Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001953
Parecer: P000992001
Nº do Documento: PPA11102001009901
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
REVISÃO DE PROCESSO
PAIOL
EXPLOSÃO
ACIDENTE
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
NEXO DE CAUSALIDADE
SERVIÇO DE CAMPANHA
CIRCUNSTÂNCIAS DIRECTAMENTE RELACIONADAS COM O SERVIÇO DE CAMPANHA
RISCO AGRAVADO
Livro: 00
Numero Oficio: 4036/CG
Data Oficio: 06/26/2001
Pedido: 06/27/2001
Data de Distribuição: 06/28/2001
Relator: ERNESTO MACIEL
Sessões: 01
Data da Votação: 10/11/2001
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SE DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 01/15/2002
Privacidade: [02]
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Conclusões: O acidente sofrido por um militar quando, durante a noite, se encontrava a descansar na caserna e foi atingido pelo efeito de sopro provocado pela explosão do paiol do aquartelamento, que o projectou do beliche para o chão, causando-lhe lesões, não configura uma situação de risco agravado enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.

Texto Integral:
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:



I

Dignou-se Vossa Excelência determinar o envio à Procuradoria-
-Geral da República (...), (...), para emissão do parecer a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.


Cumpre emiti-lo.


II

1. Em 16 de Setembro de 1996, deu entrada no Arquivo Geral do Exército um requerimento dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército em que (...) solicita que «seja elaborado um processo sumário, a fim de que o seu acidente seja considerado como ocorrido em situação de risco agravado equiparável a campanha e lhe seja reconhecido o direito a pensão de invalidez».

Alega que «No ano de 1966, em data que não consegue recordar, durante a noite, quando estava a descansar na sua camarata, por motivos que desconhece, deu-se uma explosão no paiol da pólvora, o que causou a sua queda da cama abaixo, e em consequência sofreu uma fractura do pulso do membro superior direito e tornozelo do membro inferior direito, entre outros traumatismos.»

Junta um atestado médico, passado, em 9 de Setembro de 1996, pela Senhora Dra. (...), médica da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Sub-região de Lisboa, Centro de Saúde de Marvila, segundo o qual o requerente sofre de várias patologias (fls. 30 e 31).
Indica como testemunhas dos factos o Coronel (...), na situação de reforma, e o Coronel (...), na situação de reserva.


2. Do pertinente processo de averiguações extraem-se os seguintes elementos relevantes para apreciação da pretensão formulada:

a) O requerente foi incorporado em 19 de Outubro de 1964, no
RI 13, como recrutado;


b) Cumpriu uma comissão de serviço militar em Angola, de 20 de Dezembro de 1965 a 15 de Fevereiro de 1968, integrado na CCS/BIA (Batalhão de Intendência de Angola), tendo a especialidade de servente;

c) Passou à disponibilidade em 31 de Março de 1968, por ter terminado o cumprimento das obrigações militares;

d) Em 1 de Julho de 1966, baixou à Enfermaria de Dermatologia do Hospital Militar de Luanda, por sofrer de adenite inguinal, tendo tido alta em 19 do mesmo mês (Boletim Clínico n.º 5081/3.ª, a fls. 17);

e) Em 22 de Novembro de 1967, baixou à Enfermaria de Ortopedia do mesmo Hospital, apresentando fractura do 1/3 inferior da diáfise do perónio esquerdo. Teve alta no dia 5 de Dezembro de 1967, passando à consulta externa de Ortopedia, onde compareceu no dia 16 do mesmo mês, ficando em observação até 9 de Janeiro de 1968, data em que teve alta, curado sem aleijão ou deformidade nem incapacidade para o serviço militar (Boletim Clínico n.º 2386 (4.ª Série), fls. 8 a 16);

