Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: cedencia PGRP00003338
Parecer: P000232015
Nº do Documento: PPA11092015002300
Descritores: ESTATUTO DISCIPLINAR
ENSINO PARTICULAR
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS
INSPECÇÃO GERAL DA EDUCAÇÃO
AVALIAÇÃO EXTERNA DOS ALUNOS
DOCENTE
ENSINO BASICO E SECUNDARIO
SANÇÃO EXPULSIVA
AUTONOMIA PEDAGÓGICA
COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
PODER SANCIONATÓRIO DO ESTADO
CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
DEMISSÃO
Livro: 00
Numero Oficio: 1487
Data Oficio: 06/03/2015
Pedido: 06/09/2015
Data de Distribuição: 06/09/2015
Relator: PAULO DÁ MESQUITA
Sessões: 02
Data da Votação: 09/11/2015
Tipo de Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: SEEAE
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DO ENSINO E DA ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 10/13/2015
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 16-12-2015
Nº do Jornal Oficial: 245
Nº da Página do Jornal Oficial: 36360
Indicação 2: ASSESSORA: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR CONST / DIR ENS / DIR TRAB
Ref. Pareceres:P000262012Parecer: P000262012
P000472010Parecer: P000472010
P000202010Parecer: P000202010
Legislação:DL 152/2013 DE 2013/11/04 ART63 ART6 N4 ART51 N5 N6; DL 553/80 DE 1980/11/21 ART74 ; D 37545 DE 1949/09/08 ; L 33/2012 DE 2012/08/23 ART 99-k ; PORT 207/98 DE 1998/03/28 ; DL 139/2012/07/05; DL 176/2014 DE 2014/12/12 ; DESP NORM 6-A/2015 DE 2015/03/05; l 35/2014 DE 2014/06/20 ART176 ART241 ART242; DL 139-A/90 DE 1990/04/28 ; L 80/2013 DE 2013/11/28 ; COD TRAB 2009; l 7/2009 DE 2009/02/12 ART 328 ; l 12-A/2008 DE 2008/02/27 ART58 N4
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TRIB CONST 398/2008; AC TRIB CONST 533/2011 ; AC TRIB CONST 410/2011
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1. O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC de 2013) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 novembro «aponta», como um dos seus eixos programáticos, «para uma verdadeira liberdade de contratação de docentes, independência no tratamento das questões disciplinares e do correlativo poder disciplinar sobre esses mesmos docentes».
2. A preservação de um campo residual de poder disciplinar do Estado sobre os docentes do ensino particular e cooperativo», exercido através da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, restrito à «matéria relativa à avaliação externa dos alunos constitui uma exceção à referida matriz programática.
3. A intervenção dos docentes do ensino particular e cooperativo no procedimento de avaliação externa de alunos dos ensinos básico e secundário foi ponderada pelo legislador como um campo em que a deflação de poderes disciplinares estaduais sobre os referidos professores devia ser contida por força da especificidade dessa função pública associada ao exercício de poderes públicos.
4. O regime regra em matéria de responsabilidade disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo não superior encontra-se estabelecido no artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 com duas estatuições:
(a) O poder disciplinar compete à entidade proprietária do estabelecimento do ensino particular e cooperativo;
(b) O regime disciplinar é estabelecido por remissão para a legislação disciplinar laboral.
5. A norma do n.º 2 do artigo 51.º do EEPC de 2013 que atribui competência disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência encontra-se numa relação de especialidade com a norma geral do artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 na parte em que os coloca sob a alçada do poder disciplinar da entidade proprietária da escola do ensino particular e cooperativo.
6. A atribuição de poder disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência pelo artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 abrange todas as etapas do procedimento disciplinar.
7. A regra geral estabelecida no artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 no sentido de que o estatuto disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo é estabelecido por remissão para a «legislação disciplinar laboral aplicável» não é objeto de qualquer compressão por uma norma especial apenas aplicável aos casos em que o poder disciplinar é exercido pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência.
8. O regime disciplinar sancionatório aplicável pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência a infrações praticadas por docentes de escolas do ensino particular e cooperativo no âmbito de atividade relativa «à avaliação externa dos alunos» é o estatuto disciplinar de origem do docente estabelecido na legislação laboral aplicável aos trabalhadores sujeitos a vínculos de direito privado.

Texto Integral:


Senhor Secretário de Estado do Ensino e da
Administração Escolar
Excelência:

I. Relatório
A consulta foi determinada por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, com caráter de urgência, quanto à competência disciplinar sobre os docentes segundo o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro[1].
A dúvida objeto de consulta e a proposta da sua colocação ao Conselho Consultivo foi suscitada em informação da Inspeção-Geral da Educação e Ciência de 13 de novembro de 2013, tendo a mesma sido encaminhada para o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar por despacho do Inspetor-Geral da Educação e Ciência de 26 de novembro de 2013.
Na sequência da votação de um primeiro projeto de parecer pelo plenário do Conselho Consultivo, em 9 de julho de 2015, o processo foi redistribuído nessa data a um novo relator.
Cumpre emitir parecer.
II. Fundamentação

