Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002622
Parecer: P000312005
Nº do Documento: PPA30062005003100
Descritores: GOVERNADOR CIVIL
COMPETÊNCIA
MAGISTRADO ADMINISTRATIVO
ADMINISTRADOR DE CONCELHO
AUTARQUIA LOCAL
POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
POSSE ADMINISTRATIVA
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
PRIVILÉGIO DE EXECUÇÃO PRÉVIA
EDP
INSTALAÇÃO ELÉCTRICA
INTIMAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
REDE ELÉCTRICA NACIONAL
ENERGIA ELÉCTRICA
Livro: 00
Numero Oficio: 1348
Data Oficio: 03/07/2005
Pedido: 03/08/2005
Data de Distribuição: 03/09/2005
Relator: PINTO HESPANHOL
Sessões: 01
Data da Votação: 06/30/2005
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: MIN DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 10/31/2005
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 28-11-2005
Nº do Jornal Oficial: 228
Nº da Página do Jornal Oficial: 16598
Indicação 2: ASSESSOR:MARTA PATRÍCIO
Área Temática:DIR CONS * DIR FUD * ORG PODER POL / DIR ADM * ADM PUBL /DIR CIV * TEORIA GERAL
Ref. Pareceres:P000081978Parecer: P000081978
P001141979Parecer: P001141979
P001731979Parecer: P001731979
P000861985Parecer: P000861985
P000791986Parecer: P000791986
P000311987Parecer: P000311987
P000381991Parecer: P000381991
CA00381991Parecer: CA00381991
P000501991Parecer: P000501991
P000331992Parecer: P000331992
P000521993Parecer: P000521993
CB0091996
CA0091996
P000181997Parecer: P000181997
P000222001Parecer: P000222001
P000372002Parecer: P000372002
P001622003Parecer: P001622003
Legislação:CONST822 - ART212 ART213; CONST33 - ART125; CONST76 - ART3 N2 ART6 N1 ART16 N2 ART19 N2 ART199 F) ART202 N2 ART219 N1 ART235 N2 ART236 N1 ART237 N1 ART238 ART239 N1 N2 N3 ART244 ART245 N1 ART246 ART263 N1 N2 N3 ART267 ART268 N2 ART272 N1 ART291 N1 N2 N3; DL 26852 DE 1936/07/30 - ART1 ART54 ART56 §1 §2 §3 §4 ; DL59/99 DE 1999/03/02 - ART236 N1 N3 N4 N9; DL 181/70 DE 1970/04/28 - ART1 N1N2 ART2 N1 N2 ART3 N1 N2 N3 ART4 ART5 N1 N2 ART6; CCONS826 - ART132 ART133 ART134 ART135; CADM836; CADM842; CADM878 - ART 180 ART183 N4 N5 ART184 N1 ART186 ART187 ART188 ART196 ART199 ART200 ART201 §ÚNICO ART2032 ART203 N1 N2 N3 N4 ART204 N1 N14 N16 N17 N18 N22 N24 ART207 N1 N5 N6 N7 ART208 ART210; CADM886; CADM896; D DE 13/10/1910; L 88 DE 07/08/1913; L 621 DE 1916/06/23; D12073 DE 1926/08/09 - ART1 ART2 ART4; DL 27424 DE 1936/12/31 ; L2100 DE 1959/08/29; DL42536 DE 1959/09/28; CADM36 - ART1 §2 ART71 ART73 ART76 ART79 N1 N2 N3 N5 N7 N9 ART80 N1 N2 N11 N15 ART106 ART108 ART109-A ART404 ART407 N1 N3 N9 ART408 N1 N15 N18 ART410; DL169/99 DE 1999/09/18 - ART38 A) G) H) ART56 N1 N2 ART57 N1 N3 ART68 N1 A) B) C) I) M) S) U) CC) N2 Q) M) N) ART250 ART251 ART252; L 5-A/02 DE 2002/01/11; DL252/92 DE 1999/11/19 - ART2 ART3 N1 ART4 ART4-A N1 A) B) C) D) E) N2 N3 ART4-D N1 N2 A) B) C) N3 A) B) C) ART4-F ART7 ART8 ART29; DL213/2001 DE 2001/08/02; CP82-ART295 ART297 ART299 ART300 ART302 ART304 ART305 ART307; DL 231/93 DE 1993/06/26 - ART2A) ART16 N1 N3 ART17 N1 N2 N3 N4 N5 N6 ART96 N1 N2 N3 N4 N5 N6; L 5/99 DE 1999/01/27- ART1 N1 ART2 N2 B) C) E) ART96; L20/87 DE 1987/06/12 - ART1 N1; CCIV66 - ART9 N1 N2 N3; DL48871 DE 1969/02/19 - ART210 N1 N3 N4; DL235/86 DE 1986/08/18 - ART213 N3 N4; DL 405/93 DE 1993/12/10 - ART217 N1 N3 N4; DL 43335 DE 1960/11/19 - ART51 §1; DL182/95 DE 199507/27 - ART38; DL502/76 DE 1976/06/30 - ART3 N3; D1841/05/21 - ART1038; DL 4/93 DE 1993/01/08; CPADM91 - ART66 ART70 ART100 N1 ART149 N1 N2 ART152 N1 N2; CPC876 - ART178 ART641 ART649; CPC67 - ART228 ART1038; CPC39 - ART228; CPP29; CPP87 - ART111 ART112 ART113
Direito Comunitário:
Direito Internacional:DUDH - ART29 N2
Direito Estrangeiro:CONST IT DE 1947
CONST ES DE 1978
Jurisprudência:AC DO TC N381/97 IN DR IIS N144 DE 1997/06/25
AC DO TC N583/96 IN DR II S N239 DE 1996/10/15
AC DO STA DE 1989/01/10 IN AP AO DR DE 1994/11/14 PP145 E SEGS
AC DO STA DE 1996/05/09 IN AP AO DR DE 1998/10/23 PP3336 E SEGS
AC DO STA DE 2000/02/02 IN AP AO AD DE 2000/11/08 PP804 E SEGS
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª Aquando da promulgação do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, vigoravam quanto à designação e atribuições dos magistrados administrativos as normas do título VIII do Código Administrativo de 1878, por força do disposto no artigo 1.º do Decreto n.º 12.073, de 9 de Agosto de 1926;
2.ª À luz das referidas normas do Código Administrativo de 1878, o administrador do concelho era um magistrado administrativo, competindo-lhe velar pelo cumprimento das leis e regulamentos da Administração Pública, e fazer executar todas as medidas de administração geral, assumindo a qualidade de delegado governamental e autoridade policial;
3.ª No domínio dos Códigos Administrativos de 1936 e 1940, o titular do órgão presidente da câmara municipal era nomeado pelo Governo e acumulava essa titularidade com a de magistrado administrativo concelhio, substituindo o administrador do concelho, o que determinou a extinção deste último cargo;
4.ª O apontado quadro legal alterou-se profundamente na vigência da actual ordem constitucional e da legislação ordinária que a desenvolveu, tendo o presidente da câmara municipal perdido a qualidade de magistrado administrativo e de autoridade policial, passando a ser eleito directamente pelas populações locais e a integrar, exclusivamente, o órgão executivo do município;
5.ª Enquanto não forem instituídas as regiões administrativas, o governador civil é, no território do continente, um magistrado administrativo, o único órgão local da administração geral e comum do Estado, exercendo na circunscrição distrital funções de representação do Governo, aproximação entre o cidadão e a Administração, segurança pública e protecção civil;
6.ª Face à evolução legislativa verificada impõe-se uma interpretação actualista da norma constante do § 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936;
7.ª Assim, para efeitos da intimação (notificação) prevista na citada norma do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, deve considerar-se competente o governador civil do distrito respectivo, na qualidade de representante do Governo na área distrital, com funções de segurança e polícia, consoante o disposto no corpo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto, que ressalva o exercício de outras competências consagradas em legislação avulsa.