f) Ouvido em declarações, o requerente afirmou que, em 1966, quando se encontrava a dormir na sua caserna, deu-se uma explosão no paiol, por motivos que desconhece, a qual provocou a sua queda da cama (um beliche), tendo sofrido lesões na perna e no braço direitos, com mais intensidade neste último. Foi evacuado para o Hospital Militar de Luanda, onde esteve internado cerca de um mês. Ainda não estava curado quando saiu do Hospital, após o que nunca mais foi presente a nenhuma consulta. Antes do acidente, exercia funções no refeitório e, depois dele, prestava serviço de Porta de Armas, sentado, não conseguindo fazer força com o braço direito. Actualmente, só consegue fazer pequenos movimentos, não conseguindo sequer comer com a mão direita e não trabalhando em virtude de não poder (fls. 34);
g) Inquirido como testemunha, o Coronel (...) disse recordar-se do acontecimento, relacionando-o com o requerente, por este, à data, pertencer à Subunidade que comandava.
A origem do acidente relacionou-se com a verificação de uma vaga de calor brusca, anormal, que alterou as condições de estabilidade no interior do paiol, distante cerca de cem metros da camarata onde o requerente estava a descansar. Quanto a outros feridos resultantes do acidente, refere que, com necessidade de evacuação para o Hospital Militar de Luanda, só o requerente. Não estava presente na Unidade aquando da explosão do paiol, sabendo posteriormente que o requerente se encontrava com baixa no Hospital. Sabe que o mesmo voltou ao serviço, não podendo avaliar a sua cura absoluta ou a existência ou não de qualquer limitação ou lesão funcional (fls. 46);


h) Ouvido na mesma qualidade, o Coronel (...) disse recordar-se perfeitamente do requerente e que a origem do acidente, confirmada a posteriori, foi o muito calor, que provocou os rebentamentos no paiol, situado a cerca de pouco menos de cem metros da camarata onde o requerente estava a descansar, tendo o efeito de sopro inerente projectado o requerente. Foram tomados os procedimentos adequados à situação e posterior evacuação para o Hospital Militar de Luanda, apresentando o requerente dores violentas nos membros superior e inferior direitos. Quanto a outros feridos resultantes do acidente, refere que não se recorda, em virtude de já ter passado muito tempo e não ter presenciado a ocorrência. Sabe que o requerente baixou ao Hospital Militar de Luanda, mas não garante que tenha ficado totalmente curado, em virtude de ter observado que o mesmo coxeava e o braço não se encontrava na posição original (fls. 52);

i) Segundo o Exame de Sanidade (Relatório Médico n.º 270/97) da Consulta Externa do Serviço de Ortopedia do Hospital Militar Principal, de 23 de Maio de 1997, o requerente «Apresenta sequelas de fractura do pulso direito. É passível de desvalorização. Existe nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o referido acidente.» (fls. 44);

j) Por despacho de 11 de Setembro de 1997, do Governador Militar de Lisboa, o acidente foi «considerado como ocorrido em serviço e por motivo do seu desempenho» (despacho exarado na Informação n.º 459, de 10 do mesmo mês, da Secção de Justiça do Governo Militar de Lisboa, anexa ao processo);


l) Em 24 de Novembro de 1998, a Junta Hospitalar de Inspecção do Hospital Militar Principal (JHI/HMP), à qual o requerente foi presente, considerou-o «Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho, com uma desvalorização de 5% (cinco por cento)», com «sequelas de fractura do punho direito» (Processo de Junta n.º 1893, anexo ao processo);

m) O resultado da JHI/HMP foi homologado por despacho de 1 de Fevereiro de 1999 do Chefe da Repartição de Pessoal Militar não Permanente (RPMNP/DAMP), no uso de competência subdelegada (despacho exarado no Processo de Junta anexo);

n) A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direcção dos Serviços de Saúde (CPIP/DSS) do Ministério da Defesa Nacional considerou que «o motivo pelo qual a JHI/HMP julgou este militar incapaz de todo o serviço militar com 5% de desvalorização, resultou da lesão sofrida no acidente ocorrido em serviço em 22NOV67, no Campo Militar do Grafanil, Luanda, conforme está descrito em depoimento constante do processo.» (Parecer n.º 248/99, de 1 de Julho de 1999, anexo ao processo);

o) O parecer da CPIP/DSS foi homologado por despacho de 4 de Dezembro de 2000 do Ajudante-General, por delegação do CEME (despacho exarado no mesmo parecer);

p) O Chefe da Repartição de Justiça e Disciplina da Direcção de Justiça e Disciplina do Ministério da Defesa Nacional concluiu no sentido de que «o grau de incapacidade de 5% atribuído ao militar torna legalmente inviável a qualificação como DFA» (Informação n.º 489, de 27 de Novembro de 2000, anexa ao processo);

q) Este parecer mereceu despacho concordante do Ajudante-
-General, por delegação do CEME, datado de 4 de Dezembro de 2000 e exarado na mesma Informação.


III
1. Embora o acidente tenha ocorrido em 1966, é admissível a revisão do processo, nos termos dos n.ºs 1, 3 e 5 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, na redacção da Portaria n.º 114/79, de 12 de Março, invocadas pelo requerente, pelo que lhe é aplicável o Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, de acordo com o seu artigo 18.º, n.º 2:

«O presente diploma é aplicável aos:
(...)
2. Cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do n.º 2 do artigo 1.º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo.»


