Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003355
Parecer: P000022016
Nº do Documento: PPA1703201600200
Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
CONVENÇÃO DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA PENAL ENTRE OS ESTADOS DA CPLP
DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL
RECUSA DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO
AUXÍLIO JUDICIÁRIO
AUTORIDADE CENTRAL
AUTORIDADE JUDICIÁRIA
DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA FLAGRANTE
PRINCÍPIO DO REQUERIMENTO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
TRATADO MULTILATERAL
PRIMADO DO DIREITO CONSTITUCIONAL
COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA
MINISTÉRIO PÚBLICO
EXTRADIÇÃO
EXECUÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
PRODUÇÃO DE PROVA
MOTIVOS
INTERESSES PROTEGIDOS
Área Temática:DIR INTER PUB/DIR JUDIC/DIR PROC PENAL/TRATADOS/DIR CONST
Ref. Pareceres:I000701994Parecer: I000701994
I000361999Parecer: I000361999
I000021993Parecer: I000021993
I000042008Parecer: I000042008
I000322008Parecer: I000322008
I000102014Parecer: I000102014
I000411998Parecer: I000411998
P000182015Parecer: P000182015
P000012013Parecer: P000012013
I000701998Parecer: I000701998
Legislação:RAR 46/2008 DE 18/07; DPR 64/2008 DE 12/09; AV 181/2011 DE 10/08; L 144/99 DE 31/08; L 104/2011 DE 25/08; L 48/2003 DE 22/08; L 48/2007 DE 29/08; L 115/2009 DE 12/10; EMP ART12 N2 B) C) ART13 N1 ART31 ART37 E) ART42 N1 N2 ART47 N1 ART73 N1 ART264 N1 N2 N3; CPA 2015 ART47 N1 ART91 N2 ART92 N1; CONST76 ART1 ART2 ART8 N2 ART9 ART119 N1 B) ART135 B) ART161 A) ART165 N1 C) ART197 N1 A) B); L 74/98 DE 11/11; L 2/2005 DE 24/01; L 26/2006 DE 30/06; L42/2007 DE 24/08; L 43/2014 DE 11/07; CPP ART1 B) ART229 ART231 N2; RAR 39/94 DE 14/07DPR 56/94 DE 14/07; RAR 49/94 DE 12/08; RAR 63/2001 DE 16/10; DESP 1246/2016 DE 12/01; DL 388/80 DE 22/09 ART1 ART4 ART6; DL 333/99 DE 20/08; DL 86/2009 DE 3/04; RAR 49/2008 DE 15/09; DPR 67/2008 DE 15/09; RAR 67/2003 DE 29/05; DPR 46/2003 DE 07/08; RAR 48/2008 DE 15/09; DPR 66/2008 DE 15/09.
Direito Comunitário:CONVENÇÃO EUROPEIA DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL DO CONSELHO DA EUROPA DE 1959 (PROTOCOLOS ADICIONAIS À CONVENÇÃO DE 7/03/1978 E 8/11/2001)
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
ACÓRDÃOS DO TEDH: 9154/10 DE 15/12/2015; 12747/87 DE 26/06/1992; 55721/07, DE 07/07/2011; 1438/88 DE 7/07/1989; 69917/01 DE 18/12/2008; 24027/07 DE 10/04/2012; 11949/08 DE 10/04/2012; 36742/08 DE 10/04/2012; 67354/09 DE 10/04/2012; 370754/09 DE 27/10/2011; 43759/10 DE 08/01/2013; 43771/12 DE 08/01/2013
Direito Internacional:CONVENÇÃO DE EXTRADIÇÃO ENTRE ESTADOS DA CPLP DE 23/11/2005
CONVENÇÃO DE VIENA DE 1969
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM DE 1948
CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS DE 1981
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS DE 1969
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STJ DE 21/11/2013 P87/13.6YREVR.S1
AC TCONTAS N32/88
AC TCONTAS N168/88
AC TCONTAS N494/99
AC TCONTAS N522/2000
AC TCONTAS N384/2005
AC TCONTAS N117/2008
AC TCONTAS N444/2008
AC TCONST N223/95
AC TCONST N121/97
AC TCONST N180/97
AC TCONST N345/99
AC TCONST N157/01
AC TCONST N416/03
AC TCONST N155/07
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1. A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia em 23 de novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008, em 18 de julho de 2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro, apresenta a natureza de tratado-normativo e multilateral tendo em Portugal valor infraconstitucional e primado sobre o direito interno ordinário, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
2. A força jurídica da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP foi feita depender do depósito de, pelo menos, três instrumentos de ratificação, iniciando-se no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP tenham expressado o seu consentimento em ficar vinculados à Convenção (atento o disposto no artigo 19.º desse tratado multilateral).
3. Segundo o aviso n.º 181/2011 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 10 de agosto, a República Portuguesa depositou em 1 de fevereiro de 2010, junto do Secretariado Executivo da CPLP, o seu instrumento de ratificação relativo à Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP, a qual se encontrava em vigor para a República Federativa do Brasil, a República de Moçambique e a República Democrática de São Tomé e Príncipe desde 1 de agosto de 2009, vigora para a República de Angola desde 1 de janeiro de 2011, e para a República Democrática de Timor-Leste desde 1 de maio de 2011.
4. As normas da lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (LCJIMP), aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, apenas se aplicam ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal nas relações da República Portuguesa com Estados Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP na falta ou insuficiência das normas desse tratado multilateral, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível infraconstitucional, de acordo com o prescrito nos artigos 1.º e 20.º da Convenção, 3.º e 145.º, n.º 11, da LCJIMP e 229.º do Código de Processo Penal (CPP).
5. Aos pedidos de auxílio judiciário recebidos na República Portuguesa emitidos por entidades competentes de um Estado Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são, ainda, subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.
6. No âmbito do auxílio judiciário mútuo em matéria penal em que a República Portuguesa intervenha como Estado requerido, as competências da autoridade central são, em primeira linha, as que decorrem das normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, apenas se aplicando as normas da lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal na falta ou insuficiência daquelas.
7. Para efeitos de receção dos pedidos de cooperação regulada pela lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, bem como para todas as comunicações que aos mesmos digam respeito, a ProcuradoriaGeral da República foi designada como autoridade central, pelo artigo 21.º, n.º 1, da LCJIMP.
8. Ao abrigo da lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, a ProcuradoriaGeral da República como autoridade central não tem qualquer competência decisória sobre a recusa de pedidos de auxílio judiciário rececionados, incumbindo-lhe, apenas, a comunicação das eventuais recusas às autoridades estrangeiras (artigos 24.º, n.º 3, e 30.º, n.º 1, da LCJIMP).
9. Relativamente a pedidos de auxílio judiciário formulados à República Portuguesa que tenham sido encaminhados para a autoridade judiciária portuguesa e em que, no processamento interno, seja aplicável a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, a decisão final sobre a eventual recusa compete à autoridade judiciária, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da LCJIMP.
10. No âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a República Portuguesa aceitou como via de transmissão e de receção dos pedidos de auxílio judiciário a comunicação direta entre autoridades judiciárias competentes ou entre estas e as autoridades centrais ou entre autoridades centrais, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 7.º da referida Convenção e do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro.
11. Pelo que, a República Portuguesa estabeleceu como facultativa a intervenção da autoridade central nacional na receção de pedidos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
12. A intervenção em primeira instância da Procuradoria-Geral da República quanto a pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP em que Portugal seja o Estado requerido ocorre enquanto autoridade central, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 2, da Convenção e dos artigos 2.º, n.º 1, e 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro.
13. A Procuradoria-Geral da República quando atua como autoridade central da República Portuguesa para efeitos de receção de pedidos de auxílio no âmbito da aplicação da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP tem meras competências administrativas de encaminhamento do pedido, nomeadamente, para as autoridades judiciárias nacionais competentes.
14. Na medida em que os atos da Procuradoria-Geral da República como autoridade central relativos à receção e encaminhamento de pedidos de auxílio judiciário em que a República Portuguesa constitui o Estado requerido são de mera natureza administrativa (tanto ao abrigo lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal como da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP), a competência para a sua realização foi atribuída pela lei orgânica da Procuradoria-Geral da República (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 333/99, de 20 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 86/2009, de 3 de abril) à Divisão de Apoio Jurídico e Cooperação Judiciária a qual é dirigida por um chefe de divisão e encontra-se inserida nos Serviços de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria-Geral da República.
15. A autoridade central não tem competência para proferir decisões de recusa de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
16. A autoridade central portuguesa não tem quaisquer competências no estabelecimento da autoridade judiciária competente para apreciação e execução do pedido de auxílio, matéria que deve ser aferida, em primeira linha, pela autoridade judiciária que recebe o pedido de auxílio (diretamente ou por intermédio da autoridade central).
17. Relativamente aos pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP em que Portugal intervenha como Estado requerido, a decisão sobre o pedido incumbe «ao juiz ou ao Ministério Público no âmbito das respetivas competências», atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alíneas a) a d), e 4.º, n.º 1, da Convenção e nos artigos 1.º, alínea b), e 231.º, n.º 2, do CPP.
18. No plano procedimental, se a autoridade judiciária portuguesa competente concluir que existe motivo de recusa de um pedido de auxílio judiciário em matéria penal formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP e rececionado pela autoridade central, a esta entidade incumbe, apenas, devolver a carta comunicando a decisão da autoridade judiciária portuguesa à entidade estrangeira que formulou o pedido.
19. O Procurador-Geral da República enquanto órgão superior do Ministério Público pode, nomeadamente, emitir diretivas sobre a interpretação da lei que deve ser adotada pelos órgãos e magistrados do Ministério Público que intervenham como autoridade judiciária relativamente a pedidos de auxílio judiciário recebidos pela República Portuguesa no quadro da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 12.º, n.º 2, alínea c), 13.º, n.º 1, 37.º, alínea e), 42.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto do Ministério Público.
20. A aprovação da Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP pelos órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores constitui o resultado de uma opção política sobre a «cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados» que não pode ser escrutinada pelas instâncias de interpretação e aplicação da lei.
21. A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP não determinou uma transferência de soberania jurisdicional dos Estados requerentes para os Estados requeridos relativamente aos processos objeto dos pedidos que esteja para além da apreciação e realização de concretos atos de auxílio judiciário requeridos ao abrigo do referido tratado.
22. A autoridade judiciária competente para pedido de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa, atentos os princípios de direito internacional público e da legalidade processual, carece de suporte normativo para empreender valorações sobre a lei processual do Estado requerente ou a atuação das respetivas autoridades na aplicação interna daquelas leis no âmbito do processo em que foi solicitada cooperação judiciária.
23. Enquanto Estado requerido de cooperação judiciária solicitada ao abrigo de convenção internacional por um Estado que não integra o Conselho da Europa, a República Portuguesa ao apreciar se o processo pendente no estrangeiro preenche o conceito de denegação de justiça flagrante tem de atender à natureza do ato requerido, nomeadamente, se o mesmo se reporta à extradição de pessoas, execução de decisões judiciárias estrangeiras ou produção de prova.
24. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o conceito de denegação de justiça flagrante para efeitos de recusa de cooperação judiciária tem compreendido, além da ponderação da natureza do ato requerido, valorações sobre a gravidade das violações dos cânones da Convenção Europeia relativos ao fair trial, base e força probatórias dos juízos sobre o desrespeito desses valores, considerações relativas a elementos disponíveis sobre o perfil do Estado requerente em matéria de direitos humanos e considerandos sobre a diligência exigível aos Estados requeridos em pedidos de cooperação formulados por Estados que não são parte da Convenção.
25. A previsão dos motivos de recusa de auxílio judiciário que consta da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP é completa, não existindo nesse domínio qualquer insuficiência das normas desse tratado multilateral que legitime o recurso a regras da legislação ordinária portuguesa, o qual violaria o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 27.º da Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, em 29 de maio de 2003, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 7 de agosto) 1.º e 20.º da referida convenção de auxílio judiciário, 3.º e 145.º, n.º 11, da LCJIMP e 229.º do CPP.
26. As autoridades portuguesas quando requeridas ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, em regra, não podem recusar o auxílio judiciário com fundamento na circunstância de a infração não ser punível ao abrigo da lei nacional.
27. Contudo, reportando-se o pedido de auxílio à realização de buscas, apreensões, exames e perícias, a autoridade judiciária portuguesa deve, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 2 da Convenção aferir se os factos que deram origem ao pedido são puníveis à luz da legislação nacional com uma pena privativa de liberdade igual ou superior a seis meses, e, na negativa, recusar esses atos de obtenção ou produção de prova, exceto se os mesmos se destinarem à prova de uma causa de exclusão de culpa da pessoa contra a qual o procedimento foi instaurado.
28. O âmbito da apreciação empreendida pelas autoridades judiciárias portuguesas sobre «características do ordenamento jurídico do país emitente do pedido de auxílio» para efeitos de eventual recusa de cooperação requerida à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP é diferenciado em função da natureza do concreto ato requerido e da jurisdição da República portuguesa relativamente à matéria objeto do processo pendente no Estado requerente.
29. Um pedido de auxílio judiciário formulado à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP pode ser recusado com fundamento na circunstância de o respetivo cumprimento ofender a segurança nacional, a ordem pública ou outros princípios fundamentais do Estado Português, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea e), desse tratado.
30. Os interesses protegidos nos motivos de recusa previstos na cláusula da alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são do Estado requerido e não de indivíduos.
31. A apreciação do motivo de recusa previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP tem de se restringir à valoração do concreto pedido de auxílio judiciário.
32. Para efeitos de apreciação do motivo de recusa previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, as autoridades portuguesas não estão legitimadas a empreender uma sindicância (por via de indagações factuais próprias ou a partir de meras inferências suportadas em alegações factuais de terceiros) dos atos processuais praticados no processo penal pendente no Estado requerente à luz do respetivo ordenamento jurídico.
33. Sobre a condução do processo pelas entidades competentes do Estado requerente, a autoridade judiciária pode empreender valorações com vista a eventual recusa de auxílio com o fim de decidir se há fundadas razões para crer que o auxílio é solicitado para fins de procedimento criminal ou de cumprimento de pena por parte de uma pessoa, em virtude da sua raça, sexo, religião, nacionalidade, língua, ou das suas convicções políticas e ideológicas, ascendência, instrução, situação económica ou condição social, ou existir risco de agravamento da situação processual da pessoa por estes motivos, atento o motivo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
34. As autoridades judiciárias na apreciação de pedidos de auxílio judiciário requeridos à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP devem ponderar se os crimes invocados pelo Estado requerente são subsumíveis à categoria «infração de natureza política ou com ela conexa» e não estão integrados em nenhuma das ressalvas previstas no número 4 do artigo 3.º, já que, na afirmativa, o auxílio deverá ser recusado (com fundamento no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), daquele tratado).
35. Em sede de apreciação de pedido de auxílio judiciário recebido pela República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a única apreciação valorativa legítima da autoridade judiciária portuguesa sobre o regime processual do Estado requerente com relevo para eventual recusa de auxílio reporta-se ao eventual preenchimento do motivo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º da referida Convenção, com o fim de avaliar se o auxílio pode conduzir a julgamento por um tribunal de exceção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza.
36. Deve, ainda, atender-se a que, por força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a autoridade judiciária portuguesa pode recusar ou diferir o auxílio se concluir, de forma fundamentada, que a prestação do auxílio solicitado prejudica um procedimento penal pendente em Portugal ou afeta a segurança de qualquer pessoa envolvida naquele auxílio.
37. No quadro da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a apreciação de eventuais motivos de recusa de auxílio pode realizar-se depois de iniciada pela autoridade judiciária a execução de atos requeridos e reportar-se a alguns dos atos ou à forma da respetiva execução.
38. Os pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos recebidos em Portugal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são cumpridos em conformidade com o direito interno português, no respeito dos pressupostos prescritos na ordem jurídica nacional para a prática dos concretos atos.
39. Quando o Estado requerente solicite expressamente que o pedido de auxílio formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP seja cumprido em conformidade com as exigências da legislação desse Estado, a autoridade judiciária nacional condiciona o deferimento dessa pretensão à conclusão de que a mesma não contraria princípios fundamentais da República Portuguesa, nem causa graves prejuízos aos intervenientes no processo (atento o disposto no artigo 4.º, n.º 2, da referida Convenção).


Texto Integral:


Senhora Procuradora-Geral da República
Excelência:

I. Relatório
A consulta foi determinada por despacho de Sua Excelência a Procuradora-Geral da República a fim de ser apreciado por este Conselho Consultivo um elenco de questões devidamente enunciado em informação do Gabinete da Procuradora-Geral[1].
Na informação do Gabinete da Procuradora-Geral discriminam-se as seguintes questões objeto da consulta:
«1. Compete à Autoridade Central apreciar a existência de causas de recusa de um pedido de auxílio judiciário formulado por um Estado estrangeiro às autoridades portuguesas e decidir a recusa de cumprimento de tal pedido, nos termos da Lei 144/99, de 31 de agosto - lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal?
«1.1. Em caso negativo, a quem compete tal apreciação e decisão?
«1.2. No caso de o Estado requerente ser Parte na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ratificada por Portugal por Decreto do PR nº 64/2008, de 12 de setembro, a resposta à questão formulada em 1. sofre alteração? Em caso afirmativo, em que termos?
«2. No âmbito de um pedido de auxílio judiciário emitido pelas autoridades competentes de um Estado Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, podem as autoridades portuguesas invocar outras causas de recusa de cumprimento do pedido para além das previstas no n.º 1, do artigo 3.º, daquela Convenção, designadamente as previstas na al. a) do artigo 6.º da Lei 144/99?
«3. As causas de recusa previstas no artigo 6.º da Lei 144/99 e no artigo 3.º Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa devem ser aferidas atendendo apenas aos atos a praticar em execução do pedido de auxílio? Ou,
«4. Podem ser considerados pelas autoridades portuguesas como motivo de recusa, nos termos da al. a) do artigo 6.º da Lei 144/99 ou da al. e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, outros elementos, designadamente:
«a) atos praticados no processo em que foi emitida a carta rogatória cujo cumprimento é requerido às autoridades portuguesas,
«b) características do ordenamento jurídico do país emitente do pedido de auxílio?
«5. No caso de a resposta à pergunta precedente ser afirmativa, exige-se que esses outros elementos apresentem conexão com o concreto ato pedido às autoridades portuguesas?
«6. Tendo sido determinada a execução e encontrando-se parcialmente cumprido pelas autoridades judiciárias portuguesas um pedido de auxílio judiciário formulado por um Estado estrangeiro, poderá ainda haver lugar à apreciação de causas de recusa do pedido e, em consequência, ser proferida decisão de recusa de cumprimento?»[2]
Procedimento de consulta integrado pela informação do Gabinete da Procuradora-Geral remetida ao Conselho Consultivo e por dois requerimentos formulados pelos advogados Daniel Proença de Carvalho e Francisco Proença de Carvalho, em representação de uma pessoa coletiva do Brasil (a Construtora Norberto Oberdrecht), dirigidos à Procuradora-Geral da República e reportados a carta rogatória pendente em que a República Portuguesa é o Estado requerido, entrados em 4-12-2015 e 8-1-2016. O primeiro dos referidos requerimentos era acompanhado por um parecer de José Joaquim Gomes Canotilho e Nuno Brandão, e o segundo por dois pareceres, um subscrito por Jorge de Figueiredo Dias, Manuel da Costa Andrade e Susana Aires de Sousa e outro, escrito em inglês, e subscrito por Timothy Otty, Jeffrey Jowell e Naina Patel (os três pareceres também foram juntos com a consulta). Não foram anexos quaisquer outros elementos, nomeadamente, relativos à carta rogatória sobre a qual incidem os referidos requerimentos.
