Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002975
Parecer: I000322008
Nº do Documento: PPA21062011003200
Descritores: ACORDO INTERNACIONAL
TRATADO BILATERAL
AUXILIO JUDICIÁRIO MÚTUO
COOPERAÇÃO EM MATÉRIA PENAL
PROCESSO PENAL
PROVA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
PROTECÇÃO DE DADOS
SEGREDO DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO NON BIS IN IDEM
Área Temática:DIR INT PUBL * TRATADOS * DIR PENAL
Ref. Pareceres:CA00021993
P000701994
P000661998
P000361999
Legislação:CPP ART229; CRP ART8, ART20, ART24, ART25, ART27, ART28, ART29, ART32, ART33, ART34, ART135 AL B), ART161 AL I), ART165 N1 AL C), ART197 N1 AL B) AL D); L 144/99 DE 31/08/1999 ART1 AL F); ART6 N2, AL D), ART145, ART146; CAAS ART54
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TC 494/99; AC TJC proc C-469/03 de 10/03/2005; AC TJC proc C-288/05 de 18/07/2007
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1. O Projecto Revisto em 14-2-2008 de Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal não compreende disposições que ofendam normas e princípios constitucionais, nem colide com outras condicionantes relativas à capacidade de vinculação internacional da República Portuguesa.
2. A eventual vinculação internacional de Portugal a um acordo com o escopo e o objecto do projecto analisado carece, caso seja concluída com sucesso a fase de negociação governamental, de aprovação pela Assembleia da República e ratificação pelo Presidente da República, por força do complexo normativo constituído pelos arts. 8.º, n.º 2, 135.º, al. b), 161.º, al. i), 165.º, n.º 1, al. c) e 197.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa
3. As normas do projecto confrontadas com o direito português vigente, suscitam os comentários mencionados no texto do parecer (em particular no § V.3).

Texto Integral:


Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros,
Excelência:


I. Consulta

Solicitou-se parecer sobre «um projecto de Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal»[1].
No Conselho Consultivo, o processo foi distribuído ao relator originário em 21-03-2008, redistribuído em 20-01-2011 e, por fim, redistribuído ao ora relator em 5-4-2011.
Cumpre emitir informação-parecer.

II. Objecto do parecer

O ofício que solicitou o parecer compreendia como anexos:
- Informação do Gabinete para as Relações Internacionais Europeias e de Cooperação (GRIEC) do Ministério da Justiça de 14 de Fevereiro de 2008;
- Texto em português de um «projecto revisto» do acordo (revisão concluída no GRIEC em 14 de Fevereiro de 2008);
- Versão em castelhano de um projecto de acordo, com rasuras e alterações propostas pela República do Paraguai.

Não acompanhou o ofício do Gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do XVII.º Governo Constitucional o anteprojecto original do acordo em português (que terá resultado de negociações entre delegações da República Portuguesa e da República do Paraguai), sendo também desconhecidas outras eventuais versões em língua portuguesa anteriores à revista em 14 de Fevereiro de 2008[2].

A presente informação-parecer irá, consequentemente, ter como objecto de análise o projecto revisto em 14 de Fevereiro de 2008[3], de ora diante referido como projecto (o qual teve em atenção uma proposta das autoridades da República do Paraguai).

III. Relatório

1- O pedido de consulta foi formulado por Sua Excelência o Senhor Ministério dos Negócios Estrangeiros do XVII.º Governo Constitucional, durante a X.ª Legislatura.

2- Pelo Decreto do Presidente da República n.º 38-A/2011, de 31 de Março foi «demitido o Governo, por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro -Ministro» do XVII.º Governo Constitucional[4].
Em 7 de Abril do corrente foi publicado no Diário da República o Decreto do Presidente da República n.º 44-A/2011 cujo art. 1.º dissolveu a Assembleia da República[5].
A última reunião plenária da Assembleia da República na XI.ª Legislatura realizou-se no dia 6 de Abril de 2011.
Pelo que, quando o processo foi apresentado pela primeira vez ao ora relator, depois de redistribuição de 5-4-2011, o XVIII.º Governo exercia apenas funções de governo de gestão

3- Em 20 de Junho de 2011 iniciou-se a XII.ª Legislatura com a primeira reunião da Assembleia da República resultante das eleições legislativas de 5 de Junho de 2011.
Em 21 de Junho de 2011 tomou posse o XIX.º Governo Constitucional.

4- Ao nível de tratados bilaterais entre a República Portuguesa e o Paraguai, está em vigor um Acordo de Cooperação para a Luta contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas e Delitos Conexos (assinado em 03-09-2001 e aprovado pelo Decreto n.º 3/2003, de 24 de Janeiro).

IV. Enquadramento jurídico-constitucional do «Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal»

IV. 1 Importa começar por proceder ao enquadramento normativo do «Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal», enquanto conformador do objecto e desenvolvimento do parecer.
O «Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal» constitui, de forma inequívoca, um tratado bilateral que não integra o ius cogens[6].
Com base nesse pressuposto classificatório importará integrá-lo numa hierarquia de fontes normativas, que se apresenta determinante para a subsequente reflexão técnico-jurídica sobre as condições da sua aprovação e implicações da sua ratificação pela República Portuguesa tendo ainda presente a deflação da importância da querela entre as teses dualista e monista, que implica uma «aproximação das soluções propostas pelo monismo e pelo dualismo para a questão da vigência do Direito Internacional na ordem interna dos Estados»[7], sem embargo da adesão claramente maioritária da doutrina ao monismo[8].