§ II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico

A consulta, solicitada ao abrigo do disposto pelo artigo 37.º, alínea a) do Estatuto do Ministério Público (EMP), visa a pronúncia sobre uma questão jurídico-prática colocada pelo Governo no quadro funcional da Administração Pública.
A consulta tem na sua génese a Informação I/03737/SC/13, de 13 de novembro de 2013, da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, em que os termos da questão apresentada por aquela Inspeção-Geral são retomados no despacho do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar:
«COMPETÊNCIA DISCIPLINAR SOBRE OS DOCENTES SEGUNDO A NOVA LEI.
«1. Em matéria de Docentes, o art.º 51.º, n.º 1, do novo diploma, refere que «o exercício do poder disciplinar» compete à entidade proprietária, «nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável». A IGEC passa só a ter competência para «o exercício do poder disciplinar» sobre estes docentes, «no âmbito da avaliação externa dos alunos» – n.º 2 do mesmo artigo – que segue o «regime de avaliação externa estabelecido para os alunos das escolas públicas» – art.º 63.º
«2. A norma do art.º 51.º confere, assim, um poder disciplinar dual sobre docentes, em matéria de avaliação externa de alunos: o cometido à entidade proprietária e o cometido à IGEC, à semelhança do que já decorria do art.º 74.º, n.º 1 do DL n.º 553/80, de 21 de novembro, “pela violação dos seus deveres profissionais de natureza ou implicação pedagógica”.
«3. Contudo, o que a lei refere é o “exercício de poder disciplinar” cometido à IGEC, pelo art.º 51.º, n.º 2, mas não dispõe sobre o “regime disciplinar”, pelo que se suscitam as seguintes dúvidas:
«a) Que regime disciplinar aplicar no “exercício do poder disciplinar” assim conferido à IGEC? O da lei laboral, atendendo ao que dispõe o art.º 42.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro; ou o do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, atendendo ao que dispõe o art.º 99.º-K (do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto), mantido em vigor pelo art.º 6.º n.º 4, do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro?
«a-1) Se o “exercício do poder disciplinar” referido no art.º 51.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, contém os poderes de instaurar, instruir e aplicar penas deferido à IGEC, sendo certo que se assim for entendido consagraria a lei um regime disciplinar dual: um para os docentes (poder de instaurar, instruir e aplicar penas deferidos à IGEC); e outro para as entidades proprietárias e diretores pedagógicos (poder de instaurar deferido à DGESTE; poder de instruir deferido à IGEC; e poder de aplicar sanções deferido ao Ministro), estes, ao abrigo do disposto nos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, mantidos em vigor pelo art.º 6.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro?
«b) Em qualquer caso, que penas aplicar a estes docentes a quem seja instaurado um processo disciplinar por infrações cometidas em matéria de “avaliação externa de alunos”, quando o catálogo de infrações que constava do art.º 74º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4 de novembro?»
A única documentação de suporte da consulta foi a informação transcrita, não sendo mencionados ou juntos quaisquer atos administrativos, informações ou pareceres sobre o tema.
Na base da consulta encontra-se uma fenomenologia revelada nas perguntas formuladas. Delimitação do âmbito do parecer que tem de se articular com o princípio de que o enquadramento jurídico das questões suscitadas constitui responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz vinculada aos princípios da legalidade e objetividade.
Sendo o parecer conformado pela teleologia e balizas das perguntas colocadas, a ponderação necessária para as respostas deve ser objeto de análise própria pelo Conselho Consultivo na fundamentação que se segue. Plano em que se deve realçar um outro aspeto: A consulta que originou este parecer visa um comando relativo a condições de ação e não a objetivos, o que obrigatoriamente conforma o trabalho a empreender pelo Conselho Consultivo, na medida em que se deve, em sintonia com a vocação técnica deste ente consultivo, cingir às pautas de interpretação do direito positivo.
Sem embargo da necessidade de sistematização jurídica prévia, a formulação das questões apresenta-se inequívoca numa delimitação que tem de ser respeitada no desenvolvimento e conclusões do parecer.
A estrutura do parecer vai ser determinada pelo escopo da consulta e pautas acabadas de expor, desdobrando-se pelas seguintes partes:
§ II.2 A atribuição de poder disciplinar ao Estado quanto à atividade desenvolvida por docentes do Ensino Particular e Cooperativo não superior «no âmbito da avaliação externa dos alunos»;
§ II.3 A competência para as várias etapas do procedimento relativo a eventuais infrações disciplinares praticadas por docentes do Ensino Particular e Cooperativo não superior «no âmbito da avaliação externa dos alunos»;
§ II.4 As fontes legais do estatuto disciplinar aplicável aos docentes do Ensino Particular e Cooperativo não superior por infrações praticadas «no âmbito da avaliação externa dos alunos».
Depois da fundamentação, serão enunciadas as conclusões do parecer visando responder às questões colocadas na consulta.
§ II.2 A atribuição de poder disciplinar ao Estado quanto à atividade desenvolvida por docentes do Ensino Particular e Cooperativo não superior «no âmbito da avaliação externa dos alunos»
§ II.2.1 A consulta tem como objeto um problema específico sobre o regime disciplinar de docentes pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC) de nível não superior publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 novembro.
As dúvidas suscitadas reportam-se ao regime disciplinar aplicável no domínio em que os docentes do Ensino Particular e Cooperativo (EPC) de nível não superior são submetidos a poder disciplinar da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC).
O preceito nuclear nesta sede é o artigo 51.º do EEPC que, com a epígrafe Remissão, estabelece:
«1 – Compete à entidade proprietária do estabelecimento de ensino o exercício do poder disciplinar sobre os docentes, nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável.
«2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, compete à IGEC o exercício do poder disciplinar no âmbito da avaliação externa dos alunos.»
As dúvidas suscitadas pela IGEC, logo após a entrada em vigor do EEPC, não se dirigiram ao espectro da previsão do número 2 do artigo 51.º do EEPC (relativo à atividade dos docentes do EPC «no âmbito da avaliação externa dos alunos»), nem à prescrição imediata (atribuição de poder disciplinar à IGEC).
Tendo presente a norma do artigo 51.º, n.º 2, do EEPC, as dúvidas da entidade consulente, em face dos pressupostos em que se estribaram, podem ser reformuladas como duas perguntas:
1- A atribuição do poder disciplinar à IGEC pelo artigo 51.º, n.º 2, do EEPC abrange todas as etapas do procedimento disciplinar ou, em linha com o que se verifica em matéria de entidades proprietárias e diretores pedagógicos de escolas do EPC[2], a IGEC tem apenas um poder de instruir procedimentos disciplinares?
2- Qual o regime disciplinar substantivo aplicável aos docentes do EPC quanto à atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos» em que estão submetidos ao poder disciplinar de organismo(s) do Estado?
A abordagem das questões colocadas deve ser precedida pelo seu enquadramento sistemático e histórico, para, de seguida, se poder intentar a interpretação das normas legais determinantes para as respostas às perguntas.
§ II.2.2.1 O regime regra em matéria de responsabilidade disciplinar dos docentes do EPC encontra-se estabelecido no artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 com duas estatuições:
1. O poder disciplinar compete à entidade proprietária do estabelecimento do EPC;
2. O regime disciplinar é estabelecido por remissão para a «legislação disciplinar laboral aplicável».
O referido regime regra apresenta-se em sintonia com a regulação do estatuto de raiz dos docentes do EPC estabelecido no artigo 42.º, com a epígrafe Direitos e deveres, do EEPC de 2013:
«1 – Os educadores e os docentes das escolas do ensino particular e cooperativo têm os direitos e estão sujeitos aos deveres fixados na legislação do trabalho aplicável.
«2 – As convenções coletivas e os contratos individuais de trabalho dos educadores e docentes das escolas do ensino particular e cooperativo devem ter em conta a especial relevância para o interesse público da função que desempenham.»
A norma do número 2 do artigo 51.º do EEPC ao atribuir competência disciplinar à IGEC encontra-se, assim, numa relação de especialidade com a norma geral do artigo 51.º, n.º 1, do EEPC, na parte em que esta atribui o poder disciplinar a entidade proprietária do estabelecimento do EPC.
§ II.2.2.2 O EEPC de 2013 compreendeu uma alteração de regime disciplinar dos docentes do EPC relativamente ao estatuto que substituiu, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC de 1980) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro[3].
No EEPC de 1980 a responsabilidade disciplinar encontrava-se regulada no artigo 74.º que era o preceito que iniciava a Secção VII, Da responsabilidade disciplinar, do capítulo IV, Dos docentes, do Título II, Dos estabelecimentos. A redação do artigo 74.º do EEPC vigente aquando da revogação aprovada pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 152/2013 era a original:
«1 – Os docentes das escolas particulares respondem disciplinarmente perante a entidade proprietária da escola e o Ministério da Educação e Ciência pela violação dos seus deveres profissionais de natureza ou implicação pedagógica.
«2 – As sanções a aplicar pelo Ministro da Educação e Ciência, de acordo com a gravidade da infração, são as seguintes:
«a) Advertência;
«b) Multa de 1 a 30 dias;
«c) Proibição de exercício e suspensão de vencimentos de 1 a 3 meses;
«d) Proibição de lecionar em estabelecimentos de determinada região;
«e) Proibição no exercício do ensino por período de 3 meses a 3 anos;
«f) Proibição definitiva do exercício do ensino.
«3 – A aplicação das penas referidas nas alíneas b) e seguintes do número anterior deve ser precedida do parecer do Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo e decidida mediante processo.»
O EEPC de 1980 apresenta relativamente ao artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 duas diferenças essenciais quanto ao poder disciplinar atribuído ao Estado relativamente a docentes do EPC:
1- O âmbito do poder disciplinar do Estado era mais amplo, não se cingindo à atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos» pois compreendia todos os «deveres profissionais de natureza ou implicação pedagógica» o que, abrangia, nomeadamente, atividade desenvolvida no âmbito da avaliação interna dos alunos;
2- Encontrava-se estabelecido diretamente um regime disciplinar substantivo especial em matéria de sanções disciplinares aplicáveis.
Entre os dois estatutos existem, a par das diferenças, linhas de continuidade: No EEPC de 1980 (tal como no regime de 2013) os deveres dos docentes do EPC sancionáveis disciplinarmente pelo Estado não eram objeto de qualquer regulação especial, para além da definição do campo de atividade abrangida pelo poder disciplinar do Estado, no estatuto de 1980 (como continuou a suceder no regime de 2013) em tudo aquilo em que não estava abrangido pela alçada disciplinar do Estado os docentes do EPC encontravam-se sujeitos ao poder disciplinar das entidades proprietárias das escolas de EPC.
Importará, ainda, atentar na previsão da matéria disciplinar estabelecida no Estatuto do Ensino Particular (EEC de 1949) aprovado pelo Decreto n.º 37545, de 8 de setembro de 1949, que veio a ser revogado pelo artigo 105.º do EPPC de 1980.
No EEC de 1949 o capítulo III, com o título Dos professores do ensino particular e dos diretores de estabelecimentos, inicia-se com artigo 21.º, cujo número 2 prescrevia «o ensino particular é considerado função pública para o efeito das responsabilidades a exigir àqueles que o exercem».
O EEC de 1949 foi aprovado num contexto de considerável tensão sobre visões autonómicas (em especial defendidas pelas escolas ligadas à Igreja Católica e setores católicos) e centralistas, as quais devem ser contextualizadas na época e numa legislação que constitui, também, um produto histórico que absorveu várias heranças numa história do direito que envolve necessariamente uma história das mentalidades.
Como se destacou no parecer n.º 15/2011, de 12-7-2012[4], então, «a tradição constituiu um artefacto relevante na retórica jurídica e político-legislativa, mas integrado num Estado em que as prescrições se sustentam na força dos aparelhos burocráticos, isto é em que já se encontrava esgotado o tempo da tradição como estrutura legitimadora fundamental»[5].
O estatuto de 1949 é conformado pelo paradigma político do Estado Novo de um controlo forte do Estado das várias modalidades de exercício de funções públicas, ainda que exercidas por particulares incluindo instituições ligadas à Igreja Católica[6].
O artigo 32.º do EEC de 1949 era a norma central sobre a matéria objeto do presente parecer: No número 1 estabelecia-se que os professores do ensino particular «nas suas relações com os alunos» estavam «sujeitos aos mesmos deveres que incumbem aos professores do ensino oficial»; O número 3 determinava que os processos disciplinares eram «ordenados pelo Ministro e instruídos pela Inspeção»; O número 4 previa as penas que, «segundo a gravidade das faltas», podiam ir da menos grave (advertência) à mais grave (proibição definitiva do exercício do ensino).
Por seu turno, em coerência coma conceção estadualista prevalente, o n.º 7 do artigo 21.º do EEC de 1949 estabelecia a aplicação subsidiária das «disposições que se puderem aplicar do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis».
No plano histórico, o regime do EEPC de 2013 em matéria de controlo estadual direto dos docentes do ensino particular e cooperativo expressou uma tendência recessiva da intervenção estadual nesse subsistema de ensino, tal como o EEPC de 1980 já tinha determinado uma considerável redução da intervenção direta do Estado relativamente ao regime anterior estabelecido no EEC de 1949.
Recessão da intervenção estadual anunciada no preâmbulo onde se associou o campo reservado ao controlo disciplinar dos docentes das escolas do EPC pelo Estado ao programa legislativo de 2013 em matéria de autonomia pedagógica das escolas do EPC: «A autonomia pedagógica atribui a cada escola a liberdade de se organizar internamente de acordo com o seu projeto educativo. Neste sentido, aponta ainda o Estatuto para uma verdadeira liberdade de contratação de docentes, independência no tratamento das questões disciplinares e do correlativo poder disciplinar sobre esses mesmos docentes, excecionando a matéria relativa à avaliação externa dos alunos.»
O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 142/2013 revela, assim, que o artigo 51.º do EEPC de 2013 constitui um dos corolários de opções programáticas desse estatuto, em que a atribuição às escolas do EPC do poder disciplinar sobre os respetivos docentes (de acordo com o regime geral do direito do trabalho) se articula com um reduzido campo de poder disciplinar do Estado sobre os docentes do EPC, quanto à «matéria relativa à avaliação externa dos alunos». Limitou-se a matéria em que os docentes do EPC subsistem diretamente sujeitos ao poder disciplinar do Estado relativamente ao que se encontrava previsto no EEPC de 1980, subsistindo um campo residual em que se pretende que esse poder continue a ser assumido pelo Estado.
A delimitação do campo objeto de atribuição de poder disciplinar à IGEC relativamente aos docentes do EPC deve ser enquadrado sistematicamente tendo por referência duas vertentes que vão merecer análise de seguida:
1- Os esquemas de fiscalização e sancionamento da atividade pedagógica desenvolvida pelas escolas do EPC incidentes nas entidades proprietárias das escolas e diretores pedagógicos (infra § § II.2.3);
2- A compreensão sistemático-teleológica da reserva de um núcleo limitado à «matéria relativa à avaliação externa dos alunos» em que compete à IGEC o exercício do poder disciplinar relativamente aos docentes (infra § § II.2.4).
§ II.2.3.1 O regime sancionatório aplicável às entidades proprietárias das escolas do EPC subsiste regulado nos artigos 99.º a 99.º-M do EEPC de 1980 na redação estabelecida pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, por força do disposto no número 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 152/2013 (cujo artigo 2.º aprovou o EEPC de 2013).
Os artigos 99.º a 99.º-M do EEPC de 1980 encontram-se inseridos na secção III (Das sanções) do capítulo I (Da fiscalização e das sanções) do título III (Da fiscalização, das sanções e disposições finais e transitórias)[7].
O artigo 99.º do EEPC de 1980 na sua redação vigente ficada pela Lei n.º 33/2012 prescreve:
«Às entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem o disposto na presente lei são aplicadas, pelo Ministro da Educação e Ciência, as seguintes sanções:
«a) Advertência;
«b) Multa de valor entre 2 e 20 salários mínimos nacionais;
«c) Encerramento da escola por período até dois anos;
«d) Encerramento definitivo.»
§ II.2.3.2 Os poderes sancionatórios do Estado sobre os diretores pedagógicos das escolas do EPC também são abrangidos pela norma de remissão do número 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 152/2013.
As direções pedagógicas das escolas do EPC são um dos eixos centrais do sistema de transferência de competências estaduais e da autonomia das escolas estabelecido no EEPC de 2013.
A secção II do (Direção pedagógica) do capítulo II (Entidade titular) do título II (Estabelecimentos) do EEPC de 2013 compreende duas normas, o artigo 41.º, com a epígrafe Natureza e função[8], e o artigo 42,º, com a epígrafe Competências. Este último preceito estabelece que à direção pedagógica compete a orientação da ação educativa da escola do EPC, concretizando essa função através da referência de quatro competências compreendidas nessa responsabilidade:
a) Representar a escola junto do Ministério da Educação e Ciência em todos os assuntos de natureza pedagógica;
b) Planificar e superintender nas atividades curriculares e culturais;
c) Promover o cumprimento dos planos e programas de estudos;
d) Velar pela qualidade do ensino;
e) Zelar pela educação e disciplina dos alunos.
A remissão estabelecida no artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 152/2013 implica que continua em vigor o artigo 99.º-E do EEPC de 1980:
«Aos diretores pedagógicos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem o disposto na presente lei e em demais legislação aplicável são aplicadas, pelo Ministro da Educação e Ciência, as seguintes sanções:
«a) Advertência;
«b) Multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais;
«c) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;
«d) Proibição definitiva do exercício de funções de direção.»
Os artigos 99.º-F a 99.º-I densificam os pressupostos de cada uma das sanções e o artigo 99.º-J estabelece que a aplicação das referidas sanções «é precedida de processo disciplinar, a instaurar pelo serviço do ministério que tutele a educação que seja territorialmente competente na área onde se situa a escola e a instruir pela Inspeção-Geral da Educação».
§ II.2.3.3 O regime sancionatório das entidades proprietárias e diretores pedagógicos das escolas do EPC foi globalmente revisto em 2012 pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, que, como já se referiu, estabeleceu as atuais redações dos artigos 99.º a 99.º-M do EPPC de 1980 mantidas em vigor pelo artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 152/2013.
A salvaguarda, em 2013, da vigência do referido regime sancionatório pode ser associada à proximidade temporal da sua consagração e à jurisprudência do Tribunal Constitucional que, no âmbito da fiscalização concreta, havia julgado inconstitucionais as normas do artigo 99.º, n.os 1 e 4, do EEPC de 1980, na parte em que previam as sanções aplicáveis às entidades proprietárias de escolas do EPC (acórdãos n.º 398/2008 e n.º 533/2011), e dos n.os 2 e 4 do artigo 99.º, relativamente às sanções aplicáveis aos diretores pedagógicos (acórdão n.º 410/2011)[9].
A redação originária do artigo 99.º do EEPC de 1980 era a seguinte:
«1 – Às entidades proprietárias de escolas particulares que violem o disposto neste decreto-lei podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções, de acordo com a natureza e a gravidade da violação:
«a) Advertência;
«b) Multa de valor entre dois e vinte salários mínimos nacionais;
«c) Encerramento da escola por período até dois anos;
«d) Encerramento definitivo.
«2 – Aos diretores pedagógicos podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções:
«a) Advertência;
«b) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;
«c) Multa de valor entre um e dez salários mínimos nacionais;
«d) Proibição definitiva do exercício de funções de direção.
«3 – Às escolas clandestinas, além do encerramento, será aplicada, pelo Ministério da Educação e Ciência, multa entre quatro e quarenta salários mínimos nacionais.
«4 – A cominação de sanções será objeto de regulamentação específica, a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Educação e Ciência, ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo.»
A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o referido preceito (a regulamentação prevista na redação originária do artigo 99.º do EEPC de 1980 foi operada pela Portaria n.º 207/98, de 28 de março) vem sustentada na fundamentação do primeiro dos referidos arestos, o acórdão n.º 398/2008:
«Sustenta a recorrente que é inconstitucional o regime sancionatório definido pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo por nele se não ter respeitado a reserva da função legislativa: ao remeter para normação administrativa (mais exatamente para portaria) a tipificação dos comportamentos puníveis; a adequação das sanções aos tipos; a escolha do procedimento sancionatório a aplicar, o legislador do Estatuto – diz a recorrente – fez aquilo que a Constituição lhe proíbe: deixou de regular matérias que só poderiam ser reguladas por ato da função legislativa, reenviando portanto para uma outra autoridade (no caso, a administrativa) o exercício de uma competência que só a ele pertencia.
«É certo – e a doutrina assim o tem consensualmente defendido (por todos: Afonso Queiró, “Teoria dos Regulamentos”, em Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, p. 11) – que até 1982 nada havia na Constituição que impedisse o legislador, quer parlamentar quer governamental, de “deslegalizar” certa normação por ele iniciada, reenviando a sua continuação para regulamentos administrativos que dispusessem sobre a matéria em termos novos e originários, desde que a referida matéria não estivesse ela própria, por imposição constitucional, sujeita a reserva de lei.
«Foi exatamente isso que fez – e validamente, à luz da primeira versão da Constituição – o legislador que definiu o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
«Com efeito, por um lado e como já se viu, não estava então reservada à lei a “matéria” por ele regulada. Por outro, o “reenvio” que se fazia no artigo 99º do Decreto‑Lei nº 553/80 implicava uma verdadeira “deslegalização”, na medida em que através dele se habilitava a administração a emitir, sobre a matéria, uma verdadeira regulação praeter legem, porque primária e inovatória. Atentemos agora, com mais vagar, neste segundo aspeto.
«Não é fácil — como bem se sabe — estabelecer traços seguros entre aqueles regulamentos administrativos que são secundum legem e aqueles que vão para além da lei, ou que são praeter legem. No entanto, se se tomar como bom o critério doutrinário segundo o qual "o regulamento executivo não pode inovar no domínio das restrições à esfera individual, nem criar preceitos que se não liguem por um vínculo de pormenorização ou procedimentalização às normas contidas na lei regulamentada", por ser ele um regulamento “secundário ou derivado, relativamente ao regime estabelecido pelo legislador” (José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, p. 241), limitando-se a “editar as providências necessárias para assegurar a fidelidade ou (…) a conformidade à vontade do legislador (…)” sem dar vida a nenhuma regra de fundo, a nenhum preceito jurídico “novo” e originário» (Afonso Queiró, ob.cit., p. 9), então parece certo que na categoria destes regulamentos se não insere aquele para o qual reenviou o legislador que estabeleceu o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
«Na verdade – e ao contrário do que sustenta a entidade recorrida – a lei não definiu então, com densidade suficiente, o regime sancionatório que deveria ser aplicado às escolas inadimplentes. Limitou-se a estabelecer o elenco das sanções a cominar “em caso de violação do disposto no decreto-lei”, afirmando ainda que tais sanções deveriam ser aplicadas de acordo com a natureza e a gravidade da violação. Foi, pois, o regulamento administrativo que veio densificar todo este regime, que a lei, finalmente, apenas desenhou a título principial: como já vimos, a Portaria n.º 207/98 definiu os ilícitos sancionáveis; estabeleceu as sanções correspondentes a cada um; fixou o procedimento a adotar na aplicação das sanções. É bem difícil sustentar que um regulamento assim não inova no domínio das restrições à esfera individual, ou não cria normação primária, dando vida a preceitos jurídicos “novos” ou “originários”. Seguro é porém que a habilitação legal para a emissão deste tipo de regulamentos não era proibida pela primeira versão da Constituição.
«Veio no entanto a proibi-la a revisão constitucional de 1982, o que não pode deixar de ser tido em conta no caso agora sob juízo. É que, nele, se não manteve apenas a habilitação legal para a emissão de regulamentos praeter legem; mais do que isso, tal habilitação só veio a ser cumprida pela Portaria n.º 207/98, anos após a entrada em vigor da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/82.
«E não restam dúvidas que a Lei de Revisão pretendeu, justamente, vedar ao legislador este “tipo” de reenvios normativos.
«Antes do mais, ficou claro, a partir de 1982, que o direito à criação de escolas privadas era para a CRP uma liberdade fundamental constitucionalmente tutelada.
«O direito sancionatório previsto pelo artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 553/80 – esse mesmo que remete para regulamento administrativo a definição, inovatória, dos ilícitos cometidos; a graduação das sanções que se lhes deveria aplicar; o procedimento a adotar na sua aplicação – passou assim a ser direito sancionatório incidente sobre o exercício de uma liberdade fundamental, com todas as consequências que daí advêm quanto à extensão e à densidade da reserva de lei na regulação de matérias que lhe digam respeito. Com efeito, e como muito bem se sabe – e como sempre o tem dito o Tribunal: vejam-se, entre outros, o Acórdão n.º 307/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º volume, p. 499 e ss.), e ainda os Acórdãos n.os 174/93 e 185/96 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – em matérias que impliquem restrições ou condicionamentos essenciais ao exercício de liberdades fundamentais só são constitucionalmente admissíveis os regulamentos de execução.
«Mas, além disso, a revisão constitucional de 1982 veio a proibir em geral as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem, ou seja, de regulamentos que venham a “interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar” quaisquer preceitos da própria lei “habilitante” (artigo 112.º, n.º 5, da versão atual da CRP). Este princípio constitucional, introduzido em 1982, não pode deixar de ser considerado como um princípio de índole material ou substancial. O que nele se contém é algo mais do que uma regra ou conjunto de regras relativas a formas ou a competências. Com efeito, do princípio contido no n.º 5 do artigo 112.º da CRP decorre uma proibição (de reenvios normativos para regulamentos praeter legem) que, para além de incidir diretamente sobre o âmbito da conformação do legislador ordinário, limitando-o, reflete a intenção do regime aprovado em 1982: a de conferir uma outra, e mais intensa, tutela constitucional à reserva da função legislativa – enquanto delimitação daqueles domínios de vida que só podem ser regulados por atos legislativos com exclusão de quaisquer outras fontes normativas –, «reserva» essa que, em última análise, decorre do princípio mais vasto do Estado de direito (que, recorde-se, só veio a ser consagrado pelo texto da Constituição a partir de 1982).
«Por todos estes motivos, tem dito o Tribunal, em jurisprudência constante, que a proibição de habilitações legais para a emissão de regulamentos praeter legem afeta diretamente, não os regulamentos que tenham sido emitidos ao abrigo de «habilitações legais» indevidas, mas as próprias normas legais que os habilitaram, ainda que estas tenham sido aprovadas antes da revisão de 1982. Entende-se, com efeito, que, nesses casos, tais normas se tornam supervenientemente inconstitucionais, precisamente por ser de ordem material – e não orgânica ou formal – o novo regime constitucional que veio dar outra, e mais intensa, tutela ao princípio da reserva de função legislativa».
A fundamentação transcrita foi retomada nos acórdãos n.º 410/2011 e n.º 533/2011. No acórdão n.º 410/2011 destacou-se que o juízo de inconstitucionalidade não decorreu de o Tribunal «ter acolhido a ideia segundo a qual o ato legislativo do Governo enfermaria in totum de inconstitucionalidade orgânica por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, mas por ter dado razão ao argumento segundo o qual a remissão para portaria, constante do nº 4 do citado artigo 99.º – “a cominação das sanções será objeto de regulamentação específica, a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Educação e Ciência, ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo” – lesava o princípio constitucional da reserva de função legislativa».
A matéria objeto do juízo de inconstitucionalidade orgânica formulado pelo Tribunal Constitucional foi, assim, apenas, o «direito sancionatório incidente sobre o exercício de uma liberdade fundamental, com todas as consequências que daí advêm quanto à extensão e à densidade da reserva de lei na regulação de matérias que lhe digam respeito», matéria que não se confunde com o estatuto disciplinar dos docentes das escolas do EPC. Sendo certo que no acórdão n.º 410/2011 o Tribunal Constitucional acabou por considerar que o regime previsto para os diretores pedagógicos era um estatuto sancionatório similar ao das escolas[10].
Em síntese conclusiva, a ponderação específica do regime sancionatório aplicável às entidades proprietárias e diretores pedagógicos de escolas do EPC enquanto matéria autónoma e distinta da responsabilidade disciplinar dos docentes dessas escolas conformou a intervenção legislativa parlamentar de 2012 e foi preservada intocada no novo EPPC de 2013.
§ II.2.4 A diretiva legal no sentido de que os alunos que frequentem os ensinos básico e secundário das escolas do EPC «estão sujeitos ao regime de avaliação externa estabelecido para os alunos das escolas públicas» (artigo 63.º do EEPC de 2013) é nuclear para o enquadramento da matéria objeto do parecer.
As escolas do EPC e os respetivos agentes participam no procedimento relativo à avaliação externa devendo operar e cumprir as mesmas regras a que estão sujeitas as escolas do sistema público de ensino do mesmo nível.
Limitando-se o poder disciplinar de entidades estaduais sobre docentes do EPC à «matéria relativa à avaliação externa dos alunos» restringiu-se a intervenção estadual direta sobre a atividade profissional desses agentes a um domínio residual da sua função (atenta a amplitude do espectro funcional dos docentes e dos deveres e responsabilidades conexos).
Dimensão residual revelada nos «princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, da avaliação dos conhecimentos a adquirir e das capacidades a desenvolver pelos alunos e do processo de desenvolvimento do currículo dos ensinos básico e secundário» estabelecidos pelo Decreto-lei n.º 139/2012, de 5 de julho[11].
O sistema legal consagra um regime único sobre as «ofertas curriculares dos ensinos básico e secundário» aplicável tanto no subsistema público como no particular e cooperativo.
A avaliação encontra-se regulada no capítulo III do Decreto-Lei n.º 139/2012, o qual se divide em três secções intituladas Princípios gerais, Ensino básico e Ensino secundário.
O Decreto-Lei n.º 139/2012 estabelece em termos gerais, no artigo 24.º, uma divisão tripartida entre:
(a) Avaliação diagnóstica, que se realiza «no início de cada ano de escolaridade ou sempre que seja considerado oportuno, devendo fundamentar estratégias de diferenciação pedagógica, de superação de eventuais dificuldades dos alunos, de facilitação da sua integração escolar e de apoio à orientação escolar e vocacional».
(b) Avaliação formativa que «assume caráter contínuo e sistemático, em que se recorre a uma variedade de instrumentos de recolha de informação adequados à diversidade da aprendizagem e às circunstâncias em que ocorrem, permitindo ao professor, ao aluno, ao encarregado de educação e a outras pessoas ou entidades legalmente autorizadas obter informação sobre o desenvolvimento da aprendizagem, com vista ao ajustamento de processos e estratégias»;
(c) Avaliação sumativa que se traduz «na formulação de um juízo global sobre a aprendizagem realizada pelos alunos, tendo como objetivos a classificação e certificação», a qual se divide em:
(c.i) Avaliação sumativa interna «da responsabilidade dos professores e dos órgãos de gestão e administração dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas»; e
(c.ii) Avaliação sumativa externa, «da responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito».
Centrando-nos no universo relevante para o presente parecer, a participação dos docentes do EPC na atividade de avaliação sumativa externa (a única abrangida pelo poder disciplinar da IGEC sobre os docentes do EPC) no plano institucional é uma função que constitui, em primeira linha, uma «responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito».
Esta breve síntese revela dois aspetos nucleares, por um lado, existe um amplo campo de avaliação dos alunos em que os docentes do EPC integram o núcleo dos protagonistas sem estarem sujeitos à tutela disciplinar do Estado, apesar da avaliação sumativa interna ser determinante tanto para a certificação dos alunos como, ainda, para classificação, a qual, no ensino secundário é fundamental no concurso de acesso ao ensino superior público[12].
O problema da efetividade do controlo estadual sobre a avaliação sumativa interna realizada pelos estabelecimentos do EPC escapa ao objeto do presente parecer, pois trata-se de matéria integrada na autonomia pedagógica desses estabelecimentos[13], sendo o escrutínio estadual realizado (no atual sistema legal), apenas, através da fiscalização e sanção das entidades proprietárias das escolas e respetivas direções pedagógicas[14].
A dimensão residual do poder disciplinar estadual sobre os docentes do EPC reporta-se, assim, a um procedimento complexo de avaliação sumativa externa que constitui uma função «da responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito». A avaliação externa no ensino básico «compreende a realização de provas finais nos 4.º, 6.º e 9.º anos de escolaridade»[15], no ensino secundário é «concretizada através da realização de provas e de exames finais nacionais» (artigos 24.º, n.º 4, alínea b), 26.º, n.º 1, alínea b) e 29.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139/2012).
O interesse público da referida função de avaliação externa resulta evidente tanto na componente de certificação como de classificação.
Relativamente à componente orgânica (serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito), emerge a importância da Direcção-Geral da Educação, que é o serviço central de execução das políticas relativas às componentes pedagógica e didática da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário e da educação extra -escolar e de apoio técnico à sua formulação, incindindo, sobretudo, nas áreas do desenvolvimento curricular, dos instrumentos de ensino e avaliação e dos apoios e complementos educativos. Direcção-Geral da Educação (DGE).
A DGE atualmente tem uma estrutura interna mista e integra o Júri Nacional de Exames (JNE), sem prejuízo da autonomia técnica desta entidade[16].
A Direção de Serviços do Júri Nacional de Exames constitui, por seu turno, uma «unidade orgânica nuclear da DGE» com competência central em matéria de avaliação externa de alunos dos ensinos básico e secundário, o que compreende designadamente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 258/2012, de 28 de agosto:
«a) Coordenar e planificar a realização das provas finais, dos exames finais nacionais, dos exames a nível de escola equivalentes aos nacionais e das provas de exame de equivalência à frequência dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e provas de equivalência à frequência do ensino secundário e organizar a respetiva logística;
«b) Estabelecer as normas técnicas para correção e classificação das provas finais, dos exames nacionais, dos exames a nível de escola equivalentes aos nacionais e das provas de exame de equivalência à frequência dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, bem como as referentes à reapreciação e reclamação das mesmas provas;
«c) Promover os mecanismos de apoio à prestação de provas finais de ciclo e de exames finais nacionais por parte dos alunos com necessidades educativas especiais;
«d) Definir os procedimentos relativos à realização das provas finais de ciclo, dos exames finais nacionais e à respetiva classificação;
«e) Elaborar as orientações adequadas por forma a garantir a qualidade do processo de avaliação externa da aprendizagem;
«f) Determinar a afixação das pautas nas escolas;
«g) Disponibilizar os dados estatísticos e respetiva análise referentes à avaliação externa da aprendizagem;
«h) Propor os normativos legais de suporte à realização das provas de avaliação externa;
«i) Emitir parecer sobre as questões relativas ao processo de avaliação externa;
«j) Validar as condições de acesso dos alunos à realização de provas finais de ciclo e de exames finais nacionais e consequente certificação dos seus currículos;
«k) Decidir sobre situações imprevistas ocorridas em qualquer das chamadas ou fases dos exames;
«l) Elaborar um relatório no final de cada ano escolar de apreciação do processo de inscrição, realização, classificação, reapreciação e reclamação de exames, bem como do respetivo sistema de informação;
«m) Desenvolver durante o processo de realização de provas de avaliação externa os procedimentos adequados para garantir a segurança, a confidencialidade e a equidade nas provas, quando necessário em articulação com o Gabinete de Avaliação Educacional;
«n) Colaborar com o Gabinete de Avaliação Educacional na definição de critérios relativos à formação de professores no domínio da avaliação das aprendizagens;
«o) Assegurar a colaboração com o Gabinete de Avaliação Educacional no processo da avaliação das aprendizagens, garantindo a coerência entre currículo e avaliação.»