Cumpre emitir parecer.
II. Fundamentação

§ II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico

A consulta, solicitada ao abrigo do disposto pelo artigo 37.º, alínea e), do Estatuto do Ministério Público (EMP) visa a pronúncia sobre questões colocadas no quadro funcional da magistratura do Ministério Público[3].
Pretende-se, assim, uma eventual orientação para o Ministério Público determinada pelo Procurador-Geral da República ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 12.º, n.º 2, alínea c), 13.º, n.º 1, 37.º, alínea e), 42.º, n.ºs 1 e 2, do EMP.
Em termos teleológicos, a consulta é determinada pela eventual necessidade de uma diretiva sobre condições de ação da magistratura do Ministério Público relativamente à problemática identificada nas questões acima discriminadas. Diretivas sobre condições de ação que trabalham sobre dados de facto ligados ao passado, supondo prévio trabalho teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto à opção precetiva.
Poderes diretivos do Procurador-Geral da República em que ressalta a importância de uma função preventivo-primária, traduzida na emanação de um comando que constituirá a fonte de decisões futuras do Ministério Público sobre determinadas questões. Daí que, nesta sede o órgão supraordenador, e, por inerência, a entidade consultiva, assuma um importante papel de redução da complexidade no prosseguimento de uma função teórico-jurídica sobre um domínio previamente recortado atinente às funções ou atividade da entidade estadual em causa[4].
Potencial dimensão prescritiva para a magistratura do Ministério Público que vai determinar, por imperativo legal, o foco do desenvolvimento argumentativo e os parâmetros do juízo conclusivo que, nesta matéria, se deve cingir a pautas de interpretação do direito positivo aplicável no espectro funcional do Ministério Público.
Na base da consulta encontra-se fenomenologia referida na informação que despoletou a solicitação do parecer. Será, assim, pertinente referir o teor do texto que precede as questões acima transcritas com o título «Enquadramento»:
«As autoridades judiciárias brasileiras emitiram uma carta rogatória, em processo de natureza penal, pedindo às autoridades portuguesas a recolha de informação bancária em território nacional, relativamente a arguidos ou suspeitos identificados naquele processo.
«Esta carta rogatória foi remetida para as autoridades portuguesas através das respetivas Autoridades Centrais que, em Portugal, é a Procuradoria-Geral da República, nos termos gerais do disposto no artigo 21.º da Lei 144/99, de 31 de agosto, e ainda do disposto no artigo 3.º do Decreto do Presidente da República nº 64/2008, de 12 de novembro, que ratificou a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre o Estados Membros da Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP).
«Tendo sido identificado o DCIAP como autoridade competente para o cumprimento do pedido formulado, foi a carta rogatória encaminhada para este departamento, onde se encontra ainda em execução parcial.
«No decurso da execução do pedido, a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), empresa cujo presidente, alguns administradores e outros colaboradores, foram detidos preventivamente no âmbito do referido processo, veio requerer à Procuradora-Geral da República:
«a) Que fosse recusado o cumprimento da referida carta rogatória, nos termos do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 6.º da Lei 144/99, de 31 de agosto, e da alínea e), do n.º 1, do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre o Estados Membros da Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP);
«b) Subsidiariamente, para o caso de o cumprimento da carta rogatória não ser recusado, que fosse admitida a intervir na carta rogatória e a exercer o contraditório sobre o pedido de cooperação.
«Fundamentou os seus requerimentos alegando, em síntese, que o processo Lava Jato tem sido conduzido pelas autoridades brasileiras em violação da lei brasileira e de princípios fundamentais e de ordem pública do Estado português, designadamente da garantia a um processo justo e equitativo assegurada pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em virtude de a prova recolhida naquele processo se basear em acordos de delação premiada, os quais conteriam cláusulas violadoras, além do mais, da legalidade penal, do direito ao silêncio, do direito à não autoincriminação e do direito ao recurso e da igualdade de armas, para além de terem sido negociados mediante a instrumentalização da prisão preventiva como "coação" dos arguidos, o que tudo torna tais acordos inadmissíveis na ordem jurídica portuguesa.
«Acresceria, segundo a requerente, que as intervenções do juiz de instrução que conduz o processo deixam dúvidas sérias sobre a sua imparcialidade, independência e isenção, e que, permitindo o sistema brasileiro que este juiz seja também juiz de julgamento, apesar de ter decretado a prisão preventiva de arguidos no processo e de ter intervindo na sua instrução, mostrar-se-ia também violado o princípio do acusatório, que é fundamental e estruturante da ordem jurídica portuguesa.
«Esta fundamentação da requerente é desenvolvida em três pareceres que juntou aos autos, subscritos, um deles, pelos Professores Gomes Canotilho e Nuno Brandão, e, o outro, pelos Professores Jorge de Figueiredo Dias e Manuel Costa Andrade e da Prof. Auxiliar Susana Aires de Sousa e, um terceiro, de uma firma de advogados inglesa, Blackstone Chambers, em língua inglesa, para os quais remete, e que se juntam ao presente pedido de consulta.
«O pedido formulado foi objeto de análise pelo Gabinete. No entanto, suscitando a apreciação do requerido algumas dúvidas de interpretação e de aplicação da Lei 144/99, de 31 de agosto — lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal —, e, revelando-se a matéria em apreço de interesse para a atuação do Ministério Público no âmbito da sua intervenção enquanto autoridade judiciária a quem incumbe cumprir pedidos de cooperação judiciária internacional, bem como para as atribuições da Procuradoria-Geral da República enquanto Autoridade Central, solicita-se parecer ao Conselho Consultivo, formulando-se as seguintes questões: […]»
A delimitação do âmbito do parecer tem de se articular com o princípio de que o enquadramento jurídico das questões suscitadas (transcritas supra no relatório deste parecer) constitui responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz vinculada aos princípios da legalidade e objetividade.
Sendo o parecer conformado pela teleologia e balizas das perguntas colocadas, a ponderação necessária para as respostas deve ser objeto de análise própria pelo Conselho Consultivo, na fundamentação que se segue, devendo responder a todas as perguntas sem estar, nomeadamente, vinculado à divisão sistemática ou encadeamento das mesmas que constam da consulta.
Plano em que se deve realçar, novamente, um aspeto fulcral: A consulta que originou este parecer visa um comando relativo a condições de ação e não a objetivos, o que obrigatoriamente conforma o trabalho a empreender pelo Conselho Consultivo. Devendo este ente consultivo, em sintonia com a sua vocação, cingir-se às pautas de interpretação do direito positivo sem incidir noutras dimensões do poder supraordenador do Procurador-Geral da República — nomeadamente, estabelecimento de escolhas entre alternativas legalmente admissíveis ou seleção de melhores práticas envolvendo ponderações que estejam para além da estrita aplicação de cânones determinados pela heterodeterminação normativa.
Concretizando, as perguntas dirigem-se em termos expressos às condições de ação da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público no quadro de atividade auxílio judiciário em matéria penal abrangida pela Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, «a recolha de informação bancária em território nacional», não compreendendo a análise de facto de um processo, nem o estabelecimento de coordenadas futuras (sobre a atuação de organismos administrativos da Procuradoria-Geral da República, órgãos administrativos dependentes da Procuradoria-Geral da República ou órgãos do Ministério Público) que estejam para além da resposta às questões diretamente colocadas.
Matéria do parecer cujo tratamento exige um enquadramento do quadro normativo regulador da referida tipologia de auxílio judiciário em matéria penal abrangida pela Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em que a República Portuguesa intervenha como Estado requerido.
Estabelecido o enquadramento normativo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, devem ser analisados os restantes problemas suscitados que se reportam, no essencial, a dois temas: O primeiro é a definição da competência para decisão de recusa de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa em que seja aplicável a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (embora também sejam colocadas questões sobre as competências da autoridade central no caso de pedidos em que se aplique internamente a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal que serão tidas em atenção); O segundo reporta-se a um conjunto de questões sobre a admissibilidade da valoração pela autoridade portuguesa, enquanto Estado requerido, do regime processual do Estado requerente, e da concreta direção do processo penal realizada pelas autoridades judiciárias desse Estado, visando uma decisão de eventual recusa de auxílio judiciário.
Sistematização vinculada à consulta com necessárias implicações nos temas que se vão deixar na sombra, única e exclusivamente, pela circunstância de, apesar de referidos na informação que precede a formulação de perguntas, não terem sido objeto de questões colocadas ao Conselho Consultivo.
A título ilustrativo, não serão apreciados problemas sobre o âmbito da prerrogativa contra a autoincriminação, os corolários do princípio do acusatório em cooperação judiciária passiva da República Portuguesa, articulação dessas garantias com soluções de plea bargaining adotadas no ordenamento jurídico da República Federativa do Brasil, ou regime de conhecimento de alegadas proibições de prova em processo pendente na República Federativa do Brasil — temas referidos nos elementos que acompanham a consulta, mas que não integram o objeto da consulta que conforma os limites do presente parecer.
O presente parecer não se reporta à apreciação do direito aplicável a caso concreto, com pressupostos factuais estabelecidos por terceiro ou inferências probatórias próprias deste órgão. Com efeito, não foi solicitado ao Conselho Consultivo que se pronuncie sobre os específicos requerimentos que acompanharam a informação que propôs a consulta (delimitação negativa da consulta que se afigura inteiramente adequada à natureza deste órgão e do presente procedimento consultivo). Esses elementos apenas foram fornecidos para contextualizar as questões colocadas na consulta que, apesar de não se relacionarem com puras especulações jurídicas (pois envolvem o exercício de competências estaduais de órgãos concretos), têm como objeto disposições jurídicas de ordem genérica.
O tratamento das questões suscitadas vai cingir-se ao universo compreensivo dos problemas de legalidade diretamente colocados na consulta, sem enveredar por qualquer análise dos requerimentos que estão na sua génese, nem, sequer, pelo direito aplicável ao caso concreto. Consequentemente, neste parecer não serão ponderadas vertentes sobre os requerimentos que estiveram na base da audição deste órgão consultivo e que não integrem as questões diretamente suscitadas pelo consulente (ainda que se afigurem eventualmente carecidas de tratamento nas decisões que venham a ser proferidas pela autoridade competente para esse efeito).
Em síntese, este órgão vai pronunciar-se sobre as disposições de ordem genérica em matéria de legalidade cuja apreciação lhe foi solicitada, no quadro de um parecer facultativo que deve apenas incidir sobre «as questões indicadas na consulta», atentas as disposições dos artigos 37.º, alínea e) e 42.º, n.º 1, do EMP conjugadas com os artigos 91.º, n.º 1, e 92.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo de 2015 (CPA 2015).
Tendo presentes o escopo da consulta e as pautas acabadas de expor, a subsequente fundamentação do parecer vai desdobrar-se por três partes:
§ II.2 Enquadramento da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa na ordem jurídica portuguesa;
§ II.3 Competência para proferir decisões de recusa de auxílio judiciário relativo a obtenção de meios de prova em processo penal em que Portugal intervém como Estado requerido ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP;
§ II.4 Motivos de recusa de auxílio judiciário formulado para obtenção de meios de prova em processo penal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
Depois da fundamentação, serão enunciadas as conclusões do parecer visando responder às questões colocadas na consulta.
§ II.2 Enquadramento da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa na ordem jurídica portuguesa
§ II.2.1 A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa de 23 de Novembro de 2005
§ II.2.1.1 As questões colocadas na consulta apresentam como elemento normativo fundamental a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia em 23 de novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008, em 18 de julho de 2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro (abreviadamente designada como Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP).
Trata-se de uma convenção que, como referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 2013 (processo n.º 87/13.6YREVR.S1), deriva «da cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados».
Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP aberta à assinatura dos Estados membros da CPLP e submetida à respetiva ratificação, aceitação ou aprovação, estipulando-se que os respetivos instrumentos seriam depositados junto do Secretariado Executivo da CPLP (artigo 19.º, n.º 1). A força jurídica da Convenção foi feita depender do depósito de, pelo menos, três instrumentos de ratificação, iniciando-se no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP tenham expressado o seu consentimento em ficar vinculados à Convenção (artigo 19.º, n.º 2).
Na ordem jurídica portuguesa encontra-se estabelecida no artigo 119.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa a obrigatoriedade de publicação das convenções internacionais e dos respetivos avisos de ratificação, bem como dos restantes avisos a elas respeitantes, estabelecendo-se no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro (com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 2/2005, de 24 de janeiro, n.º 26/2006, de 30 de junho, n.º 42/2007, de 24 de agosto e n.º 43/2014, de 11 de julho), que os avisos de depósito de instrumento de vinculação, designadamente os de ratificação, e demais avisos respeitantes a convenções internacionais são objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República
Conforme Aviso n.º 181/2011 do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, de 10 de agosto, a República Portuguesa depositou em 1 de fevereiro de 2010, junto do Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o seu instrumento de ratificação relativo à referida Convenção de Auxílio Judiciário a qual já se encontrava em vigor para a República Federativa do Brasil, a República de Moçambique e a República Democrática de São Tomé e Príncipe, desde 1 de agosto de 2009, para a República de Angola, desde 1 de janeiro de 2011, e para a República Democrática de Timor -Leste, desde 1 de maio de 2011[5].
§ II.2.1.2 O enquadramento da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP de 23 de novembro de 2005, nos cânones e hierarquia de fontes da ordem jurídico-constitucional portugueses vai conformar o objeto e desenvolvimento subsequentes.
A Convenção foi aprovada no âmbito de Reunião Ministerial dos Ministros da Justiça da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa o que não interfere com a natureza de convenção internacional apresentando a natureza de tratado-normativo e multilateral que não integra o jus cogens[6].
De acordo com as regras sobre a entrada em vigor estabelecidas no artigo 19.º, n.ºs 2 e 3, da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP a mesma encontra-se em vigor e deve ser cumprida nas relações aí reguladas entre os Estados Membros da CPLP abrangidos[7].
Como já referimos, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP deve ser integrada na hierarquia de fontes normativas da ordem constitucional portuguesa enquanto tratado-normativo e multilateral. Quadro compreensivo em que se deve relembrar a deflação da importância da querela entre as teses dualista e monista, e a «aproximação das soluções propostas pelo monismo e pelo dualismo para a questão da vigência do Direito Internacional na ordem interna dos Estados»[8], sem embargo da adesão claramente maioritária da doutrina ao monismo[9].
Verificando-se na doutrina a prevalência de um monismo moderado com variantes que atendem, nomeadamente, às diferentes categorias e fontes de Direito Internacional, não importa aqui abordar todo o tema em termos teórico-abstratos, atenta a caracterização da Convenção objeto do presente parecer e a diversidade de legítimas opções constitucionais dos Estados relativamente ao Direito Internacional convencional. Domínio em que ressalta a existência na ordem jurídica interna portuguesa de um preceito exclusivamente reportado ao Direito Internacional, o artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa.
Atento o contexto compreensivo do presente parecer deve traçar-se a decomposição analítica de duas questões:
1.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional e a Constituição da República Portuguesa;
2.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional «regularmente ratificadas ou aprovadas» por Portugal e o direito ordinário português.
§ II.2.1.3 A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP consagra, no plano sistemático-funcional, normas de direito processual penal à luz de uma conceção centrada na dimensão finalístico-operativa[10].
Nessa linha, o artigo 229.º, do Código de Processo Penal pronuncia-se sobre as «relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal», prescrevendo que as mesmas são «reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições deste livro».
Na medida em que a regulação do processo criminal integra a reserva relativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, al. c), da Constituição), a aprovação de um acordo internacional que verse sobre essa matéria é da competência do mesmo órgão de soberania (artigo 161.º, al. i), da Constituição). Sendo certo que na aprovação e ratificação da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP se respeitaram os imperativos constitucionais determinantes nesta sede:
1- A competência exclusiva do Governo para a negociação, ajustamento e iniciativa do acordo (artigo 197.º, n.º 1, als. b), e d), da Constituição);
2- A competência da Assembleia da República para a respetiva aprovação (artigo 161.º, al. i), da Constituição);
3- A etapa final da competência do Presidente da República relativa à ratificação da convenção aprovada por resolução da Assembleia da República (artigo 135.º, al. b), da Constituição)[11].
Imperativo da aprovação pela Assembleia da República e ratificação pelo Presidente da República que resulta do complexo normativo constituído pelas disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 2, 161.º, al. i), 165.º, n.º 1, al. c) e 197.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa[12].
Procedimento de aprovação e ratificação do direito convencional em que, importa sublinhar, as regras constitucionais, designadamente, sobre a competência exclusiva da Assembleia da República no que se reporta a matérias da sua competência reservada (absoluta ou relativa), também conformam os limites e mecanismos de denúncia da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP[13].
§ II.2.1.4 As normas dos tratados internacionais com o enquadramento e objeto da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP posicionam-se numa relação de subordinação perante a Constituição. Pelo que, a convenção em análise tem de se conformar com as regras do direito constitucional português[14].
O problema da posição do Direito Internacional que não integra o jus cogens no direito português não está diretamente resolvido no texto constitucional. Contudo, a posição infraconstitucional da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP decorre das conclusões de qualquer uma das correntes doutrinárias desenvolvidas em Portugal sobre este tópico.
O valor infraconstitucional da Convenção constitui um corolário lógico da doutrina que preconiza uma prevalência da Constituição da República Portuguesa sobre todo o Direito Internacional convencional inserido voluntariamente na ordem jurídica interna, por outro lado, os autores que apontam para dimensões de prevalência de algum Direito Internacional convencional sobre a Constituição não consideram que estão abrangidos tratados com o enquadramento, objeto e escopo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP[15]. Orientação que coincide com as pronúncias do Tribunal Constitucional sobre o tema[16].
§ II.2.3 A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP e a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal
§ II.2.3.1 A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP vigora «na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) tendo primado sobre o direito interno infraconstitucional.
Aponta nesse sentido de forma quase unânime a doutrina[17]. Posição igualmente assumida na jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. acórdão n.º 494/99).
No sentido da consagração constitucional do monismo com primado do Direito Internacional convencional sobre o direito infraconstitucional português também já se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nomeadamente, no parecer n.º 70/94, de 16-2-1995[18], no parecer n.º 36/1999, de 30-8-2002[19], no segundo parecer complementar n.º 2/93 de 20-4-2005[20], no parecer n.º 4/2008, de 1-6-2011[21], no parecer n.º 32/2008, de 11-6-2011[22], no parecer n.º 10/2014, de 4-6-2014[23].
§ II.2.3.2 A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP prevalece, assim, sobre a legislação ordinária interna por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional que integra as condicionantes jurídico-constitucionais, da vinculação do Estado português à Convenção.
Contexto normativo em que, no artigo 20.º, n.º 1, da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP se estabeleceu que esse tratado substitui, no que respeita aos Estados parte, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem o auxílio judiciário em matéria penal.