Monismo moderado com variantes que atendem, nomeadamente, às diferentes categorias e fontes de Direito Internacional, pelo que não importa aqui abordar todo o tema em termos teórico-abstractos, atenta a caracterização do Acordo objecto do presente parecer e a diversidade de legítimas opções constitucionais dos Estados relativamente ao Direito Internacional convencional.

No que concerne ao contexto compreensivo do presente parecer deve traçar-se a decomposição analítica de três questões:
1.ª) Condições jurídico-constitucionais para aprovação do acordo com o conteúdo do projecto em apreciação;
2.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional e a Constituição da República Portuguesa;
3.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional «regularmente ratificadas ou aprovadas» por Portugal e o direito ordinário português.

IV.2 O projecto de Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal consagra, no plano sistemático-funcional, normas de direito processual penal[9].
Concepção centrada na dimensão finalístico-operativa que parece acolhida por Jorge de Figueiredo Dias, para quem o direito processual penal «pode funcionalmente definir-se como a regulamentação jurídica da realização do direito penal substantivo, através da investigação e valoração do comportamento do acusado da pratica de um facto criminoso». Nessa linha, o art. 229.º, do Código de Processo Penal pronuncia-se sobre as «relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal», prescrevendo que as mesmas são «reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições deste livro».

Na medida em que a regulação do processo criminal integra a reserva relativa da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. c), da Constituição), a aprovação de um acordo internacional que verse sobre essa matéria é da competência do mesmo órgão de soberania (art. 161.º, al. i), da Constituição).
Pelo que, independentemente da forma adoptada (tratado ou acordo internacional), têm de se respeitar:
1- Por um lado, a competência exclusiva do Governo para a negociação e ajustamento e iniciativa do acordo (art. 197.º, n.º 1, als. b), e d), da Constituição);
2- Por outro, a competência da Assembleia da República para a respectiva aprovação (art. 161.º, al. i), da Constituição).

Em síntese, relativamente à competência para a aprovação do acordo e, independentemente da forma adoptada, na eventualidade de prosseguimento do processo de vinculação internacional da República Portuguesa, a mesma terá de ser submetida pelo Governo à Assembleia da República através de uma proposta de resolução.
Imperativo da aprovação pela Assembleia da República e ratificação pelo Presidente da República que resulta do complexo normativo constituído pelas disposições conjugadas dos arts. 8.º, n.º 2, 161.º, al. i), 165.º, n.º 1, al. c) e 197.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa[10].
Com efeito, como destacam Gomes Canotilho / Vital Moreira
«Seria incongruente que o governo pudesse aprovar convenções lá onde não pode legislar, tanto mais que as respectivas normas passavam a valer como direito interno.»[11]

Procedimento de vinculação internacional que compreende uma etapa final da competência do Presidente da República, que no caso em apreciação (carecido de aprovação por resolução da Assembleia da República) implica o envio para ratificação nos termos do art. 135.º, al. b), da Constituição[12].

Por último, independentemente do que conste no texto do tratado bilateral, em termos de alteração e denúncia persiste a competência exclusiva da Assembleia da República no que se reporte a matérias da sua competência reservada (absoluta ou relativa)[13].
Pois, como destaca Rui Medeiros:
«O governo tem igualmente competência para proceder à denúncia de uma convenção internacional. Mas, ao fazê-lo, não pode ignorar o procedimento constitucional de celebração de convenções internacionais e, por isso, a desvinculação carece nos termos gerais do Presidente da Repblica e, estando em causa uma convenção coberta pela reserva parlamentar da aprovação pela Assembleia da República»[14].

IV.3 As normas dos tratados internacionais com o enquadramento e objecto do Projecto de Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal posicionam-se numa relação de subordinação perante a Constituição. Pelo que, o Acordo em análise tem de se conformar com as regras do direito constitucional português[15].
O problema da posição do Direito Internacional que não integra o ius cogens no direito português não está directamente resolvido no texto constitucional. Contudo, a prevalência da Constituição Portuguesa sobre o Direito Internacional convencional em que se enquadra o projecto de acordo bilateral de auxílio judiciário mútuo em matéria penal resulta das várias abordagens interpretativas preconizadas na doutrina nacional.
Com efeito, a posição infraconstitucional do projecto de acordo bilateral de auxílio judiciário mútuo, caso venha a ser inserida no direito português é uma conclusão decorrente de qualquer uma das correntes doutrinárias desenvolvidas sobre este tópico.
O valor infraconstitucional do projecto de acordo constitui um corolário lógico da doutrina que preconiza uma prevalência da Constituição da República Portuguesa sobre todo o Direito Internacional convencional inserido voluntariamente na ordem jurídica interna, por outro lado, os autores que apontam para dimensões de prevalência de algum Direito Internacional convencional sobre a Constituição não consideram que estão abrangidos tratados com o enquadramento, objecto e escopo do que está sob análise neste parecer[16]. Orientação que coincide com as pronúncias do Tribunal Constitucional sobre o tema[17].

IV.4 O Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, caso seja ratificado, passará a vigorar «na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» (art. 8.º, n.º 2, da Constituição) tendo primado sobre o direito interno infraconstitucional (incluindo a legislação ordinária)
Aponta nesse sentido de forma quase unânime a doutrina[18]. Posição igualmente assumida na jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão n.º 494/99). No sentido da consagração constitucional do monismo com primado do Direito Internacional convencional sobre o direito infraconstitucional português também já se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nomeadamente, no parecer n.º 70/94, de 16-2-1995[19], no parecer n.º 36/1999, de 30-8-2002[20] e no segundo parecer complementar n.º 2/93 de 20-4-2005[21].