A concretização do exercício das competências do JNE em matéria de avaliação externa revela-se no desenvolvimento estabelecido pelo Regulamento do JNE e no Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário aprovados em despachos normativos.
Para ilustrar as dinâmicas e interações da law in action neste domínio podem referir-se os dois últimos regulamentos aprovados pelo Despacho Normativo n.º 6-A/2015, de 5 de março.
No plano orgânico, o JNE é composto pela Comissão Permanente, pelos coordenadores das delegações regionais e pelos responsáveis dos agrupamentos de exames (artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento do JNE de 2015).
Tendo presente o objeto do parecer, o ponto número 2 do despacho normativo n.º 6-A/2015 é inequívoco no sentido de que o Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário aprovado por esse ato normativo «é aplicável aos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas do ensino público, aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, bem como às escolas portuguesas no estrangeiro ou com currículo português no estrangeiro».
Por seu turno, a organização do serviço de classificação das provas de avaliação externa compete aos coordenadores das delegações regionais do JNE em articulação com os serviços regionais da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), o que envolve, nomeadamente, «o agrupamento dos estabelecimentos de ensino público — agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas — bem como dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, tendo em vista a sua integração nos agrupamentos de exames» (artigo 6.º, n.º 1, b), do Regulamento do JNE de 2015).
A participação de docentes do EPC no procedimento opera-se em termos similares ao envolvimento de docentes do ensino público, desde logo na distribuição do serviço de classificação das provas e exames nacionais, competindo às estruturas regionais do JNE «constituir, em cada agrupamento de exames, bolsas de professores classificadores para cada disciplina do ensino básico com prova final de ciclo, integradas por docentes profissionalizados que lecionam ou tenham lecionado a disciplina sobre a qual incide a prova, pertencentes a escolas do ensino público ou particular e cooperativo, a designar pelo respetivo diretor» (artigo 6.º, n.º 4, a), do Regulamento do JNE de 2015). Por outro lado, os docentes do EPC também podem integrar «as bolsas de professores classificadores de provas finais de ciclo do ensino básico, sob proposta do coordenador de cada delegação regional do JNE» e ser nomeados pelo Presidente do JNE «professores classificadores para cada disciplina com exame final nacional do ensino secundário, de entre os docentes que integram a bolsa de professores classificadores», a qual é constituída pelo Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE).
A ideia de deveres similares para todos os docentes participantes na avaliação externa, independentemente de estarem integrados no ensino público ou no EPC, integra a matriz nuclear dos dois regulamentos.
Em sintonia, no artigo 6.º, n.º 6, do Regulamento do JNE de 2015 prescreve-se que «as funções desempenhadas pelos professores que integram as bolsas de classificadores, quer dos estabelecimentos do ensino público quer dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo, enquanto intervenientes no processo de avaliação externa de âmbito nacional, têm especial relevância para o interesse público, estando sujeitos a um conjunto de direitos e deveres consignados no Regulamento das Provas e Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário».
Por outro lado, a intervenção de docentes do EPC no processo ocorre, ainda, no quadro da distribuição de serviço interno da escola, já que estas, enquanto tal, também participam no procedimento num contexto similar ao das escolas do ensino público. Estabelece quanto a este ponto o artigo 1.º, n.º 2, do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário: «As provas e os exames que constituem o processo de avaliação externa realizam-se nos estabelecimentos de ensino público — agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas — e nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, uns e outros doravante também designados por escolas, em que os alunos estão inscritos.»
Todos os docentes do ensino público e do EPC que participam no processo de avaliação externa «ficam prioritariamente afetos à execução dos trabalhos inerentes ao processo de provas e exames, sendo dispensados de outros serviços nas escolas, com exceção das atividades letivas e de avaliação escolar» (artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento do JNE de 2015). Relação com as funções precípuas dos docentes que marca diversos passos da regulação das provas e exames, prescrevendo-se, nomeadamente, que o «serviço de exames, que engloba as provas finais de ciclo do ensino básico, os exames finais nacionais e as provas de equivalência à frequência, é de aceitação obrigatória, abrangendo os professores vigilantes e coadjuvantes, os gestores dos programas informáticos de apoio à avaliação externa, os elementos dos secretariados de exames, os técnicos de apoio à realização das provas e os professores classificadores, relatores e especialistas» (artigo 32.º, n.º 1, do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário de 2015)
As ideias relevantes para a matéria do presente parecer sobre a similitude da posição dos professores do EPC e do ensino público no procedimento de avaliação externa são comuns às várias intervenções e categorias de provas (sem embargo de existirem variantes nas diferentes tipologias de provas reguladas).
Os docentes do EPC participam, enquanto tal, numa pluralidade de funções relativas à realização e classificação das provas em termos idênticos aos docentes do ensino público que desempenham as mesmas tarefas, ficando, nomeadamente, «obrigados ao dever de sigilo em relação a toda a informação de natureza confidencial de que tenham conhecimento no exercício das suas funções, bem como ao dever de cumprimento de todas as orientações e instruções emanadas pelo Presidente do JNE» (artigo 2.º, n.º 3, do Regulamento do JNE de 2015).
Campo dos deveres unitários que se amplia ao universo de tarefas desempenhadas no âmbito da escola, nomeadamente, durante a realização das provas, existindo para a respetiva fiscalização uma intervenção igualmente unitária da IGEC. Por esse motivo, independentemente do subsistema de ensino em que se integra a escola onde se realiza o exame, «os inspetores da IGEC e das Inspeções Regionais de Educação das Regiões Autónomas têm acesso às salas de realização das provas e exames» (artigo 32.º, n.º 2, do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário de 2015).
Decorrência natural do sistema unitário é um regime deôntico de raiz funcional para os vários docentes participantes, designadamente os professores classificadores, cujos deveres são elencados no artigo 32.º, n.º 5, do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário de 2015:
«a) Manter a segurança das provas e o total sigilo em relação a todo o processo de classificação das provas e exames;
«b) Ser rigoroso e objetivo na apreciação das respostas dadas pelos alunos, respeitando, obrigatoriamente, as orientações contidas nos critérios de classificação, da responsabilidade do IAVE, no que diz respeito às provas de âmbito nacional, e da responsabilidade das escolas, no caso das provas elaboradas a nível de escola;
«c) Cumprir os procedimentos estabelecidos pelo JNE para o processo de classificação das provas e exames;
«d) Comunicar ao responsável do agrupamento de exames eventuais irregularidades ou suspeitas de fraude que surjam no decurso do processo de classificação das provas, apresentando relatório devidamente fundamentado;
«e) Comunicar ao responsável de agrupamento de exames os casos de provas finais e exames a nível de escola que não se encontrem adequados aos programas e metas curriculares.»
Unidade deôntica que vale para todas as funções desempenhadas por docentes do ensino público e do EPC no procedimento de avaliação externa dos alunos do ensino não superior, incluindo professores vigilantes[17], professores coadjuvantes e professores membros dos secretariados de exames[18].
Entre docentes do ensino público e do EPC, ao nível do sistema geral, contudo, existe uma diversidade de sistemas de poder disciplinar, pois se os primeiros estão sujeitos ao poder disciplinar do Estado desde a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades[19], por força do artigo 176.º, n.º 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) de 2014[20], relativamente à generalidade dos docentes do EPC com funções no procedimento de avaliação externa de alunos do ensino não superior não existe um vínculo de emprego público e, consequentemente, não se lhes aplica diretamente a LTFP.
Ausência de vínculo de emprego público que, contudo, não é por si só impeditiva do estabelecimento por via legislativa de poderes sancionatórios do Estado relativamente aos referidos agentes na medida em que a participação de docentes de escolas do EPC na atividade de avaliação externa de alunos se configura como um caso particular de exercício de funções públicas por particulares.
Num direito administrativo, desde o final do século passado, essencialmente marcado pela ideia de transformação, o exercício de funções públicas por particulares, como destaca Pedro Gonçalves, envolve no essencial três diferentes vertentes ou manifestações:
«i) A cooperação mais ou menos sistemática e a conjugação ordenada dos papéis de atores públicos e privados no desenvolvimento das tradicionais finalidades do Estado Social e de Serviço Público;
«ii) Sob o mote de uma “modernização administrativa”, um complexo processo de “empresarialização” que, por vezes, passa pela “privatização das formas organizativas da Administração Pública”;
«iii) A promoção de mecanismos de envolvimento e de participação de particulares “interessados” na gestão de um largo leque de incumbências públicas.»[21]
O EEPC de 2013 expressa um conjunto de opções programáticas que confluíram numa pluralidade de manifestações de exercícios de funções públicas por particulares, e, embora se tenha verificado uma deflação dos poderes sancionatórios diretos do Estado sobre os docentes do EPC, o legislador entendeu que, apesar da ausência de um vínculo de emprego público, quanto à matéria de avaliação externa dos alunos do ensino não superior esses agentes deveriam ser sujeitos ao poder disciplinar direto do Estado, exercido através da IGEC. Solução programática assumida no preâmbulo e concretizada no artigo 51.º, n.º 2 do EEPC de 2013[22].
A regra especial estabelecida no artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 quanto ao poder disciplinar da IGEC sobre docentes de escolas do EPC tem uma ratio indissociável da especificidade da participação dos docentes do EPC no sistema de avaliação externa dos alunos do ensino não superior enquanto agentes que operam com um conteúdo deôntico similar ao dos docentes do ensino público e num procedimento idêntico e unitário pelo qual são responsáveis, em primeira linha, serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência. A avaliação externa de alunos foi, assim, ponderada pelo legislador como um campo em que a deflação de poderes disciplinares estaduais sobre docentes do EPC devia ser contida por força da especificidade dessa função pública associada ao exercício de poderes públicos[23].
A avaliação externa constitui, nesta medida, um reduto insuscetível de transferência para os privados dos poderes de controlo da atividade dos docentes do EPC, domínio especial em que se resistiu à privatização integral dos poderes disciplinares sobre esses profissionais[24]. A ressalva de um campo residual de controlo direto pode ser associada à circunstância de as funções públicas exercidas pelos docentes do EPC nas respetivas escolas, por via da autonomia pedagógica das escolas, compreenderem uma dinâmica em que, para usar a fórmula de Pedro Gonçalves, existem permanentes «contactos e continuidades entre tarefas privadas e tarefas públicas»[25], enquanto no que concerne à avaliação externa existe uma função pública em que os docentes, do ensino público e do EPC, atuam vinculados a um único quadro deôntico diretamente estabelecido pelas entidades do Ministério da Educação e Ciência responsáveis pelo procedimento.
§ II.3 A competência para as várias etapas do procedimento relativo a eventuais infrações disciplinares praticadas por docentes do ensino particular e cooperativo não superior «no âmbito da avaliação externa dos alunos»
§ II.3.1. A primeira dúvida colocada pela entidade consulente reporta-se à competência para as várias etapas do procedimento disciplinar previsto no artigo 51.º, número 2, do EEPC: A atribuição do poder disciplinar à IGEC pelo artigo 51.º, n.º 2, do EEPC abrange todas as etapas do procedimento disciplinar ou, em linha com o que se verifica em matéria de entidades proprietárias e diretores pedagógicos de escolas do EPC, a IGEC tem apenas um poder de instruir procedimentos disciplinares?[26]
No plano sistemático o poder disciplinar atribuído à IGEC relativamente aos docentes do EPC tem a sua sede no artigo 51.º, n.º 2, do EEPC que integra a secção V (Responsabilidade disciplinar) do capítulo III (Docentes) do título II (Estabelecimentos)[27].
Em contraponto, a regulação das entidades titulares e direções pedagógicas das escolas do EPC consta de um capítulo distinto, o capítulo II (Entidade titular)[28], que se apresenta dividido em dois sub-blocos, a secção I (Direitos e deveres da entidade titular) e a secção II (Direção pedagógica).
Relativamente aos deveres das entidades titulares das escolas do EPC, o artigo 38.º, n.º 3, do EEPC de 2013 prescreve que «o incumprimento do disposto no presente artigo é punível nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do decreto-lei que aprova o presente Estatuto».
Por seu turno, a problemática relativa ao regime sancionatório encontra-se qualificada como uma terceira secção autónoma (Das sanções) do referido capítulo II (Entidade titular) do EEPC de 2013[29]. Como já se destacou, a autonomia pedagógica das escolas do EPC foi complementada por um esquema de fiscalização estadual, com um regime sancionatório especial, das entidades titulares e direções pedagógicas responsáveis pelo seu funcionamento[30]. Em contraponto, quanto aos docentes existiu uma deflação dos poderes disciplinares de entidades estaduais sobre a respetiva atividade funcional no âmbito das escolas do EPC, subsistindo, apenas um poder disciplinar da IGEC relativamente a um campo residual da avaliação externa enquanto função pública associada ao exercício de poderes públicos, sob tutela direta de serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência.
Existe, assim, uma plena autonomia entre os dois sistemas sancionatórios, incluindo a respetiva lógica procedimental[31].
Relativamente à atribuição do poder disciplinar à IGEC pelo número 2 do artigo 51.º do EEPC, a norma não padece de qualquer incompletude, além de a qualificação do sistema punitivo (disciplinar) dos docentes não ser confundível com o «regime sancionatório» das entidades titulares das escolas do EPC[32].
Por outro lado, no que concerne aos docentes do ensino público, sem embargo de o poder disciplinar competir, em primeira linha, às escolas ou às estruturas regionais, a instauração de processo disciplinar em consequência de ações inspetivas da IGEC é da competência do inspetor-geral da Educação, com possibilidade de delegação nos termos gerais, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 3, do Estatuto da Carreira Docente (ECD)[33]. Acresce que a relevância e a dimensão nacional do procedimento de avaliação de externa determina que se atribua aos inspetores da IGEC e das Inspeções Regionais de Educação das Regiões Autónomas poder de acesso às salas de realização das provas e exames (no artigo 32.º, n.º 2 do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário de 2015).
Em resumo, a especificidade da matéria disciplinar relativa à participação dos docentes do EPC no procedimento de avaliação externa dos alunos dos ensinos básico e secundário e a completude da norma do artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 que atribui poder disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência implicam que se conclua que esse poder abrange todas as etapas do procedimento disciplinar.
§ II.4 As fontes legais do estatuto disciplinar aplicável aos docentes do ensino particular e cooperativo não superior por infrações praticadas «no âmbito da avaliação externa dos alunos»
§ II.4.1. A segunda e última dúvida suscitada pela entidade consulente reporta-se à sede do regime legal disciplinar sancionatório aplicável os docentes do EPC pela atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos», cuja competência foi atribuída à IGEC.
Em termos hermenêuticos impõe-se colocar a questão nos seguintes termos sucessivos:
(1.º) Aferir se existe um regime estabelecido de forma direta e completa no EEPC de 2013;
(2.º) Na negativa, avaliar se existe um regime aplicável por remissão ou enquanto direito subsidiário;
(3.º) Se se concluir que não existe nenhum regime (direta ou indiretamente aplicável), e apenas nessa hipótese, se pode concluir pela eventual existência de uma lacuna e ponderar a suscetibilidade de integração da mesma.
No EEPC de 1980, como já se destacou, o âmbito do poder disciplinar do Estado sobre os docentes do EEPC, encontrava-se previsto no artigo 74.º, n.º 1, «os docentes das escolas particulares respondem disciplinarmente perante a entidade proprietária da escola e o Ministério da Educação e Ciência pela violação dos seus deveres profissionais de natureza ou implicação pedagógica»[34].
O referido preceito era o artigo único da secção VII (Da responsabilidade disciplinar) do capítulo IV (Dos docentes) do título II (Dos estabelecimentos) do EEPC de 1980. No número 2 do referido artigo 74.º, por seu turno, previa-se o regime disciplinar substantivo em matéria de penas aplicáveis pelo Ministro da Educação e Ciência:
«As sanções a aplicar pelo Ministro da Educação e Ciência, de acordo com a gravidade da infração, são as seguintes:
«a) Advertência;
«b) Multa de 1 a 30 dias;
«c) Proibição de exercício e suspensão de vencimentos de 1 a 3 meses;
«d) Proibição de lecionar em estabelecimentos de determinada região;
«e) Proibição no exercício do ensino por período de 3 meses a 3 anos;
«f) Proibição definitiva do exercício do ensino.»
Decorria do artigo 74.º do EEPC de 1980 que os docentes das escolas do EPC estavam sujeitos a dois estatutos disciplinares substantivos:
(1) Na parte em que respondiam «disciplinarmente perante a entidade proprietária da escola» operava a remissão genérica do disposto no artigo 45.º, n.º 1, do EEPC de 1980 (para os direitos e deveres «fixados na legislação do trabalho aplicável»), aplicando-se as penas previstas na legislação geral do trabalho;
(2) Na parte em que respondiam «disciplinarmente perante» o «Ministério da Educação e Ciência» decorria do disposto no artigo 74.º, n.º 2, do EEPC de 1980 um sistema de sanções previsto em norma legal especial.
O artigo 74.º do EEPC de 1980 encontra-se revogado por força do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 152/2013 e o regime previsto no artigo 74.º do EEPC de 1980 foi substituído pelo disposto no artigo 51.º do EEPC de 2013.
O EEPC de 2013 é conformado por um quadro programático em que a eliminação do estatuto disciplinar especial previsto no número 2 do artigo 74.º do EEPC de 1980 se apresenta como um corolário do reforço da autonomia e dimensão privada desse subsistema. Existiu um processo assumido de rompimento com o passado pretendendo-se, no mesmo passo, reforçar a autonomia e a natureza privada das escolas do EPC, conforme foi expressamente assumido no preâmbulo do diploma que aprovou o EEPC de 2013:
«O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, vigente há mais de 30 anos e objeto de sucessivas alterações, carece de uma atualização que regulamente e discipline a realidade atual do universo do ensino privado, historicamente denominado «Ensino Particular e Cooperativo».
«O referido Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, assentou num modelo de estrutura pedagógica muito dependente do sistema público de ensino. Corolário dessa realidade foi a consagração da figura do paralelismo pedagógico para os estabelecimentos que, por razões conjunturais, não dispunham de meios para organizarem o seu expediente interno e os seus serviços administrativos, designadamente em matéria de validação e certificação da avaliação final dos seus alunos, e que lhes impunha a necessidade de se socorrerem das escolas públicas com vista a esse fim.
«Neste contexto, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado em anexo ao presente decreto-lei (Estatuto) pretende consagrar um modelo que, nessa matéria, rompe com o passado e abre caminho a uma nova realidade de uma autonomia semelhante à das escolas públicas com contrato de autonomia, que se pretende que seja progressivamente alargada à generalidade das escolas, cabendo ao Ministério da Educação e Ciência um papel cada vez mais focado na regulação e fiscalização do sistema educativo»
Programa que contextualiza a eliminação de um estatuto disciplinar especial (anteriormente previsto no n.º 2 do artigo 74.º do EEPC de 1980) em fase do reforço das vertentes relativas à autonomia do EPC. No EEPC de 2013, a única norma disciplinar específica e com uma regra própria diretamente aplicável aos docentes do EPC pela atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos» é o artigo 51.º, n.º 2, que atribui o poder disciplinar à IGEC. Daí a dúvida suscitada sobre o regime disciplinar aplicável, pois o EEPC não contém quaisquer outras normas com previsões e estatuições específicas sobre a referida matéria.
§ II.4.2.1 A ausência de uma regulação no EEPC de 2013 sobre o regime disciplinar aplicável aos docentes do EPC quanto à respetiva atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos» não implica, imediata e necessariamente, uma lacuna, pois a falta de regulação exaustiva no EEPC pode ser suprida por uma remissão direta para um regime legal aplicável mutatis mutandis ao domínio em causa.
Relativamente ao «regime sancionatório» estadual aplicável a escolas do EPC e diretores pedagógicos das escolas do EPC o artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 152/2013 prescreve que «até à aprovação de um novo regime sancionatório» se continua a aplicar àquelas entidades e agentes o que se encontra previsto nos artigos 99.º a 99.º-M do EEPC de 1980 (na redação dada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto), considerando-se feitas para as normas do EEPC de 2013 «que tratem da mesma matéria as remissões para diplomas revogados».
Uma das hipóteses de solução do problema em análise quanto ao estatuto disciplinar substantivo dos docentes dos EPPC relativo à atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos» foi apontada na informação da IGEC no sentido da eventual aplicabilidade do «Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, atendendo ao que dispõe o art.º 99.º-K» do EEPC de 1980 (com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto)[35].
Isto é, coloca-se a hipótese o direito disciplinar substantivo dos docentes do EPC pela atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos» ser regulada (por via de uma dupla remissão) pelo regime para que remete subsidiariamente o artigo 99.º-K do EEPC de 1980: «O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de setembro, deve aplicar-se, subsidiariamente e com as devidas adaptações, às situações não previstas expressamente na presente lei». Sendo certo que, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LTFP de 2014, «o regime disciplinar previsto na LTFP é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da entrada em vigor da presente lei, quando se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa».
Rejeita-se essa via interpretativa pois entendemos que o artigo 99.º-K do EEPC de 1980 não pode ser diretamente aplicável aos docentes do EPC por via da remissão estabelecida no artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 152/2013 na medida em que se reporta a um bloco normativo cujas previsões não se aplicam aos docentes do EPC. Com efeito, como já se destacou, no plano sistemático e teleológico a responsabilidade disciplinar dos docentes do EPC no contexto do EEPC de 1980 não se encontrava regulada nos artigos 99.º a 99.º-M, mas num conjunto de outras normas revogadas, sem qualquer ressalva, pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 152/2013.
Reiterando o que já foi afirmado sobre a questão precedente[36], a aplicação do bloco normativo constituído pelos artigos 99.º a 99.º-M do EEPC de 1980 tem de atender à opção desse estatuto, revelada pelo elemento sistemático-teleológico da interpretação, mantida no EEPC de 2013, no sentido da autonomização dos regimes sobre a responsabilidade disciplinar dos docentes dos estabelecimentos (secção VII do capítulo IV do título II do EEPC de 1980) relativamente à fiscalização e sanções das entidades titulares e diretores pedagógicos do EPC (secção III do capítulo I do título III do EEPC de 1980). Acresce que, no plano teleológico, o estatuto de 2013 aprofundou a cisão de regimes, na medida em que a fiscalização e controlo públicos têm como referente as instituições autónomas do EPC e as respetivas direções pedagógicas, apresentando-se o poder disciplinar do Estado sobre os docentes com uma dimensão residual reportada apenas à sua intervenção pontual no processo complexo de avaliação externa dos alunos.
§ II.4.2.2 Em matéria de estatuto disciplinar dos docentes do EPC existe uma remissão direta estabelecida no número 1 do artigo 51.º do EEPC de 2013 para o regime do Código do Trabalho, «compete à entidade proprietária do estabelecimento de ensino o exercício do poder disciplinar sobre os docentes, nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável». Solução normativa que se apresenta em sintonia com a norma mais geral estabelecida no artigo 42.º, n.º 1, do EEPC 2013, segundo a qual os docentes do EPC «têm os direitos e estão sujeitos aos deveres fixados na legislação do trabalho aplicável».
Neste quadro poderia suscitar-se a dúvida de saber se a referida norma se apresenta incompatível com a matéria específica da responsabilidade disciplinar dos docentes quanto à atividade desenvolvida «no âmbito da avaliação externa dos alunos».
Parece-nos que a análise particular da regra especial que atribui poder disciplinar à IGEC, o artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 revela que a referida dúvida é insustentável. A eliminação de um estatuto disciplinar especial quanto ao domínio particular em que os docentes do EEPC estão sujeitos ao poder disciplinar da IGEC compreende-se numa leitura histórico-teleológica do regime que reduziu consideravelmente o campo em que existe um poder disciplinar estadual[37].
Acresce que a solução adotada, de sujeição ao estatuto disciplinar estabelecido pela ligação ao cargo de origem é a solução normativa adotada noutros casos de transferência do poder disciplinar para entidades públicas relativamente a trabalhadores com vínculo laboral de direito privado.
Em termos de lugar paralelo (embora conceptualmente distinto) no sistema jurídico importa analisar os artigos 241.º e 242.º da LTFP sobre as regras gerais de cedência de interesse público e o respetivo regime. Na cedência de interesse público o trabalhador com um vínculo jurídico-laboral privado é disponibilizado para prestar a sua atividade subordinada, com suspensão do respetivo vínculo inicial, subordinado a empregador público. Nesse quadro o trabalhador cedido fica sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador público, sendo remunerado pelo cessionário (artigo 242.º, n.ºs 1 e 2, da LTFP).
Relativamente ao domínio disciplinar, prescreve-se de forma especificada que «o exercício do poder disciplinar cabe à entidade cessionária, exceto quando esteja em causa a aplicação de sanção disciplinar extintiva» (artigo 242.º, n.º 6, da LTFP). Contudo, o «os comportamentos do trabalhador cedido que constituam infração disciplinar têm relevância no âmbito do vínculo de origem, para todos os efeitos legais» (artigo 242.º, n.º 7, da LTFP).
Sendo certo que o EEPC de 2013 foi aprovado numa altura em que ainda vigoravam os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas estabelecidos pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, importa analisar este diploma enquanto contexto normativo relevante em termos de lugares paralelos vigentes à data da aprovação do EEPC de 2013.
O artigo 58.º, n.º 4, da Lei n.º 12-A/2008 já determinava que o exercício do poder disciplinar compete à entidade cessionária, exceto quando esteja em causa a aplicação de penas disciplinares expulsivas, para, de seguida, o n.º 5 do mesmo preceito legal prescrever que «os comportamentos do trabalhador cedido têm relevância no âmbito da relação jurídica de emprego de origem, devendo o procedimento disciplinar que apure as infrações disciplinares respeitar o estatuto disciplinar de origem».
A superação de um estatuto disciplinar sancionatório especial público pela aplicação, em alternativa, do direito laboral privado numa perspetiva mais vasta também se apresenta em sintonia com um fenómeno mais global quanto aos recursos humanos ao serviço direto da Administração Pública, marcante do período decorrido entre a década de oitenta do século passado e a segunda década do atual milénio, caracterizado pela designada fuga para o direito privado[38].
Fenómeno que, como sistematiza Cláudia Viana, se revela em diferentes manifestações ao nível dos recursos humanos que conformam três sentidos autónomos de privatização:
(1) «Num primeiro sentido, fala-se em privatização como sendo a possibilidade de uma “desfuncionarização” de parte do pessoal afeto à Administração Pública, mediante o recurso à contratualização da relação de emprego»;
(2) «Num segundo sentido, a privatização do regime jurídico do pessoal da Administração Pública implica a subsunção do chamado estatuto da função pública ao direito laboral»;
(3) «Por último, pode ainda falar-se em privatização do regime jurídico aplicável ao pessoal da Administração Pública enquanto movimento de aproximação quer formal quer substancial, ao direito laboral, designadamente através da transposição de conceitos e institutos próprios deste último»[39].
Nas últimas três décadas verificaram-se evoluções sensíveis, desde logo ao nível filosófico-conceptual sobre a interação entre o indivíduo agente de funções públicas e o Estado, as quais, sem embargo da especificidade funcional e institucional da função pública (aliás conformada por alguns imperativos jurídico-constitucionais próprios), resultaram em alterações significativas de regimes jurídicos, ressaltando, a admissão pela Administração Pública de pessoal ao abrigo do direito do trabalho e a transposição para o regime jurídico dos trabalhadores em funções públicas de conceitos e institutos próprios do direito laboral.
Por outro lado, no contexto da LTFP de 2014, o Código do Trabalho constitui o regime subsidiário aplicável no domínio do trabalho em funções públicas — por força do disposto no artigo 4.º da LTFP que prescreve que é «aplicável ao vínculo de emprego público, sem prejuízo do disposto na presente lei e com as necessárias adaptações, o disposto no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar com as exceções legalmente previstas».
Verifica-se, assim, que em 2013 o quadro de fundo se tinha alterado substancialmente quanto a coordenadas matriciais por contraponto ao contexto normativo em que surgiu o EEPC de 1980. Em 1980 poderia afigurar-se uma peculiaridade entidades estaduais aplicarem um estatuto disciplinar de direito laboral privado a agentes que exerciam uma função pública tutelada disciplinarmente pelo Estado[40]. Em 2013, a anomalia sistémica poderia revelar-se, ao invés, na aplicação de um estatuto disciplinar de direito público a trabalhadores com vínculo laboral privado (relativo a uma entidade empregadora privada), quanto a um poder disciplinar exclusivamente reportado a uma específica função pública com natureza esporádica[41].
§ II.4.2.3 Contextualizada a possibilidade normativa do EEPC de 2013 substituir um estatuto disciplinar público pela aplicação do estatuto disciplinar laboral de origem, devemos retornar à específica dimensão hermenêutica da articulação das normas do número 1 com o número 2 do artigo 51.º do EEPC de 2013, tendo presente que a segunda se apresenta como norma especial relativamente àquela[42].
O conceito de especialidade reporta-se a uma relação entre normas. Seguindo os critérios doutrinários clássicos, quando se sobrepõem duas previsões sendo uma geral e outra especial deve aplicar-se a regra especial, sendo a regra geral apenas aplicável naquilo que não for regulado na especial e que se compatibilize com esta.
À luz dessa matriz metodológica, sustentada em parâmetros abstratos, a regra geral estabelecida no número 1 do artigo 51.º do EEPC de 2013, aplica-se como estatuto disciplinar dos docentes do EPC desde que não exista cobertura por previsão de regra especial e a específica regra geral não se apresente incompatível com prescrições do regime especial. Aplicação da regra geral na falta de regra especial que deriva de modelos hermenêuticos há muito estabelecidos pela teoria geral do direito.
Como se destacou no parecer n.º 26/2012, de 13-9-2012[43], «as relações de especialidade entre normas não são confundíveis, no plano conceptual, com relações de especialidade entre leis, e muitas vezes o que alegadamente constitui uma relação de especialidade normativa, por referência a supostas relações de especialidade entre regimes, deriva de equívocos interpretativos sobre a previsão das normas».
A relação de especialidade é, apenas, aquela «que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que numa lei (a lex specialis) se contêm todos os elementos de outra (lex generalis)»[44]. Verificado esse pressuposto, e dependente do mesmo, pode formular-se uma inferência baseada no axioma de que lex specialis derogat legi generali.
Se a norma do artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 não compreende na sua previsão qualquer componente relativa ao estatuto disciplinar substantivo tal implica que, na falta de outra regra especial aplicável ao regime disciplinar conformador da atividade dos docentes do EPC na «avaliação externa» dos alunos dos ensinos básico e secundário, se aplique simplesmente a regra geral estabelecida no artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013. Isto é, o regime disciplinar substantivo é o que atualmente se encontra estabelecido no Código do Trabalho.
Sublinhe-se, por fim, que a qualificação da norma do artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 como regra especial se apresenta inconfundível com uma designação dessa norma como excecional que, na nossa perspetiva, deve ser rejeitada por conceptualmente infundada. Como se destacou no parecer deste Conselho Consultivo n.º 47/2010, de 13-10-2011[45], a qualificação como excecional de uma norma exige, à luz de cânones clássicos, que a mesma contrarie a valoração ínsita à regra e prossiga finalidades particulares, e se se aprofundar uma ponderação teórica exigente da categoria, a mesma reporta-se a regras que «vão contra um princípio fundamental do direito – contra rationem iuris»[46].
De qualquer modo, ainda que a norma do n.º 2 do artigo 51.º do EEPC de 2013 constituísse uma regra excecional, no plano da metodologia jurídica não existiria nenhum obstáculo abstrato à aplicação da regra geral em matéria de direito substantivo disciplinar consagrado no número 1 do mesmo preceito, constante do Código do Trabalho, naquilo em que essas regras gerais não colidam com o regime especial de atribuição do poder disciplinar à IGEC.
Plano em que o sistema jurídico confirma a ausência de qualquer incompatibilidade, com efeito, artigo 58.º, n.º 4, da Lei n.º 12-A/2008 vigente à data da aprovação do EEPC de 2013 revelava uma situação paralela, de aplicação por entidades públicas de estatutos disciplinares de direito privado.
Atentando-se no elemento histórico-teleológico o mesmo também aponta não só que foi essa a intenção legislativa assumida no EEPC de 2013 como a mesma foi acentuada na formulação legal, visando superar a sujeição a um estatuto disciplinar sancionatório dual que se verificava no estatuto revogado.
No EEPC de 1980, na parte em que os docentes das escolas do EPC respondiam «disciplinarmente perante a entidade proprietária da escola» aplicavam-se-lhes as penas previstas na legislação geral do trabalho, por via da remissão genérica do disposto no artigo 45.º, n.º 1, do EEPC de 1980 sobre o estatuto laboral desses trabalhadores para os direitos e deveres «fixados na legislação do trabalho aplicável». Então, existia uma norma especial que consagrava o estatuto disciplinar aplicável aos referidos docentes quando respondiam «disciplinarmente perante» o «Ministério da Educação e Ciência», nesse campo os docentes do EPC estavam sujeitos a um sistema de sanções previsto em norma própria do estatuto (artigo 74.º, n.º 2, do EEPC de 1980).
No EEPC de 2013 para acentuar a rotura com o estatuto disciplinar sancionatório dual precedente, sem embargo de a aplicação do Código do Trabalho já decorrer de estatuição mais geral estabelecida no artigo 42.º, n.º 1, do EEPC 2013 (equivalente ao artigo 45.º, n.º 1, do EEPC de 1980), segundo a qual os docentes do EPC «têm os direitos e estão sujeitos aos deveres fixados na legislação do trabalho aplicável», optou-se por reforçar a remissão em matéria de estatuto disciplinar dos docentes do EPC, por via da referência na norma específica sobre matéria disciplinar à «legislação disciplinar laboral aplicável».
Acresce que, além dos critérios hermenêuticos sobre as relações de especialidade entre normas imporem a aplicação da legislação laboral em matéria de vínculos de direito privado, a própria norma especial (o n.º 2 do artigo 51.º do EEPC de 2013) sublinha que a única especialidade aí estabelecida (a atribuição num domínio particular do poder disciplinar à IGEC) não contende com o que se consagra em matéria de estatuto de disciplinar no número 1 do artigo — «sem prejuízo do disposto no número anterior»[47].
Sem necessidade de desenvolvimentos sobre os pressupostos metodológicos da interpretação afirmada no parecer importa sublinhar um aspeto nuclear do enquadramento hermenêutico desta questão, o problema interpretativo não se reporta a uma lacuna de regime, mas, pelo contrário, à resolução de um concurso de normas no sentido de apurar se a estatuição da norma especial abrange o estatuto disciplinar sancionatório e, consequentemente, prevalece sobre a norma geral de aplicação do Código do Trabalho em matéria de procedimento disciplinar.
Pelo que, uma eventual tese no sentido de uma hipotética lacuna legal insuscetível de integração padeceria da falta de um pressuposto de base que a atingiria fatalmente, pois não existe nenhum vazio legal em matéria de estatuto disciplinar docentes do EPC atenta a remissão estabelecida no número 1 do artigo 51.º do EEPC de 2013[48].
III. Conclusões