Suscitada a questão sobre a articulação das regras da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP e a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (LCJIMP), aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto[24], além do valor infralegal da Convenção importa atender, ainda, ao que prescreve o artigo 3.º da referida lei, com a epígrafe Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais, em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea e), do mesmo diploma: O auxílio judiciário mútuo em matéria penal regese pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma — seguindo a mesma linha interpretativa, refiram-se o parecer n.º 41/1998, de 19-6-1998 e o segundo parecer complementar n.º 2/1993, de 20-4-2005[25].
Matriz que conforma o Código de Processo Penal, cujo artigo 229.º determina que as relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, apenas na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e, ainda, pelas disposições do livro V do referido código — aplicação subsidiária do Código de Processo Penal também prescrita nos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da LCJIMP.
§ II.3 Competência para proferir decisões de recusa de auxílio judiciário relativo a obtenção de meios de prova em processo penal em que Portugal intervém como Estado requerido ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP
§ II.3.1 As autoridades centrais nos esquemas de auxílio judiciário mútuo
O primeiro problema objeto da consulta, subdividido em três perguntas (supra § I), tem como tema a competência da autoridade central relativamente a recusas de cooperação no sistema jurídico português quando Portugal intervém como Estado requerido de um pedido de auxílio judiciário.
A cooperação judiciária internacional em matéria penal deriva de uma necessidade de os Estados, preservando a respetiva independência e soberania, colaborarem entre si na resposta à atividade criminal com elementos transfronteiriços (algo cuja frequência tem recrudescido nas últimas décadas, por força, nomeadamente, da globalização e das mais recentes revoluções tecnológicas). Ideia de necessidade para a efetividade da repressão criminal que compreende o interesse mútuo na cooperação entre autoridades judiciárias na repressão de atividade criminosa[26].
Na modalidade mais simples, tal realiza-se através do envio de um Estado para outro de pedido de auxílio. Mecanismos de auxílio judiciário que, através de múltiplas convenções (multilaterais e bilaterais), foram sendo formalizados entre Estados subscritores das mesmas no sentido da progressiva simplificação entre Estados que reconhecem partilhar valores fundamentais, ou, por via da necessidade do reforço da cooperação em virtude das especificidades e gravidade de certos fenómenos criminais (v.g. terrorismo, crimes contra a segurança aeronáutica, corrupção, branqueamento de capitais).
Passo relevante nessa construção foi a previsão em Convenções do estabelecimento de autoridades centrais, com intervenção em todos pedidos, a remeter ou a receber.
As autoridades centrais apresentam características muito variadas, desde logo ao nível da sua inserção nos aparelhos burocráticos de cada Estado e, também no plano das respetivas competências, as autoridades centrais nalguns casos asseguram que os pedidos são devidamente encaminhados e elaborados e noutros casos não passam de meras caixas postais não acrescentando nada de relevante além do mero encaminhamento para a entidade competente para apreciar e executar o pedido[27].
Autoridades centrais previstas em muitos instrumentos de direito convencional, embora, há mais de meio século existam previsões sobre a possibilidade de transmissão direta de cartas rogatórias entre autoridades judiciárias. É o caso do número 2 do artigo 15.º da Convenção Europeia de Auxilio Judiciário Mútuo em Matéria Penal do Conselho da Europa de 1959[28], no qual se admite, «em caso de urgência», que as «cartas rogatórias podem ser diretamente enviadas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente às autoridades judiciárias da Parte requerida».
A superação das entorses provocadas na cooperação judiciária por elos de permeio marcou, aliás, a importância histórica da Convenção do Conselho da Europa de 1959, cujo artigo 15.º, n.º 1, consagrou a transmissão entre Ministros da Justiça, com o fim de eliminar alguns dos atrasos e complexidades dos anteriores canais diplomáticos — «As cartas rogatórias previstas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, assim como os pedidos previstos no artigo 11.º, são dirigidos pelo Ministério da Justiça da Parte requerente ao Ministério da Justiça da Parte requerida e devolvidos pela mesma via».
Existindo um novo passo do caminho da simplificação e celeridade, no aditamento a esse preceito decorrente do Segundo Protocolo Adicional à Convenção, de 8 de novembro de 2001: «No entanto, [os pedidos de auxílio judiciário mútuo] podem ser enviados diretamente pela autoridade judiciária da Parte requerente à autoridade judiciária da Parte requerida e reenviados pela mesma via»[29].
Contacto direto entre autoridades judiciárias que, numa nova etapa do aprofundamento da cooperação judiciária entre determinados Estados, passou a ser instituído como regra em instrumentos normativos que pressupõem confiança mútua e conhecimento recíproco de autoridades internas competentes. É o caso do n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados membros da União Europeia[30], prescrevendo que os «pedidos serão feitos diretamente entre autoridades judiciárias com competência territorial para os fazer e executar e a respetiva resposta será feita pela mesma via, salvo disposição em contrário do presente artigo».
Nesse sistema, a exceção passa a ser a comunicação através de autoridades centrais, visando fundamentalmente a própria eficácia da articulação entre as autoridades dos vários Estados — «O disposto no n.º 1 não prejudica a possibilidade de, em casos específicos, o envio dos pedidos e a respetiva resposta se efetuar: a) Entre as autoridades centrais de diferentes Estados membros; ou b) Entre uma autoridade judiciária de um Estado membro e uma autoridade central de outro Estado membro».
Centrando as questões no universo problemático da consulta, esta reporta-se à cooperação passiva da República Portuguesa, quando uma entidade estrangeira que não integra a União Europeia requer a obtenção de provas em território nacional com vista a processo penal pendente no Estado requerente (supra § II.1).
§ II.3.2 A autoridade central portuguesa na Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal e na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP
§ II.3.2.1 Para efeitos de receção dos pedidos de cooperação abrangidos pela lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, bem como para todas as comunicações que aos mesmos digam respeito, a ProcuradoriaGeral da República foi designada como autoridade central (pelo artigo 21.º, n.º 1, da LCJIMP).
ProcuradoriaGeral da República foi igualmente designada como autoridade central portuguesa para efeitos da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, nos termos do disposto no artigo 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro.
Importa ter presente neste domínio o estatuto e natureza da Procuradoria-Geral da República.
Como fonte de coordenadas primárias ressalta o estatuto constitucional Ministério Público, em que o artigo 219.º, n.º 1 da Constituição, integrado no capítulo IV (Ministério Público) do Título V, relativo aos tribunais, estabelece três funções constitucionais do órgão do Estado em causa: representar o Estado, exercer a ação penal e defender a legalidade democrática. Existe ainda um reenvio dinâmico para a lei na medida em que também compete ao Ministério Público defender «os interesses que a lei determinar».
A Procuradoria-Geral da República é o órgão cimeiro do Ministério Público sendo configurada como um órgão complexo que integra, nomeadamente, dois órgãos constitucionais: O Procurador-Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público (artigo 220.º, n.º 1, da Constituição).
Contexto em que o Conselho Superior do Ministério Público é um órgão colegial autónomo da hierarquia funcional do Ministério Público que assume funções administrativas relativas à respetiva magistratura.
§ II.3.2.2 A circunstância de o Procurador-Geral da República ser o órgão cimeiro da hierarquia funcional não afeta a separação entre as competências hierárquicas desse órgão e do órgão de gestão e disciplina, tal como são inconfundíveis os órgãos judiciais Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo e os órgãos administrativos constituídos pelos conselhos superiores dos corpos de juízes que integram os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.
O Procurador-Geral da República é o único órgão hierárquico do Ministério Público com poder diretivo genérico (artigo 12.º, n.º 2, al. b), do EMP). O titular do órgão unipessoal Procurador-Geral da República cumula esse cargo superior da hierarquia funcional do Ministério Público com o de presidente da Procuradoria-Geral da República e do Conselho Superior do Ministério Público (que é o outro órgão com poder diretivo genérico, embora restrito a matéria de organização interna e gestão de quadros, artigo 27.º, alínea a), do EMP). A posição e poderes do Procurador-Geral da República distinguem-se quanto ao âmbito nacional e natureza das suas competências e legitimidade do titular do órgão, designadamente, em matérias que, por força do texto constitucional, são da competência reservada da Procuradoria-Geral da República[31].
A matéria da dissociação entre o titular do órgão e a competência legal do órgão foi objeto de considerações recentes empreendidas por este Conselho Consultivo no parecer n.º 18/2015, de 9-7-2015[32]:
«Importa, neste quadro, atender de forma cautelosa à inserção de um órgão constitucional colegial no complexo constituído pelo Ministério Público, que tradicionalmente era associado a uma matriz vincadamente monocrática, de raiz napoleónica, revelando a superação constitucional desse paradigma[33].
«Reportando-nos apenas ao funcionamento do Conselho Superior do Ministério Público, emerge como nuclear o princípio de deliberação colegial (artigo 28.º, n.º 2, do EMP), em que o facto de o Procurador-Geral da República ser o presidente da Procuradoria-Geral da República (o que envolve um elenco delimitado de competências previstas no n.º 2 do artigo 12.º do EMP) não colide com a responsabilidade de o Conselho Superior, enquanto órgão colegial da Procuradoria-Geral da República, apreciar com autonomia as questões da sua competência – daí que no âmbito do funcionamento desse Conselho o Procurador-Geral da República tenha voto de qualidade e não um poder de direção.
«Admitindo o estatuto a possibilidade de o Conselho Superior do Ministério Público delegar no Procurador-Geral da República a prática de atos que, pela sua natureza, não devam aguardar a reunião do Conselho (artigo 31.º do EMP), o caráter excecional dessa norma confirma o princípio colegial e a paridade de todos os vogais enquanto titulares de um órgão colegial.»
Dissociação entre competências legais do órgão unipessoal e outras exercidas pelo titular do cargo em virtude de delegação de poderes também relevantes em sede de cooperação judiciária, em face da suscetibilidade de delegação de competências do Ministro da Justiça no Procurador-Geral da República prevista no artigo 165.º da LCJIMP[34].
Consequentemente, a possibilidade de delegação de poderes do Governo, por ato de membro desse órgão de soberania, no Procurador-Geral da República é matéria autónoma e inconfundível com as competências legais próprias da Procuradoria-Geral da República — sendo certo que o Procurador-Geral da República apenas pode exercer poderes atribuídos pela lei ao Ministro da Justiça habilitado por ato de delegação que especifique a competência legal delegada, conforme é exigido pelo artigo 47.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo de 2015[35].
§ II.3.2.3 O polifuncionalismo do Ministério Público permite que as suas competências, sem embargo da respetiva inserção sistemática nos tribunais em sentido amplo, se possam alargar a outros quadros operativos. Aspeto revelado na expressa possibilidade de participar na execução da política criminal (desde a revisão de 1997) que, pelo menos em abstrato, se afigura suscetível de compreender funções extrajudiciárias, e, fundamentalmente, de a Constituição, desde a primeira hora, ter deixado, intencionalmente, a porta aberta ao exercício pelo Ministério Público de outras funções no seio do aparelho estadual[36].
Contexto em que se integra a expressão (interna e externa) do princípio da autonomia, através da sua história jurídico-constitucional em que, para além dos dados relativos à evolução do texto constitucional, tem relevância a respetiva densificação na lei ordinária, na medida em que a Constituição de 1976, na versão originária, reenviou as diretrizes programáticas para a lei da Assembleia da República.
A autonomia da magistratura está ligada a um dos corolários do estatuto constitucional: Proibição de um qualquer regime de infraordenação do Ministério Público relativamente aos órgãos políticos no que concerne ao exercício das suas competências próprias, pelo que os magistrados do Ministério Público no plano das relações com outros órgãos do Estado estão apenas sujeitos à lei.
Aspeto nuclear neste quadro reporta-se às competências: O Ministério Público só tem as funções «que a lei determinar». Prescrição do texto constitucional que se deve articular com a autonomia do Ministério Público enquanto princípio fundamental também estabelecido na Constituição desde 1989.
Em face do exposto, a atribuição de funções que não estejam expressamente prescritas no texto constitucional carece sempre de uma fonte legal, vinculante com implicações na interdependência de poderes constitucionais, do Ministério Público com outros órgãos do Estado, e nos poderes intraorgânicos no seio do Ministério Público, envolvendo uma dimensão interna na definição de responsabilidades no Ministério Público, enquanto órgão coletivo e complexo[37].
Exemplo paradigmático de outras funções previstas na lei são as funções consultivas, relembradas na constituinte a propósito da cláusula aberta da parte final do atual n.º 1 do artigo 219.º da Constituição. As funções consultivas da Procuradoria-Geral da República, como destacava Marcello Caetano, integram-se numa linhagem com precedentes na atribuição ao Conselho de Estado (criado pela Carta Constitucional de 1826) de funções consultivas em 1850 e na conversão em 1870 da ala administrativa desse órgão do Estado «no Supremo Tribunal Administrativo, mas com supressão das funções consultivas»[38]. Como lembra o mesmo autor, apesar de um hiato em que o Supremo Tribunal Administrativo deteve funções consultivas da administração central metropolitana do Estado estas acabaram por ficar para a Procuradoria-Geral da República, «mas só para o estudo dos aspetos jurídicos dos problemas».
Atualmente está prescrito pelo legislador ordinário que as funções consultivas do Ministério Público devem ser exercidas «nos termos» do Estatuto do Ministério Público – alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º do EMP. Por seu turno, no plano intraorgânico prescreve-se, no artigo 36.º, n.º 1, do EMP, que «a Procuradoria-Geral da República exerce funções consultivas por intermédio do seu Conselho Consultivo». Atribuição de competência intraorgânica cujo relevo e sentido foi devidamente destacado por Cunha Rodrigues: «Estas funções, que couberam inicialmente, ao procurador-geral da República, adquiriram importância e especificidade e justificam uma estrutura própria, presidida pelo procurador-geral da República, mas constituída por magistrados que intervêm segundo regras procedimentais em tudo idênticas às dos tribunais.»[39]
Regras que se desenvolvem por um conjunto de preceitos estatutários, em particular o artigo 38.º, cujos n.ºs 1 e 2 se reportam ao princípio da distribuição por sorteio e à admissibilidade de um critério de especialização, e o artigo 41.º do EMP, com a epígrafe votação. Sendo certo, por outro lado, que a opção programática destacada por Cunha Rodrigues, de atribuição das funções consultivas do Ministério Público a «uma estrutura própria, presidida pelo procurador-geral da República, mas constituída por magistrados que intervêm segundo regras procedimentais em tudo idênticas às dos tribunais», se articula com a natureza da Procuradoria-Geral da República que constitui um órgão complexo e compreende o Procurador-Geral da República, o Conselho Superior do Ministério Público e o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (artigo 9.º, n.º 1, do EMP).
Encontra-se desta forma estabelecida, ope legis, a competência do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, pelo que em matéria consultiva a lei confere a esse órgão específico um conjunto de poderes para o exercício das funções do Ministério Público que a lei confere a este órgão complexo do Estado para a prossecução das atribuições deste enquanto pessoa coletiva pública autónoma[40].
Problemática da competência legal dos órgãos do Ministério Público que compreende, como reverso, a proibição de extravasar competências legais, nomeadamente em matéria de cooperação judiciária, área em que não se encontra no âmbito da Procuradoria-Geral da República nenhum órgão com competências próprias de interpretação e aplicação do direito a casos concretos, integrado por magistrados no exercício de funções próprias (exceto o Departamento Central de Investigação e Ação Penal cujas competências são exercidas enquanto autoridade judiciária, cf. infra §§ II.3.2.4 e II.3.4.2).
§ II.3.2.4 Em matéria do auxílio judiciário mútuo regulado diretamente pela LCJIMP, as únicas competências decisórias atribuídas legalmente a órgãos do Ministério Público são as que decorrem da transposição para esse domínio das competências internas das autoridades judiciárias (que serão analisadas infra no § II.3.4).
Relativamente às competências da autoridade central em matéria de auxílio judiciário, as mesmas apresentam-se com estrita natureza administrativa, reportando-se à receção e encaminhamento para entidades com poder decisório, sejam elas de natureza executiva ou judiciária, de pedidos de auxílio ativo e passivo.
Ao nível das competências dos órgãos do Ministério Público que integram a Procuradoria-Geral da República (PGR), não existe no EMP qualquer previsão sobre as competências de cooperação judiciária.
O Gabinete de Documentação e Direito Comparado tem como competência «apoiar o Ministério Público no âmbito da cooperação jurídica e judiciária internacional», nos termos do artigo 48.º, alínea c), do EMP. Gabinete que constitui um serviço na dependência do Procurador-Geral da República com um diretor, serviços técnicos e serviços administrativos (nos termos dos artigos 1.º, 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 388/80, de 22 de setembro), sem quaisquer competências decisórias próprias ao nível da cooperação judiciária, tendo apenas o referido encargo de apoio do Ministério Público.
O Gabinete de Documentação e Direito Comparado constitui, assim, um departamento administrativo. Entre as suas competências encontra-se a de prestar apoio ao Ministério Público no âmbito da cooperação judiciária internacional, mas o Gabinete não integra aquele órgão de justiça, nem absorve qualquer das respetivas competências próprias.
Concretizando a referida matriz do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da PGR como ente administrativo de apoio de autoridades judiciárias, o artigo 161.º, n.º 2, da LCJIMP prescreve que para efeitos de informação sobre direito estrangeiro as autoridades judiciárias portuguesas solicitam a colaboração do referido Gabinete.
Ao nível de pedidos de auxílio judiciário no âmbito da aplicação da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a única competência que envolve o Gabinete de Documentação e Direito Comparado reporta-se ao auxílio previsto no artigo 1.º, n.º 2, alínea e), daquela convenção, troca de informações sobre o direito respetivo. Com efeito, a prestação de informação sobre o direito português aplicável em determinado processo penal solicitada por uma autoridade judiciária estrangeira deve ser prestada pelo Gabinete de Documentação e Direito Comparado da PGR, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea e), da convenção e do artigo 161.º, n.º 1, da LCJIMP. Atividade de natureza meramente informativa, sem caráter prescritivo e que, consequentemente, não pode ser objeto de recusa.
A orgânica dos serviços de apoio técnico e administrativo da Procuradoria-Geral da República é fixada em decreto-lei, nos termos do artigo 50.º do EMP. Organização burocrática da Procuradoria-Geral da República (PGR) que compreende Serviços de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria-Geral da República (de ora em diante referidos como Serviços de Apoio da PGR) que são «uma unidade orgânica de apoio técnico e administrativo» dos «órgãos e serviços que integram a Procuradoria-Geral da República ou dela estão diretamente dependentes», nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República[41].
Os Serviços de Apoio da PGR compreendem a Direção de Serviços de Apoio Administrativo, a Divisão de Apoio Jurídico e Cooperação Judiciária, a Divisão de Documentação e Informação e a Divisão de Planeamento, Organização e Informática.
Serviços de Apoio da PGR chefiados pelo secretário da PGR equiparado a diretor-geral para todos os efeitos legais, ressalvadas as especificidades previstas especialmente na lei, nomeadamente, ao nível do universo de recrutamento e forma de provimento[42]. Como se assinalou no parecer n.º 1/2013, de 17-1-2013[43], «o magistrado do Ministério Público que é nomeado para secretário da PGR deixa, enquanto ocupa este cargo, de exercer funções de magistrado».