Consequentemente, as duas questões jurídicas centrais que se suscitam no presente parecer incidem:
a) No respeito pelo projecto de acordo bilateral de auxílio judiciário mútuo da Constituição da República Portuguesa;
b) Na conformação do direito ordinário português com o projecto de acordo bilateral de auxílio judiciário mútuo, e, eventuais necessidades de adaptação do texto do projecto ao direito ordinário e/ou alteração do direito interno em face da vinculação internacional, que será assumida pela República Portuguesa com a aprovação e ratificação do Acordo.

V. Apreciação do projecto de «Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal» revisto pelo Gabinete para as Relações Internacionais Europeias e de Cooperação do Ministério da Justiça de 14 de Fevereiro de 2008

V.1 Incidência da apreciação desenvolvida na informação-parecer

A apreciação do projecto (que se apresenta como uma eventual contraproposta de negociação a enviar por Portugal às autoridades paraguaias) vai restringir-se «a matéria de legalidade», nos termos do artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, incidindo em primeira linha na conformidade desse texto com as normas e princípios constitucionais portugueses.
Seguindo uma matriz assumida noutras ocasiões por este Conselho Consultivo, vai ainda empreender-se o confronto das disposições do projecto com a lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal[22]. Sem embargo, de, caso o acordo de auxílio judiciário mútuo venha a seguir a tramitação constitucional exigível no plano jurídico-formal, se sobrepor à legislação ordinária nacional, incluindo, naturalmente, a lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal (atento o disposto no art. 8.º, n.º 2, da Constituição)[23].

V.2 Admissibilidade constitucional de vinculação internacional da República Portuguesa a um acordo com o conteúdo do projecto revisto

Em nenhum segmento se detecta qualquer colisão do projecto com a Constituição da República Portuguesa, em particular com o disposto nos arts. 20.º, 24.º, 25.º, 27.º, 28.º, 29.º, 32.º, 33.º e 34.º, da Constituição.

V.3 Análise do projecto em face da legislação interna

O projecto de Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal revisto em 14-2-2008 desenvolve-se de acordo com uma sistemática apreensível, que, embora com variantes relativas a outros tratados bilaterais, por si só, não suscita problemas de desconformidade ou contradição normativa[24].

A terminologia empregue no título e corpo do projecto, auxílio judiciário mútuo em matéria penal, é adequada ao respectivo escopo e às pautas semânticas estabelecidas na legislação actualmente em vigor em Portugal, em particular, a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (arts. 1.º, al. f), 6.º, n.º 2, al. d), 145.º e 146.º).

O estabelecimento de acordos de auxílio judiciário mútuo, como o projecto em análise, é abstractamente conformado por objectivos de interesse público, nomeadamente estabelecidos no quadro da Organização das Nações Unidas, no sentido de que «pode contribuir consideravelmente para o estabelecimento de uma cooperação internacional mais eficaz na luta contra na delinquência»[25].

O objecto e âmbito do auxílio judiciário recortado no art. 1.º do projecto respeita os parâmetros estabelecidos no art. 145.º, n.º 1, da lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal: «O auxílio compreende a comunicação de informações, de actos processuais e de outros actos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo, bem como os actos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos da infracção».
Em termos gerais, o auxílio judiciário mútuo em matéria penal reporta-se a cooperação judiciária internacional numa interacção em que o Estado requerido pratica actos judiciários no seu território a pedido das autoridades do Estado requerente e com vista a processo penal aí pendente.
Num plano abstracto, o auxilio judiciário em matéria penal pode reportar-se a processo penal em sentido amplo (tanto ao nível da diacronia processual como da própria integração sistemática das infracções)[26]. Amplitude conceptual que não prejudica a possibilidade de serem introduzidas restrições no direito convencional, pelo que o âmbito mais limitado estabelecido no projecto, «processos relativos a infracções cujo conhecimento seja da competência das autoridades judiciárias do Estado requerente», se integra nas referidas balizas do auxílio judiciário mútuo em matéria penal.

As variantes, terminológicas e de elenco, do art. 1.º do projecto (objecto e âmbito do auxílio), relativamente à enumeação exemplificativa do n.º 2 do art. 145.º da lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, não colidem com a teleologia do regime jurídico nacional sobre auxílio judiciário mútuo.
Contudo, algumas das soluções adoptadas podem encerrar dispensáveis ambiguidades definitórias, e constituir potenciais focos de dúvidas evitáveis:
a) Afigura-se mais clara a fórmula «notificação de actos e entrega de documentos» da lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, por contraponto à empregue na al. a) do n.º 2 do art. 1.º, do projecto («notificação de documentos e de actos processuais»). Aliás nos acordos de auxílio judiciário mútuo em matéria penal mais recentemente celebrados pela República Portuguesa, com a República Democrática e Popular da Argélia[27] e a República Popular da China[28], preserva-se sempre a expressão «entrega de documentos»[29].
b) A previsão no art. 1.º, n.º 2, al. b) do projecto relativa a «obtenção de provas» embora se apresente em linha com a lei de cooperação (art. 145.º, n.º 2, al. b)) é questionável tecnicamente na medida em que estando previstos meios de obtenção de prova na al. c) («revistas, buscas, apreensões de bens e exames»), e na al. d) produção de meios de prova («a notificação de suspeitos, arguidos, testemunhas ou peritos e a audição dos mesmos») se apresenta ambíguo o universo que se visa regular, pelo que se entende que a mesma devia ser abandonada e caso existam eventuais meios de prova e de obtenção de prova que se pretenda abranger enunciar os mesmos de forma descritiva[30].
c) Não se considera que exista qualquer motivo para na al. c) do n.º 2 do art. 1.º se referir «apreensões de bens», em vez de simplesmente apreensões, ou, preferindo-se uma referência mais extensa, preservar o cânone definitório do art. 176.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apreensões de objectos[31].