2. O Decreto-Lei n.º 43/76 «reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.»

Repousando no «reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade», o diploma consagra «a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuíram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas familiares e sociais.» [1]


3. Na definição do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei n.º 43/76 estabelece, designadamente:

«Artigo 1.º
Definição de deficiente das forças armadas
1. (...).
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3. (...)
4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.» [2]
«Artigo 2.º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1.º

1. Para efeitos de definição constante no n.º 2 do artigo 1.º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por "incapacidade geral de ganho", deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores" engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.» [3]

IV

1. O Conselho Consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1.°, n.° 2, e 2.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.º 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, «pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas.»

«Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas.» [4]


2. Para além do juízo positivo sobre o condicionalismo de risco agravado em que se produziu o acidente, a qualificação como deficiente das Forças Armadas exige ainda a verificação de dois pressupostos, conforme sublinhou o parecer n.º 242/00, que, nesta parte, se acompanha:

a) Em primeiro lugar, requer-se a existência de uma relação de causalidade adequada entre a actividade em cuja prática se produziu o acidente e a incapacidade sofrida, exigência decorrente do Decreto-Lei
n.º 43/76 e dos princípios jurídicos gerais em matéria de causalidade. Ou seja: «entre o acto (acontecimento, situação) e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal»
[5].

Por outro lado, como indispensável à determinação da aludida relação, o Conselho tem salientado a necessidade de apurar, «no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado», se encontra nessa dupla relação de causalidade.

b) Em segundo lugar, a verificação de um grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui requisito imprescindível para o efeito da definição de deficiente das Forças Armadas, como preceitua a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76.

Notando que na vigência de diplomas anteriores com idênticos objectivos não se encontrava estabelecido tal limite mínimo, o Conselho tem considerado que essa fixação visou equiparar os deficientes das Forças Armadas aos acidentados do trabalho, «terminando com a inconsequência do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma.»

Trata-se de «permitir o enquadramento como deficientes das Forças Armadas apenas aos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição de capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais.» [6]


3. O Conselho Consultivo tem procedido, justificadamente, ao tratamento jurídico separado de cada um dos três mencionados requisitos, como frisou o mencionado parecer, onde, nomeadamente, se disse:

«Com efeito, crê-se não serem legítimas dúvidas de que o juízo sobre o risco agravado deve manter-se independente da avaliação, nomeadamente, sobre a existência do duplo nexo causal entre o acidente e a actividade que o gera, por um lado, e a incapacidade originada, por outro.»

«Elementares razões metódicas radicando na recíproca autonomia dos dois requisitos e na intencionalidade finalística, inclusive, de possibilitar a apreciação da sua convergência na prática fundamentada do acto administrativo de qualificação como DFA pela entidade competente, tudo isso exige a sua caracterização e elaboração jurídica separada.»

«E tal, justamente, a atitude metodológica do Conselho neste plano.»

«Daí que os pareceres se pronunciem em tais hipóteses sobre a agravação do risco, deixando em aberto a questão da causalidade (x)

«O juízo acerca do risco agravado equiparável às situações de campanha e similares enunciadas na lei é, por conseguinte, independente da questão do nexo causal.»


4. No caso vertente, aceite-se, pois, perante a factualidade descrita, que se verifica o duplo nexo de causalidade adequada.

Todavia, o coeficiente de desvalorização de 5% atribuído ao requerente torna legalmente inviável a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.

Sem embargo e de acordo com o procedimento habitual deste corpo consultivo, resta apurar se o acidente que vitimou o requerente ocorreu em situação de risco agravado, na acepção do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76.

V

Entre as inovações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 43/76 avulta
«o alargamento do regime jurídico dos DFA aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justifiquem, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação»
[7].

Estão nesse caso as situações definidas nos artigos 1.°, n.° 2, e 2.°, n.° 4, daquele diploma, em resultado de acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições que envolvam risco agravado equiparável ao das situações expressamente previstas na lei e que sejam identificáveis com o espírito desta.

Acerca do conteúdo e significado deste requisito, escreveu-se no parecer n.º 242/00 [8]:

«Desde a entrada em vigor do aludido Decreto-Lei o Conselho Consultivo teorizou, a partir dos acidentes concretos que lhe foram apresentados, o conceito "risco agravado" à luz dos incisos legais, havendo logrado atingir um critério dotado de assinalável consistência.