Ao secretário da PGR compete, nomeadamente, «superintender, coordenar e fiscalizar os Serviços de Apoio e definir os respetivos parâmetros de funcionamento». Na orgânica dos serviços de apoio, compete à Divisão de Apoio Jurídico e Cooperação Judiciária «efetuar os procedimentos relativos a cooperação judiciária e a auxílio judiciário», por força do disposto no artigo 18.º, alínea c), da Lei Orgânica da PGR.
Divisão de Apoio Jurídico e Cooperação Judiciária integrada por agentes que constam do mapa de pessoal dos Serviços de Apoio da PGR, os quais se enquadram numa estrita hierarquia administrativa, em que, abaixo do secretário da PGR, além do secretário-adjunto, se encontra, ainda, como dirigente, o chefe da referida divisão (conforme mapa anexo à Lei Orgânica da PGR).
§ II.3.3. Entidade competente para decidir recusa de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa
§ II.3.3.1 Estabelecido o enquadramento orgânico interno dos serviços da Procuradoria-Geral da República com competências em matéria de cooperação judiciária impõe-se abordar a primeira questão suscitada diretamente na consulta: «Compete à Autoridade Central apreciar a existência de causas de recusa de um pedido de auxílio judiciário formulado por um Estado estrangeiro às autoridades portuguesas e decidir a recusa de cumprimento de tal pedido, nos termos da Lei 144/99, de 31 de agosto - lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal?»
Tratando a consulta apenas da cooperação judiciária passiva, requerida à República Portuguesa, para efeitos de receção dos pedidos de cooperação abrangidos pela LCJIMP, bem como para todas as comunicações que aos mesmos digam respeito, devemos começar por reter que a ProcuradoriaGeral da República foi designada como autoridade central (pelo artigo 21.º, n.º 1, da LCJIMP[44]). Competência exercida pela Divisão de Apoio Jurídico e Cooperação Judiciária dos Serviços de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria-Geral da República (supra § II.3.2.4).
Tendo presente a supremacia hierárquico-normativa dos tratados sobre a LCJIMP (supra § II.2.3) e atentas as restantes questões suscitadas na consulta (supra capítulo I. com a epígrafe Relatório) não se justifica nesta sede uma incursão desenvolvida sobre os particularismos dos procedimentos internos que se aplicam na ausência de normas de tratado ou acordo internacional (pois, como se destacará à frente, à fenomenologia objeto da consulta aplicam-se exclusivamente as normas da Convenção, infra § II.3.3.2)[45].
Na resposta à questão colocada impõe-se, apenas, referir que as tarefas da Procuradoria-Geral da República enquanto autoridade central, no âmbito da LCJIMP e no plano interno, são apenas de receção e encaminhamento, tanto para o Ministro da Justiça (quando o mesmo tem de intervir, artigo 21.º, n.º 2, da LCJIMP) como para as autoridades judiciárias, sem prejuízo dos contactos diretos nos casos de auxílio judiciário mútuo em matéria penal (artigo 21.º, n.º 3 em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea f), da LCJIMP).
Neste quadro legal, a ProcuradoriaGeral da República, como autoridade central, não tem qualquer competência decisória sobre a recusa de pedidos de auxílio judiciário rececionados por Portugal, incumbindo-lhe encaminhar o pedido para a autoridade judiciária competente e comunicar eventuais recusas à autoridade nacional ou estrangeira que formulou o pedido (artigos 24.º, n.º 3, e 30.º, n.º 1, da LCJIMP). Sendo certo que, mesmo no contexto de aplicação daquela lei, quando seja necessário uma apreciação pelo Ministro da Justiça sobre a cooperação requerida à República Portuguesa[46], a admissão ministerial do pedido não vincula a autoridade judiciária, a quem compete a decisão final sobre a eventual recusa, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da LCJIMP.
Compreende-se esta dissociação, existe um filtro assumido pelo poder executivo, relativo à competência legal do Ministro da Justiça, autonomizado pela LCJIMP do filtro judiciário assumido pela autoridade judiciária competente (infra § II.3.4)[47].
Em face do exposto, relativamente a pedidos de auxílio judiciário formulados à República Portuguesa que tenham sido encaminhados para a autoridade judiciária portuguesa e em que, no processamento interno, seja aplicável a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, a decisão final sobre a eventual recusa compete à autoridade judiciária, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da LCJIMP.
§ II.3.3.2 Em articulação direta com a primeira pergunta enunciada, na consulta questiona-se: «No caso de o Estado requerente ser Parte na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ratificada por Portugal por Decreto do PR nº 64/2008, de 12 de Setembro, a resposta à questão formulada em 1. sofre alteração? Em caso afirmativo, em que termos?».
A resposta a esta questão implica que se retome análise empreendida acima sobre o enquadramento da referida Convenção e a respetiva relação com a LCJIMP (supra § II.2).
A LCJIMP não é aplicável aos procedimentos decisórios sobre pedidos de auxílio recebidos em Portugal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, já que aquela lei não prejudica a aplicação de disposições mais favoráveis de acordos, tratados ou convenções de que Portugal seja parte (artigo 145.º, n.º 11, da LCJIMP).
Ao nível da Convenção resulta, em primeira linha, a ausência de filtragem política casuística no âmbito dos Estados que prestam auxílio passivo, não se prevendo qualquer intervenção do poder executivo.
Quanto à competência das autoridades centrais no âmbito do procedimento interno de auxílio judiciário passivo, sendo a mesma matéria, em primeira linha, do legislador nacional (supra § II.3.1) que, como se constatou acima, no caso português não prevê qualquer poder decisório dessa entidade no âmbito da LCJIMP.
Aspeto que deve ser sublinhado, não existe nenhuma coordenada axiológica nesta matéria, as competências das autoridades centrais derivam de opções político-normativas dos órgãos de soberania nacionais competentes para definir competências por via legislativa ou estabelecer de esquemas de cooperação através da vinculação a convenções internacionais. Campo em que, estão presentes, além de ponderações políticas em sentido estrito, expressões dos diferentes modelos jurídico-constitucionais de repartição de competências entre órgãos do Estado[48].
Neste domínio, as disposições da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP apresentam-se «mais favoráveis» ao auxílio do que as da LCJIMP, reforçando a ideia de que a autoridade central não constitui um elo de permeio com poderes decisórios que interfiram com o deferimento dos pedidos pelas autoridades judiciárias. Com efeito, os órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores e competentes para a aprovação do tratado e da legislação interna neste domínio (supra § II.2.1.3) estabeleceram a intervenção da autoridade central em pedidos de auxílio recebidos ao abrigo da Convenção como dispensável, aceitando que os Estados requerentes remetam os pedidos diretamente às autoridades judiciárias competentes e estas os devolvam diretamente depois de cumpridos. Confirmando dessa forma que a intervenção da autoridade central relativamente a pedidos recebidos em Portugal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP é de mera caixa postal facultativa.
Aliás, no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a intervenção da autoridade central portuguesa potencialmente apresenta menor relevo, mesmo no plano administrativo, por força da comunidade linguística dos Estados membros da CPLP que torna dispensáveis, nomeadamente, traduções.
Consequentemente, a autoridade central não tem competência para proferir decisões de recusa de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
§ II.3.4.1 Tendo-se concluído que a autoridade central não tem quaisquer competências decisórias em matéria de recusa de auxílio judiciário, impõe-se abordar uma outra pergunta: «Em caso negativo, a quem compete tal apreciação e decisão?»
Sendo o tema do parecer pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos (modalidades de auxílio judiciário previstas no artigo 2.º, n.º 2, alíneas a) a d), da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP), vamos deixar na sombra pedidos de informações que não compreendem atos judiciários em sentido material (cf. artigo 2.º, n.º 2, alíneas e) e f), da Convenção).
A repartição de competências internas em matéria de execução de pedidos de auxílio judiciário é matéria que não se encontra regulada diretamente na Convenção, nem na LCJIMP, sendo expressamente remetida para o Código de Processo Penal (artigo 25.º, n.º 2, da LCJIMP). O que permite uma asserção segura sobre a matéria da competência.
Relativamente aos pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova (nomeadamente revistas, buscas, apreensões e exames), perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP em que Portugal intervenha como Estado requerido, a decisão sobre o pedido incumbe «ao juiz ou ao Ministério Público no âmbito das respetivas competências», atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alíneas a) a d), e 4.º, n.º 1, da Convenção e nos artigos 1.º, alínea b), e 231.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Desde logo, isso revela uma outra questão subjacente às perguntas da consulta: A autoridade central tem intervenção no estabelecimento da autoridade judiciária competente?
Tratando-se de uma questão de competência processual penal a resposta tem de ser negativa, pois aquela entidade tem apenas competências administrativas. Repetindo o que já foi dito, a autoridade central relativamente a pedidos recebidos em Portugal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP é de mera caixa postal facultativa, intervindo, apenas, para facilitar as comunicações entre autoridades dos Estados envolvidos no auxílio. Pelo que, a autoridade central portuguesa não tem quaisquer competências no estabelecimento da autoridade judiciária competente para apreciação e execução do pedido de auxílio, matéria que deve ser aferida, em primeira linha, pela autoridade judiciária que recebe diretamente ou por intermédio da autoridade central o pedido de auxílio.
Existindo uma decisão judiciária de recusa, ou de diferimento do cumprimento do pedido de auxílio, a subsequente intervenção da autoridade central dependerá sempre do mecanismo de transmissão adotado pelo Estado requerente. Consequentemente, se a autoridade judiciária portuguesa competente concluir que existe motivo de recusa de um pedido de auxílio judiciário em matéria penal formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP e rececionado pela autoridade central, a esta entidade incumbe, apenas, devolver a carta comunicando a decisão da autoridade judiciária portuguesa à entidade estrangeira que formulou o pedido.
§ II.3.4.2 A repartição de competências internas entre autoridades judiciárias, nomeadamente ao nível do Ministério Público, não integra o objeto do presente parecer. Valendo as regras sobre competências processuais penais na ordem jurídica portuguesa tal implica, designadamente, como fator relevante a fase processual, pelo que os órgãos competentes podem ser do Ministério Público ou judiciais (sem olvidar que, mesmo na fase de investigação existem atos da reserva do juiz de instrução).
Relativamente aos órgãos do Ministério Público existe um critério de estabelecimento de competência ope legis (cf. artigo 264.º, n.os 1 a 3, do CPP e artigos 47.º, n.º 1 e 73.º, n.º 1, do EMP). Campo em que, por força das condições particulares da previsão da norma especial de competência do Procurador-Geral da República quanto ao inquérito (derivada de critério de diferenciação em sentido vertical por referência à pessoa objeto da investigação quando o mesmo é magistrado), o órgão superior do Ministério Público, por regra, não será competente para o auxílio judiciário, sem prejuízo dos respetivos poderes próprios especiais de desaforamento do órgão do Ministério Público normalmente competente (atribuindo-a ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal mesmo em casos que não seriam ope legis da competência desse órgão), e de substituição dispositiva de magistrados do Ministério Público em casos concretos.
Para além dos poderes concretos, o Procurador-Geral mantém intocados quanto à matéria do auxílio os seus poderes diretivos enquanto órgão superior do Ministério Público, nomeadamente, o poder de emitir diretivas sobre a interpretação da lei que deve ser adotada pelos órgãos e magistrados do Ministério Público que intervenham como autoridade judiciária relativamente a pedidos de auxílio judiciário recebidos pela República Portuguesa no quadro da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 12.º, n.º 2, alínea c), 13.º, n.º 1, 37.º, alínea e), 42.º, n.ºs 1 e 2, do EMP.
Poderes diretivos do Procurador-Geral da República que conformam no plano funcional o presente parecer (supra § II.1) e o subsequente desenvolvimento relativo a vertentes materiais de competências de órgãos do Ministério Público que intervenham como autoridades judiciárias em sede de cooperação judiciária passiva da República Portuguesa.
§ II.4 Motivos de recusa de auxílio judiciário formulado para obtenção de meios de prova em processo penal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP
§ II.4.1 Recusa de auxílio judiciário e ponderação de interesses individuais relativos a uma atividade de justiça criminal transnacional
§ II.4.1.2 Os sistemas tradicionais de auxílio judiciário mútuo são caracterizados pelo princípio do requerimento, em que um Estado submete um pedido a outro Estado, o qual é mais ou menos livre para determinar se o deve cumprir ou não[49]. Esquemas que envolvem políticas de cooperação internacional, com vários obstáculos para o auxílio judiciário transfronteiriço, «é dispendioso, necessita da acomodação de políticas, estratégias e legislações nacionais diferentes, depende de alguma renúncia de controlo»[50]
Sistemas tradicionais de cooperação judiciária em matéria penal, objeto, desde meados do século XX, de um processo de reflexão crítica multidimensional, gerador de debates em vários fora, os quais têm determinado, ao nível da União Europeia, a consagração de mecanismos alternativos, como o reconhecimento mútuo. Num contexto mais amplo, com relevo para a cooperação interestadual fora do âmbito da União Europeia, tem sido ampliada a adoção, em tratados internacionais conformados pelo princípio do requerimento, de esquemas procedimentais mais céleres do que as tradicionais rogatórias com encaminhamento diplomático, com reforço da confiança entre Estados e restrição das margens e motivos de recusa dos Estados requeridos (supra § II.3.1).
Flexibilização de mecanismos de auxílio judiciário determinada pela necessidade de cooperação transnacional, associada à especificidade e gravidade de certos fenómenos criminais ou aos laços especiais entre determinados Estados geradores de uma confiança recíproca reforçada entre os subscritores desses tratados (multilaterais ou bilaterais). A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP enquadra-se na segunda categoria, as relações especiais entre os Estados membros da CPLP determinaram um modelo agilizado de cooperação entre autoridades judiciárias não vinculado a determinados tipos ou categorias de crimes — na sequência de alguns tratados bilaterais envolvendo Estados membros da CPLP, atenta a comunidade linguística e os especiais laços histórico-culturais e relações entre as nações, a exemplo de acordos celebrados entre outros Estados com afinidades da mesma natureza[51].
O contexto da cooperação judiciária da justiça criminal transnacional, que «não é necessariamente conformada pelo direito, ou apenas pelo direito»[52] (em particular ao nível das decisões políticas de vinculação internacional dos Estados a Convenções), tem sido progressivamente alterado no sentido do reforço da celeridade e simplificação do auxílio judiciário mútuo. Alteração do direito convencional intencional que tem produzido tratados redutores dos filtros políticos casuísticos em nome de compromissos gerais de Estados com confiança recíproca, estabelecendo-se quadros normativos genéricos e abstratos sobre os campos de ponderações judiciárias na respetiva aplicação.
Interpretação judiciária vinculada aos princípios de direito internacional público, pretendendo-se que os critérios jurídicos prevaleçam, depois de acordados pelos órgãos com poder político conformador. Com efeito, na vinculação internacional dos Estados a convenções sobre auxílio judiciário em matéria penal as considerações de raiz política são assumidas pelos órgãos de soberania internos com o poder de outorgar os tratados legitimando, consequentemente, uma deflação das intervenções decisórias do poder executivo em sede de controlo casuístico das cartas rogatórias.
Superação de alguns paradigmas tradicionais da cooperação judiciária em matéria penal que, em sede de interpretação e aplicação judiciária das normas de direito convencional internacional, agudiza a necessidade de articular os valores referentes aos interesses dos Estados com os direitos subjetivos e interesses de pessoas singulares envolvidas.
Contexto em que, associada à superação de perspetivas estritamente orientadas pelo interesse dos Estados, se encontra uma abordagem que amplia o próprio conceito da justiça criminal transnacional. Como destacam Sabine Gless e John A. E. Vervaele, «para o suspeito ou a vítima, justiça criminal transnacional também abrange procedimentos criminais quando os mesmos são transnacionalmente ativos quanto à investigação (a obtenção de prova, a detenção de pessoas, o congelamento de bens), à acusação (a escolha de jurisdição) ou à execução de sanções (o confisco transnacional, a transferência de presos)»[53].
Nesta perspetiva, a justiça criminal transnacional abrange casos criminais nacionais que envolvem uma atividade de justiça criminal transnacional suscetível de afetar os direitos e as obrigações de pessoas individuais, não só de suspeitos e vítimas, como de outros envolvidos, nomeadamente fontes de prova pessoais que pretendam invocar interesses subjetivos, como, por exemplo, a prerrogativa contra a autoincriminação ou outros direitos legitimadores da recusa de colaboração ou de garantias de proteção pessoal.
Território complexificado pela dispersão de abordagens em diferentes instrumentos convencionais, sendo difícil estabelecer, a partir da pulverização de tópicos e coordenadas, um conjunto de cânones gerais para matérias fundamentais, como a força e os corolários dos princípios de fair trial no âmbito dos procedimentos transnacionais. Podem identificar-se tendências, em especial entre algumas comunidades de Estados, mas «não há uma doutrina global em matéria de metodologia e, consequentemente, os desenvolvimentos em diferentes partes do mundo parecem e são distintos»[54].
Evolução da cooperação judiciária acentuada desde o final do século XX, em particular na eliminação de filtros políticos casuísticos no auxílio judiciário relativamente à obtenção de prova, por via de instrumentos normativos da União Europeia e tratados com outros Estados à luz de um princípio de confiança mútua baseada em prévias ponderações políticas.
Superados alguns paradigmas marcantes de leituras muito marcadas pelas tradições particulares, a interação entre sistemas jurídicos nacionais tem compreendido a problemática específica da internacionalização do Due Process. A qual gera um debate intenso, em particular na medida em que os tribunais empreendam juízos sobre o carácter dos países estrangeiros, civilizados ou não civilizados, e dos padrões de equidade dos respetivos processos[55].
Quadro em que, na interpretação e aplicação do direito, se devem salvaguardar as implicações do respeito do sistema de separação de poderes e do direito dos tratados, sem olvidar a existência de limites que constituem imperativos constitucionais diretos e relativos à cooperação judiciária — caso das regras sobre extradição e expulsão (artigo 33.º da Constituição).
Neste domínio, a superação jurisdicional das cisões fronteiriças e tendências paroquiais tem sido operado através do que pode ser classificado como a emergência de uma «comunidade global de tribunais», na fórmula de Anne-Marie Slaughter[56]. Comunidade associada a dois fenómenos que constituem, em simultâneo, «sintoma e causa». O primeiro é «a fertilização constitucional cruzada», em que as citações recíprocas entre tribunais constitucionais não envolvem a invocação de precedentes mas de autoridade persuasiva, o segundo fenómeno «é a combinação simultânea de cooperação ativa e conflito vigoroso entre tribunais nacionais» em questões transnacionais[57]. Como destaca Slaughter, «o resultado, paradoxalmente, é mais diálogo e menos deferência»[58].
Contexto em que a comunidade global de tribunais subsiste como restrita, não abrange todos os tribunais, é uma comunidade parcial e emergente, em que, para os países do Conselho da Europa, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pela sua função e campo operativo, se apresenta como um polo central para localizar grelhas de leitura estabelecidas para além dos particularismos das experiências e culturas jurídicas nacionais.
Retornando ao tema das questões materiais suscitadas na consulta, deve atender-se a que em sede de cooperação judiciária em matéria penal o conceito de fair trial se apresenta central quanto a limites impostos às jurisdições, de Estados requerentes e requeridos, cuja densificação se afigura incompatível com diretrizes abstratas desligadas das tipologias de procedimentos e âmbito dos poderes jurisdicionais (infra § II.4.3).