Conexa com a problemática, já referida, da vinculação funcional do auxílio judiciário mútuo ao processo penal apresenta-se a exigência da dupla incriminação (art. 2.º, do projecto), bem como a exclusão das «infracções militares que não constituam infracções de direito comum» (art. 1.º, n.º 4, do projecto) que também não colidem com as regras vigentes do ordenamento jurídico português. Essas prescrições e a exclusão das infracções de natureza fiscal (art. 3.º, n.º 1, al. f)) são opções político-criminais e/ou o resultado de processos negociais que não suscitam comentários de índole técnica[32].
Os outros casos de recusa de auxílio (art. 3.º, n.º 1, als. b), c) e d) e n.º 4) também correspondem a pautas aceites na comunidade internacional e no direito português[33].
O enunciado relativo às categorias que «não se consideram infracções de natureza política ou com elas conexas» corresponde a pautas conformes o direito constitucional e internacional relevante[34].
Existindo, naturalmente, uma margem ampla de concreta conformação de soluções derivadas das exigências de consenso no processo negocial, pode-se referir que, sem prejuízo da consequente plasticidade normativa, pode apresentar vantagens operativas uma previsão expressa da recusa ou diferimento do auxílio que vise «não causar prejuízo a uma investigação, perseguição ou qualquer outro procedimento em curso no Estado requerido»[35].

Já as previsões conexas com o ne bis in idem, que constam do art. 3.º, n.º 1, al. e), primeira parte[36] (onde aliás se supõe existir um lapso e onde se refere Estado requerente se queira dizer Estado requerido) e do art. 4.º, n.º 1, do projecto[37], afigura-se-nos que podiam compreender a adopção de fórmulas mais claras, e em sintonia com a terminologia de instrumentos normativos da ordem jurídica interna, que satisfazem as exigências desse princípio no direito português.
Na clarificação normativa, além do art. 8.º, da lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal, que conformou o preceito em causa[38], poderia apresentar-se pertinente convocar o art. 19.º, do mesmo diploma[39], e o art. 54.º, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
«Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma Parte Contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma acção judicial intentada por uma outra Parte Contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja actualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da Parte Contratante em que a decisão de condenação foi proferida.»

Preceito da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen cuja interpretação é iluminada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades. Em particular, o acórdão proferido no processo C-469/03 (de 10-3-2005) que incidu sobre a questão prejudicial seguinte: «Deve aplicar‑se o artigo 54.° da [CAAS] no caso de a decisão judiciária adoptada no primeiro Estado consistir numa decisão de renúncia à instauração da acção penal, sem qualquer juízo sobre os factos e apenas assente no pressuposto de que já foi instaurada uma acção judicial noutro Estado‑Membro?». Tendo o Tribunal sublinhado que «Resulta do próprio conteúdo do artigo 54.° da CAAS que ninguém pode ser submetido a uma acção judicial num Estado‑Membro em virtude dos mesmos factos pelos quais já foi «definitivamente julgado» noutro Estado‑Membro» (§ 29), e no que concerne à questão colocada: «o princípio non bis in idem, consagrado no artigo 54.° da CAAS, não é aplicável a uma decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro que arquiva um processo, após o Ministério Público, sem qualquer apreciação de mérito, ter decidido não instaurar a acção penal com o único fundamento de já ter sido instaurada noutro Estado‑Membro uma acção penal contra o mesmo arguido e pelos mesmos factos».

Por seu turno no processo C-288/05 (de 18-7-2007), o Tribunal de Justiça reiterou anterior jurisprudência: «por um lado, no n.° 36 do acórdão de 9 de Março de 2006, Van Esbroeck (C‑436/04, Colect., p. I‑2333), que o único critério relevante para efeitos da aplicação do artigo 54.° da CAAS é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si e, por outro, no n.° 42 do mesmo acórdão, que este critério se aplica independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido (v. igualmente acórdão de 28 de Setembro de 2006, Van Straaten, C‑150/05, Colect., p. I‑9327, n.os 48 e 53)» (§ 29).
Concluindo, «que o artigo 54.° da CAAS deve ser interpretado no sentido de que:
«- o critério pertinente para efeitos da aplicação do referido artigo é o da identidade dos factos materiais, entendida como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido
«– factos que consistem na recepção de tabaco estrangeiro de contrabando num Estado contratante e na importação e posse do mesmo tabaco noutro Estado contratante, caracterizados pela circunstância de o arguido, que foi julgado em dois Estados contratantes, ter desde o início a intenção de transportar o tabaco, após a primeira recepção, através de vários Estados contratantes até um destino final, constituem comportamentos susceptíveis de fazer parte do conceito de «mesmos factos» na acepção do artigo 54.° A apreciação definitiva a este respeito cabe às instâncias nacionais competentes.».


Outra via possível seria uma formulação de carácter mais sucinto e assertivo, atento ao imperativo constitucional sintético estabelecido no n.º 5 do art. 29.º, da Constituição: «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime» tem uma dimensão prescritiva suficientemente clara que podia marcar de forma directa o texto. Matriz sintética seguida na Convenção com a Argélia e Acordo com a China que se afigura preferível à prolixidade neste segmento do projecto em apreciação (cujo texto deixa maiores dúvidas em aberto sobre as implicações do be bis in idem à luz do acordo)[40].

