquer vantagens dessa audiência.
MARGARIDA OLAZABAL CABRAL (O concurso público nos contratos administrativos, Coimbra, 1997, págs. 187 a 195) acompanha também a posição de Pedro Machete. Debruçando-se em concreto sobre o caso dos concursos públicos para a celebração de contratos, nomeadamente de empreitada de obras públicas, considera que todo o procedimento depende da participação dos concorrentes, que apresentam as propostas, nelas podendo incluir todos os elementos que considerem relevantes, prestar e pedir esclarecimentos, podendo apresentar reclamações e conhecer das propostas dos outros concorrentes. A sua intervenção antes da adjudicação torna-se desnecessária e até prejudicial pela morosidade - tempo gasto pelos concorrentes nas suas observações, e pela Administração na sua análise
[16]) Dicionário Jurídico da Administração Pública, entrada “Procedimento Administrativo”, Lisboa, 1994, vol. VI, págs. 486-487.
[17]) Também para P. ROMANO MARTINEZ e MARÇAL PUJOL (Empreitadas de Obras Públicas - Comentários ao Decreto-Lei n.º 405/95, de 10 de Dezembro, Coimbra, 1995, págs. 13 e 170-172) esta audição prévia dos interessados, antes apenas admitida nos processos disciplinares e em alguns procedimentos especiais, se deve hoje considerar estendida ao procedimento contratual da Administração. Sufragando posições já referidas, no sentido de que a audiência prévia se impõe como uma "figura geral do procedimento" representando o cumprimento de uma directiva constitucional extraída do (então) n.º 4 do artigo 267º da Constituição, ela deve vigorar como manifestação do princípio da participação (artigo 8º do CPA). Alertam, porém, para "o perigo de, nesta fase procedimental, ser violado o secretismo que deve rodear o procedimento contratual, viciando a decisão da Administração sob o ponto de vista da imparcialidade, ao permitir a existência de contactos entre os concorrentes e a entidade adjudicante", pelo que propugnam a observância da forma escrita.
Também SANTOS BOTELHO et alii (Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, Coimbra, 1996, págs. 364-365) e LUÍS LAGO FERREIRA (O novíssimo regime de empreitadas de obras públicas, in “Revista de Direito Autárquico”, ano 3, n.º 2, Junho de 1994, pág. 21) opinam em sentido idêntico. Este último autor, referindo-se ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas previsto no Decreto-Lei n.º 405/95, de 10 de Dezembro, considera que, apesar de se não prever aí “a audiência dos concorrentes pelo competente órgão para deliberação ou decisão sobre a adjudicação antes de esta estar tomada, tal não significa que a entidade adjudicante se exima a dar cumprimento ao disposto nos artigos 100º a 105º do CPA, uma vez que no procedimento com vista à celebração de um contrato administrativo toda a tramitação processual se deve conformar com a complexo de regras subsidiariamente aplicáveis a qualquer procedimento administrativo.”
[18]) Corresponde-lhe, na redacção actual, o artigo 267º, n.º 5.
[19]) FREITAS DO AMARAL/JOÃO CAUPERS/JOÃO MARTINS CLARO/JOÃO RAPOSO/PEDRO SIZA VIEIRA/ VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit., pág. 50.
[20]) Ibidem
[21]) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO AMORIM, ob. cit., págs. 317-318.
[22]) Idem, pág. 124.
[23]) A correspondente norma do Decreto-Lei n.º 488/98, de 30 de Dezembro, limitava-se a estipular os requisitos a que deveria obedecer a classificação e ordenação dos candidatos, contendo, designadamente, disposições relativas aos critérios de preferência, a aplicar em caso de igualdade pontual, e à homologação da acta de classificação final, as quais constam hoje dos artigos 37º e 39º do Decreto-Lei n.º 204/98.
Deverá sublinhar-se que, ainda no domínio do Decreto-Lei n.º 498/88, a norma do n.º 4 do artigo 9º, na sua versão originária, que restringia o direito de informação procedimental à parte das actas do júri em que os interessados fossem directamente apreciados, foi declarada inconstitucional, com força obigatória geral (acórdão do Tribunal Constituicional n.º 394/93, in “Diário da República”, I Série-A, de 29 de Setembro de 1993), dando azo a uma alteração da redacção desse dispositivo (através do Decreto-Lei n.º 215/95, de 22 de Agosto), que passou a consignar o livre acesso dos interessados às actas e documentos em que assentavam as deliberações dos júris, nomeadamente para efeito de discutir, em sede de recurso contencioso, a apreciação feita quanto ao mérito relativo dos diversos candidatos.