Sendo difícil estabelecer diretrizes inequívocas em matéria de cooperação judiciária internacional, especialmente em domínios com compromissos políticos particulares, como o dos processos penais por crimes de corrupção, pode considerar-se que a «tensão [suposta ou real] entre direitos humanos e políticas anticorrupção será mediada em parte por tribunais regionais de direitos humanos»[59]. A jurisprudência dessas instâncias releva para análise da vinculação dos Estados Parte às normas convencionais sobre cooperação judiciária e garantias processuais, consequentemente, no caso português a jurisprudência do Tribunal dos Direitos do Homem constitui um instrumento complementar para a interpretação das vinculações judiciárias em sede de interpretação do direito convencional internacional sobre auxílio judiciário (infra § II.4.4).
§ II.4.2 Vinculação da República Portuguesa como Estado requerido às normas da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP e aos princípios do direito internacional público
Existindo um complexo de normas avulsas, estabelecidas em diferentes textos normativos, sobre a intervenção da República Portuguesa como Estado requerido de pedidos de auxílio judiciário, não se pode olvidar a vinculação do Estado aos princípios de direito internacional público (supra § II.2). Princípios que «permitem integrar as regras num todo sistemático, ultrapassar o seu caráter peculiar, fragmentário e, por vezes, conjuntural, e submetê-las a comuns critérios de interpretação e aplicação»[60].
Nessa medida, os poderes e deveres de cumprimento e recusa de pedidos de auxílio formulados à República Portuguesa terão sempre de ser ponderados à luz das diretrizes axiológicas do direito internacional público e, em particular, do designado jus cogens. Princípios transpostos para textos normativos, como os tratados de direitos do homem ou as Convenções de Viena sobre Direitos dos Tratados entre Estados e sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais.
Por outro lado, o procedimento estabelecido constitucionalmente de aprovação do tratado na ordem jurídica interna (supra § II.2.1.2) transporta implicações necessárias na margem de recusa de pedidos de auxílio formulados à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP.
Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP que estabelece um sistema normativo sobre apreciação de motivos de recusa com competência decisória exclusiva de autoridades judiciárias (supra § II.3.4), a qual implica a exclusão de margens de apreciação jurídico-política sem direto suporte normativo.
As competências atribuídas às autoridades judiciárias portuguesas quanto a processos pendentes em Estados da CPLP, ao abrigo da convenção de auxílio judiciário, compreendem exclusivamente a intervenção sobre a apreciação e execução de pedidos de apoio. Nessa medida não se pode extrair, sem expresso apoio normativo, qualquer outra ampliação da jurisdição judicativa da República Portuguesa sobre os crimes objeto do processo no Estado requerente[61]. Isto é, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP constitui um tratado de cooperação judiciária que não determinou qualquer transferência de soberania jurisdicional dos Estados requerentes para os Estados requeridos relativamente aos processos objeto dos pedidos que esteja para além da apreciação e execução dos pedidos rececionados.
Ao nível do enquadramento compreensivo sobre os pressupostos basilares da aprovação da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a mesma resultou de um juízo jurídico-político de órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores sobre «afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados» (na formulação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 2013), impondo, em virtude dessa opção, que na ordem jurídica nacional fosse estabelecido um mecanismo de auxílio mútuo simplificado com redução de filtros pelo Estado requerido.
Redução de filtros revelada na eliminação do requisito da dupla incriminação, no número 1 do artigo 2.º da Convenção[62]. O Estado requerido apenas pode exigir que a infração seja punível com uma pena privativa de liberdade igual ou superior a seis meses à luz da respetiva legislação nacional quando o pedido de auxílio se dirigir à realização de buscas, apreensões, exames e perícias, exceto se os atos requeridos se destinarem à prova de uma causa de exclusão de culpa da pessoa contra a qual o procedimento foi instaurado, ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º da Convenção.
Por outro lado, no âmbito da CPLP revelam-se opções profundamente distintas em função do tipo de cooperação judiciária, em especial entre os deveres de execução e recusa de pedidos de auxílio judiciário mútuo e de extradição[63]. Diferentes opções que relevam a diferença de responsabilidade dos Estados requeridos em função da natureza dos atos envolvidos na cooperação judiciária, em especial da extradição que envolve a liberdade pessoal[64].
Ponderações políticas na vinculação internacional do Estado à Convenção conformadoras das obrigações jurídicas impostas às autoridades judiciárias competentes no sentido de, na falta de um motivo de recusa com suporte normativo, executarem pedidos de auxílio judiciário formulados ao abrigo da Convenção visando notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos.
Em síntese, as normas da Convenção sobre recusa de auxílio judiciário são normas processuais penais com primado sobre o direito interno infraconstitucional (supra § II.2.3.1) aprovadas pelos órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores constitucionalmente competentes que vinculam as autoridades judiciárias como instâncias de interpretação e aplicação da lei.
Impondo-se esse entendimento na ordem jurídica interna, a República Portuguesa encontra-se ainda obrigada ao cumprimento do tratado em face do princípio de jus cogens Pacta sunt servanda que, conforme se estabelece no artigo 26.º da Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados entre Estados (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, em 29 de maio de 2003, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 7 de agosto), determina: «Todo o tratado em vigor vincula as Partes e deve ser por elas cumprido de boa fé».
Por seu turno, o artigo 27.º da Convenção de Viena de 1969, com a epígrafe Direito interno e observância dos tratados, dispõe: «Uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um tratado». Sendo certo que, no caso da Convenção objeto de análise, oportunamente se constatou que procedimento de vinculação da República Portuguesa ao tratado foi conforme o constitucionalmente previsto na ordem interna[65].
Enquadramento da convenção objeto do parecer no contexto do direito internacional público que exige a articulação das considerações formuladas sobre a vinculação internacional de Portugal com o relevo dos princípios do fair trial em sede de apreciação e execução de pedidos de cooperação judiciária internacional.
§ II.4.3 Ponderações sobre o fair trial pelo Estado requerido de um pedido de cooperação judiciária
O estabelecimento de mecanismos de auxílio judiciário mútuo simplificado acentua a necessidade de conjugar os valores referentes aos interesses dos Estados com os direitos subjetivos e interesses de pessoas singulares envolvidas. Ponderações que compreendem, além das normas estabelecidas sobre a matéria nos tratados de auxílio judiciário, a convocação de valores processuais estabelecidos no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) em que, tal como na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e da Convenção Americana dos Direitos Humanos e na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, ressalta a marca principialista característica do direito probatório anglo-americano, e, em particular, a ideia de fair trial.
Neste domínio existe, desde logo, uma significativa dificuldade de transporte para as línguas românicas do conceito de fairness, central na conceção de John Rawls, cuja teoria poderia ser intitulada justice as fairness, na medida em «que transporta a ideia de que os princípios da justiça estão de acordo com uma situação inicial que é fair»[66].
A compatibilidade do valor da justiça associado à verdade factual dos veredictos com o fair trial marcou muito dos discursos e declarações internacionais a partir da II Guerra Mundial. Textos estabelecidos a partir de um consenso difuso sobre a ideia de fair trial que não permite superar as significativas dificuldades de tradução, pois a palavra inglesa fair não tem equivalente direto nas línguas românicas, daí a pluralidade de tentativas de tradução, relativamente mal sucedidas, como devido, justo, equitativo, leal[67].
Na Europa, a epígrafe inglesa do artigo 6.º da CEDH (1950), the right to a fair trial, foi traduzida nas línguas românicas como direito a um processo equitativo que, além de insatisfatória na escolha do adjetivo, compreende um substantivo distinto (trial não é processo) com inequívoca carga jurídico-processual. Já no texto oficial em alemão, a integração do anglicismo fair conjuga-se com a adoção do mesmo substantivo empregue pelas versões das línguas românicas faires Verfahren[68].
Quanto a epígrafe idêntica, em inglês, do artigo 8.º da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), as traduções oficiais para as línguas românicas (castelhano, português e francês), converteram right to a fair trial em garantias judiciais. Já na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981) a questão não se colocou, pois a versão em inglês não compreende a adoção em nenhum passo da fórmula fair, sendo significativamente mais contidas as imposições sobre processo penal.
Relativamente ao texto mais abrangente, ao nível da organização internacional em que foi aprovado e do número de Estados aderentes, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), da ONU, a ausência de epígrafe minimizou o problema, mas as traduções para as línguas românicas confrontaram-se com a palavra fair no artigo 10.º, antecipando, em certa medida, a fórmula da CEDH: Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Isto é, o adjetivo fair (do direito a fair and public hearing) foi convertido em equitativo (do direito a que a causa seja equitativa e publicamente julgada).
Dificuldades e compromissos originários nos textos e traduções que marcam a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que compreende, por regra, uma preocupação identificadora de um mínimo denominador comum sobre os princípios, sem aprofundar comprometimentos jurídico-dogmáticos.
Bosquejo sobre o fair trial em tratados que permite, desde já, um ponto de partida: O fair trial não pode fundar uma pretensão nacional de julgar sistemas jurídicos estrangeiros a partir das soluções historicamente adotadas no direito português, que se revelaria, aliás, um paradoxo, atenta a raiz histórica e cultural dos referidos valores processuais. No plano metodológico as leituras a partir de uma matriz nacional encerram múltiplos riscos sobre a originalidade, «tema da originalidade e da influência» que «na sua dimensão jurídica (logo, associada a questões de poder e de simbolização), reveste-se de particular melindre»[69]. Acresce que o julgamento do sistema jurídico estrangeiro à luz dos cânones do direito nacional do Estado requerido, caso não tenha suporte no direito internacional público, colide, ainda, com o artigo 27.º da Convenção de Viena de 1969.
Conjunto de coordenadas que reforça a pertinência, já assinalada (supra § II.4.2), de uma especial atenção à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Identificar eventuais colisões de uma convenção sobre auxílio judiciário com tratados normativos que visam a consagração de direitos subjetivos oponíveis aos Estados subscritores, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, exige, naturalmente que se comece por aferir os imperativos derivados do referido texto internacional no domínio em causa, revelados pela jurisprudência desenvolvida pelo tribunal internacional competente. Importante para identificar linhas de resposta sobre eventuais exigências de balanceamento que, «sem prejuízo da subordinação ao jus cogens e ao princípio pacta tertiis nec nocent nec prosunt sobre a situação de terceiros Estados»[70], podem ser exigidas na ponderação das responsabilidades de Estados subscritores da CEDH em face da cooperação judiciária passiva com Estados que não são abrangidos por esse tratado.
No caso português deve, ainda, atender-se à jurisprudência constante do Tribunal Constitucional português no sentido de que «o direito a um julgamento equitativo e o princípio da igualdade de armas, que se extraem» do artigo 6.º da Convenção, «são tomados em consideração», «enquanto elementos coadjuvantes de clarificação do sentido e alcance da garantia da proteção jurídica e da via judiciária, consagrada no artigo 20.º da Constituição, e não como “padrão autónomo” de um juízo de constitucionalidade» (acórdão n.º 223/95 do Tribunal Constitucional), não se eximindo nessa clarificação de sentido a socorrer-se «da jurisprudência de órgãos internacionais, nomeadamente da Comissão Europeia dos Direitos do Homem e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para densificar os princípios constitucionais de acesso aos tribunais, de independência dos tribunais, de igualdade de armas, de asseguramento de todas as garantias de defesa pelo processo penal e da estrutura acusatória do mesmo processo penal» (acórdão n.º 121/97). Tendo o artigo 6.º e a interpretação do Tribunal de Estrasburgo constituído uma pauta direta de que se socorreu em diversas ocasiões o Tribunal Constitucional português[71].
§ II.4.4 O critério da denegação de justiça flagrante como motivo de recusa de cooperação judiciária internacional
§ II.4.4.1 A densificação dos corolários da CEDH e do princípio do fair trial na produção de prova em processo penal foi desenvolvida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, fundamentalmente, a propósito do direito de o acusado interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação. Em 1986, no acórdão Unterpertinger contra Áustria, decorridas quase três décadas sobre a aprovação da Convenção, foi apreciada, de forma direta, a utilização, como prova da condenação, do que disseram duas testemunhas na fase de investigação, sem intervenção da defesa e sem que as fontes de prova tivessem sido ouvidas em julgamento[72].
Nesse aresto estabeleceram-se duas ideias reafirmadas, em múltiplas oportunidades, pela jurisprudência de Estrasburgo sobre o artigo 6.º da CEDH: (1) O juízo sobre a violação do fair trial exige uma valoração do processo como um todo e não apenas de atos atomizados (ainda que violadores de valores da Convenção); (2) Rejeita-se o imperativo da proibição abstrata de prova, sendo necessária a avaliação do processo como um todo unfair.
A título ilustrativo refira-se o recente acórdão Schatschaschwili c. Alemanha do Tribunal Pleno (n.º 9154/10), de 15 de dezembro de 2015, relativo à conformidade com o artigo 6.º da CEDH de um julgamento em que se utilizaram depoimentos sem contraditório, não tendo sido assegurado posteriormente o contraditório através do cumprimento de uma carta rogatória (a avaliação do tribunal incidiu sobre o julgamento no Estado requerente em que se utilizou a prova e não no cumprimento da carta rogatória pelo Estado requerido):
«100. O tribunal reitera que as garantias do número 3 alínea d) do artigo 6.º são aspetos específicos do direito de fair hearing estabelecido no n.º 1 deste preceito (veja-se acórdão Al-Khawaja e Tahery, citado acima, § 118), vai subsequentemente considerar a queixa do requerente à luz das duas disposições em conjunto (veja-se acórdão Windisch c. Austria, 27 setembro 1990, § 23, Série A n.º 186, e acórdão Lüdi c. Suiça, 15 junho 1992, § 43, Série A n.º 238).
«101. A principal preocupação do tribunal relativamente ao artigo 6.º, n.º 1, é avaliar a fairness global dos procedimentos criminais (veja-se, inter alia, Taxquet c. Bélgica [GC], n.º 926/05, § 84, ECHR 2010, com mais referências). Ao empreender esta abordagem o tribunal vai ponderar os procedimentos como um todo incluindo a forma como a prova foi obtida, atentos os direitos da defesa assim como o interesse do público e das vítimas em que o crime seja objeto de uma acusação adequada (veja-se Gäfgen c. Alemanha [GC], n.º 22978/05, §§ 163 e 175, ECHR 2010) e, onde for necessário, os direitos das testemunhas (veja-se Al-Khawaja e Tahery, citado acima, § 118, com mais referências, e Hümmer, citado acima, § 37).
«[…]
«104. O tribunal deve destacar, neste contexto, a importância da fase de investigação para a preparação da acusação criminal, e que a prova obtida durante esta fase determina o quadro em que o crime será considerado no julgamento (veja-se Salduz c. Turquia [GC], n.º 36391/02, § 54, ECHR 2008). Ainda que o principal fim do artigo 6.º da Convenção, no que respeita ao processo penal, seja assegurar um fair trial por um “tribunal” competente para julgar “qualquer acusação criminal”, tal não implica que o artigo não tenha qualquer aplicação aos procedimentos anteriores ao julgamento. Assim, o artigo 6.º — especialmente o número 3 — pode ser relevante antes de um processo ser remetido a julgamento, se e na medida em que a fairness do julgamento possa ser prejudicada seriamente por uma falha inicial no cumprimentos das suas prescrições (veja-se o acórdão Salduz, citado acima, § 50, reportando-se ao acórdão Imbrioscia c. Suíça, 24 de novembro 1993, § 36, Série A n.º 275).»
Relativamente ao cumprimento de cartas rogatórias por Estados Parte da CEDH sendo requerentes Estados terceiros, a jurisprudência do Tribunal Europeu sediado em Estrasburgo atende ao princípio da territorialidade reconhecido no artigo 1.º da CEDH: «As Altas Partes Contratantes reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título I da presente Convenção».
O princípio da territorialidade restringe o âmbito das obrigações dos Estados Parte da Convenção requeridos em pedidos de cooperação judiciária por Estados que não estão sujeitos à CEDH, como sucede com todos os membros da CPLP com exceção de Portugal. Domínio em que tem emergido como conceito operativo fundamental, à luz da CEDH, a construção jurisprudencial sobre denegação de justiça flagrante.
§ II.4.4.2 A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em matéria do controlo do respeito dos direitos humanos pelo sistema jurídico do Estado requerente desde o acórdão do tribunal pleno Drozd e Janousek c. França e Espanha (no. 12747/87), de 26-6-1992, parece considerar que o facto de o outro Estado envolvido não ser parte da CEDH legitima a atenuação do rigor de verificação da conformidade com os cânones da Convenção. Nesse aresto, a circunstância de Andorra, então, não ser Parte da CEDH foi utilizada como argumento para reduzir o grau de exigência dos critérios aplicáveis, numa orientação da jurisprudência de Estrasburgo constante, desde essa data, e sublinhada pela generalidade da doutrina que se tem debruçado sobre o tema[73].
Partindo dessa abordagem tem sido destacado que «a linha de argumentação mais relevante (desenvolvida por referência à cooperação com terceiros Estados) é a avaliação da denegação flagrante de fair trial, a qual também oferece um interessante ponto de partida para um debate mais profundo sobre as obrigações de direitos humanos dos Estados Parte da CEDH e de outros Estados»[74].
O princípio da territorialidade obsta a uma imposição direta da CEDH a Estados que não são parte mas convoca um critério especial, denegação de justiça flagrante, para ponderar a suscetibilidade de atos de cooperação judiciária atingirem direitos de defesa protegidos pelo artigo 6.º da CEDH.
Neste passo importa relembrar que o auxílio judiciário regulado na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP não abrange todas as tipologias de cooperação judiciária (sendo objeto de outras Convenções subscritas pelos mesmos Estados membros da CPLP, a extradição e a transferência de pessoas condenadas[75]), mas, por outro lado, não se restringe à obtenção e produção de prova, envolvendo, nomeadamente, atos necessários à perda, congelamento ou recuperação de instrumentos, bens, objetos ou produtos do crime (artigo 1.º, n.º 2).
Campo dos atos requeridos e concretamente empreendidos pelo Estado Parte da CEDH que se apresenta central na jurisprudência europeia sobre a responsabilidade dos Estados membros do Conselho da Europa à luz do conceito de denegação de justiça flagrante. Orientação que visa estabelecer o campo de responsabilidade por consequências adversas para os direitos humanos ocorridas fora do respetivo território, atente-se nas considerações formuladas sobre este ponto no § 133 do acórdão Al-Skeini e Outros c. Reino Unido (n.º 55721/07), de 7-7-2011:
«O Tribunal tem reconhecido na sua jurisprudência que, como uma exceção ao princípio da territorialidade, a jurisdição de um Estado Parte sob o artigo 1.º pode abranger atos das suas autoridades que produzam efeitos fora do seu próprio território, veja-se acórdão Drozd e Janousek, citado acima, § 91; decisão Loizidou (objeções preliminares), citado acima, § 61; acórdão Loizidou c. Turquia (mérito), de 18-12-1996, § 52 Reports of Judgments and Decisions 1996-VI; e acórdão Banković e Outros, citado acima, § 69. A declaração de princípio, como consta do acórdão Drozd e Janousek e nos outros acórdãos citados, é muito ampla: O Tribunal declara que a responsabilidade dos Estados Parte “pode ser compreendida nessas circunstâncias. É necessário analisar a jurisprudência do Tribunal para identificar os princípios diretores.»