Os arts. 6.º, 7.º, 8.º e 9.º, do projecto apresentam-se em sintonia com o direito interno português e não suscitam comentários particulares, tal como o art. 5.º, que não tendo equivalente nalguns tratados bilaterais de auxílio judiciário mútuo em matéria penal, se revela sustentado no princípio constitucional da proporcionalidade e congruente com a lei interna de cooperação judiciária internacional em matéria penal[41].

O art. 10.º sobre a comparência de suspeitos, arguidos, testemunhas ou peritos apresenta-se em sintonia com o disposto no art. 154.º, da lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, art. 8.º da Convenção com a Argélia e art. 9.º do Acordo com a China.

Os arts. 11.º e 12.º do projecto regulam em termos ajustados, respectivamente, a temática da transferência de pessoas detidas e as imunidades e privilégios de todas as pessoas que comparecerem no território do Estado requerente para intervir em processo penal, ao abrigo dos arts. 10.º e 11.º do acordo[42].

O art. 13.º (produtos, objectos e instrumentos do crime) do projecto é uma norma que respeita a matriz estabelecida como padrão na lei interna[43].

O mecanismo de confidencialidade (art. 14.º, n.º 1 e n.º 2, do projecto) determina um sigilo potencialmente mais amplo do que o do direito processual penal interno, mas não colide com imperativos jurídico-constitucionais portugueses e afigura-se ponderado, com plasticidade adequada e proporcional, além de apresentar-se em sintonia com a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (arts. 11.º e 149.º)[44]. Plano em que ainda se pode ponderar o desenvolvimento no texto do projecto de exigências ao nível da forma de transmissão de pedidos[45].

O n.º 3 do art. 14.º, do projecto reporta-se à utilizabilidade das provas e informações obtidas, pelo que constitui uma norma de índole genérica que no plano sistemático e teleológico devia constituir um preceito autónomo da questão da confidencialidade e sigilo dos procedimentos (e apresentar-se como uma disposição geral). Preceito que poderia ser integrado numa norma que também salvaguardasse, através de pautas claras, a protecções de dados pessoais relativamente ao auxílio judiciário mútuo no quadro do presente instrumento bilateral[46].

Os restantes preceitos do projecto revisto pelo GRIEC (15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º 21.º e 22.º) apresentam-se conformes os princípios jurídicos do direito português, adequados às dimensões normativas e operativas do auxílio judiciário mútuo em matéria penal, respeitando os cânones do Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal das Nações Unidas.


Destas normas, em sintonia com o enquadramento jurídico-constitucional do projecto estabelecido acima, importa apenas ressaltar a prevalência, para todos os efeitos, das regras internas sobre competência. Pelo que a disposição do n.º 6 do art. 17.º, relativa à possibilidade de os Estados contratantes poderem a qualquer momento alterar a designação da autoridade central (no caso português a Procuradoria-Geral da República), e a denúncia, referida no art. 23.º do projecto, reportam-se, exclusivamente, à questão das relações bilaterais, e não derrogam as competências jurídico-constitucionais estabelecidas na República Portuguesa quanto às matérias da competência legislativa reservada da Assembleia da República (iniciativa do governo, aprovação parlamentar e ratificação presidencial)[47].


Conclusões:

1. O Projecto Revisto em 14-2-2008 de Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai relativo ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal não compreende disposições que ofendam normas e princípios constitucionais, nem colide com outras condicionantes relativas à capacidade de vinculação internacional da República Portuguesa.
2. A eventual vinculação internacional de Portugal a um acordo com o escopo e o objecto do projecto analisado carece, caso seja concluída com sucesso a fase de negociação governamental, de aprovação pela Assembleia da República e ratificação pelo Presidente da República, por força do complexo normativo constituído pelos arts. 8.º, n.º 2, 135.º, al. b), 161.º, al. i), 165.º, n.º 1, al. c) e 197.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa
3. As normas do projecto confrontadas com o direito português vigente, suscitam os comentários mencionados no texto do parecer (em particular no § V.3).
Lisboa, 21 de Junho de 2011
O Procurador-Geral-Adjunto,