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1. O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC de 2013) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 novembro «aponta», como um dos seus eixos programáticos, «para uma verdadeira liberdade de contratação de docentes, independência no tratamento das questões disciplinares e do correlativo poder disciplinar sobre esses mesmos docentes».
2. A preservação de um campo residual de poder disciplinar do Estado sobre os docentes do ensino particular e cooperativo», exercido através da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, restrito à «matéria relativa à avaliação externa dos alunos constitui uma exceção à referida matriz programática.
3. A intervenção dos docentes do ensino particular e cooperativo no procedimento de avaliação externa de alunos dos ensinos básico e secundário foi ponderada pelo legislador como um campo em que a deflação de poderes disciplinares estaduais sobre os referidos professores devia ser contida por força da especificidade dessa função pública associada ao exercício de poderes públicos.
4. O regime regra em matéria de responsabilidade disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo não superior encontra-se estabelecido no artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 com duas estatuições:
(a) O poder disciplinar compete à entidade proprietária do estabelecimento do ensino particular e cooperativo;
(b) O regime disciplinar é estabelecido por remissão para a legislação disciplinar laboral.
5. A norma do n.º 2 do artigo 51.º do EEPC de 2013 que atribui competência disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência encontra-se numa relação de especialidade com a norma geral do artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 na parte em que os coloca sob a alçada do poder disciplinar da entidade proprietária da escola do ensino particular e cooperativo.
6. A atribuição de poder disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência pelo artigo 51.º, n.º 2, do EEPC de 2013 abrange todas as etapas do procedimento disciplinar.
7. A regra geral estabelecida no artigo 51.º, n.º 1, do EEPC de 2013 no sentido de que o estatuto disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo é estabelecido por remissão para a «legislação disciplinar laboral aplicável» não é objeto de qualquer compressão por uma norma especial apenas aplicável aos casos em que o poder disciplinar é exercido pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência.
8. O regime disciplinar sancionatório aplicável pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência a infrações praticadas por docentes de escolas do ensino particular e cooperativo no âmbito de atividade relativa «à avaliação externa dos alunos» é o estatuto disciplinar de origem do docente estabelecido na legislação laboral aplicável aos trabalhadores sujeitos a vínculos de direito privado.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 11 DE SETEMBRO DE 2015.