[24]) Estes preceitos dispõem:
“Artigo 100º
Relatório
1- As propostas dos concorrentes qualificados devem ser analisadas em função do critério de adjudicação estabelecido.
2- A comissão de análise das propostas deve elaborar um relatório fundamentado sobre o mérito das propostas, ordenando-as para efeitos de adjudicação, de acordo com o critério de adjudicação e com os factores e eventuais subfactores de apreciação das propostas e respectiva ponderação fixados no programa de concurso.
3- Na análise das propostas a comissão não poderá, em caso algum, ter em consideração, directa ou indirectamente, a aptidão dos concorrentes já avaliada nos termos do artigo 98º.”
“Artigo 101º
Audiência prévia
1- A entidade competente para adjudicar deve, antes de proferir a decisão, proceder à audiência prévia escrita dos concorrentes.
2- Os concorrentes têm 10 dias, após a notificação do projecto de decisão final, para se pronunciarem sobre o mesmo.
3- É aplicável o disposto nos artigos 103º e 104º do Código do Procedimento Administrativo.
4- Salvo decisão expressa em contrário do dono da obra, a entidade competente para a realização da audiência prévia é a comissão de análise das propostas.”
“Artigo 102º
Relatório final
A comissão pondera as observações dos concorrentes e elabora um relatório final, devidamente fundamentado a submeter à entidade competente para a adjudicação.”
[25]) Dispôem:
“Artigo 107º
Relatório
1- O júri elabora relatório fundamentado sobre o mérito das propostas.
2- No relatório o júri deve fundamentar as razões por que propõe a exclusão de concorrentes nos termos previstos no nº 2 do artigo 105º e no nº 3 do artigo anterior, bem como indicar os fundamentos que estiveram na base das exclusões efectuadas no acto público.”
“Artigo 108º
Audiência prévia
1- A entidade competente para autorizar a despesa deve antes de proferir a decisão final proceder à audiência escrita dos concorrentes.
2- Os concorrentes têm cinco dias após a notificação do projecto de decisão final para se pronunciarem.
3- A entidade referida no nº 1 pode delegar no júri a realização da audiência prévia.
4- Está dispensada a audiência prévia dos concorrentes quando cumulativamente:
a) Nenhuma proposta tenha sido considerada inaceitável;
b) O critério de adjudicação seja unicamente o do mais baixo preço.”
“Artigo 109º
Relatório final e escolha do adjudicatário
1- O júri pondera as observações dos concorrentes e submete à aprovação da entidade competente para autorizar a despesa um relatório final fundamentado.
2- A entidade competente para autorizar a despesa escolha o adjudicatário devendo a respectiva decisão ser notificada aos concorrentes nos cinco subsequentes à data daquela decisão.”
[26]) O artigo 108º do Decreto-Lei n.º 197/99 estabelece, contudo, no seu n.º 4, um regime específico de dispensa de audiência dos interessados, permitindo que esta não se realize desde que se verifiquem, cumulativamente, certas circunstâncias.
[27]) Cfr., além do já citado acórdão de 5 de Dezembro de 1996, o acórdão do STA de 25 de Janeiro de 1999, in “Acórdãos Doutrinais”, Ano XXXVIII, Maio de 1999, n.º 449, pág. 617.
[28]) A questão coloca-se com idêntica acuidade em relação ao Centro de Português de Fotografia, mas não lhe é feita uma explícita menção na formulação da pergunta.
[29]) Cfr. o já referido parecer n.º 67/97, citando KARL ENGISCH, que aqui se acompanha momentaneamente.
[30]) Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução de J. Baptista Machado, Fundação Calouste Gulbenkian, 7.ª edição, pág. 281.
[31]) Para BAPTISTA MACHADO, a generalidade das lacunas de regulação situam-se na categoria das “lacunas teleológicas”. Trata-se de lacunas de segundo nível, a determinar em face da “ratio legis” da norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo. Nesta categoria de lacunas é comum fazer-se a distinção entre lacunas “patentes” e lacunas “ocultas” ou “latentes” - cfr. o parecer n.º 73/91, de 9 de Janeiro de 1992, “Diário da República”, II Série, nº 111, de 14 de Maio de 1992.
[32]) KARL ENGISCH, ob. cit., pág. 283.
[33]) Cfr., v.g., PEDRO MACHETE, A Audiência dos Interessados, citado, págs. 459 e segs. e 474 e segs.
[34]) Cfr. parecer n.º 64/99, já citado, que aqui se segue textualmente.
[35]) Cfr. PEDRO MACHETE , ob. cit., pág. 461.