______________________________________________
(Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita)








[1] A solicitação consta do ofício n.º 1588, de 18-3-2008, do Gabinete do então Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros e deu entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 19-03-2008.
[2] Na informação do GRIEC referem-se documentos anteriores ao projecto de 14-2-2008, nomeadamente, uma versão enviada pelo Paraguai e entrada nesse organismo do Ministério da Justiça em 10-11-2004, uma versão revista pelo GRIEC em 3-12-2004, posteriores propostas de alteração remetidas pelas autoridades do Paraguai e uma «contraproposta» elaborada pelo GRIEC em 4-4-2006.
[3] Sem embargo de também se ponderar a estrutura argumentativa da informação do GRIEC, por seu turno, difícil de dissociar das críticas aí desenvolvidas sobre as variantes introduzidas na versão castelhana da proposta de alteração e aditamentos da República do Paraguai (que também acompanhou o ofício) e do juízo global formulado no sentido de que as alterações e novas disposições apresentadas pelo Paraguai «poderão obstar à assinatura do projecto de Acordo» (p. 2 da Informação N.º 66-GRIEC-RI/07).
[4] DR I Série, n.º 64, Suplemento, de 31 de Março de 2011.
[5] DR I Série, n.º 69, Suplemento, de 7 de Abril de 2011.
[6] Cf. J. da Silva Cunha, Direito Internacional Público – Introdução e fontes, Almedina, Coimbra (5ª ed.), 1991, pp. 188-191.
[7] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2005, p. 88.
[8] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 92; Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2008, p. 411; Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, Principia, Parede, 2009, p. 139.
[9] Direito Processual Penal (lições coligidas por Mª João Antunes), policopiado - secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1989, p. 5.
[10] Como sublinha Rui Medeiros, «as convenções internacionais compreendem na terminologia constitucional, quer os tratados – tratados solenes submetidos a ratificação –, quer os acordos internacionais» (Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 685). Na anotação ao art. 161.º na mesma obra Jorge Miranda enfatiza: «Após a revisão de 1997 todos os tratados, sem excepção, passarama a ser por ela [Assembleia da República] aprovados, assim como os acordos em forma simplificada sobre matéria de sua competência legislativa reservada (compreendendo-se nesta quer aa s matéria de reserva absoluta quer as de reserva relativa)» (op. cit., p. 499). No mesmo sentido Gomes Canotilho / Vital Moreira concluem: «Hoje a competência da AR alargou-se a todos os tratados e aos acordos em forma simplificada sobre matéria da sua competência reservada (absoluta e relativa)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Ed.ª / Wolters Kluwer, Coimbra, 4.ª ed., 2010, p. 294, vd. Ainda p. 474).
[11] Idem, ibidem. Acrescentando, «Obviamente, a AR não pode delegar no Governo, a aprovação de convenções, pois só existem delegações legislativas».
[12] V.g. Fernando Loureiro Ramos, «O procedimento de vinculação internacional do Estado Português», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXIX, n. 1, pp. 43-46.
[13] No mesmo sentido, Gomes Canotilho / Vital Moreira sublinham que «por identidade de razão compete também à AR a aprovação da denúncia de convenções que lhe compete aprovar» (idem, ibidem).
[14] Op. cit., pp. 685-686.
[15] Estando aliás sujeita à fiscalização de constitucionalidade, ainda que com variantes, cf. arts. 277.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, 279.º, n.º 4 e 280.º, n.º 3, da Constituição.
[16] Ressaltando no sentido dessa conclusão, as implicações decorrentes dos princípios da soberania (artigos 1.º e 9.º, al. a), da Constituição) e do Estado de Direito (arts. 2.º e 9.º, al. b), da Constituição). V.g. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra (4.ª ed.), 2007, p. 255; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 93; Jorge Miranda, op. cit., p. 155; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 450; Wladimir Brito, Direito Internacional Público, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 129. Como se referiu no texto existem variantes doutrinárias, na identificação de normas de Direito Internacional convencional que prevalecem sobre a Constituição, podendo referir-se a título meramente ilustrativo algumas que não colocam em causa a conclusão do parecer quanto à Convenção ETS n.º 196. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros preconizam que o primado do Direito Internacional sobre a Constituição também abrange «o Direito Internacional convencional particular que versa sobre Direitos do Homem, e neste caso em consequência do art. 16.º, n.º 1 [...]. A idêntica conclusão se chega no que respeita à Declaração Universal dos Direitos do Homem, por imposição do art. 16.º, n.º 2, se não se entender, como entendemos, que ela cabe no art. 8.º, n.º 1» (op. cit., p. 121), esses autores, contudo já consideram que «o demais Direito Internacional convencional» «cede perante a Constituição mas tem valor supralegal» (op. cit., p. 121). Paulo Otero considera que existe um primado dos tratados comunitários sobre a Constituição (Legalidade e Administração Pública : o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 605 e ss.). Eduardo Correia Baptista preconiza o valor supraconstitucional da Carta das Nações Unidas, Convenção de Genebra de 1949, protocolo de 1977 e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, por diferentes motivos, dos tratados constitutivos das Comunidades Europeias e da União Europeia (Direito Internacional Público, v. 1, Lex, Lisboa, respectivamente, pp. 438-439 e 445).
[17] Cf. acórdãos n.º 32/88, 168/88, 494/99 e 522/2000.
[18] V.g. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 121; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds), op. cit., p. 94; Jorge Miranda, op. cit., p. 171; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 456.