Maria Joana Raposo Marques Vidal – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Relator) – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Luís Armando Bilro Verão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira (com voto de vencida em anexo.


Maria Manuela Flores Ferreira – Votei vencida pelas razões que constam essencialmente das partes III, IV, VI e VII do projeto de parecer que apresentei na Sessão de 9 de julho de 2015 e que se reproduzem no desenvolvimento que se segue.


I


O Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, revogando o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 6.º [49] (cfr. artigo 7.º).

De acordo com o n.º 4 do artigo 6.º, até à aprovação de um novo regime sancionatório mantêm-se em vigor as disposições dos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto.

E atentando no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 152/2013 pode, designadamente, ler-se:

«A Constituição de 1976 inscreveu no seu normativo as primeiras normas que viriam a dar suporte aos grandes pilares do, agora, chamado ensino particular e cooperativo, sendo que a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, aprovada pela Lei n.º 9/79, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, marca o início de todo esse processo. O ensino particular e cooperativo é uma componente essencial do sistema educativo português, constituindo um instrumento para a dinamização da inovação em educação.
Contudo, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, vigente há mais de 30 anos e objeto de sucessivas alterações, carece de uma atualização que regulamente e discipline a realidade atual do universo do ensino privado, historicamente denominado «Ensino Particular e Cooperativo».
O referido Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, assentou num modelo de estrutura pedagógica muito dependente do sistema público de ensino. Corolário dessa realidade foi a consagração da figura do paralelismo pedagógico para os estabelecimentos que, por razões conjunturais, não dispunham de meios para organizarem o seu expediente interno e os seus serviços administrativos, designadamente em matéria de validação e certificação da avaliação final dos seus alunos, e que lhes impunha a necessidade de se socorrerem das escolas públicas com vista a esse fim.
Neste contexto, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado em anexo ao presente decreto-lei (Estatuto) pretende consagrar um modelo que, nessa matéria, rompe com o passado e abre caminho a uma nova realidade de uma autonomia semelhante à das escolas públicas com contrato de autonomia, que se pretende que seja progressivamente alargada à generalidade das escolas, cabendo ao Ministério da Educação e Ciência um papel cada vez mais focado na regulação e fiscalização do sistema educativo».

Especificamente sobre a autonomia pedagógica refere-se:

«A autonomia pedagógica atribui a cada escola a liberdade de se organizar internamente de acordo com o seu projeto educativo. Neste sentido, aponta ainda o Estatuto para uma verdadeira liberdade de contratação de docentes, independência no tratamento das questões disciplinares e do correlativo poder disciplinar sobre esses mesmos docentes, excecionando a matéria relativa à avaliação externa dos alunos».

O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, doravante também Estatuto, apresenta a seguinte estrutura:

● Título I – Princípios gerais e ação do Estado

● Capítulo I – Princípios gerais (artigos 1.º a 4.º)

● Capítulo II – Ação do Estado (artigos 5.º a 24.º)
Secção I – Atribuições e competências do Estado (artigos 5.º e 6.º)
Secção II – Fiscalização (artigo 7.º)
Secção III – Contratos e apoio à família (artigos 8.º a 24.º)
Subsecção I – Contratos de apoio à família (artigos 12.º a 15.º)
Subsecção II – Contratos de associação (artigos 16.º a 18.º)
Subsecção III – Contratos de patrocínio (artigos 19.º a 21.º)
Subsecção IV – Contratos de cooperação (arti- gos 22.º a 24.º)

● Título II – Estabelecimentos

● Capítulo I – Criação e funcionamento dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo (artigos 25.º a 37.º)
Secção I – Requisitos para a criação (artigos 25.º a 27.º)
Secção II – Denominação e homologação (artigos 28.º e 29.º)
Secção III – Autorização de funcionamento (artigos 30.º a 34.º)
Secção IV – Transmissão (artigo 35.º)
Secção V – Autonomia (artigos 36.º e 37.º)

● Capítulo II – Entidade titular (artigos 38.º a 41.º)
Secção I – Direitos e deveres (artigos 38.º e 39.º)
Secção II – Direção pedagógica (artigos 40.º e 41.º)

● Capítulo III – Docentes (artigos 42.º a 51.º)
Secção I – Condições gerais (artigos 42.º a 47.º)
Secção II – Processo individual (artigo 48.º)
Secção III – Acumulação de funções (artigo 49.º)
Secção IV – Do trânsito entre o ensino particular e cooperativo e o ensino público (artigo 50.º)
Secção V – Responsabilidade disciplinar (artigo 51.º)

● Capítulo IV – Alunos (artigos 52.º a 66.º)
Secção I – Direitos e deveres (artigo 52.º)
Secção II – Matrículas (artigos 53.º a 55.º)
Secção III – Inscrição (artigo 56.º)
Secção IV – Propinas (artigo 57.º)
Secção V – Transferência (artigo 58.º)
Secção VI – Assiduidade (artigos 59.º a 61.º)
Secção VII – Avaliação (artigos 62.º e 63.º)
Secção VIII – Ação social e seguro escolar (artigo 64.º)
Secção IX – Ação disciplinar (artigo 65.º)
Secção X – Certificados e diplomas (artigo 66.º)

● Capítulo V – Pais e encarregados de educação (artigo 67.º)

● Capítulo VI – Vicissitudes da atividade (artigos 68.º a 72.º)

● Capítulo VII – Disposições finais (artigo 73.º)

E merece-nos particular atenção alguns preceitos do Estatuto, desde logo, no tocante à autonomia, o artigo 36.º que estabelece que, «[n]o âmbito do seu projeto educativo, as escolas do ensino particular e cooperativo gozam de autonomia pedagógica, administrativa e financeira».

No capítulo atinente aos docentes, o artigo 42.º estatui:
«Artigo 42.º

Direitos e deveres

1 – Os educadores e os docentes das escolas do ensino particular e cooperativo têm os direitos e estão sujeitos aos deveres fixados na legislação do trabalho aplicável.
2 – As convenções coletivas e os contratos individuais de trabalho dos educadores e docentes das escolas do ensino particular e cooperativo devem ter em conta a especial relevância para o interesse público da função que desempenham.»

E, por sua vez, quanto à responsabilidade disciplinar, o artigo 51.º dispõe:
«Artigo 51.º

Remissão
1 – Compete à entidade proprietária do estabelecimento de ensino o exercício do poder disciplinar sobre os docentes, nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, compete à IGEC o exercício do poder disciplinar no âmbito da avaliação externa dos alunos.»

No capítulo respeitante aos alunos, o artigo 63.º, com a epígrafe “Avaliação externa”, estabelece que «[o]s alunos que frequentem os ensinos básico e secundário das escolas do ensino particular e cooperativo estão sujeitos ao regime de avaliação externa estabelecido para os alunos das escolas públicas».

Cabe, ainda, referir, no capítulo das disposições finais, o artigo 73.º, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 73.º

Direito subsidiário
Em tudo o que não esteja especialmente regulado e não contrarie o disposto no presente Estatuto e respetiva legislação complementar, são aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições constantes na legislação educativa e laboral.»


II


Antes de se prosseguir, importa também lançar um breve olhar sobre o revogado Decreto-Lei n.º 553/80[50].

Este decreto-lei constituía o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e regia, nos termos da Lei n.º 9/79, de 19 de março, o exercício da atividade dos estabelecimentos de ensino particular, com exceção das escolas de nível superior e das modalidades de ensino por ele expressamente excluídas (cfr. n.º 1 do artigo 1.º).

Segundo o respetivo preâmbulo, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo definia um quadro regulamentar e orientador tão maleável, como convinha à diversidade do universo em apreço, quanto preciso, como requerido pelo desiderato de justa e equitativa aplicação.

E, conquanto o estatuto instituído pelo Decreto-Lei n.º 553/80 se apresentasse como muito avançado para a época, não pode deixar-‑se de notar que o ensino particular e cooperativo era regulado muito à imagem do ensino público estatal.

Assim, os artigos que integravam o capítulo II (“Da autonomia e do paralelismo pedagógico”), do título II (“Dos estabelecimentos”), estatuíam:

«Art. 34.º – As escolas particulares, no âmbito do seu projeto educativo, podem funcionar em regime de autonomia pedagógica, desde que satisfaçam as condições exigidas nos artigos seguintes.

Art. 35.º – 1 – A autonomia pedagógica consiste na não dependência de escolas públicas quanto a:

a) Orientação metodológica e adoção de instrumentos escolares;
b) Planos de estudo e conteúdos programáticos;
c) Avaliação de conhecimentos, incluindo a dispensa de exame e a sua realização;
d) Matrícula, emissão de diplomas e certificados de matrícula, de aproveitamento e de habilitações.

2 – O paralelismo pedagógico consiste na não dependência de escolas públicas quanto ao disposto nas alíneas a) e c) do número anterior.