Reportando-se a responsabilidade dos Estados membros do Conselho da Europa sobre efeitos nos direitos humanos das medidas que praticam no âmbito da cooperação judiciária passiva compreende-se que os principais casos suscitados se reportem à extradição de pessoas, em particular quando as mesmas podem ser condenadas à morte.
O acórdão Soering c. Reino Unido (n.º 1438/88), de 7-7-1989, foi o leading case sobre a denegação de justiça flagrante em cooperação judiciária com Estados que não são abrangidos pelo princípio territorial da CEDH: «Em resumo, a decisão de um Estado Parte extraditar um fugitivo pode dar origem a uma questão relativa ao artigo 3.º, e envolver a responsabilidade do Estado sob a Convenção, quando foram apresentadas razões fundamentadas para admitir que a pessoa em causa, se extraditada, corre um risco real de ser sujeita a tortura, ou outro tratamento ou punição desumanos ou degradantes no Estado requerente. O estabelecimento dessa responsabilidade compreende, necessariamente, uma avaliação das condições no Estado requerente contrárias aos cânones do artigo 3.º da Convenção» (§ 91).
Âmbito da responsabilidade do Estado Parte da CEDH no escrutínio de eventuais violações do fair trial por um terceiro Estado que requer a execução de decisões judiciais, o qual foi objeto do já referido acórdão Drozd e Janousek. No caso, o problema reportava-se à execução por Estados membros do Conselho da Europa de decisão judicial de um tribunal de Andorra que, então, não era parte da CEDH, sendo o seguinte o principal argumento da motivação do acórdão: «Como a Convenção não exige que os Estados Parte imponham os seus cânones a Estados ou territórios terceiros, a França não estava obrigada a verificar se os procedimentos que resultaram na condenação eram compatíveis com todas as exigências do artigo 6.º da Convenção. Exigir esse controlo de forma a que um tribunal não vinculado à Convenção aplique os seus princípios contraria a atual tendência de reforço da cooperação judiciária internacional na administração da justiça, uma tendência que, em regra, é favorável aos interessados no processo. Os Estados Parte estão, contudo, obrigados a recusar a sua cooperação se resultar que a condenação foi resultado de uma denegação de justiça flagrante» (§ 110).
Ampliando as tipologias de cooperação judiciária importará referir o acórdão Saccoccia c. Áustria (n.º 69917/01), de 18-12-2008, relativo a um caso de branqueamento de capitais objeto de julgamento nos Estados Unidos da América (EUA), tendo o tribunal norte-americano condenado o arguido e determinado a perda de 136 milhões de dólares em vários tipos de ativos (nomeadamente dinheiro, ações e outros produtos financeiros) encontrados na Áustria.
O requerente argumentou que os tribunais austríacos ao procederem, no quadro de cooperação passiva, à execução da perda dos bens não atenderam, como deviam por força do artigo 6.º da CEDH, às deficiências dos processos criminal e de confisco que correram nos EUA. Reafirmando a anterior jurisprudência o Tribunal, na decisão preliminar de 5-7-2007, considerou que «a sua função não consiste em avaliar se os procedimentos perante os tribunais dos EUA são conformes o artigo 6.º da Convenção, mas se os tribunais austríacos, antes de autorizarem a imposição da ordem de perda, asseguraram de forma adequada que a decisão em causa não era resultado de denegação flagrante de justiça».
Delimitada a questão objeto do processo (ao procedimento desenvolvido pelas autoridades judiciárias austríacas), no acórdão final de 18-12-2008 o tribunal sublinhou que «a execução e perda de bens teve um fim legítimo, em particular melhorar a cooperação para assegurar que o dinheiro derivado de negócios de estupefacientes é efetivamente perdido» (§ 88).
Jurisprudência de Estrasburgo que, além da dimensão relativa aos critérios materiais, aborda os problemas do suporte probatório para os juízos sobre os procedimentos nos Estados terceiros, dimensão abordada, por exemplo, no acórdão Babar Ahmad e Outros c. Reino Unido (processos n.os 24027/07, 11949/08, 36742/08, 66911/09 e 67354/09), de 10-4-2012, que relevou «a história longa de respeito da democracia, direitos humanos e Estado de direito» (§ 179) dos EUA, o acórdão Ahorugeze c. Suécia (n.º 37075/09), de 27-10-2011, relativo a cooperação com o Ruanda, e a decisão Wilcox e Hurford c. Reino Unido (n.os 43759/10 e 43771/12), de 8-1-2013, em que o Estado terceiro envolvido era a Tailândia.
§ II.4.4.3 Da jurisprudência de Estrasburgo podem extrair-se algumas linhas orientadoras a partir das quais, contudo, não se pode considerar que existam asserções genéricas aplicáveis a qualquer tipo de cooperação judiciária de forma abstrata e independente dos particularismos dos casos.
Primeira coordenada revelada é que, à luz dos postulados da CEDH, o conceito de denegação de justiça flagrante tem de atender à natureza do ato requerido, nomeadamente, se o mesmo se reporta à extradição de pessoas para Estados estrangeiros, execução de decisões judiciárias estrangeiras ou produção de prova. O fator fundamental são os efeitos da medida realizada pelo Estado membro nos direitos do visado, ainda que as consequências adversas venham a ter os seus corolários no território do Estado requerente que não seja membro do Conselho da Europa.
Desta forma, a responsabilização do Estado que atua na cooperação passiva reporta-se em primeira linha ao ato de soberania que realizou e ao respetivo impacto material. Os atos de cooperação passiva compreendem exercício de poderes distintos com efeitos diversos na esfera individual, em particular, nos casos de extradição ou outras entregas de pessoas (os poderes soberanos assumidos incidem diretamente sobre a liberdade do visado e a colocação do mesmo sob a alçada de um Estado estrangeiro), de congelamento de bens em cumprimento de uma decisão judicial estrangeira (poderes sobre a propriedade permitindo a efetivação de decisões estrangeiras), ou de audição de testemunha com o objetivo de que o seu depoimento seja utilizado em processo pendente no Estado requerente (neste último caso, os poderes soberanos convocados do Estado requerido são fundamentalmente a convocação e inquirição de uma pessoa, disponibilizando ao Estado estrangeiro um elemento de prova, em regra, produzido em conformidade com regras do Estado que empreende a cooperação passiva e que será integrado judiciariamente pelas entidades responsáveis pelo processo pendente no estrangeiro).
Pano de fundo que permite avançar uma segunda ideia destacada por Radha Dawn Ivory: «O tribunal reconhece que denegações flagrantes podem advir de várias formas de injustiça, contudo, tem sido reticente em considerar violações do artigo 6.º da CEDH em casos de cooperação que não envolvam ou resultem em tratamento contrário aos artigos 2.º ou 3.º da CEDH»[76].
Em termos de grandes linhas constata-se que o Tribunal Europeu adere a uma interpretação territorial da responsabilidade do Estado em que se tem de aferir a medida em que os concretos atos praticados pelos Estados Parte da CEDH contribuíram para a violação de direitos reconhecidos pela Convenção, ainda que os mesmos culminem em ações de Estados terceiros, mas já não existe um escrutínio da atividade dos outros Estados que não derive do cumprimento de uma medida pelo Estado Parte da CEDH. Por exemplo, a produção de um testemunho, com cumprimento de regras conformes à CEDH, num processo que pode culminar na condenação a uma pena de morte do arguido (por exemplo nos Estados Unidos da América) compreende uma responsabilidade significativamente distinta da extradição para os Estados Unidos da América de uma pessoa que pode vir a ser condenada em pena de morte. Dito de outra forma, o Estado é responsável pela medida em que o cumprimento de um concreto ato de cooperação contribuiu (ou sobre o qual se pode formular um juízo fundamentado de prognose futura sobre a suscetibilidade de vir a contribuir) para a violação dos padrões da Convenção por um Estado terceiro[77].
§ II.4.4.4 A primeira pergunta formulada na consulta sobre uma vertente material da recusa de auxílio foi a seguinte: «No âmbito de um pedido de auxílio judiciário emitido pelas autoridades competentes de um Estado Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, podem as autoridades portuguesas invocar outras causas de recusa de cumprimento do pedido para além das previstas no n.º 1, do artigo 3.º, daquela Convenção, designadamente as previstas na al. a) do artigo 6.º da Lei 144/99?»
A disposição do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da LCJIMP prescreve: «O pedido de cooperação é recusado quando o processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal.»
Embora a questão da consulta pareça compreender uma dimensão estrita de articulação de regras que integram a legislação ordinária interna com regras previstas em convenção internacional a que Portugal está vinculado (dimensão analisada infra no § II.4.5.1), indiretamente, pode transportar a problematização do âmbito da responsabilidade da República Portuguesa cumprir a CEDH no quadro de cooperação judiciária passiva com Estados terceiros que não são parte da CEDH.
Sobre a questão subjacente da medida em que a CEDH pode impor a recusa de cooperação judiciária com um Estado que não é abrangido por esse tratado, a jurisprudência do Tribunal Europeu é incompatível com respostas estribadas em reducionismos generalistas, derivados de esquemas axiomático-dedutivos, com pretensão de validade para todos os tipos de cooperação judiciária e independentes dos instrumentos normativos convocados e dos concretos atos praticados. Consequentemente, o aprofundamento da identificação da matriz da jurisprudência de Estrasburgo envolve uma prévia assunção de tipologias de situações que não integram a consulta.
Nesta sede, tendo presente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o quadro problemático da consulta, podem formular-se duas asserções prévias à ponderação da questão sobre a eventual aplicabilidade direta do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), da LCJIMP:
Enquanto Estado requerido de cooperação judiciária solicitada ao abrigo de convenção internacional por um Estado que não integra o Conselho da Europa, a República Portuguesa ao apreciar se o processo pendente no estrangeiro preenche o conceito de denegação de justiça flagrante tem de atender à natureza do ato requerido, nomeadamente, se o mesmo se reporta à extradição de pessoas, execução de decisões judiciárias estrangeiras ou produção de prova.
As concretizações pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem do conceito de denegação de justiça flagrante para efeitos de recusa de cooperação judiciária têm compreendido, além da ponderação da natureza do ato requerido, valorações sobre a gravidade das violações dos cânones da Convenção Europeia relativos ao fair trial, base e força probatórias dos juízos sobre o desrespeito desses valores, considerações relativas a elementos disponíveis sobre o perfil do Estado requerente em matéria de direitos humanos e considerandos sobre a diligência exigível aos Estados requeridos em pedidos de cooperação formulados por Estados que não são parte da Convenção.
§ II.4.5 Contextualização da recusa de auxílio judiciário e confiança mútua no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP
§ II.4.5.1 A recusa de auxílio judiciário no quadro da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP tem de começar por atender à interpretação do regime estabelecido nesse tratado.
Como pressupostos de base impõe-se atender a três componentes nucleares que restringem, necessariamente, o âmbito de apreciação valorativa das autoridades judiciárias em sede de recusa de auxílio judiciário formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP:
1- O procedimento interno de vinculação internacional do Estado português que compreendeu um complexo de atos da competência exclusiva do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República (supra § II.2.1.3);
2- Responsabilidades externas da República Portuguesa advenientes da referida vinculação internacional (supra § II.2.1.3);
3- Os princípios do direito internacional público sobre a matéria e em particular os artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena (supra § II.4.2).
Os objetivos prosseguidos com a assinatura e aprovação do tratado derivam dos interesses dos Estados na simplificação e celeridade do auxílio judiciário entre os Estados subscritores, o que compreendeu a eliminação de filtros políticos (supra § II.4.1) e atribuição de competências reservadas às autoridades judiciárias (supra §§ II.3.3 e II.3.4).
Soluções de flexibilização do auxílio que são o resultado de um programa e de uma ponderação pelos órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores do interesse nacional na cooperação judicial em matéria penal com outros membros da CPLP, enquanto «Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados». Opções que não podem ser escrutinadas pelas instâncias de interpretação e aplicação da Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP.
Em sintonia com o programa da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, com natureza de tratado-normativo, a enumeração de motivos de recusa apresenta natureza taxativa. Enumeração taxativa a que se vincularam os Estados subscritores e que depositaram no secretariado da CPLP os respetivos instrumentos, pelo que não podem recusar o auxílio invocando motivos de recusa previstos na respetiva legislação interna que não constem da Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP.
No caso de Portugal, a invocação de motivos apenas previstos na legislação interna constituiria uma violação do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 27.º da Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, em 29 de maio de 2003, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 7 de agosto) nos artigos 1.º e 20.º da referida convenção de auxílio judiciário, 3.º e 145.º, n.º 11, da LCJIMP e 229.º do CPP.
Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP que não legitima que as autoridades dos Estados requeridos, relativamente aos processos objeto dos pedidos, empreendam apreciações que estejam para além dos pressupostos e condicionamentos dos concretos atos de auxílio judiciário requeridos ao abrigo do referido tratado. Com efeito, é completamente estranho ao programa subjacente à Convenção uma transferência de jurisdição sobre o objeto do processo que determinou o pedido de auxílio. Pelo contrário, pretendeu-se restringir as margens tradicionais de escrutínio pelo Estado requerido do pedido do Estado requerente, o que se expressou na importante opção política em matéria de dupla incriminação.
Quanto ao tradicional motivo de recusa de auxílio judiciário reportado ao requisito de dupla incriminação, que exige um escrutínio dos factos objeto do processo que determinam o pedido à luz da lei do Estado requerido, a Convenção reduz a margem de filtragem pelas autoridades deste Estado, por força do disposto no artigo 2.º da Convenção. Nesse quadro normativo, a autoridade judiciária portuguesa só está legitimada a aferir se os factos que deram origem ao pedido são puníveis com uma pena privativa de liberdade igual ou superior a seis meses à luz da legislação nacional quando o pedido de auxílio se reporte à realização de buscas, apreensões, exames e perícias, devendo na negativa recusar esses atos, exceto se os mesmos se destinarem à prova de uma causa de exclusão de culpa da pessoa contra a qual o procedimento foi instaurado.
§ II.4.5.2 Na interpretação das regras sobre recusa estabelecidas na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP devem adotar-se os elementos da interpretação (gramatical, teleológico, sistemático, histórico) adaptados à especificidade do direito convencional internacional[78].
Critérios hermenêuticos que permitem o enquadramento do campo operativo da autoridade judiciária competente para pedido de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa. Autoridade judiciária que, em face dos princípios de direito internacional público e da legalidade processual, carece de suporte normativo para empreender valorações sobre a lei processual do Estado requerente ou a atuação das respetivas autoridades na aplicação interna daquelas leis no âmbito do processo em que foi solicitada cooperação judiciária.
Valorações que reportadas a motivos de recusa de auxílio judiciário têm de atender ao carácter taxativo da respetiva enumeração numa convenção que visa, em primeira linha, vincular os Estados subscritores a prestar auxílio judiciário formulado ao abrigo desse tratado-normativo. Tabela de motivos de recusa que enuncia ainda diferentes pressupostos valorativos e, fundamentalmente, matérias diversas que exigem juízos distintos e especificados sobre o preenchimento de cada uma das cláusulas do número 1 do artigo 3.º da Convenção.
Passando a uma análise na especialidade de motivos de recusa previstos no artigo 3.º da Convenção ressalta que a apreciação empreendida pelas autoridades judiciárias do Estado requerido sobre «características do ordenamento jurídico do país emitente do pedido de auxílio» para efeitos de eventual recusa de cooperação requerida é diferenciada em função da natureza do concreto ato requerido e da jurisdição do Estado a quem é solicitado o auxílio relativamente à matéria objeto do processo pendente no Estado requerente.
§ II.4.5.3 Esclarecida a taxatividade dos motivos de recusa previstos na Convenção importa atender a um elenco de questões objeto da consulta reportadas, direta ou indiretamente, à alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º desse tratado que prescreve:
«O Estado requerido pode recusar o auxílio quando considere […] Que o cumprimento do pedido ofende a sua segurança, a sua ordem pública ou outros princípios fundamentais.»
São as seguintes as questões:
«4. Podem ser considerados pelas autoridades portuguesas como motivo de recusa, nos termos da al. a) do artigo 6.º da Lei 144/99 ou da al. e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, outros elementos, designadamente:
«a) atos praticados no processo em que foi emitida a carta rogatória cujo cumprimento é requerido às autoridades portuguesas,
«b) características do ordenamento jurídico do país emitente do pedido de auxílio?
«5. No caso de a resposta à pergunta precedente ser afirmativa, exige-se que esses outros elementos apresentem conexão com o concreto ato pedido às autoridades portuguesas?»
Não tendo sido formulada nenhuma pergunta sobre a estatuição da norma e o conteúdo conceptual dos interesses protegidos — «segurança, a sua ordem pública ou outros princípios fundamentais» — importará, pelo menos, identificar os referentes dos interesses protegidos, de molde a compreender o objeto do juízo da autoridade judiciária sobre a matéria.
Cláusula que tem um lastro histórico que precede a terceira época da cooperação judiciária internacional penal, desenvolvida a partir do último quartel do século XX (supra §§ II.3.1 e II.4.1). Daí que exista uma previsão paralela na alínea b) do artigo 2.º do texto original da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal de 1959[79].
Então, foi expressamente esclarecido na exposição de motivos da Convenção que «a frase “interesses fundamentais” refere-se a interesses do Estado, não de indivíduos»[80]. Ideia basilar que persistiu na recorrente referência, em tratados e leis de diferentes Estados, à ressalva sobre segurança, ordem pública ou outros princípios fundamentais[81].
Tendo por referência cláusulas similares à que integra a alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, no passado, este Conselho reportou-o sempre ao pedido concreto e não ao processo pendente no Estado, nomeadamente, no parecer n.º 41/1998, de 19-6-1998[82] e no parecer n.º 70/1998, de 11-6-1999[83].
Quanto ao texto da convenção objeto do presente parecer, o sujeito da frase («o cumprimento do pedido») revela um elemento literal em sintonia com o histórico-teleológico. Por outro lado, no elenco de motivos de recusa, como veremos à frente, no número 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP existem motivos que convocam juízos próprios sobre as infrações ou o próprio procedimento pendente no Estado requerente, ao invés do que sucede com a cláusula da alínea e) que compreende, exclusivamente, um juízo sobre o cumprimento do pedido.
Respondendo às questões da consulta, da análise empreendida sobre a cláusula alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal extraímos dois corolários diretos:
A apreciação do motivo de recusa tem de se restringir à valoração do concreto pedido de auxílio judiciário.
Para efeitos de apreciação do motivo de recusa, as autoridades judiciárias do Estado requerido não estão legitimadas a empreender uma sindicância (por via de indagações factuais próprias ou a partir de meras inferências suportadas em alegações factuais de terceiros) dos atos processuais praticados no processo penal pendente no Estado requerente à luz do respetivo ordenamento jurídico.
§ II.4.5.4 A condução do processo pelas entidades competentes do Estado requerente apenas pode ser um aspeto objeto de valoração para efeitos do preenchimento do motivo de recusa previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
Decidir se há fundadas razões para crer que o auxílio é solicitado para fins de procedimento criminal ou de cumprimento de pena por parte de uma pessoa, em virtude da sua raça, sexo, religião, nacionalidade, língua, ou das suas convicções políticas e ideológicas, ascendência, instrução, situação económica ou condição social, ou existir risco de agravamento da situação processual da pessoa por estes motivos depende de um juízo de facto que tem por referência uma atividade concreta que tem na génese ou como fim uma discriminação.