[19] Informação-parecer (relator Souto de Moura) que recebeu despacho do Procurador-Geral da República de 2-3-1995 e se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[20] Informação-parecer (relator Lucas Coelho), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[21] Informação-parecer (relator Paulo Sá), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[22] Que no parecer n.º 66/1998 de 15-02-1999 (relator: António Henriques Gaspar), se considerou que «constitui um modelo a seguir na elaboração de específicas vinculações bilaterais», acessível sem reservas em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/. Então o parecer reportava-se ao Decreto-Lei nº 49/91, de 22 de Janeiro, revogado pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto que consagrou o regime hoje em vigor (objecto de alterações aprovadas pela Lei n.º 104/2001, de 25 de Agosto, Lei n.º 48/2003, de 22 de Agosto, Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto e Lei n.º 115/2009, de 10 de Abril).
[23] Cf.supra § IV.4 do presente parecer.
[24] O projecto revisto objecto de apreciação constitui anexo deste parecer, optando-se por não transcrever o seu texto de forma exaustiva para não submergir os comentários num texto demasiado extenso e pesado.
[25] Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aprovado pela Resolução nº 45/117 da Assembleia Geral das Nações Unidas, na 68ª Sessão Plenária, de 14 de Dezembro de 1990 (Compilação das Normas e Princípios das Nações em Matéria de Prevenção do Crime e de Justiça Penal, separata autónoma de Documentação e Direito Comparado n.º 61/62, Gabinete de Documentação e Direito Comparado – Procuradoria-Geral da República, Lisboa, p. 95).
[26] Conceito amplo que tem estado presente em anteriores abordagens do Conselho Consultivo sobre o tema, v.g. pareceres n.º 40/97, de 7-11-1997 (relator Garcia Marques) e n.º 66/98, de 15-2-1999 (já citado). Como exemplo paradigmático da referida amplitude refira-se o art. 49.º, do Acordo de Aplicação do Acordo de Schengen em que se prescreve que o auxilio judiciário aí regulado pode abranger «processsos relativos a factos que, segundo a egislação nacional de uma ou de ambas as partes contratantes, sejam puníveis como infracções a regulamentos processadas por autoridades administrativas cujas decisões possam ser objecto de um recurso perante um órgão jurisdicional competente, nomeadamente em matéria penal».
[27] Aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 50/2008, de 16 de Setembro.
[28] Aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/2009, de 1 de Abril.
[29] Cf., respectivamente, arts. 1.º, n.º 2, al. b) e 1.º, n.º 2, al. a).
[30] Em linha com a metodologia empregue nos acordos com a Argélia e a China. Afigura-se particularmente de evitar qualquer dúvida sobre admissibildiade de medidas com uma carga de intromissão elevada na privacidade (v.g. escutas telefónicas) por via do emprego de um conceito genérico.
[31] Nos citados acordos com a Argélia e a China emprega-se apenas a expressão «apreensão», cf. arts. 1.º, n.º 2, al. f) e art. 1.º, n.º 2, al. i).
[32] Estando, nomeadamente, previstas nos motivos referidos no art. 4.º, e em particular na nota de rodapé n.º 10, e o n.º 1, al. f), do Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aprovado pela Resolução nº 45/117 da Assembleia Geral das Nações Unidas, na 68ª Sessão Plenária, de 14 de Dezembro de 1990 e art. 7.º, n.º 1, al. b), da lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal..
[33] Cf. art. 4.º, n.º 1, als. a) e c) do Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal das Nações Unidas e arts. 6.º, als. b) e d), da lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal.
[34] Sendo teleologicamente próximas das disposições do art. 3.º, n.º 1, al. d) e do art. 3.º, n.º 2, dos Acordos de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, respectivamente, com a Argélia e a China e em sintonia com o art. e 7.º, n.º 1 al. a) e n.º 2, da lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal.
[35] Transcreveu-se a formulação do n.º 3 do art. 3.º do Acordo de Auxílio Judiciário Mútuo em vigor entre a República Portuguesa e a República Popular da China.
[36] «O auxílio é recusado se o Estado requerido considerar […] Que a prestação do auxílio prejudica um procedimento penal pendente no território do Estado requerente […]».
[37] «1 - O auxílio é também recusado se: a) A infracção foi cometida em qualquer dos Estados contratantes e, instaurado o correspondente processo, este rterminou com sentença absolutória ou decisão de arquivamento; b) A sentença condenatória se encontra integralmente cumprida, ou não pode ser cumprida segundo o direuito do Estado requerente; c) A acção penal se encontrar extinta por qualquer motivo. 2- O disposto nas alíneas a) e b) do número anterior não se aplica se o pedido for formulado para fins de revisão de sentença e os fundamentos desta forem idênticosaos admitidos na legislação do Estado requerido. 3 – O disposto na alínea a) do n.º 1 não obsta à cooperação em caso de reabertura do processo arquivado com fundamento previsto na lei.»
[38] «1 - A cooperação não é admissível se, em Portugal ou noutro Estado em que tenha sido instaurado procedimento pelo mesmo facto: a) O processo tiver terminado com sentença absolutória transitada em julgado ou com decisão de arquivamento; b) A sentença condenatória se encontrar cumprida ou não puder ser cumprida segundo o direito do Estado em que foi proferida; c) O procedimento se encontrar extinto por qualquer outro motivo, salvo se este se encontrar previsto, em convenção internacional, como não obstando à cooperação por parte do Estado requerido. 2 - O disposto nas alíneas a) e b) do número anterior não se aplica se a autoridade estrangeira que formula o pedido o justificar para fins de revisão da sentença e os fundamentos desta forem idênticos aos admitidos no direito português. 3 - O disposto na alínea a) do n.º 1 não obsta à cooperação com fundamento na reabertura de processo arquivado previsto na lei.»
[39] «Quando for aceite um pedido de cooperação que implique a delegação do procedimento em favor de uma autoridade judiciária estrangeira, não pode instaurar-se nem continuar em Portugal procedimento pelo mesmo facto que determinou o pedido nem executar-se sentença cuja execução é delegada numa autoridade estrangeira.»
[40] Cf. respectivamente art. 3.º, n.º 1, al. b) da Convenção com a Argélia e art. 3.º, n.º 1, al. e), do Acordo com a China.
[41] Art. 10.º: «A cooperação pode ser recusada se a reduzida importância da infracção não a justificar».