Art. 36.º – 1 – A autonomia pedagógica e o paralelismo pedagógico são totais quando abrangem todos os níveis e modalidades de ensino ministrados na escola.
2 – A autonomia pedagógica e o paralelismo pedagógico são parciais quando abrangem apenas um ou alguns dos níveis ou modalidades de ensino ministrados na escola.
3 – Para efeitos dos números anteriores, consideram-se os seguintes níveis e modalidades de ensino: pré-escolar, primário, preparatório, secundário unificado e secundário complementar (10.º a 12.º anos de escolaridade), diurno e noturno.
4 – A autonomia pedagógica pode ser concedida por tempo indeterminado ou por períodos de três ou cinco anos.
5 – O paralelismo pedagógico pode ser concedido por tempo indeterminado, por períodos de um, três ou cinco anos.[[51]]

Art. 37.º – 1 – A autonomia pedagógica supõe as seguintes condições:

a) Instalações, equipamento e material didático adequados;
b) Direção pedagógica, constituída nos termos dos artigos 42.º e seguintes;
c) Cumprimento do presente decreto-lei no respeitante aos alunos e pessoal docente;
d) Existência de serviços administrativos organizados;
e) Funcionamento, em regime de paralelismo pedagógico, durante cinco anos escolares consecutivos.

2 – O prazo definido na alínea e) do número anterior pode ser reduzido para três anos em casos devidamente justificados.
3 – O paralelismo pedagógico supõe a existência das condições expressas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1.

Art. 38.º – 1 – A concessão ou renovação da autonomia ou paralelismo pedagógicos devem ser requeridas, até 15 de setembro, à Direção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.
2 – A definição das escolas abrangidas pela autonomia ou paralelismo pedagógicos será feita até 15 de novembro por despacho do Ministro da Educação e Ciência e a sua relação será publicada no Diário da República.
3 – No prazo de trinta dias após a publicação da lista a que se refere o número anterior, as escolas públicas remeterão às escolas particulares abrangidas pela autonomia pedagógica os processos dos respetivos alunos.[[52]]

Art. 39.º – 1 – Se uma escola, gozando de autonomia pedagógica, deixar de reunir as condições necessárias para a manter, a Direção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo proporá ao Ministro da Educação e Ciência que lhe seja retirada, depois de ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo.
2 – Se a escola gozava de autonomia pedagógica total, pode passar a gozar de autonomia pedagógica parcial, se for caso disso.

Art. 40.º As autorizações de funcionamento em regime de paralelismo pedagógico concedidas até à entrada em vigor do presente decreto-lei são válidas até ao termo do prazo por que foram concedidas, sem prejuízo de se poderem converter, entretanto, ao regime de autonomia pedagógica, nos termos do artigo 37.º»

Quanto aos docentes[53], estabelecia-se, designadamente, no artigo 45.º:

«Art. 45.º – 1 – O pessoal docente das escolas particulares exerce uma função de interesse público e tem os direitos e está sujeito aos deveres inerentes ao exercício da função docente, para além dos fixados na legislação do trabalho aplicável.
2 – As convenções coletivas de trabalho do pessoal docente das escolas particulares devem ter na devida conta a função de interesse público que ele exerce e a conveniência de harmonizar as suas carreiras com as do ensino público.»

E, no que respeitava à responsabilidade disciplinar, o artigo 74.º estatuía:

«Art. 74.º – 1 – Os docentes das escolas particulares respondem disciplinarmente perante a entidade proprietária da escola e o Ministério da Educação e Ciência pela violação dos seus deveres profissionais de natureza ou implicação pedagógica.
2 – As sanções a aplicar pelo Ministro da Educação e Ciência, de acordo com a gravidade da infração, são as seguintes:
a) Advertência;
b) Multa de 1 a 30 dias;
c) Proibição de exercício e suspensão de vencimentos de 1 a 3 meses;
d) Proibição de lecionar em estabelecimentos de determinada região;
e) Proibição no exercício do ensino por período de 3 meses a 3 anos;
f) Proibição definitiva do exercício do ensino.

3 – A aplicação das penas referidas nas alíneas b) e seguintes do número anterior deve ser precedida do parecer do Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo e decidida mediante processo.»

À avaliação de alunos referiam-se os artigos 88.º a 90.º[54].

E, por fim, já integrando o título III (“Da fiscalização, das sanções e disposições finais e transitórias”), os artigos 98.º e 99.º (redação originária)[55] estabeleciam:
«Art. 98.º – 1 – São clandestinas as escolas particulares que não possuam autorização provisória ou definitiva de funcionamento.
2 – A Inspeção-Geral de Ensino deve solicitar às autoridades administrativas e policiais competentes o encerramento das escolas clandestinas, ouvida a Direção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.

Art. 99.º – 1 – Às entidades proprietárias de escolas particulares que violem o disposto neste decreto-lei podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções, de acordo com a natureza e a gravidade da violação:

a) Advertência;
b) Multa de valor entre dois e vinte salários mínimos nacionais;
c) Encerramento da escola por período até dois anos;
d) Encerramento definitivo.

2 – Aos diretores pedagógicos podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções:

a) Advertência;
b) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;
c) Multa de valor entre um e dez salários mínimos nacionais;
d) Proibição definitiva do exercício de funções de direção.

3 – Às escolas clandestinas, além do encerramento, será aplicada, pelo Ministério da Educação e Ciência, multa entre quatro e quarenta salários mínimos nacionais.
4 – A cominação de sanções será objeto de regulamentação específica, a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Educação e Ciência, ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo.»

Porém, ao artigo 99.º foi dada nova redação pela Lei n.º 33/2012, que aditou também os artigos 99.º-A a 99.º-M, assim:
«Artigo 99.º
Às entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem o disposto na presente lei são aplicadas, pelo Ministro da Educação e Ciência, as seguintes sanções:

a) Advertência;
b) Multa de valor entre 2 e 20 salários mínimos nacionais;
c) Encerramento da escola por período até dois anos;
d) Encerramento definitivo.»

«Artigo 99.º-A

A pena de advertência é aplicada em casos de incumprimento de determinações legais não suscetíveis de comprometerem o normal funcionamento da escola, a inscrição ou o aproveitamento dos alunos.
Artigo 99.º-B
A pena de multa de valor entre 2 e 20 salários mínimos nacionais é aplicada às pessoas singulares ou coletivas titulares de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem disposições legais, nomeadamente quando:

a) Violem o estabelecido no artigo 94.º da presente lei, relativo à publicidade das escolas;
b) Suspendam, sem a necessária comunicação do Ministério da Educação e Ciência, quer o funcionamento da escola, quer algum curso ou nível de ensino;
c) Não prestem as informações solicitadas, nos termos da lei, pelo Ministério da Educação e Ciência;
d) Não dotem o estabelecimento do respetivo regulamento;
e) Não cumpram as regras estabelecidas para constituição dos órgãos pedagógicos e designação do diretor/direção pedagógica, bem como para a contratação do pessoal docente;
f) Não zelem pela segurança e conservação da documentação relativa ao funcionamento do estabelecimento, nomeadamente a relativa a alunos;
g) Apliquem indevidamente os apoios financeiros concedidos;
h) Excedam o número máximo de alunos ou não cumpram as demais especificações previstas na autorização de funcionamento concedida pelo Ministério da Educação e Ciência;
i) Pratiquem reiteradamente os atos descritos no artigo anterior.
Artigo 99.º-C
A sanção de encerramento de um estabelecimento de ensino particular e cooperativo por período até dois anos letivos é aplicada em casos graves de incumprimento das disposições legais, nomeadamente:

a) Quando o funcionamento do estabelecimento decorrer em condições de manifesta degradação pedagógica ou desvirtuamento das suas finalidades educacionais;
b) Quando ocorram outras perturbações graves no funcionamento do estabelecimento que impliquem o desaparecimento dos pressupostos em que se fundamenta a autorização de funcionamento, em especial no tocante à salubridade e segurança;
c) Quando, reiteradamente, pratiquem atos puníveis nos termos do artigo anterior.
Artigo 99.º-D
A sanção de encerramento definitivo é aplicada quando, decorrido o período de encerramento temporário, não forem repostas as condições normais de funcionamento do estabelecimento ou quando, reiteradamente, sejam praticados atos puníveis nos termos do artigo anterior.
Artigo 99.º-E
Aos diretores pedagógicos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem o disposto na presente lei e em demais legislação aplicável são aplicadas, pelo Ministro da Educação e Ciência, as seguintes sanções:

a) Advertência;
b) Multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais;
c) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;
d) Proibição definitiva do exercício de funções de direção.
Artigo 99.º-F
A pena de advertência é aplicada aos diretores pedagógicos em casos de incumprimento de determinações legais ou pedagógicas não suscetíveis de comprometerem o normal funcionamento da escola ou o aproveitamento dos alunos.
Artigo 99.º-G
A pena de multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais é aplicada aos diretores pedagógicos em casos de incumprimento de determinações legais ou pedagógicas, nomeadamente quando:

a) Não promovam o cumprimento dos planos e programas de estudos;
b) Não respeitem as regras estabelecidas para os atos de matrícula, inscrição e avaliação dos alunos;
c) Não cumpram as regras estabelecidas para a feitura dos horários;
d) Não prestem as informações solicitadas, nos termos da lei, pelo Ministério da Educação e Ciência;
e) Não assegurem a guarda e conservação da documentação em uso na escola;
f) Não enviem ao Ministério da Educação e Ciência, nas datas estabelecidas, as relações de docentes e alunos, nomeadamente as relativas a matrículas e aproveitamento;
g) Na sua relação funcional com alunos, colegas e encarregados de educação, não usarem do necessário respeito e correção;
h) Pratiquem reiteradamente os atos descritos no artigo anterior.
Artigo 99.º-H
A pena de suspensão de funções por período de um mês a um ano é aplicada aos diretores pedagógicos em caso de negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, nomeadamente quando:

a) Prestarem ao Ministério da Educação e Ciência declarações falsas relativas a si próprios ou relativas ao corpo docente e discente;
b) No exercício das suas funções demonstrarem falta de isenção e imparcialidade, nomeadamente em matéria relativa à avaliação dos alunos;
c) Não cumprirem as obrigações que lhes cabem decorrentes dos contratos e apoios financeiros estabelecidos pelo Estado;
d) Não cumprirem as condições estabelecidas para a autonomia e o paralelismo pedagógico;
e) Incumprirem as suas obrigações de velar pela qualidade do ensino e de zelar pela educação e disciplina dos alunos;
f) Quando, reiteradamente, pratiquem infrações previstas no artigo 99.ºG da presente lei.
Artigo 99.º-I
A sanção de proibição definitiva do exercício da função de direção é aplicada aos diretores pedagógicos que incorrerem novamente nas situações previstas no artigo anterior e ainda:

a) Nos casos de comprovada incompetência profissional;
b) Nos casos de comprovada falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
Artigo 99.º-J
A aplicação das sanções previstas na presente lei é precedida de processo disciplinar, a instaurar pelo serviço do ministério que tutele a educação que seja territorialmente competente na área onde se situa a escola e a instruir pela Inspeção-Geral da Educação.
Artigo 99.º-K
O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de setembro, deve aplicar-se, subsidiariamente e com as devidas adaptações, às situações não previstas expressamente na presente lei.
Artigo 99.º-L
Às escolas clandestinas, além do encerramento, será aplicada, pelo Ministério da Educação e Ciência, multa entre 4 e 40 salários mínimos nacionais.
Artigo 99.º-M
As receitas provenientes das multas aplicadas nos termos da presente lei revertem em 60 % para os cofres do Estado e em 40% para o serviço do ministério que tutele a educação que seja territorialmente competente na área geográfica em que se encontre situado o estabelecimento de ensino sancionado, destinados à ação social escolar prevista no artigo 91.º»

E, precisamente, como já se assinalou, estes artigos 99.º a 99.º-M mantêm-se em vigor até à aprovação de um novo regime sancionatório.

Deve, porém, referir-se que a Lei n.º 33/2012 teve na sua origem tão-somente o propósito de adequar o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80 ao Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno (cfr. Proposta de Lei n.º 61/XII, publicada no Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º 185, de 25 de maio de 2012, págs. 50 a 54).

Contudo, tendo no decurso da discussão da atinente Proposta de Lei sido referenciada a questão da inconstitucionalidade do artigo 99.º daquele Estatuto e da Portaria n.º 207/98, de 28 de março[56] – que, passados quase 18 anos, o viera regulamentar –, acabou o seu objeto por incluir também o regime sancionatório a aplicar às entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino e aos diretores pedagógicos, cujo articulado, acima reproduzido, assumiu, aliás, o conteúdo daquela portaria.

Com efeito, o Tribunal Constitucional, no âmbito da fiscalização concreta, havia julgado inconstitucionais as normas do artigo 99.º (redação originária) do Decreto-Lei n.º 553/80, enquanto previam as sanções aplicáveis às entidades proprietárias de escolas particulares (Acórdão n.º 398/2008, de 29 de julho de 2008, proferido no Processo n.º 410/2007 e Acórdão n.º 533/2011, de 15 de novembro de 2011, proferido no Processo n.º 281/11), e bem assim as normas constantes dos n.os 2 e 4 daquele artigo, aplicáveis aos diretores pedagógicos (Acórdão n.º 410/2011, de 27 de setembro de 2011, proferido no Processo n.º 833/2010)[57].

Em síntese, dir-se-á que o Tribunal Constitucional não acolheu a ideia segundo a qual o ato legislativo do Governo enfermaria in totum de inconstitucionalidade orgânica por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, mas considerou que a remissão para portaria constante do n.º 4 do artigo 99.º lesava o princípio constitucional da reserva de função legislativa.

A este propósito, reproduz-se, de seguida, um excerto do referido Acórdão n.º 398/2008:

«Na verdade – e ao contrário do que sustenta a entidade recorrida – a lei não definiu então, com densidade suficiente, o regime sancionatório que deveria ser aplicado às escolas inadimplentes. Limitou-se a estabelecer o elenco das sanções a cominar «em caso de violação do disposto no decreto-lei», afirmando ainda que tais sanções deveriam ser aplicadas de acordo com a natureza e a gravidade da violação. Foi, pois, o regulamento administrativo que veio densificar todo este regime, que a lei, finalmente, apenas desenhou a título principial: como já vimos, a Portaria n.º 207/98 definiu os ilícitos sancionáveis; estabeleceu as sanções correspondentes a cada um; fixou o procedimento a adotar na aplicação das sanções. É bem difícil sustentar que um regulamento assim não inova no domínio das restrições à esfera individual, ou não cria normação primária, dando vida a preceitos jurídicos «novos» ou «originários». Seguro é porém que a habilitação legal para a emissão deste tipo de regulamentos não era proibida pela primeira versão da Constituição.
Veio no entanto a proibi-la a revisão constitucional de 1982, o que não pode deixar de ser tido em conta no caso agora sob juízo. É que, nele, se não manteve apenas a habilitação legal para a emissão de regulamentos praeter legem; mais do que isso, tal habilitação só veio a ser cumprida pela Portaria n.º 207/98, anos após a entrada em vigor da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/82.
E não restam dúvidas que a Lei de Revisão pretendeu, justamente, vedar ao legislador este “tipo” de reenvios normativos.
Antes do mais, ficou claro, a partir de 1982, que o direito à criação de escolas privadas era para a CRP uma liberdade fundamental constitucionalmente tutelada.
O direito sancionatório previsto pelo artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 553/80 – esse mesmo que remete para regulamento administrativo a definição, inovatória, dos ilícitos cometidos; a graduação das sanções que se lhes deveria aplicar; o procedimento a adotar na sua aplicação – passou assim a ser direito sancionatório incidente sobre o exercício de uma liberdade fundamental, com todas as consequências que daí advêm quanto à extensão e à densidade da reserva de lei na regulação de matérias que lhe digam respeito. Com efeito, e como muito bem se sabe – e como sempre o tem dito o Tribunal: vejam-se, entre outros, o Acórdão n.º 307/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º volume, p. 499 e ss.), e ainda os Acórdãos n.os 174/93 e 185/96 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – em matérias que impliquem restrições ou condicionamentos essenciais ao exercício de liberdades fundamentais só são constitucionalmente admissíveis os regulamentos de execução.
Mas, além disso, a revisão constitucional de 1982 veio a proibir em geral as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem, ou seja, de regulamentos que venham a “interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar” quaisquer preceitos da própria lei “habilitante” (artigo 112.º, n.º 5, da versão atual da CRP). Este princípio constitucional, introduzido em 1982, não pode deixar de ser considerado como um princípio de índole material ou substancial. O que nele se contém é algo mais do que uma regra ou conjunto de regras relativas a formas ou a competências. Com efeito, do princípio contido no n.º 5 do artigo 112.º da CRP decorre uma proibição (de reenvios normativos para regulamentos praeter legem) que, para além de incidir diretamente sobre o âmbito da conformação do legislador ordinário, limitando-o, reflete a intenção do regime aprovado em 1982: a de conferir uma outra, e mais intensa, tutela constitucional à reserva da função legislativa – enquanto delimitação daqueles domínios de vida que só podem ser regulados por atos legislativos com exclusão de quaisquer outras fontes normativas –, «reserva» essa que, em última análise, decorre do princípio mais vasto do Estado de direito (que, recorde-se, só veio a ser consagrado pelo texto da Constituição a partir de 1982).
Por todos estes motivos, tem dito o Tribunal, em jurisprudência constante, que a proibição de habilitações legais para a emissão de regulamentos praeter legem afeta diretamente, não os regulamentos que tenham sido emitidos ao abrigo de «habilitações legais» indevidas, mas as próprias normas legais que os habilitaram, ainda que estas tenham sido aprovadas antes da revisão de 1982. Entende-se, com efeito, que, nesses casos, tais normas se tornam supervenientemente inconstitucionais, precisamente por ser de ordem material – e não orgânica ou formal – o novo regime constitucional que veio dar outra, e mais intensa, tutela ao princípio da reserva de função legislativa».