§ II.4.5.5 A cláusula da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP convoca o Estado requerido para aferir o tipo de crime invocado no pedido, com o objetivo de o confrontar com a categoria «infração de natureza política ou com ela conexa».
Qualificação que deve determinar a recusa de auxílio, a qual, contudo, não pode ocorrer com esse fundamento se integrar uma das seguintes categorias objeto de ressalva estipulada no n.º 4 do artigo 3.º:
a) Crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial proteção segundo o direito internacional;
b) Atos de pirataria aérea e marítima;
c) Atos a que seja retirada natureza de infração política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;
d) Genocídio, crimes contra a Humanidade, crimes de guerra e infrações graves segundo as Convenções de Genebra de 1949;
e) Atos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.
§ II.4.5.6 Relativamente à cláusula da alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a autoridade judiciária portuguesa tem de empreender um juízo sobre o quadro jurídico-processual e a organização judiciária do Estado requerente. Suportes necessários para um eventual juízo no sentido de que o auxílio pode conduzir a julgamento por um tribunal de exceção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza.
§ II.4.5.7 Quanto ao motivo previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, o mesmo compreende um juízo de facto centrado numa valoração que tem como foco a soberania do Estado requerido e não do Estado requerente. A recusa do auxílio solicitado com fundamento em prejuízo de um procedimento penal pendente no Estado requerido envolve a valoração do processo integrado na jurisdição do Estado que emite a pronúncia. Quanto à suscetibilidade de a execução do pedido afetar a segurança de qualquer pessoa envolvida naquele auxílio reporta-se igualmente a um efeito direto no âmbito da atividade desenvolvida pelo Estado requerido.
Previsão do artigo 3.º, n.º 1, alínea d), da Convenção sobre um juízo formulado sobre o prejuízo de processo pendente ou implicações negativas para a segurança de pessoa envolvida no ato requerido, simplesmente que, em sintonia com normas equivalentes de outras fontes de direito convencional, pode, em detrimento da solução mais radical da recusa, legitimar o diferimento da execução do pedido, caso este permita suprir os referidos riscos.
§ II.4.5.8 A consulta compreendeu uma derradeira pergunta relativa ao esgotamento do poder de conhecer motivos de recusa — «Tendo sido determinada a execução e encontrando-se parcialmente cumprido pelas autoridades judiciárias portuguesas um pedido de auxílio judiciário formulado por um Estado estrangeiro, poderá ainda haver lugar à apreciação de causas de recusa do pedido e, em consequência, ser proferida decisão de recusa de cumprimento?»
O início da execução de algum ou alguns dos atos requeridos não gera qualquer tipo de constrangimento que obste à recusa ou diferimento do cumprimento ao abrigo de motivos que integram a enunciação taxativa da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP. Pelo que, desde que ainda se apresente pertinente em face das circunstâncias do caso concreto, a apreciação de eventuais motivos de recusa de auxílio pode realizar-se depois de iniciada pela autoridade judiciária a execução de atos requeridos pelo Estado requerente, podendo reportar-se a alguns dos atos requeridos ou à forma da sua execução.
Enquanto a carta rogatória não for devolvida o poder soberano sobre a sua execução persiste no Estado requerido, sem prejuízo de este dever informar o Estado requerente da sua decisão de não dar cumprimento, no todo ou em parte, a um pedido de auxílio, e das razões dessa decisão logo que esta seja proferida — exigência de lealdade prevista no artigo 3.º, n.º 3, da Convenção.
Visando o pedido de auxílio a realização de uma pluralidade de atos o Estado requerido, caso admita a possibilidade de, eventualmente, recusar o cumprimento de apenas alguns deve: (a) Iniciar o cumprimento dos que não suscitam objeções; e (b) Quanto aos outros, antes de recusar o pedido de auxílio, considerar a possibilidade de subordinar a concessão desse auxílio às condições que julgue necessárias, comunicando-as ao Estado requerente, para o caso de este aceitar o auxílio sujeito a essas condições, os atos serem realizados.
Poder de soberania sobre a realização dos atos ou recusa do seu cumprimento associado à lei aplicável, que deve ser, em princípio, a do Estado requerido, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção. Pelo que, os pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos recebidos em Portugal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são cumpridos em conformidade com o direito interno português, no respeito dos pressupostos prescritos na ordem jurídica nacional para a prática dos concretos atos.
Caso o Estado requerente solicite expressamente que o pedido de auxílio formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP seja cumprido em conformidade com as exigências da legislação desse Estado, a autoridade judiciária do Estado requerido condiciona o deferimento dessa pretensão à conclusão de que a mesma não contraria princípios fundamentais da sua ordem jurídica, nem causa graves prejuízos aos intervenientes no processo (atento o disposto no artigo 4.º, n.º 2, da referida Convenção).
III. Conclusões

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1. A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia em 23 de novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008, em 18 de julho de 2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro, apresenta a natureza de tratado-normativo e multilateral tendo em Portugal valor infraconstitucional e primado sobre o direito interno ordinário, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
2. A força jurídica da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP foi feita depender do depósito de, pelo menos, três instrumentos de ratificação, iniciando-se no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP tenham expressado o seu consentimento em ficar vinculados à Convenção (atento o disposto no artigo 19.º desse tratado multilateral).
3. Segundo o aviso n.º 181/2011 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 10 de agosto, a República Portuguesa depositou em 1 de fevereiro de 2010, junto do Secretariado Executivo da CPLP, o seu instrumento de ratificação relativo à Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP, a qual se encontrava em vigor para a República Federativa do Brasil, a República de Moçambique e a República Democrática de São Tomé e Príncipe desde 1 de agosto de 2009, vigora para a República de Angola desde 1 de janeiro de 2011, e para a República Democrática de Timor-Leste desde 1 de maio de 2011.
4. As normas da lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (LCJIMP), aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, apenas se aplicam ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal nas relações da República Portuguesa com Estados Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP na falta ou insuficiência das normas desse tratado multilateral, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível infraconstitucional, de acordo com o prescrito nos artigos 1.º e 20.º da Convenção, 3.º e 145.º, n.º 11, da LCJIMP e 229.º do Código de Processo Penal (CPP).
5. Aos pedidos de auxílio judiciário recebidos na República Portuguesa emitidos por entidades competentes de um Estado Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são, ainda, subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.
6. No âmbito do auxílio judiciário mútuo em matéria penal em que a República Portuguesa intervenha como Estado requerido, as competências da autoridade central são, em primeira linha, as que decorrem das normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, apenas se aplicando as normas da lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal na falta ou insuficiência daquelas.
7. Para efeitos de receção dos pedidos de cooperação regulada pela lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, bem como para todas as comunicações que aos mesmos digam respeito, a ProcuradoriaGeral da República foi designada como autoridade central, pelo artigo 21.º, n.º 1, da LCJIMP.
8. Ao abrigo da lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, a ProcuradoriaGeral da República como autoridade central não tem qualquer competência decisória sobre a recusa de pedidos de auxílio judiciário rececionados, incumbindo-lhe, apenas, a comunicação das eventuais recusas às autoridades estrangeiras (artigos 24.º, n.º 3, e 30.º, n.º 1, da LCJIMP).
9. Relativamente a pedidos de auxílio judiciário formulados à República Portuguesa que tenham sido encaminhados para a autoridade judiciária portuguesa e em que, no processamento interno, seja aplicável a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, a decisão final sobre a eventual recusa compete à autoridade judiciária, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da LCJIMP.
10. No âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a República Portuguesa aceitou como via de transmissão e de receção dos pedidos de auxílio judiciário a comunicação direta entre autoridades judiciárias competentes ou entre estas e as autoridades centrais ou entre autoridades centrais, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 7.º da referida Convenção e do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro.
11. Pelo que, a República Portuguesa estabeleceu como facultativa a intervenção da autoridade central nacional na receção de pedidos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
12. A intervenção em primeira instância da Procuradoria-Geral da República quanto a pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP em que Portugal seja o Estado requerido ocorre enquanto autoridade central, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 2, da Convenção e dos artigos 2.º, n.º 1, e 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro.
13. A Procuradoria-Geral da República quando atua como autoridade central da República Portuguesa para efeitos de receção de pedidos de auxílio no âmbito da aplicação da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP tem meras competências administrativas de encaminhamento do pedido, nomeadamente, para as autoridades judiciárias nacionais competentes.
14. Na medida em que os atos da Procuradoria-Geral da República como autoridade central relativos à receção e encaminhamento de pedidos de auxílio judiciário em que a República Portuguesa constitui o Estado requerido são de mera natureza administrativa (tanto ao abrigo lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal como da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP), a competência para a sua realização foi atribuída pela lei orgânica da Procuradoria-Geral da República (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 333/99, de 20 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 86/2009, de 3 de abril) à Divisão de Apoio Jurídico e Cooperação Judiciária a qual é dirigida por um chefe de divisão e encontra-se inserida nos Serviços de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria-Geral da República.
15. A autoridade central não tem competência para proferir decisões de recusa de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
16. A autoridade central portuguesa não tem quaisquer competências no estabelecimento da autoridade judiciária competente para apreciação e execução do pedido de auxílio, matéria que deve ser aferida, em primeira linha, pela autoridade judiciária que recebe o pedido de auxílio (diretamente ou por intermédio da autoridade central).
17. Relativamente aos pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos formulados ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP em que Portugal intervenha como Estado requerido, a decisão sobre o pedido incumbe «ao juiz ou ao Ministério Público no âmbito das respetivas competências», atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alíneas a) a d), e 4.º, n.º 1, da Convenção e nos artigos 1.º, alínea b), e 231.º, n.º 2, do CPP.
18. No plano procedimental, se a autoridade judiciária portuguesa competente concluir que existe motivo de recusa de um pedido de auxílio judiciário em matéria penal formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP e rececionado pela autoridade central, a esta entidade incumbe, apenas, devolver a carta comunicando a decisão da autoridade judiciária portuguesa à entidade estrangeira que formulou o pedido.
19. O Procurador-Geral da República enquanto órgão superior do Ministério Público pode, nomeadamente, emitir diretivas sobre a interpretação da lei que deve ser adotada pelos órgãos e magistrados do Ministério Público que intervenham como autoridade judiciária relativamente a pedidos de auxílio judiciário recebidos pela República Portuguesa no quadro da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 12.º, n.º 2, alínea c), 13.º, n.º 1, 37.º, alínea e), 42.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto do Ministério Público.
20. A aprovação da Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP pelos órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores constitui o resultado de uma opção política sobre a «cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados» que não pode ser escrutinada pelas instâncias de interpretação e aplicação da lei.
21. A Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP não determinou uma transferência de soberania jurisdicional dos Estados requerentes para os Estados requeridos relativamente aos processos objeto dos pedidos que esteja para além da apreciação e realização de concretos atos de auxílio judiciário requeridos ao abrigo do referido tratado.
22. A autoridade judiciária competente para pedido de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa, atentos os princípios de direito internacional público e da legalidade processual, carece de suporte normativo para empreender valorações sobre a lei processual do Estado requerente ou a atuação das respetivas autoridades na aplicação interna daquelas leis no âmbito do processo em que foi solicitada cooperação judiciária.
23. Enquanto Estado requerido de cooperação judiciária solicitada ao abrigo de convenção internacional por um Estado que não integra o Conselho da Europa, a República Portuguesa ao apreciar se o processo pendente no estrangeiro preenche o conceito de denegação de justiça flagrante tem de atender à natureza do ato requerido, nomeadamente, se o mesmo se reporta à extradição de pessoas, execução de decisões judiciárias estrangeiras ou produção de prova.
24. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o conceito de denegação de justiça flagrante para efeitos de recusa de cooperação judiciária tem compreendido, além da ponderação da natureza do ato requerido, valorações sobre a gravidade das violações dos cânones da Convenção Europeia relativos ao fair trial, base e força probatórias dos juízos sobre o desrespeito desses valores, considerações relativas a elementos disponíveis sobre o perfil do Estado requerente em matéria de direitos humanos e considerandos sobre a diligência exigível aos Estados requeridos em pedidos de cooperação formulados por Estados que não são parte da Convenção.
25. A previsão dos motivos de recusa de auxílio judiciário que consta da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP é completa, não existindo nesse domínio qualquer insuficiência das normas desse tratado multilateral que legitime o recurso a regras da legislação ordinária portuguesa, o qual violaria o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 27.º da Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, em 29 de maio de 2003, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 7 de agosto) 1.º e 20.º da referida convenção de auxílio judiciário, 3.º e 145.º, n.º 11, da LCJIMP e 229.º do CPP.
26. As autoridades portuguesas quando requeridas ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, em regra, não podem recusar o auxílio judiciário com fundamento na circunstância de a infração não ser punível ao abrigo da lei nacional.
27. Contudo, reportando-se o pedido de auxílio à realização de buscas, apreensões, exames e perícias, a autoridade judiciária portuguesa deve, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 2 da Convenção aferir se os factos que deram origem ao pedido são puníveis à luz da legislação nacional com uma pena privativa de liberdade igual ou superior a seis meses, e, na negativa, recusar esses atos de obtenção ou produção de prova, exceto se os mesmos se destinarem à prova de uma causa de exclusão de culpa da pessoa contra a qual o procedimento foi instaurado.
28. O âmbito da apreciação empreendida pelas autoridades judiciárias portuguesas sobre «características do ordenamento jurídico do país emitente do pedido de auxílio» para efeitos de eventual recusa de cooperação requerida à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP é diferenciado em função da natureza do concreto ato requerido e da jurisdição da República portuguesa relativamente à matéria objeto do processo pendente no Estado requerente.
29. Um pedido de auxílio judiciário formulado à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP pode ser recusado com fundamento na circunstância de o respetivo cumprimento ofender a segurança nacional, a ordem pública ou outros princípios fundamentais do Estado Português, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea e), desse tratado.
30. Os interesses protegidos nos motivos de recusa previstos na cláusula da alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são do Estado requerido e não de indivíduos.
31. A apreciação do motivo de recusa previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP tem de se restringir à valoração do concreto pedido de auxílio judiciário.
32. Para efeitos de apreciação do motivo de recusa previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, as autoridades portuguesas não estão legitimadas a empreender uma sindicância (por via de indagações factuais próprias ou a partir de meras inferências suportadas em alegações factuais de terceiros) dos atos processuais praticados no processo penal pendente no Estado requerente à luz do respetivo ordenamento jurídico.
33. Sobre a condução do processo pelas entidades competentes do Estado requerente, a autoridade judiciária pode empreender valorações com vista a eventual recusa de auxílio com o fim de decidir se há fundadas razões para crer que o auxílio é solicitado para fins de procedimento criminal ou de cumprimento de pena por parte de uma pessoa, em virtude da sua raça, sexo, religião, nacionalidade, língua, ou das suas convicções políticas e ideológicas, ascendência, instrução, situação económica ou condição social, ou existir risco de agravamento da situação processual da pessoa por estes motivos, atento o motivo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP.
34. As autoridades judiciárias na apreciação de pedidos de auxílio judiciário requeridos à República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP devem ponderar se os crimes invocados pelo Estado requerente são subsumíveis à categoria «infração de natureza política ou com ela conexa» e não estão integrados em nenhuma das ressalvas previstas no número 4 do artigo 3.º, já que, na afirmativa, o auxílio deverá ser recusado (com fundamento no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), daquele tratado).
35. Em sede de apreciação de pedido de auxílio judiciário recebido pela República Portuguesa ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a única apreciação valorativa legítima da autoridade judiciária portuguesa sobre o regime processual do Estado requerente com relevo para eventual recusa de auxílio reporta-se ao eventual preenchimento do motivo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º da referida Convenção, com o fim de avaliar se o auxílio pode conduzir a julgamento por um tribunal de exceção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza.
36. Deve, ainda, atender-se a que, por força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a autoridade judiciária portuguesa pode recusar ou diferir o auxílio se concluir, de forma fundamentada, que a prestação do auxílio solicitado prejudica um procedimento penal pendente em Portugal ou afeta a segurança de qualquer pessoa envolvida naquele auxílio.
37. No quadro da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP, a apreciação de eventuais motivos de recusa de auxílio pode realizar-se depois de iniciada pela autoridade judiciária a execução de atos requeridos e reportar-se a alguns dos atos ou à forma da respetiva execução.
38. Os pedidos de notificação de atos e entrega de documentos, obtenção de meios de prova, perícias, notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos recebidos em Portugal ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são cumpridos em conformidade com o direito interno português, no respeito dos pressupostos prescritos na ordem jurídica nacional para a prática dos concretos atos.
39. Quando o Estado requerente solicite expressamente que o pedido de auxílio formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP seja cumprido em conformidade com as exigências da legislação desse Estado, a autoridade judiciária nacional condiciona o deferimento dessa pretensão à conclusão de que a mesma não contraria princípios fundamentais da República Portuguesa, nem causa graves prejuízos aos intervenientes no processo (atento o disposto no artigo 4.º, n.º 2, da referida Convenção).


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 17 DE MARÇO DE 2016.

Maria Joana Raposo Marques Vidal – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Relator) – Luís Armando Bilro Verão – Eduardo André Folque da Costa Ferreira – Maria de Fátima da Graça Carvalho (Com declaração de voto anexo) – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira
(Maria de Fátima da Graça Carvalho) – Com declaração de voto:
Votei o parecer, com o qual concordo inteiramente, realçando apenas que, na minha leitura, as considerações atinentes à “diligência exigível” aos Estados requeridos, nos termos mencionados nas conclusões 23.ª e 24.ª, devem ser transversais a todos os casos de ponderação sobre os motivos de recusa do pedido previstos na Convenção, incluindo aqueles a que respeitam as conclusões 31.ª e 32.ª.








[1] O processo foi distribuído ao ora relator em 2-2-2016.
[2] A informação do Gabinete da Procuradora-Geral que culmina na proposta de consulta foi produzida no «Dossier registado sob o n.º 81/2015, livro H» da Procuradoria-Geral da República.
[3] Transcritas supra na parte I. (Relatório) do presente parecer.
[4] Cf. Niklas Luhmann, Legitimation durch Verfahren, tradução italiana de Sergio Siragusa da 2ª ed. do original alemão de 1975 (1ª ed. data de 1969) com o tít. Procedimenti giuridici e legitimazione sociale, Milão, Giuffrè, 1995, pp. 130-133.
[5] Neste ponto tem de atender-se à força probatória do aviso publicado no Diário da República, em face do disposto no artigo 119.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 1.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, alínea b), e 5.º, da Lei n.º 74/98.
[6] Cf. J. da Silva Cunha, Direito Internacional Público – Introdução e fontes, Almedina, Coimbra (5ª ed.), 1991, pp. 188-191.
[7] Vigências publicitadas no aviso n.º 181/2011. Prescreve o artigo 19.º, n.º 2, da Convenção: «A presente Convenção entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte à data em que três Estados membros da CPLP tenham expressado o seu consentimento em ficar vinculados à Convenção em conformidade com o disposto no n.º 1». Relativamente a Portugal importa, ainda, atender ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo: «Para qualquer Estado signatário que vier a expressar posteriormente o seu consentimento em ficar vinculado à Convenção, esta entrará em vigor no 1.º dia do mês seguinte à data do depósito do instrumento de ratificação, aceitação ou aprovação».
[8] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2005, p. 88.