[42] A epígrafe do art. 12.º do projecto não tem lastro no art. 157.º da lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal, e apresenta-se distinta dos arts. 5.º, n.º 4, 5 e 6, da Convenção com a Argélia e do art. 11.º, do Acordo com a China, mas compreende uma terminologia de matriz jurídica essencialmente anglófona que se afigura conforme o escopo da norma e, ajustadamente, com um âmbito mais amplo do que o dos referidos tratados bilaterais. Sem embargo, a fórmula «privilégios» sendo tecnicamente correcta, embora um conceito com uma dimensão polissémica no português pode justificar a admissão de alternativas como os termos prerrogativas ou garantias. De qualquer modo, afigura-se mais feliz, no plano técnico-jurídico, a epígrafe adoptada no art. 12.º, do projecto do que a que consta da lei interna (art. 157.º) e da tradução portuguesa do art. 15.º do do Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal das Nações Unidas (salvo-conduto).
[43] Art. 160.º: «1 - A pedido de autoridade estrangeira competente, podem ser efectuadas diligências destinadas a averiguar se quaisquer produtos do crime alegadamente praticado se encontram em Portugal, comunicando-se os resultados dessas diligências. 2 - Na formulação do pedido, a autoridade estrangeira informa das razões pelas quais entende que esses produtos podem encontrar-se em Portugal. 3 - A autoridade portuguesa providencia pelo cumprimento de decisão que decrete a perda de produtos do crime, proferida pelo tribunal estrangeiro, observando-se correspondentemente o disposto no título IV, na parte aplicável. 4 - Quando a autoridade estrangeira comunicar a sua intenção de pretender a execução da decisão a que se refere o número anterior, a autoridade portuguesa pode tomar as medidas permitidas pelo direito português para prevenir qualquer transacção, transmissão ou disposição dos bens que sejam ou possam ser afectados por essa decisão. 5 - As disposições do presente artigo são aplicáveis aos objectos e instrumentos do crime.»
[44] Art. 11.º: «1 - Na execução de um pedido de cooperação formulado a Portugal observam-se as disposições do Código de Processo Penal e legislação complementar relativas à recusa de testemunhar, às apreensões, às escutas telefónicas e ao segredo profissional ou de Estado e em todos os outros casos em que o segredo seja protegido. 2 - O disposto no número anterior aplica-se a informações que, segundo o pedido, devam ser prestadas por pessoas não implicadas no procedimento penal estrangeiro.» Art. 149.º: «1 - Se um Estado estrangeiro ou uma entidade judiciária internacional o solicitar, é mantida a confidencialidade do pedido de auxílio, do seu conteúdo e dos documentos que o instruam, bem como da concessão desse auxílio. 2 - Se o pedido não puder ser cumprido sem quebra da confidencialidade, a autoridade portuguesa informa a autoridade interessada para que decida se o pedido deve, mesmo assim, ser executado.» Vd. Ainda o art. 9.º do Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal das Nações Unidas.
[45] O art. 7.º, n.º 5, do projecto prescreve: «Os pedidos de auxílio, bem como toda a documentação que os deve acompanhar podem ser transmitidos por correio, telefax, correio electrónico ou por qualquer outro meio que permita a sua recepção no Estado requerido, devendo ser confirmados através do envio do original assinado pela autoridade referida na alínea a) do n.º 1 nos 10 dias posteriores à sua formulação». Por seu turno o art. 22.º, n.º 1 da lei interna sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal dispõe: «Quando disponíveis, e mediante acordo entre os Estados requerente e requerido, podem utilizar-se na transmissão dos pedidos os meios telemáticos adequados, nomeadamente a telecópia, desde que estejam garantidas a autenticidade e confidencialidade do pedido e a fiabilidade dos dados transmitidos».
[46] Que existem no quadro de outros instrumentos sobre auxílio judiciário mútuo vigentes na ordem jurídica interna. Recorde-se o art. 26.º, do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aberto à assinatura em Estrasburgo em 8 de Novembro de 2001 e aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 18/2006: «1 - Os dados de carácter pessoal transmitidos de uma Parte para outra, em resultado da execução de um pedido apresentado ao abrigo da Convenção ou de um dos seus Protocolos, só podem ser utilizados pela Parte para a qual foram transmitidos: a) Para efeitos de procedimentos a que se aplique a Convenção ou um dos seus Protocolos; b) Para efeitos de outros procedimentos judiciais ou administrativos directamente relacionados com os procedimentos referidos na alínea a); c) Para prevenir uma ameaça imediata e grave à segurança pública. 2 - Todavia, esses dados podem ser utilizados para outros fins após o consentimento prévio quer da Parte que transmitiu os dados quer da pessoa em causa. 3 - Qualquer Parte pode recusar transmitir os dados obtidos em resultado da execução de um pedido apresentado ao abrigo da Convenção ou de um dos seus Protocolos se: Esses dados estiverem protegidos nos termos da sua legislação nacional; e a Parte para a qual os dados deviam ser transmitidos não estiver vinculada pela Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, feita em Estrasburgo em 28 de Janeiro de 1981, salvo se essa Parte se comprometer a conceder aos dados a mesma protecção que lhes é concedida pela primeira Parte. 4 - A Parte que transmite dados obtidos em resultado da execução de um pedido apresentado ao abrigo da Convenção ou de um dos seus Protocolos pode solicitar à Parte para a qual os dados foram transmitidos informações acerca da utilização que deles tiver sido feita. 5 - Qualquer Parte pode, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, exigir que, no âmbito dos procedimentos relativamente aos quais podia ter recusado ou limitado a transmissão ou utilização de dados pessoais de carácter pessoal em conformidade com as disposições da Convenção ou de um dos seus Protocolos, os dados de carácter pessoal que transmitir a outra Parte só sejam utilizados por esta última para os fins referidos no n.º1 com o seu acordo prévio.»
[47] Supra § IV.2. Quanto à aludida das relações bilaterais o preceito corresponde ao art. 21.º, n.º 4, do Tratado Tipo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal das Nações Unidas.