[36]) Idem, págs. 467-468.
[37]) Quanto a esta exigência, acórdão do STA de 3 de Novembro de 1994, in “Acórdãos Doutrinais”, n.º 407, pág. 1153.
[38]) Ob. cit., págs. 463-464. No mesma linha, MARCELO REBELO DE SOUSA, Liçoes de Direito Administrativo, vol. I, Lisboa, 1999, pág. 448.
[39]) Quanto ao sentido do dever de celeridade previsto no artigo 57º do CPA, ver FREITAS DO AMARAL/JOÃO CAUPERS/JOÃO MARTINS CLARO/JOÃO RAPOSO/PEDRO SIZA VIEIRA/ VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit., pág. 103.
[40]) Derecho Administrativo, Tomo II, pág. 73, citado por SANTOS BOTELHO/PIRES ESTEVES/CÂNDIDO DE PINHO (Código de Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Coimbra, 1992, pág. 256).
[41]) Nesse sentido, o acórdão do STA de 3 de Novembro de 1994 (in Acórdãos Doutrinais n.º 407, pág. 1153), que anulou a decisão administrativa proferida num concurso de provimento de pessoal, com fundamento em vício de forma por falta de audiência do interessado, em que se invocava como justificação para a preterição da formalidade o carácter urgente do procedimento.
[42]) No sentido exposto, MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., pág. 448. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO AMORIM, aludem, porém, a um prejuízo significativo, no que respeita aos aspectos fundamentais da decisão (ob. cit., pág. 464).
[43]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO AMORIM, ob. cit., pág. 465; JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, 5.ª edição, pág. 155.
[44]) Veja-se os termos em que se encontra reconhecido o direito de participação popular no âmbito da preparação de planos de ordenamento do território e na localização e realização de obras e investimentos públicos (artigos 4º e segs. da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto) e, mais especificamente, no domínio da elaboração e aprovação dos instrumentos de gestão territorial (artigos 6º, 40º, 48º, 58º e 77º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro) e da avaliação de impacte ambiental (artigos 14º a 16º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio). O pedido de aprovação de licenciamento de operações de loteamento é igualmente precedido de um período de discussão pública a efectuar nos termos previstos no 77º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
[45]) Este dever encontra-se enunciado, em geral, nos artigos 9º da Lei n.º 83/95, e 6º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 380/99 (bem como nas restantes normas deste último diploma que efectuam diversas concretizações do princípio da participação), e é igualmente aplicável nos processos de loteamento urbano, por efeito da remissão para o citado artigo 77º daquele Decreto-Lei. No procedimento relativo à avaliação de impacte ambiental prevê-se a elaboração de um relatório de consulta pública, que deverá conter a síntese das opiniões predominantemente expressas e respectiva representatividade, ou, no caso de audiência pública, o registo em acta da opinião de cada participante, devendo tais elementos ser tomados em consideração no parecer final (artigos 14º, n.º 5, 15º, n.º 4, e 16º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio).
[46]) Esta forma de participação está especialmente prevista no artigo 8º da Lei n.º 83/95, admitindo-se um procedimento colectivo, através de uma intervenção representativa, quando mais de 20 interessados tenham manifestado a pretensão de serem ouvidos (artigo 10º). No procedimento de avaliação de impacte ambiental poderá igualmente recorrer-se a esse mecanismo, competindo à autoridade instrutora escollher essa ou outra forma adequada de auscultação dos particulares, em função da natureza e complexidade do projecto, dos seus previsíveis impactes ambientais e do grau de conflitualidade potencial da sua execução (artigo 14º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio).
[47]) Assim, PEDRO MACHETE, ob. cit., pág. 294. Significativo é que o Decreto-Lei n.º 380/99 designe como período de discussão pública aquele em que pode ter lugar a participação dos particulares, no quadro da elaboração dos instrumentos de gestão urbanístisca (cfr. os citados artigos 40º, 48º, 58º e 77º).
[48]) O artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, que regula o direito de participação procedimental e de acção popular, é claro quanto a este ponto: “são titulares do direito de participação procedimental e de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”. Só em relação às autarquias locais se faz uma restrição, prevendo-se que estas exerçam o direito de partipação procedimental apenas “em relação aos interesses de que sejam titulares os residentes na área da respectiva circunscrição” (n.º 2). Quanto a esta matéria, ver JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Tutela Ambiental e Contencioso Admnistrativo (da Legitimidade Processual e das suas Consequências), Coimbra, 1997, págs. 220-221.