[9] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 92; Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2008, p. 411; Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, Principia, Parede, 2009, p. 139.
[10] Que parece acolhida por Jorge de Figueiredo Dias, para quem o direito processual penal «pode funcionalmente definir-se como a regulamentação jurídica da realização do direito penal substantivo, através da investigação e valoração do comportamento do acusado da prática de um facto criminoso» Direito Processual Penal (lições coligidas por Mª João Antunes), policopiado - secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1989, p. 5.
[11] V.g. Fernando Loureiro Ramos, «O procedimento de vinculação internacional do Estado Português», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXIX, n. 1, pp. 43-46.
[12] Como sublinha Rui Medeiros, «as convenções internacionais compreendem na terminologia constitucional, quer os tratados – tratados solenes submetidos a ratificação –, quer os acordos internacionais» (Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 685). Na anotação ao art. 161.º na mesma obra Jorge Miranda enfatiza: «Após a revisão de 1997 todos os tratados, sem exceção, passaram a ser por ela [Assembleia da República] aprovados, assim como os acordos em forma simplificada sobre matéria de sua competência legislativa reservada (compreendendo-se nesta quer aa s matéria de reserva absoluta quer as de reserva relativa)» (op. cit., p. 499). No mesmo sentido Gomes Canotilho / Vital Moreira concluem: «Hoje a competência da AR alargou-se a todos os tratados e aos acordos em forma simplificada sobre matéria da sua competência reservada (absoluta e relativa)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora / Wolters Kluwer, Coimbra, 4.ª ed., 2010, p. 294, vd. Ainda p. 474). Como sublinham os mesmos autores «Seria incongruente que o governo pudesse aprovar convenções lá onde não pode legislar, tanto mais que as respetivas normas passavam a valer como direito interno». Acrescentando, «Obviamente, a AR não pode delegar no Governo, a aprovação de convenções, pois só existem delegações legislativas» (idem, ibidem).
[13] Pois, como destaca Rui Medeiros: «O governo tem igualmente competência para proceder à denúncia de uma convenção internacional. Mas, ao fazê-lo, não pode ignorar o procedimento constitucional de celebração de convenções internacionais e, por isso, a desvinculação carece nos termos gerais do Presidente da República e, estando em causa uma convenção coberta pela reserva parlamentar da aprovação pela Assembleia da República» (op. cit., pp. 685-686) No mesmo sentido, Gomes Canotilho / Vital Moreira sublinham que «por identidade de razão compete também à AR a aprovação da denúncia de convenções que lhe compete aprovar» (idem, ibidem).
[14] Estando aliás sujeita à fiscalização de constitucionalidade, ainda que com variantes, cf. arts. 277.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, 279.º, n.º 4 e 280.º, n.º 3, da Constituição.
[15] Ressaltando no sentido dessa conclusão, as implicações decorrentes dos princípios da soberania (artigos 1.º e 9.º, al. a), da Constituição) e do Estado de Direito (arts. 2.º e 9.º, al. b), da Constituição). V.g. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra (4.ª ed.), 2007, p. 255; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 93; Jorge Miranda, op. cit., p. 155; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 450; Wladimir Brito, Direito Internacional Público, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 129. Como se referiu no texto existem variantes doutrinárias, na identificação de normas de Direito Internacional convencional que prevalecem sobre a Constituição, podendo referir-se a título meramente ilustrativo algumas que não colocam em causa a conclusão do parecer quanto à Convenção ETS n.º 196. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros preconizam que o primado do Direito Internacional sobre a Constituição também abrange «o Direito Internacional convencional particular que versa sobre Direitos do Homem, e neste caso em consequência do art. 16.º, n.º 1 [...]. A idêntica conclusão se chega no que respeita à Declaração Universal dos Direitos do Homem, por imposição do art. 16.º, n.º 2, se não se entender, como entendemos, que ela cabe no art. 8.º, n.º 1» (op. cit., p. 121), esses autores, contudo já consideram que «o demais Direito Internacional convencional» «cede perante a Constituição mas tem valor supralegal» (op. cit., p. 121). Paulo Otero considera que existe um primado dos tratados comunitários sobre a Constituição (Legalidade e Administração Pública : o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 605 e ss.). Eduardo Correia Baptista preconiza o valor supraconstitucional da Carta das Nações Unidas, Convenção de Genebra de 1949, protocolo de 1977 e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, por diferentes motivos, dos tratados constitutivos das Comunidades Europeias e da União Europeia (Direito Internacional Público, v. 1, Lex, Lisboa, respetivamente, pp. 438-439 e 445).
[16] Cf. acórdãos n.ºs 32/88, 168/88, 494/99, 522/2000, 384/2005, 117/2008 e 444/2008.
[17] V.g. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 121; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds), op. cit., p. 94; Jorge Miranda, op. cit., p. 171; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 456, em sentido distinto J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira colocam em causa a prevalência das normas de Direito Internacional convencional sobre o direito legal ordinário, apontando para a necessidade de distinguir entre leis simples e leis reforçadas (op. cit., pp. 259 e ss.).
[18] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[19] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[20] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[21] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[22] Esta informação-parecer não se apresenta disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase, estando, apenas, na «área reservada» da base de dados.
[23] Esta informação-parecer não se apresenta disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase, estando, apenas, na «área reservada» da base de dados.
[24] Objeto de alterações aprovadas pela Lei n.º 104/2001, de 25 de agosto; Lei n.º 48/2003, de 22 de agosto; Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto e Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro.
[25] Ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[26] V.g. Frank Zimmermann, Sanja Glaser, Andreas Motz, «Mutual recognition and its Implications for the Gathering of Evidence in Criminal proceedings: A Critical Analysuis of the Initiative for a European Investigation Order», European Criminal Law Review, Vol. 1/2011, p. 56.
[27] Como também destacam Christopher Murray e Lorna Harris Mutual assistance in criminal matters: international co-operation in the investigation and prosecution of crime, Londres, Sweet & Maxwell, 2000, p. 17.
[28] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/94 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 56/94, de 14 de julho. O Protocolo Adicional à Convenção, de 17 de março de 1978, foi aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/94, de 12-8; O Segundo Protocolo Adicional à Convenção, de 8 de novembro de 2001, foi aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º18/2006, de 9-3.
[29] Sobre o processo evolutivo dos regimes normativos em matéria de transmissão de pedidos de auxílio judiciário, em particular entre o texto original e o segundo protocolo da Convenção de 1959, cf. David McClean, International Co-operation in Civil and Criminal Matters, Oxford, Oxford University Press, 2012 (3.ª ed.), pp. 174-176.
[30] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 63/2001, de 16 de outubro.
[31] Neste domínio a magistratura do Ministério Público compreende a consagração de um órgão, o Conselho Superior do Ministério Público, com um lugar superior numa administração independente titular de funções administrativas relativas à magistratura do Ministério Público, o qual traduz uma função garantista própria da instituição — Alessandro Pizzorusso, «A experiência italiana do Conselho Superior de Magistratura» (tr. port. de E. Maia Costa), RMP, XVII, nº 66, 1996, p. 3. Conselho superior que tem o estatuto de órgão constitucional desde 1989, sobre esta caracterização vd. Gomes Canotilho, «Anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 254/92», RLJ 125º, 1992, pp. 155 e ss. e A. Pizzorusso, op. cit., 1996, p. 28. Com mais desenvolvimento e referências sobre a posição e articulações institucionais do Conselho Superior do Ministério Público, em especial na articulação com os órgãos e magistrados do Ministério Público que exercem a função de autoridade judiciária, cf. Paulo Dá Mesquita, Direção do inquérito e garantia judiciária, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 267-277.
[32] À data do presente parecer o referido parecer n.º 18/2015, de 9-7-2015, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[33] Cf. Paulo Dá Mesquita, op. cit., 2003, pp. 199-212, 267-317, 334-340, 353-355, e, mais recentemente, com referências bibliográficas atualizadas, Paulo Dá Mesquita, Processo penal, prova e sistema judiciário, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 267-369.
[34] «O Ministro da Justiça pode delegar no ProcuradorGeral da República a competência para a prática dos atos previstos no n.º 1 do artigo 69.º, no n.º 6 do artigo 91.º, no artigo 92.º, nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 107.º, nos n.os 3 e 4 do artigo 118.º e no n.º 2 do artigo 141.º.» Este preceito com algum particularismo no ordenamento jurídico português não integra o objeto do presente parecer, pelo que, não se justifica nesta sede uma análise mais desenvolvida do mesmo.
[35] Sendo certo, por outro lado, que constitui entendimento pacífico que «a exigência da publicação do ato de delegação significa, obviamente, que devem refletir-se nessa publicação os requisitos próprios de tal ato, como é o caso da especificação de poderes» — Mário Esteves Oliveira / Pedro Costa Gonçalves / J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, Coimbra, 2.ª ed.ª, 1997, reimp. de 2007, p. 224. Invocando o artigo 165.º da LCJIMP, a atual Ministra da Justiça delegou «na Procuradora-Geral da República, Licenciada Maria Joana Raposo Marques Vidal», um conjunto de competências da delegante, por via do despacho n.º 1246/2016 da Ministra da Justiça, de 12-1-2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de janeiro de 2016.
[36] Aspeto que, aliás, foi objeto de discussão expressa na constituinte, Diário da Assembleia Constituinte, nº 99, pp. 3225 e ss. e Diário da Assembleia Constituinte, nº 100, pp. 3241 e ss.
[37] O sistema estatutário de autonomia repercute-se, ainda, na sua organização, já que as funções de Ministério Público, no seu todo, apresentam-se como de titularidade múltipla e difusa, embora com centros de direção, controlo e coordenação. Sobre as implicações do modelo de organização positivado na lei e o sistema de desconcentração de competências cf. Paulo Dá Mesquita, op. cit., 2003, pp. 199-212 (com referências bibliográficas).
[38] Manual de Direito Administrativo, vol. I, 9.ª ed., 1973, § 80.
[39] Em nome do povo, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 203.
[40] Neste segmento acompanhou-se, de perto, a conceptualização de Freitas do Amaral sobre o conceito de competência, o qual define competência como «o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas» (Curso de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, Coimbra, 3.ª ed., 2006, p. 776).
[41] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 333/99, de 20 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 86/2009, de 3 de abril.
[42] Matéria regulada no artigo 6.º da Lei Orgânica da PGR e que foi objeto de análise desenvolvida.
[43] Parecer ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».
[44] «Para efeitos de receção e de transmissão dos pedidos de cooperação abrangidos pelo presente diploma, bem como para todas as comunicações que aos mesmos digam respeito, é designada, como Autoridade Central, a ProcuradoriaGeral da República».
[45] Relembre-se que a LCJIMP tem um âmbito mais vasto do que o auxílio judiciário, abrangendo outras tipologias de cooperação judiciária.
[46] Ou em quem ele delegar esse poder decisório, ao abrigo do artigo 165.º da LCJIMP, vd. supra § II.3.2.2.
[47] Segundo Manuel António Lopes Rocha e Teresa Alves Martins o poder conferido ao poder executivo derivava do «princípio de que a cooperação judiciária internacional e seus requisitos, relevando do direito internacional público, são da competência do Governo». Acrescentando os mesmos autores, ainda à luz da lei de 1991, «no entanto, porque os atos de cooperação são também de natureza jurisdicional, o n.º 3 dispõe que a decisão do Governo não vincula autoridade judiciária» Cooperação judiciária internacional em matéria penal (Comentários) — Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, Lisboa, Aequitas, 1992, p. 57.
[48] Por exemplo, no esquema de auxílio judiciário da Commonwealth, aprovado em Convenção de 2011, a autoridade central assume protagonismo na aplicação dos critérios sobre recusa de auxílio passivo — cf. David McClean, op. cit., pp. 181-183.
[49] Cf. Frank Zimmermann, Sanja Glaser, Andreas Motz, op. cit., p. 56.
[50] Steven David Brown, «The longer arm of the law: An introduction», Combating International Crime — The Longer Arm of the Law, Londres / Nova Iorque, Routledge Cavendish, 2008, p. 4.
[51] Sobre o caso da Commonwealth, cf. David McClean, op. cit., pp. 177-185.
[52] Como destacam Sabine Gless e John A. E. Vervaele, «Law Should Govern: Aspiring General Principles for Transnational Criminal Justice», Utrecht Law Review, vol. 9, n. 4, 2013, p. 2. Prosseguindo os mesmos autores, «guerras de poder e administração a justiça discricionária podem interferir com investigações e acusações criminais, gerando determinações de procedimentos politicamente motivadas ou conflitos jurisdicionais positivos ou negativos» (idem, ibidem.).
[53] Op. cit., p. 4.
[54] Roger Gaspar, «Tackling international crime: Forward into the third era» in Steven David Brown (ed.), Combating International Crime — The Longer Arm of the Law, Londres / Nova Iorque, Routledge Cavendish, 2008, p. 27.
[55] Veja-se, numa perspetiva crítica, Montré D. Carodine, «Political Judging: When Due Process Goes International», William and Mary L. Rev., n. 48, 2007, pp. 1159-1247. Campo em que, não se apresentam legítimas flutuações conformadas pelas mundividências particulares dos diferentes juristas em regra envolvendo algumas variantes de nacionalismos jurídicos (desde o arreigado à peculiar tradição de um país ao centrado na excelência da fusão de importações lograda num determinado momento histórico).
[56] «A Global Comunity of Courts», Harvard International Law Journal, vol. 44 (2003), pp. 191-219.
[57] Idem, p. 193.
[58] Op. cit., p. 194.
[59] Assim Radha Dawn Ivory, «The Right to a Fair Trial and International Cooperation in Criminal Matters: Article 6 ECHR and the Recovery of Assets in Grand Corruption Cases», Utrecht Law Review, vol. 9, n. 4, 2013, p. 163.
[60] Jorge Miranda, op. cit., 2009, p. 118.
[61] Sobre a expressão jurisdição judicativa e autonomia «entre fórum e ius na aplicação do direito penal», v.g. Pedro Caeiro, Fundamento, conteúdo e limites da jurisdição penal do Estado, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 335-349.
[62] «O auxílio é concedido mesmo quando a infração não seja punível ao abrigo da lei do Estado requerido».
[63] O artigo 2.º da Convenção de Extradição entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (concluída em 23-11-2005), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15 de setembro, prescreve:
«1 — Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano.
«2 — Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.
«3 — Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.»
[64] No mesmo sentido quanto à Commonwealth, cf. David Mclean, op. cit., pp. 182-183
[65] Pelo que não se suscita a aplicação do artigo 46.º da Convenção de Viena:
«1 - A circunstância de o consentimento de um Estado em ficar vinculado por um tratado ter sido manifestado com violação de uma disposição do seu direito interno relativa à competência para concluir tratados não pode ser invocada por esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, salvo se essa violação tiver sido manifesta e disser respeito a uma norma de importância fundamental do seu direito interno.
«2 - Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, nesse domínio, de acordo com a prática habitual e de boa fé.»
[66] John Rawls, A Theory of Justice, Nova Iorque, Routledge, 1971, p. 12.
[67] Sobre a dificuldade da transposição linguística do conceito de fair cf. George P. Fletcher, The Grammar of Criminal Law — Volume One: Foundations, Nova Iorque (NY), Oxford Univ. Press, 2007, pp. 4-5, 134-137 e Paulo Dá Mesquita, A prova do crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 195, 266n60, 343-355, 422-436.
[68] A versão oficial em português do artigo 6.º da CEDDH, compreende a epígrafe Direito a um processo equitativo, e o seguinte texto:
«1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
«2. Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
«3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
«a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
«b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
«c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
«d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
«e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.»
[69] Como lembra Paulo Ferreira da Cunha Arqueologias jurídicas, Porto, Lello Editores, 1996, pp. 15-16.
[70] Cf. Jónatas E. M. Machado, Direito internacional — do paradigma clássico ao pós-11 de Setembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2013 (4.ª ed.), p. 355.
[71] V. g. nos acórdãos n.os 180/97, 345/99, 157/01, 416/03 e 155/07.
[72] A estrutura argumentativa encontra-se no acórdão Unterpertinger c. Áustria, 24-11-1986, §§ 28 a 33.
[73] V.g. Aukje van Hoek e Michiel Luchtman, «Transnational cooperation in criminal matters and the safeguarding of human rights», Utrecht Law Review, vol. 1, n. 2, 2005, p. 10; Radha Dawn Ivory, op. cit., p. 161.
[74] Sabine Gless, «Transnational Cooperation in Criminal Matters and the Guarantee of a Fair Trial: Approaches to a General Principle», Utrecht Law Review, vol. 9, n. 4, 2013, p. 102.
[75] Acima já se referiu a Convenção de Extradição, a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (também concluída em 23-11-2005) foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 48/2008 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 66/2008, de 15 de setembro.
[76] Op. cit., p. 163.
[77] Como também reconhecem Aukje van Hoek e Michiel Luchtman, op. cit., p. 37. Esses autores destacam: «O tribunal não parece indiferente às dificuldades que a cooperação internacional transporta. Tal explica o motivo pelo qual as exigências da Convenção são por vezes atenuadas. O que se revela de forma manifesta pelo critério da denegação flagrante que o tribunal aplicou no acórdão Soering e no acórdão Drozd e Janousek. Contudo ainda carece de confirmação se o tribunal também aceita a redução das exigências da Convenção em casos de recolha de prova (auxílio mútuo), o que é diferente da extradição (Soering) e da transferência da execução (Drozd e Janousek)» (op. cit., p. 37).
[78] V.g. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., pp. 240-244; Jónatas E. M. Machado, op. cit., pp. 362-373.
[79] «O auxílio judiciário pode ser recusado […] Se a Parte requerida considerar que o cumprimento do pedido pode atentar contra a sua soberania, segurança, ordem pública ou qualquer outro interesse essencial do seu país».
[80] Explanatory Report to the European Convention on Mutual Assistance in Criminal Matters (Strasbourg, 20.IV.1959), p. 4 — disponível para consulta em https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=09000016800c92bd.
[81] Cf. na mesma linha interpretativa Manuel António Lopes Rocha / Teresa Alves Martins, op. cit., p. 24; David Mclean, op. cit., p. 173.
[82] Afirmando-se que o que pode ser recusado é «o cumprimento de cartas rogatórias de atos que a lei proíba ou que sejam contrários à ordem pública portuguesa, ou atentem contra a soberania ou a segurança do Estado».
[83] Disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase. Nesse parecer, numa análise sobre várias convenções de que Portugal é parte também se destacou que a recusa ao abrigo da ordem pública nacional reporta-se ao pedido cuja execução foi solicitada:
«A Convenção Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Objetos do Crime, do Conselho da Europa, assinado por Portugal em 8 de Novembro de 1990, prevê no artigo 18º os motivos de recusa da cooperação, realçando-se, no seu número 1, o caso da medida solicitada ser contrária aos princípios fundamentais da ordem jurídica da Parte requerida (alínea a)); de a execução do pedido poder prejudicar a soberania, a segurança, a ordem pública ou outros interesses essenciais da Parte requerida (alínea b))».
«O Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre a República Portuguesa e o Canadá, apenas prevê, no seu artigo 3º, a possibilidade de recusa do auxílio pelo Estado requerido nos casos de o cumprimento do pedido ser de modo a atingir a sua soberania, segurança, ordem pública ou qualquer outro seu interesse essencial (alínea a))».