III


1. Face ao que se vem de explanar, parece ser de colocar algumas questões de inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 152/2013.

É certo que, como vimos, o Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 553/80, mas tal deveu-se a que o direito à criação de escolas privadas não era, nem sequer implicitamente, um direito fundamental na versão originária da Constituição da República Portuguesa (CRP) – vide, em especial, o citado Acórdão n.º 398/2008.

Com efeito, vale aqui o princípio tempus regit actum. A inconstitucionalidade orgânica é, por definição, sempre originária.

Ora, a revisão constitucional de 1982[58] acrescentou ao artigo 43.º da Constituição o n.º 4, onde se consagrou que «[é] garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas».

Após a revisão de 1982, o direito à criação de escolas privadas é um direito fundamental reconhecido como direito, liberdade e garantia e, consequentemente, matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo [cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP].

E o Decreto-Lei n.º 152/2013 não foi emitido ao abrigo de uma lei de autorização legislativa.

Há, contudo, que considerar aqui o entendimento que, maioritariamente, se firmou na doutrina no sentido de se recusar, como regra geral, a desaplicação pela Administração de normas que considere inconstitucionais[59].

E, no caso vertente, tanto quanto se sabe não foi ainda suscitada ao Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 152/2013, seja no âmbito da fiscalização concreta, seja no âmbito da fiscalização abstrata.

Impõe-se, portanto, continuar a análise na senda da abordagem da questão posta a este Conselho Consultivo.


2. Do traçado que se fez do Decreto-Lei n.º 152/2013[60], decorre uma maior autonomia dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo não superior, face ao anterior Estatuto, tendo desaparecido a figura do paralelismo pedagógico.

E, no que concerne à autonomia pedagógica, foi, logo, como vimos, salientado no preâmbulo, «uma verdadeira liberdade de contratação de docentes, independência no tratamento das questões disciplinares e do correlativo poder disciplinar sobre esses mesmos docentes», embora «excecionando a matéria relativa à avaliação externa dos alunos».

Daí, com efeito, o regime dual estabelecido no artigo 51.º do Estatuto. Segundo este modelo, o exercício do poder disciplinar sobre os docentes cabe, naturalmente, à entidade proprietária do estabelecimento de ensino, nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável (cfr. n.º 1 do artigo 51.º), e apenas no âmbito da avaliação externa dos alunos o exercício do poder disciplinar cabe à Inspecção-‑Geral da Educação e Ciência (cfr. n.º 2 do artigo 51.º).

Não poderia, pois, ainda que transitoriamente, subsistir o estatuído no n.º 2 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 553/80, que assentava em diferente paradigma.

Assim, se do Estatuto parece resultar claro o regime disciplinar a que se encontram sujeitos os docentes do ensino particular e cooperativo enquanto tal, ou seja, no âmbito da sua atividade de docência, já importa, com efeito, aprofundar a questão do exercício do poder disciplinar no âmbito da avaliação externa dos alunos.


3. Uma primeira observação que nos surge é que o legislador se terá limitado a enunciar a existência de responsabilidade disciplinar no âmbito da avaliação externa dos alunos.

Mas vejamos.

Atualmente, é o Decreto-lei n.º 139/2012, de 5 de julho[61], que estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário.

E, nos termos do n.º 2 do seu artigo 1.º, aplica-se às diversas ofertas curriculares dos ensinos básico e secundário ministradas em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo.

A avaliação da aprendizagem compreende a avaliação diagnóstica, a avaliação formativa e a avaliação sumativa (cfr. n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 139/2012[62]).

E a avaliação sumativa, que se traduz na formulação de um juízo global sobre a aprendizagem realizada pelos alunos, inclui a avaliação sumativa interna e a avaliação sumativa externa, sendo esta da responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito (cfr. n.º 4 do referido artigo 24.º).

A responsabilidade disciplinar a que se reporta o n.º 2 do artigo 51.º do Estatuto coloca-se, portanto, quando os docentes do ensino particular e cooperativo são chamados a participar nesta avaliação externa dos alunos.

Ora, há que frisar, desde já, que nestas situações não se estabelece uma relação de trabalho público entre os docentes e a entidade pública competente.

É certo, porém, que a realização das atinentes tarefas por parte dos docentes se reveste, naturalmente, de especial relevância para o interesse público.


4. Aqui chegados, formula-se, então a pergunta:

«A que regime disciplinar se encontram sujeitos os docentes do ensino particular e cooperativo quando atuam no âmbito da avaliação externa dos alunos?»

Recorde-se que na Informação referenciada na consulta apresentam-se duas hipóteses: o regime disciplinar da lei laboral, atendendo ao que dispõe o artigo 42.º n.º 1 do Estatuto, ou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, atendendo ao que dispõe o artigo 99.º-K do Decreto-Lei n.º 553/80.


4.1. Considerando, justamente, esta 2.ª hipótese, que, hoje, tem de se reportar à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, observa-se, desde logo, que a remissão feita pelo referido artigo 99.º-K é a título subsidiário.

Isto é, no contexto acima descrito, veio a ser estabelecido no Decreto-Lei n.º 553/80, através da alteração introduzida pela Lei n.º 33/2012, o regime sancionatório a aplicar às entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e aos diretores pedagógicos, limitando-se o artigo 99.º-K a fazer a remissão quanto ao que não fora expressamente previsto naquela Lei.

Depois, conforme já se sublinhou, no caso vertente, não há uma relação de trabalho em funções públicas, pelo que seria difícil aceitar uma remissão, que teria de ser total, para o regime disciplinar aplicável em matéria de emprego público.

E, além do mais, este regime e as sanções previstas[63] não se revelariam adequados às situações em análise.

Aliás, mesmo quando se trata do exercício do poder disciplinar no âmbito da docência importa considerar algumas especificidades como o fazia, de certo modo, o n.º 2 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 553/80, e acontece no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril[64], que nos artigos 112.º e seguintes procede às devidas adaptações.


4.2. Hipotetiza-se, na consulta, a aplicação do regime disciplinar da lei laboral, nos termos atrás referidos.

Com efeito, «[o]s educadores e os docentes das escolas do ensino particular e cooperativo têm os direitos e estão sujeitos aos deveres fixados na legislação do trabalho aplicável» (n.º 1 do artigo 42.º do Estatuto).

Aliás, deverá recordar-se também o artigo 73.º (“Direito subsidiário”)[65].

Mas também aqui se impõe dizer que não há uma relação de trabalho subordinado entre os docentes do ensino particular e cooperativo, no âmbito da avaliação externa de alunos, e o Ministério da Educação ou as entidades por ele designadas.

Os docentes encontram-se unicamente vinculados através de uma relação de trabalho subordinado às entidades proprietárias das escolas em que exercem funções.


5. Temos, pois, que o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, apenas enunciou, no n.º 2 do artigo 51.º, a responsabilidade disciplinar dos docentes daquele ensino no âmbito da avaliação externa dos alunos, estabelecendo que o atinente exercício do poder disciplinar compete à Inspeção-Geral da Educação e Ciência.

O Estatuto não definiu, nem por remissão, com densidade suficiente, o regime sancionatório aplicável aos docentes do ensino particular e cooperativo quando atuam no âmbito da avaliação externa de alunos.

E não pode deixar de considerar-se que as sanções disciplinares a aplicar àqueles docentes têm de atender à situação específica em que se desenvolve a avaliação.

Não será, aliás, despiciendo recordar que o próprio Decreto-Lei n.º 152/2013 anuncia um novo regime sancionatório ao dispor na já referenciada norma transitória (artigo 6.º, n.º 4) que até à aprovação daquele regime se mantêm em vigor as disposições dos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 553/80. Disposições, porém, que como resulta do explanado, não se aplicam aos docentes.

É o próprio Decreto-Lei n.º 152/2013 que aceita a sua incompletude no que respeita ao regime disciplinar dos docentes no âmbito da avaliação externa de alunos.

E importa, além do mais, ter presente que se relativamente às infrações disciplinares se pode falar em “tipicidade atípica”, expressão referida por Paulo Veiga Moura/Cátia Arrimar[66], já em sede de sanções disciplinares vigora o princípio da tipicidade[67], ficando vedado ao aplicador “criar” sanções disciplinares[68].

Deverá, ainda, considerar-se que o regime geral de punição das infrações disciplinares é matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo [cfr. artigo 165.º n.º 1, alínea d) da CRP].

A este propósito, escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira[69]:

«Em relação às infrações disciplinares, o preceito não esclarece se se trata ou não apenas da disciplina da função pública ou equiparada. Deve por isso entender-se que estão abrangidos todos os tipos de infrações disciplinares, incluindo a disciplina profissional e laboral, a disciplina desportiva e todos os demais ordenamentos disciplinares sectoriais de caráter público ou de relevância pública».

Também Jorge Miranda observa que «[o] artigo 165.º abrange não só as infrações disciplinares na função pública mas também as do trabalho, as escolares e as desportivas», não abrangendo, porém, «a disciplina militar, pois sobre esta recai o artigo 164.º, alínea d)»[70].

De todo o modo, não tendo o Estatuto procedido à devida densificação da responsabilidade disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo a que se refere o n.º 2 do artigo 51.º, não é possível a sua efetivação.


IV


Em face do exposto, entendo que deveriam ser formuladas as seguintes conclusões:

1.ª – O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior (Estatuto), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, conforme salientado no preâmbulo deste diploma, no que concerne à autonomia pedagógica, propõe «uma verdadeira liberdade de contratação de docentes, independência no tratamento das questões disciplinares e do correlativo poder disciplinar sobre esses mesmos docentes, excecionando a matéria relativa à avaliação externa dos alunos»;

2.ª – Assim, em matéria de responsabilidade disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo não superior, o artigo 51.º do Estatuto estabelece um regime dual: responsabilidade disciplinar perante a entidade proprietária do estabelecimento de ensino, nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável (cfr. n.º 1); e responsabilidade disciplinar no âmbito da avaliação externa dos alunos, cabendo, neste caso, o exercício do poder disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência (cfr. n.º 2);

3.ª – A avaliação sumativa externa dos alunos é da responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito (cfr. n.º 4 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho), não se estabelecendo entre os docentes do ensino particular e cooperativo chamados a participar naquela avaliação e a entidade pública competente uma relação de trabalho, seja pública, seja privada;

4.ª – Com efeito, aos docentes do ensino particular e cooperativo apenas cabe a realização das atinentes tarefas, que se reveste, naturalmente, de especial relevância para o interesse público;

5.ª – O Decreto-Lei n.º 152/2013 mantém em vigor, até à aprovação de um novo regime sancionatório, as disposições dos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 553/80 na redação dada pela Lei n.º 33/2012 de 23 de agosto (cfr. n.º 4 do artigo 6.º), mas estas disposições apenas se aplicam às entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e aos diretores pedagógicos;

6.ª – O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior apenas enunciou, no referido n.º 2 do artigo 51.º, a responsabilidade disciplinar dos docentes daquele ensino no âmbito da avaliação externa dos alunos, não tendo densificado, diretamente ou por remissão, o respetivo regime sancionatório;

7.ª – Assim, não é possível, enquanto não ocorrer a devida densificação legislativa, efetivar a responsabilidade disciplinar dos docentes do ensino particular e cooperativo não superior no âmbito da avaliação externa de alunos.