[49]) A concretização legislativa do direito de participação popular reconhecido pelo artigo 52º da Constituição foi efectuada, em termos gerais, pela já citada Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto. Outros desenvolvimentos específicos desse direito encontram-se previstos em legislação avulsa respeitante aos procedimentos urbanísticos e de avaliação de impacte ambiental (cfr. antecedente nota 43). Sobre o direito a procedimentos colectivos e o enquadramento axiológico-normativo da participação procedimental, PEDRO MACHETE, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Lisboa, 1996, págs. 382 e segs.
[50]) Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3.ª edição, pág. 284.
[51]) Publicado no “Diário da Assembleia da República”, II Série-A, n.º 27, de 22 de Janeiro de 2002, pág. 1346 (aprovado na especialidade em 20 de Dezembro de 2001 e pendente de promulgação).
[52]) Uma explicitação deste regime em PEDRO MACHETE (ob. cit., págs. 206 e segs.), com referência aos §§ 17 e 18 do VwVfG.
[53]) O n.º 5 do artigo 48º faculta ao autor o exercício de diversos direitos processuais, em função da pronúncia emitida no processo seleccionado, incluindo, se for o caso, a extensão à sua pretensão dos efeitos da sentença que tiver sido proferida.
[54]) Fases do Procedimento Administrativo, in “Direito e Justiça”, vol. VI, 1992, págs. 31-32.
[55]) Também no acórdão do STA de 1 de Julho de 1995 (Acórdãos Doutrinais n.º 408, pág. 1304) se considerou como inviável o cumprimento do disposto no artigo 100º do CPA num concurso a que se tinham apresentado largos milhares de candidatos.
[56]) Num procedimento poderá não existir, à partida, uma situação de urgência ou de risco de inutilidade, mas ela pode sobrevir num momento ulterior em virtude do grande número de interessados, caso estes tivessem de ser todos ouvidos. Nesta hipótese, a supressão da audiência resulta da aplicação da regra da alínea c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, e não da das alíneas a) e b), visto que são as vicissitudes ligadas à excessiva morosidade da diligência, e não directamente aquelas circunstâncias, que justificam a sua impraticabilidade.
[57]) A lei alemã referencia como número limite de destinatários do acto, para efeito de permitir a sua comunicação através de publicação, o de 300, o qual é também aplicável para a dispensa da audiência de interessados (§ 69, n.º 2). ESTEVES DE OLIVEIRA et alii (ob. cit., pág. 464, por remissão para a anotação ao artigo 70º do CPA) consideram, no caso português, que esse número deveria situar-se nos 40 ou 50 destinatários, dada a diferença de dimensão populacional e de organização administrativa. É duvidoso que um tal argumento deva prevalecer. Sendo o determinante a impraticabilidade da audiência, esta situação ocorre, em identidade de circunstâncias, sempre que os interessados coenvolvidos atinjam uma certa ordem de grandeza, independentemente de, num país menos populoso e com um mais reduzido aparelho administrativo, poder verificar-se um decréscimo de procedimentos e uma diminuição do número global de candidatos a eles admitidos.
[58]) Cfr. supra V. 6. e nota 57.
[59]) A audiência dos interessados, fora dos casos expressos de inexistência ou de dispensa, constitui uma formalidade do procedimento que a doutrina e a jurisprudência têm considerado essencial e geradora de vício de forma. A omissão ou a realização defeituosa da audiência dos interessados determinam, em princípio, a anulabilidade de acto conclusivo do procedimento em que tenham ocorrido – artigo 153º do CPA. Neste sentido, ainda o Parecer n.º 64/99 citado. Cfr., também, PEDRO MACHETE, ob. cit., págs. 526-527; ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, ob.cit., pág. 454; Acórdão do STA (Pleno), de 17 de Dezembro de 1997, in “Cadernos de Justiça Administrativa”, nº 12, Novembro/Dezembro de 1998, págs. 3 e segs.; Acórdãos do STA (subsecções), de 31 de Novembro de 1995, Acórdãos Doutrinais, nº 408, pág. 1304, e de 31 de Novembro de 1994, Acórdãos Doutrinais, nº 407, pág. 1153.
[60]) Cfr. AZEVEDO MOREIRA, Conceitos Indeterminados: sua Sindicabilidade Contenciosa, in “Revista de Direito Público”, Ano I, Novembro de 1985, n.º 1, págs.15 e segs., especialmente págs. 69 a 76. Sobre o tema, ainda MARIA FRANCISCA PORTOCARRERO, em anotação ao acórdão do STA de 20 de Novembro de 1997, in “Cadernos de Justiça Administrativa”, nº 10, Julho/Agosto de 1998, págs. 35 e segs.