«Neste sentido, desde cedo se considerou risco agravado "um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da actividade militar normal", um risco "de grau equivalente aos das actividades operacionais expressamente contempladas" nos itens do n.º 2 do artigo 1.º (-) e actividade de risco agravado "uma actividade arriscada por sua própria natureza e não por efeito de circunstâncias imprevisíveis e ocasionais" (-).


«Ou, noutra formulação repetidamente utilizada até ao presente: actividades importando "sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas" previstas no n.º 2 do artigo 1.º; que a actividade militar que gera o acidente "envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (-).

«Ponderou-se, a este respeito, que a expressão do n.º 4 do artigo 2.º - pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole -, "parece dever entender-se como uma referência a situações ou tipos de acções implicando uma actividade de risco agravado, isto é, superior ao risco genérico da actividade militar", "um risco superior ao que normalmente decorre da actividade militar" (-).»

Mas, como esse parecer também realçou [9], a propósito do risco agravado que o manuseamento de explosivos implica, «ressalva-se a ocorrência de circunstâncias fortuitas ou acidentais, e, quiçá, culposas de deflagração desses engenhos, assimiláveis às que se podem verificar relativamente a qualquer pessoa que os encontre e manipule imprevista ou inadvertidamente.»

VI

1. Nesta linha de orientação, o Conselho Consultivo, debruçando-se sobre situações de contornos similares aos da presente, pronunciou-se desfavoravelmente, de modo constante e uniforme, considerando-as não enquadráveis no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 43/76, como se concluiu nos seguintes pareceres:

«O acidente sofrido por um militar, quando se encontrava a descansar na caserna da sua companhia e foi vítima da explosão de uma granada, provocada por acto negligente de um seu camarada, que a encontrara abandonada uns dias antes, não é enquadrável no disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.» (parecer
n.º 214/77, de 10 de Novembro de 1977);



«O acidente ocorrido na caserna de um aquartelamento, quando o militar sinistrado se encontrava a descansar e foi atingido pelo projéctil de uma arma disparada involuntariamente por um camarada, não é enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, do Decreto-
-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.» (parecer n.º 283/77, de 5 de Janeiro de 1978);


«O acidente ocorrido na caserna de um aquartelamento, sito em Bissau, quando o militar sinistrado escrevia uma carta e foi atingido pelo projéctil de uma arma disparada involuntariamente por um camarada, não pode atender-se para efeitos da sua qualificação como deficiente das Forças Armadas, nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.» (parecer n.º 291/77, de 10 de Março de 1977);

«O acidente ocorrido na caserna de um aquartelamento, em que um militar é atingido pela explosão de um carregador da própria arma, resultante de tiro inadvertidamente disparado por outro militar, não pode considerar-se como ocorrendo em situação de risco agravado para efeitos de qualificação do sinistrado como deficiente das forças armadas, nos termos dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.» (parecer n.º 187/80, de 4 de Dezembro de 1980);

«O rebentamento, em condições não esclarecidas, de uma granada de mão ofensiva (que, por simpatia, faz deflagrar outras), ocorrido pelas 8H10 do dia 30 de Outubro de 1968, no aquartelamento de Gandembel, Bissalanca, na Guiné, junto a um abrigo, onde vários militares procediam à operação de limpeza das respectivas espingardas G-3, não caracteriza uma situação de risco agravado enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao
n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.» (parecer n.º 97/98, de 25 de Março de 1999);


«O acidente sofrido por um militar que, ao proceder à limpeza e arrumação de uma caserna, quando arrasta uma mala que se encontrava debaixo de uma cama, acciona o detonador de uma granada e é atingido pelo seu rebentamento, não é enquadrável no disposto no n.º 4 do artigo 2.º, com referência ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.» (parecer n.º 4/99, de 11 de Março de 1999).


2. Circunstancialismo distinto, merecedor de diferente valoração, seria, por exemplo, algum dos apreciados nos pareceres abaixo indicados, em que este corpo consultivo concluiu estar-se perante tipos de actividades militares com risco agravado, equiparáveis às situações previstas nos três primeiros itens do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76:

«Corresponde a um tipo de actividade militar com risco agravado que deve equiparar-se às situações previstas nos três primeiros itens do
n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, a procura, levantamento e transporte do solo de engenhos explosivos, ainda não deflagrados, para aí arremessados por virtude de uma explosão ocorrida no paiol onde estavam guardados.» (parecer n.º 15/77, de 27 de Janeiro de 1977);


«1. A guarda de polícia de paióis militares caracteriza uma actividade com risco agravado equiparável às situações previstas nos três primeiros itens do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro; 2. O soldado (...) sofreu o acidente de que foi vítima em consequência da explosão que ocorreu no paiol ao qual se achava de guarda.» (parecer n.º 261/78, de 24 de Janeiro de 1979).