[1] Ofício n.º 1487/2015, de 3 de junho de 2015, recebido na Procuradoria-Geral da República no dia 8 daquele mês.
[2] Na síntese da IGEC e da entidade consulente «Poder de instaurar deferido à DGESTE; poder de instruir deferido à IGEC; e poder de aplicar sanções deferido ao Ministro».
[3] Objeto de várias alterações empreendidas pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 75/86 de 23-4, Decreto-Lei n.º 484/88, de 29-12, Lei n.º 30/2006 de 11-7, Decreto-Lei n.º 213/2006 de 27-10, Decreto-Lei n.º 138-C/2010 de 28-12, Lei n.º 33/2012 de 23-8.
[4] Parecer que ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».
[5] Nesse parecer recorre-se ao conceito estrutura legitimadora cujo sentido é, designadamente, aprofundado por António Hespanha Poder e Instituições no Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, 1992, pp. 12-15.
[6] Para além da conceção focada na autoridade do aparelho do Estado em relação a todas as entidades que desenvolviam funções públicas, na doutrina há quem interprete o modelo no sentido de que «o ensino particular transparece nos textos legais como nitidamente provisório e tolerado, desempenhando uma função supletiva enquanto o ensino estatal não conseguisse cobrir as necessidades do todo territorial» — assim Carlos Alberto Vilar Estêvão, «Ensino particular e cooperativo. A face oculta do ensino estatal», Revista Portuguesa de Educação, 4 (1), 1991, p. 88, no mesmo sentido Ana Teresa Santa-Clara, «O ensino particular na rede escolar do Estado Novo», Interações, n.º 28, 2014, p. 97. Mesmo autores que consideram que a preferência pelo ensino estadual era inclusiva do papel da Igreja Católica no campo educativo enquanto alternativa ao ensino tutelado pelo Estado reconhecem que no aparelho jurídico se impõe a tendência centralizadora com peso do controlo estatal estrito. Nesse linha pode referir-se Jorge Ferreira Cotovio para quem que a Lei de Bases do Ensino Particular aprovada pela Lei n.º 2033, de 27-6-1949 era «um documento regulador e controlador na linha dos anteriores normativos, que irá configurar o ensino particular nos anos seguintes» (O debate em torno do ensino privado nas décadas de 50, 60 e 70 do ´seculo XX. Um olhar particular das escolas católicas, dissertação de doutoramento, Coimbra, 2011, p. 130 este documento foi consultado pela última vez em 31-8-2015 em file:///C:/Users/damesquita/Downloads/J.C.tese%20(1).pdf) e o EEC de 1949 «torna cada vez mais evidente a intenção de o Estado controlar e limitar pedagógica e administrativamente o ensino particular» (idem, ibidem, p. 131). Seguindo a mesma matriz, Joaquim António de Sousa Pintassilgo também reconhece que «é inquestionável a afirmação do poder do Estado que procura controlar, de forma estrita, todas as iniciativas desenvolvidas nesse âmbito» — «Igreja, Estado e família no debate sobre o ensino particular em Portugal (meados do século XX)», Revista Portuguesa de Educação, 25(1), 2012, p. 181. E, como último exemplo, pode referir-se António Sampaio da Nóvoa que considera que então se manifesta uma «incapacidade para conceber o ensino particular numa perspetiva autónoma, ainda que complementar, em relação ao sistema escolar estatal» —«Educação Nacional», in Joel Serrão / António de Oliveira Marques (ed.). Nova História de Portugal (Vol. XII). Lisboa, Editorial Presença, 1992, p. 464. Então existe uma tensão com algum paralelismo com a que se verificava na mesma década do século XX a respeito das irmandades da Misericórdia, envolvendo duas vertentes centrais: os regimes jurídicos da assistência social e as relações entre o Estado e a Igreja Católica Apostólica Romana — cf. Paulo Dá Mesquita, «A tutela das Misericórdias e o âmbito das jurisdições eclesiástica e do Estado», Julgar, n.º 23, 2014, pp. 11-114.
[7] Essa secção iniciava-se com o artigo 98.º que prescrevia:
«1 – São clandestinas as escolas particulares que não possuam autorização provisória ou definitiva de funcionamento.
«2 – A Inspeção-Geral de Ensino deve solicitar às autoridades administrativas e policiais competentes o encerramento das escolas clandestinas, ouvida a Direção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.»
O artigo 98.º do EEPC de 1980 encontra-se revogado por força do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 152/2013.
[8] O artigo 40.º do EEPC prescreve:
«1 — Em cada escola de ensino particular ou cooperativo tem que existir uma direção pedagógica, designada pela entidade titular da autorização.
«2 — A direção pedagógica pode ser singular ou colegial.
«3 — A direção pedagógica é colegial sempre que, além da sede, a escola funcione também em secções, polos ou delegações.
«4 — Para os efeitos previstos no n.º 1, considera-se a mesma escola aquela que, independentemente do número de edifícios e localidades onde funciona, se rege pelo mesmo projeto educativo e é detentora de uma única autorização de funcionamento.
«5 — O exercício do cargo de diretor pedagógico ou de presidente da direção pedagógica é incompatível com o exercício do mesmo cargo numa outra escola.
«6 — Ao diretor pedagógico ou ao presidente da direção pedagógica são exigidas qualificações académicas de nível superior e habilitações profissionais adequadas ou, em substituição destas últimas, experiência pedagógica de, pelo menos, três anos.
«7 — O exercício de funções de direção pedagógica é equiparável, para todos os efeitos legais, à função docente.»
[9] A questão fora suscitada na discussão da proposta de lei que visava inicialmente, apenas, adequar o EEPC de 1980 ao Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno (cf. Proposta de Lei n.º 61/XII, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 185, de 25 de maio de 2012, pp. 50 a 54).
[10] E, consequentemente, não se apresentava com natureza disciplinar. Afirma-se no aresto: «São estes fundamentos inteiramente válidos para o presente caso, em que está em juízo uma outra vertente do direito sancionatório decorrente do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo – aplicado, desta feita, não às entidades proprietárias de escolas particulares mas aos diretores pedagógicos das mesmas, nos termos do nº 2, alínea a) do artigo 99.º do Decreto-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro.».
[11] Alterado pelos Decretos-Leis n.º 91/2013, de 10 de julho, e n.º 176/2014, de 12 de dezembro.
[12] Devendo atender-se a que o EEPC de 2013 rompeu com o anterior sistema de paralelismo pedagógico em que às escolas do EPC «que, por razões conjunturais, não dispunham de meios para organizarem o seu expediente interno e os seus serviços administrativos em matéria de validação e certificação da avaliação final dos seus alunos, […] lhes impunha a necessidade de se socorrerem das escolas públicas com vista a esse fim».
[13] O artigo 37.º, n.º 1, do EEPC de 2013 prescreve: «A autonomia pedagógica consiste no direito reconhecido às escolas de tomar decisões próprias nos domínios da organização e funcionamento pedagógicos, designadamente da oferta formativa, da gestão de currículos, programas e atividades educativas, da avaliação, orientação e acompanhamento dos alunos, constituição de turmas, gestão dos espaços e tempos escolares e da gestão do pessoal docente.»
Sublinhe-se que a autonomia conferida não compreende ausência de quaisquer balizas, estabelecendo-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 37.º do EEPC de 2013 que «A autonomia pedagógica reconhecida às escolas particulares e cooperativas inclui, nos termos e com os limites previstos no presente Estatuto e nos contratos celebrados com o Estado, representado pelo Ministério da Educação e Ciência, a competência para decidir quanto a […] avaliação de conhecimentos, no respeito pelas regras definidas a nível nacional quanto à avaliação externa e avaliação final de cursos, graus, níveis e modalidades de educação, ensino e formação.»
Com relevo para a matriz vinculante dos docentes importa realçar que, por força do artigo 37.º, n.º 5, do EEPC de 2013, os regulamentos das escolas do EPC «devem conter as regras a que obedece a inscrição ou admissão de alunos, a idade mínima para a frequência, as normas de assiduidade e os critérios de avaliação».
A autonomia das escolas do EPC em matéria de avaliação é objeto, ainda de desenvolvimento no artigo 62.º que, com a epígrafe Critérios e processos próprios, dispõe:
«1 — As escolas do ensino particular e cooperativo podem adotar critérios e processos de avaliação próprios, designadamente, os relativos aos cursos com planos próprios, constam do respetivo regulamento interno.
«2 — Os critérios e processos de avaliação próprios das escolas do ensino particular e cooperativo, que não constem obrigatoriamente do processo de pedido de autorização de funcionamento, nos termos do presente Estatuto, devem ser comunicados ao Ministério da Educação e Ciência, sempre que solicitados ou sempre que sofram alterações.
«3 — Após cada período escolar, as escolas do ensino particular e cooperativo devem tornar públicas as classificações obtidas pelos alunos.»
[14] Supra § II.2.3.
[15] Incidentes, respetivamente, «sobre os conteúdos dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos nas disciplinas de Português, Matemática e na disciplina de Português língua não materna».
[16] Cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 14/2012, de 20 de janeiro.
[17] Atente-se que ao professor vigilante compete, nomeadamente, suspender imediatamente as provas dos alunos e de eventuais cúmplices que no decurso da realização da prova ou exame cometam ou tentem cometer inequivocamente qualquer fraude, não podendo esses alunos abandonar a sala até ao fim do tempo de duração da prova (artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário de 2015).
[18] Refira-se que os coordenadores dos secretariados de exames são designados pelo diretor da escola de entre os professores do quadro e desempenham as respetivas funções durante todo o processo de provas e exames, no mesmo ano escolar (artigo 33.º, n.º 2, do Regulamento das Provas e dos Exames do Ensino Básico e do Ensino Secundário de 2015).
[19] Nomeação, desde a data da aceitação, contrato (por tempo indeterminado e a termo resolutivo), desde a data estipulada no contrato para o início da atividade (ou na falta deste elemento, desde a data da celebração) e comissão de serviço.
[20] Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.
[21] Entidades privadas com poderes públicos, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 13-14.
[22] Cf. supra §§ II.2.2.1 e II.2.2.2.
[23] Para utilizar a expressão de Manuel Lopes Porto / João Nuno Calvão da Silva, «Intervenção privada no exercício de funções públicas: Os centros de inspeção automóvel face ao direito da União Europeia», Estudos de homenagem ao Professor Doutor Jorge Miranda, Coimbra, Coimbra Editora, vol. V, 2012, p. 330.
[24] Decorrente de uma opção programática do legislador de 2013. Sobre o processo histórico que revela a tendência recessiva de controlo estadual direto dos docentes do ensino particular e cooperativo vd. supra § II.2.2.2.
[25] Op. cit., p. 246.
[26] Cf. supra §§ II.1 e II.2.1.
[27] Artigos 42.º a 51.º do EEPC de 2013
[28] Artigos 38.º a 41.º do EEPC de 2013.
[29] Recorde-se que a remissão estabelecida no artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 152/2013 para os artigos 99.º a 99.º-M do EEPC de 1980 tem presente o respetivo enquadramento sistemático no EEPC de 1980, acima já analisado: Os artigos 99.º a 99.º-M do EEPC de 1980 encontram-se inseridos na secção III (Das sanções) do capítulo I (Da fiscalização e das sanções) do título III (Da fiscalização, das sanções e disposições finais e transitórias).
[30] Supra § II.2.3.
[31] Supra §§ II.2.2 e II.2.4.
[32] Sobre este vd. supra § II.2.3.
[33] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28-4, e objeto de alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 41/96, de 7-5, Decreto-Lei n.º 105/97, de 29-4, Decreto-Lei n.º 1/98, 2-1, Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27-2, Decreto-Lei n.º 121/2005, de 26-7, Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29-12, Decreto-Lei n.º 224/2006, de 13-11, Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19-1, Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15-2, Decreto-Lei n.º 270/2009, de 30-9, Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23-6, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21-2, Decreto-Lei n.º 146/2013, de 22-10, Lei n.º 80/2013, de 28-11.
[34] Quanto à dimensão procedimental, além da atribuição do poder decisório ao Ministro da Educação e Ciência, estabelecia-se, no número 3 do artigo 74.º: «A aplicação das penas referidas nas alíneas b) e seguintes do número anterior deve ser precedida do parecer do Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo e decidida mediante processo.»
[35] Cf. supra § II.1.
[36] Supra § II.3.
[37] Cf. supra § II.2.2.2.
[38] Expressão que integra o título da obra de Maria João Estorninho publicada na década de noventa do século XX: A fuga para o direito privado — contributo para o estudo da atividade de direito privado da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1996.
[39] «Contrato de trabalho em funções públicas: Privatização ou publicização da relação jurídica de emprego público?», Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Lisboa, Faculdade de direito de Lisboa, 2010, pp. 277-278.
[40] Supra § II.2.2.2.
[41] Supra § II.2.4.
[42] Supra § II.2.2.1.
[43] Parecer que ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».
[44] Assim Eduardo Correia, invocando a formulação de Honig, relativa ao concurso de normas incriminadoras mas que parte de bases doutrinárias assentes na metodologia jurídica geral (I- Unidade e pluralidade de infrações; II- Caso julgado e poderes de cognição do juiz, Coimbra, Almedina (reimp.), 1983, p. 127).
[45] Esse parecer que ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».
[46] Desenvolvimento empreendido no § II.4.2 desse parecer, com referências a Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Almedina, Coimbra, 13.ª ed. (2.ª reimp.), 2005, §§ 254, 255 e 302, pp. 448-449, 451 e 527 e Karl Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, tradução portuguesa de José Lamego da 5.ª ed. alemã de 1983, com o título Metodologia da Ciência do Direito, F. C. Gulbenkian, Lisboa (2.ª ed.), 1989, p. 428.
[47] Atualmente as sanções disciplinares para os trabalhadores sujeitos a vínculo laboral de direito privado encontram-se previstas no artigo 328.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. Questão que já extravasa os termos da pergunta formulada reporta-se às necessárias limitações das sanções disciplinares aplicáveis, em particular a expulsiva, nomeadamente, a ponderação do eventual relevo heurístico do disposto na parte final do n.º 6 e no n.º 8 do artigo 242.º da LTFP, que respetivamente determinam quanto aos casos de trabalhador abrangido por cedência de interesse público, que determina, respetivamente, a inadmissibilidade de aplicação pela entidade estadual de sanção disciplinar extintiva, e, por outro, que nos casos em que «a infração imputada possa corresponder, em abstrato, a sanção disciplinar extintiva, o poder disciplinar pode ser delegado expressamente na entidade cessionária e a decisão de aplicação da sanção deve ser tomada pelo cedente e pelo cessionário, devendo o procedimento disciplinar que apure a infração disciplinar obedecer ao procedimento disciplinar do vínculo de origem». As balizas estabelecidas pela consulta não legitimam, contudo, a abordagem de questões que não foram suscitadas (cf. supra §§ II.1 e II.2.1).
[48] Sem prejuízo, naturalmente, das exigências de ponderação sobre necessárias adaptações da aplicação pela IGEC do estatuto disciplinar de origem (cf. nota anterior).
[49] A redação do artigo 6.º, na íntegra, é a seguinte:
«Artigo 6.º
Norma transitória
1 – À data de entrada em vigor do presente decreto-lei, os educadores e professores das escolas do ensino particular e cooperativo mantêm todos os direitos que lhes foram reconhecidos ao abrigo de diplomas legais anteriores, nos exatos termos conferidos por esse reconhecimento.
2 – Os apoios socioeducativos a que se refere o artigo 64.º do Estatuto aprovado em anexo ao presente decreto-lei aplicam-se aos alunos das escolas do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, estendendo-se, progressivamente, aos alunos das restantes escolas do ensino particular e cooperativo, em função das disponibilidades orçamentais do Estado.
3 – Até à aprovação de nova regulamentação no prazo de 180 dias, mantém-se em vigor a regulamentação aprovada na vigência da legislação anterior, em tudo aquilo que não seja contrariado pelo Estatuto ora aprovado.
4 – Até à aprovação de um novo regime sancionatório, mantêm-se em vigor as disposições dos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, considerando-se feitas para as normas do Estatuto aprovado em anexo ao presente decreto-lei que tratem da mesma matéria as remissões para diplomas revogados.»

[50] O Decreto-Lei n.º 553/80 sofreu várias alterações, sendo a última a efetuada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto.
[51] Os n.os 4 e 5 do artigo 36.º foram alterados pela Lei n.º 33/2012, que aditou também o n.º 6, a saber:
«Artigo 36.º
1 – ........................................................................................................................
2 – ..........................................................................................................................
3 – .........................................................................................................................
4 – A autonomia pedagógica pode ser concedida por tempo indeterminado ou por períodos de três ou cinco anos, renovável pela mera verificação oficiosa do cumprimento permanente dos requisitos legalmente exigidos.
5 – O paralelismo pedagógico pode ser concedido por tempo indeterminado ou por períodos de um, três ou cinco anos, renovável pela mera verificação oficiosa do cumprimento permanente dos requisitos legalmente exigidos.
6 – As escolas particulares autorizadas nos termos do presente diploma integram a rede de entidades formadoras do Sistema Nacional de Qualificações, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do Decreto-Lei 396/2007, de 31 de dezembro

[52] O artigo 38.º sofreu as seguintes alterações pela Lei n.º 33/2012:
«Artigo 38.º
1 – A concessão da autonomia ou paralelismo pedagógicos deve ser regularmente requerida até 15 de setembro aos serviços territorialmente competentes do ministério que tutele a área da educação e decidida até 31 de dezembro, após o que, perante o silêncio da autoridade competente, o pedido se considera tacitamente deferido.
2 – A definição das escolas abrangidas por decisão expressa pela autonomia ou paralelismo pedagógicos é feita até 31 de dezembro por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação, sendo a respetiva lista publicada na 2.ª série do Diário da República.
3 – ..........................................................................................................................
4 – ...............................................................................................................................
5 – No mesmo prazo do número anterior as escolas particulares tacitamente abrangidas pela autonomia ou paralelismo pedagógicos solicitam ao membro do Governo responsável pela área da educação a sua inclusão na lista referida no n.º 2, e às escolas públicas os processos dos alunos de que careçam em face da sua autonomia pedagógica.»

[53] Capítulo IV do título II.
[54] Que integravam a secção VI (“Da avaliação”) do capítulo V (“Dos alunos”) do título II e tinham a seguinte redação:

«Art. 88.º – 1 – As escolas particulares nos níveis de ensino que gozem de autonomia pedagógica podem adotar processos de avaliação próprios, que devem ser comunicados à Direção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, os quais terão, para todos os efeitos, validade oficial.
2 – As escolas particulares nos níveis de ensino que gozem de paralelismo pedagógico não dependem das escolas públicas quanto a avaliação de conhecimentos, incluindo a dispensa de exame e a sua realização.
3 – Nos demais casos, observar-se-á o regime em vigor nas escolas públicas para o mesmo grau e nível de ensino.
4 – As escolas particulares devem tornar públicas, após cada período escolar, as classificações obtidas pelos alunos e comunicar anualmente à Direção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo os resultados percentuais do aproveitamento.
5 – O critério e processos de avaliação dos cursos com planos próprios devem constar do respetivo regulamento.

Art. 89.º Os alunos das escolas particulares, nos níveis de ensino sem autonomia pedagógica ou sem paralelismo pedagógico, dos ensinos básico e secundário são submetidos a provas finais de avaliação, a regulamentar por despacho ministerial.

Art. 90.º Os resultados finais da avaliação dos alunos referidos no artigo anterior serão comunicados às delegações escolares ou às escolas públicas onde se encontrem os processos de matrícula respetivos.»

[55] Secção III (“Das sanções”) do capítulo I (“Da fiscalização e das sanções”).
[56] Vide, designadamente, o parecer do Sindicato dos Inspetores da Educação e do Ensino apresentado na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, aquando da discussão na especialidade da Proposta de Lei n.º 61/XII.
[57] Os acórdãos referidos encontram-se disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[58] Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro (1.ª revisão constitucional).
[59] Veja-se, a este respeito, por exemplo, o Parecer n.º 20/2010-C, de 17 de janeiro de 2013, deste Conselho.
E, de todo o modo, não tem cabimento na economia deste voto de vencida desenvolver a matéria da inconstitucionalidade orgânica.
[60] Vide parte I.
[61] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 91/2013, de 10 de julho, e 176/2014, de 12 de dezembro.
[62] A redação do artigo 24.º, na íntegra, é a seguinte:
«Artigo 24.º

Modalidades de avaliação
1 – A avaliação da aprendizagem compreende as modalidades de avaliação diagnóstica, de avaliação formativa e de avaliação sumativa.
2 – A avaliação diagnóstica realiza-se no início de cada ano de escolaridade ou sempre que seja considerado oportuno, devendo fundamentar estratégias de diferenciação pedagógica, de superação de eventuais dificuldades dos alunos, de facilitação da sua integração escolar e de apoio à orientação escolar e vocacional.
3 – A avaliação formativa assume caráter contínuo e sistemático, recorre a uma variedade de instrumentos de recolha de informação adequados à diversidade da aprendizagem e às circunstâncias em que ocorrem, permitindo ao professor, ao aluno, ao encarregado de educação e a outras pessoas ou entidades legalmente autorizadas obter informação sobre o desenvolvimento da aprendizagem, com vista ao ajustamento de processos e estratégias.
4 – A avaliação sumativa traduz-se na formulação de um juízo global sobre a aprendizagem realizada pelos alunos, tendo como objetivos a classificação e certificação, e inclui:

a) A avaliação sumativa interna, da responsabilidade dos professores e dos órgãos de gestão e administração dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas;
b) A avaliação sumativa externa, da responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito.»

[63] Cfr. artigos 176.º e ss. da LGTFP.
[64] E por diversas vezes alterado.
[65] Vide parte III.
[66] Com efeito, estes Autores, em Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Volume, Coimbra Editora, 1.ª edição, novembro de 2014, pág. 543, referem:

«…em sede disciplinar ter-se-á que admitir uma certa flexibilização ou temperamento do princípio da legalidade, parecendo-nos seguro afirmar-se que existirão tantos “tipos” de infrações disciplinares quantas as possíveis formas de violação dos deveres gerais ou especiais a que estão adstritos os trabalhadores públicos.
Contudo, esta “tipicidade atípica” só será constitucionalmente aceitável se a descrição dos deveres for efetuada com suficiente precisão e mediante preceitos normativos que permitam antecipadamente aferir, com elevado grau de certeza, quais os concretos comportamentos que constituem infração disciplinar e quais as sanções aplicáveis (v. neste sentido, Juan Manuel Trayer, Manual Disciplinario de los Funcionarios Públicos, Marcial Pons, 1992, pág. 153)».
[67] Idem, ob. cit., págs. 527 e 544.
[68] Veja-se, também, M. Leal-Henriques, Procedimento Disciplinar, 4.ª edição, 2002, Editora Rei dos Livros, pág. 119.
[69] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 328.
[70] Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pág.535.
Veja-se, ainda, Vieira de Andrade, defendendo que a reserva vale para o regime geral de todas as sanções administrativas, gerais e sectoriais (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135, n.º 3939, Jul-Agosto, 2006, pág. 385-nota de rodapé 5).