«Constitui actividade com risco agravado equiparável às descritas nos três primeiros itens do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, o reconhecimento da existência e localização de material explosivo, nomeadamente granadas de morteiro, que acabara de sofrer violenta explosão que o espalhara pelo solo do aquartelamento, com vista a decidir a forma de utilização do auto-tanque do piquete dos bombeiros.» (parecer n.º 29/91, de 11 de Abril de 1991).

VII

No caso em apreço, devido, ao que tudo indica, a uma vaga de calor brusca e anormal, que provocou alteração das condições de estabilidade no interior do paiol do aquartelamento, situado a cerca de cem metros da caserna, o mesmo explodiu, produzindo um efeito de sopro que projectou o requerente para o chão e lhe provocou as lesões mencionadas.

Referindo-se à perigosidade natural, objectiva, dos explosivos, o parecer n.º 242/00 acentuou a sujeição dos mesmos a múltiplos factores de imponderabilidade: «deflagração incontrolável por simples atrito, elevação da temperatura, instabilidade físico-química, deterioração, simpatia, "alteração molecular" (-) da carga, ou outro qualquer imponderável, e não obstante a observância das regras de segurança.»

Segundo o depoimento das testemunhas, terá sido na conjugação de dois destes factores - instabilidade físico-química dos explosivos, provocada por elevação da temperatura ambiente - que residiu a origem da explosão.

Aquando desta, o requerente estava a descansar, durante a noite, no beliche da camarata da sua Unidade, em cujo refeitório exercia funções como servente.

Deste modo, não se encontrava no desempenho de qualquer actividade militar relacionada, como quer que fosse, com a produção do sinistro, de que foi vítima meramente fortuita e ocasional.

Valem aqui, mutatis mutandis, as considerações expendidas no parecer n.º 97/98, acerca de caso paralelo: «Num quadro como este, o rebentamento das granadas, que as testemunhas não conseguem justificar nem explicar, apresenta-se com o recorte de um acontecimento fortuito, acidental e imprevisível, que impossibilita a afirmação de uma situação de risco agravado subsumível à previsão do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76», posto que o militar foi «vítima ocasional de um desses engenhos, em circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.»

Assim, não pode qualificar-se a situação como implicando risco agravado necessário equiparável ao definido nas situações tipicamente descritas na lei e identificável com o seu espírito, nem, pois, considerar-se o acidente como ocorrido «em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha».

VIII

Termos em que se conclui:

O acidente sofrido por um militar quando, durante a noite, se encontrava a descansar na caserna e foi atingido pelo efeito de sopro provocado pela explosão do paiol do aquartelamento, que o projectou do beliche para o chão, causando-lhe lesões, não configura uma situação de risco agravado enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.




[1] Do sumário oficial e do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76.
[2] Redacção do artigo 1.º da Lei n.º 46/99, de 16 de Junho.
[3] Redacção rectificada no Diário do Governo, I Série, n.º 145, 2.º Suplemento, de 26 de Junho de 1976.
[4] Orientação, há muito, uniforme, recentemente reiterada nos pareceres n.°s 71/00, de 5 de Maio de 2000, 242/00, de 17 de Maio de 2001, e 9/01, de 29 de Março de 2001, com remissão para pareceres anteriores.
[5] Do parecer n.º 45/89, de 12 de Julho de 1989, apud parecer n.º 242/00 (nota 3), traduzindo doutrina constante desta instância consultiva.
[6] Do parecer n.º 115/78, de 6 de Julho de 1978, em termos uniformemente retomados,
v. g.
, nos citados pareceres n.ºs 71/00, 242/00 e 9/01.
(x) Também nos casos em que o coeficiente de incapacidade é inferior ao mínimo legal, o Conselho se pronuncia desfavoravelmente à qualificação como deficiente das Forças Armadas, mas nem por isso deixa de caracterizar a actividade causadora do acidente como portadora ou não de risco agravado.
[7] Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76.
[8] Em cujas notas 7, 8, 9 e 10 é feita larga referência a pareceres sobre a matéria.
[9] Cfr. a sua nota 11, onde são recenseados vários pareceres neste sentido.