Texto Integral:

Senhor Ministro de Estado e da Administração Interna,
Excelência:


I

1. Face a solicitação da Direcção Regional da Economia do Alentejo, nos termos do parágrafo 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936[1], para que se procedesse à intimação de um proprietário que se opõe à realização de trabalhos de remodelação/modificação da linha eléctrica aérea que atravessa o seu prédio, o Governador Civil do Distrito de Portalegre, entendendo que «[a] legislação invocada não atribui tal competência ao Governador Civil, nem, por outro lado, o Estatuto dos Governadores Civis a prevê», solicitou ao antecessor de Vossa Excelência que se dignasse providenciar pela emissão de parecer jurídico sobre a competência do governador civil para ordenar a intimação do proprietário de terreno atravessado por linha eléctrica com vista a que consinta na ocupação da respectiva propriedade, ao abrigo da antedita norma do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas[2].

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer a norma aludida.

O Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, teve por objectivo fixar as normas a seguir para o licenciamento de todas as instalações destinadas à produção, transporte, transformação, distribuição ou utilização de energia eléctrica (artigo 1.º).

O artigo 56.º insere-se no seu Capítulo V, epigrafado «Condições a que deve satisfazer o estabelecimento das instalações eléctricas», e embora a consulta se refira ao respectivo parágrafo 1.º, convém transcrevê-lo na íntegra:

«Artigo 56.º
Os proprietários ou locatários de terrenos ou edifícios que tenham de ser atravessados por linhas aéreas ou subterrâneas de uma instalação declarada de utilidade pública ficam obrigados, logo que para isso sejam avisados pelos respectivos concessionários, a permitir a entrada nas suas propriedades às pessoas encarregadas de estudos, construção, reparação ou vigilância dessas linhas e a suportar a ocupação das suas propriedades enquanto durarem os trabalhos que a exigirem, sem prejuízo do que dispõe o artigo 55.º [3] quanto à indemnização que lhes é devida.
§ 1.º No caso de não ser atendido este aviso, ou de não poder fazer-se a intimação de que trata o artigo 54.º [4], será o proprietário ou possuidor a qualquer título intimado, na propriedade que ocupar, pelo administrador do concelho respectivo a consentir na ocupação dessa propriedade ou a proceder à destruição das plantações que impedirem o serviço das linhas, a requisição da Repartição dos Serviços Eléctricos ou das suas secções de fiscalização e quando a intimação tenha sido requerida pelo concessionário interessado.
§ 2.º Se, no prazo de dez dias depois da requisição, não puder a intimação ser feita nas condições indicadas no parágrafo antecedente por impedimento da pessoa a intimar, será a intimação feita, na propriedade a ocupar, na pessoa de qualquer feitor, administrador ou doméstico, e, na falta destes, ou quando haja dificuldade em o fazer, afixada no local da respectiva freguesia onde for costume afixar os editais das autoridades administrativas durante um novo prazo de dez dias.
§ 3.º Se, decorrido este prazo, se verificar qualquer oposição ao cumprimento das obrigações impostas por este regulamento, lavrar-se-á auto do ocorrido, sendo este auto remetido ao Poder Judicial para instauração do respectivo processo criminal por desobediência qualificada, tomando-se posse administrativa do terreno necessário, no caso de estabelecimento de uma linha já autorizada, ou procedendo-se de harmonia com o disposto no § 1.º do artigo 54.º, devendo em qualquer dos casos as autoridades administrativas prestar aos funcionários da Repartição dos Serviços Eléctricos todo o auxílio que para o efeito lhes for requisitado.
§ 4.º A posse administrativa a que se refere o parágrafo anterior não poderá ser suspensa ou prejudicada por qualquer decisão judicial, ficando porém ao reclamante o direito de pedir posteriormente, isto é, depois de executadas as obras necessárias, uma indemnização, nos termos do artigo 55.º e seus parágrafos.»

2. Ouvida sobre a matéria enunciada, a Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna pronunciou-se[5] no sentido de que constitui prática corrente dos Governos Civis, designadamente dos Governos Civis de Lisboa, Coimbra, Santarém, Viseu e Leiria, assumir a competência para efectivar essa intimação, após ter sido extinto o cargo de administrador do concelho, limitando-se o governador civil a comunicar, a intimar, nos termos do preceito atrás citado, através da Polícia de Segurança Pública ou da Guarda Nacional Republicana, consoante a área da localização da propriedade; ora, «procedendo a uma interpretação actualista do citado artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 26.852, tendo em atenção as competências do governador civil como magistrado administrativo, e o disposto no n.º 3 do artigo 4.º-‑A [do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro] como representante do Governo — segundo o qual “compete ao governador civil desenvolver todas as diligências necessárias e convenientes a uma adequada cooperação na articulação entre serviços públicos desconcentrados de âmbito distrital e entre aqueles e outros órgãos administrativos localizados na circunscrição distrital, de acordo com as orientações dos respectivos membros do Governo” — bem como o estatuído no artigo 4.º-D [do mesmo Decreto-Lei] — “competência no exercício de funções de segurança e de polícia” —, em especial no n.º 3, não repugna que se continue a proceder às referidas intimações, nos termos em que têm vindo a ser feitas sem originarem quaisquer problemas, sob pena de haver uma paralisação da actividade das entidades a favor de quem são constituídas as servidões administrativas».

Aliás, prossegue o parecer da mesma Auditoria Jurídica, «existem, também, disposições avulsas que continuam a cometer ao Governador Civil competências de natureza algo semelhante, como decorre do artigo 236.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, relativamente à posse administrativa, no caso das empreitadas».

«De referir, por outro lado, que foram atribuídas certas competências, às câmaras municipais, em matéria de expropriações e servidões — tanto antes do 25 de Abril de 1974 como depois — estamos a referir-nos ao Decreto-Lei n.º 181/70, relativo à publicitação do acto de constituição de servidão administrativa e ao correspondente dever, imposto à Administração, de audiência dos interessados, que foi regulada, de modo mais desenvolvido e aperfeiçoado, no Código das Expropriações de 91, o que se terá traduzido em revogação, ainda que implícita, daquele diploma legal (artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil), que podem colocar a questão suscitada numa base territorial, coincidente com o concelho e não com o distrito, o que pode pôr em causa a posição defendida».

«Atendendo a que, por força da desactualização da legislação reguladora da matéria e do esvaziamento das competências dos governadores civis, se torna necessário sindicar a legalidade da prática administrativa que tem vindo a ser seguida, pelas dúvidas que se suscitam quanto à competência para o efeito e à complexidade do problema», a Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna termina o respectivo parecer sugerindo que seja ponderada a audição do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria, devendo «ser solicitada urgência na emissão do parecer, uma vez que a execução da intimação ficará suspensa até à prolação do mesmo, com os consequentes prejuízos daí decorrentes para a concessionária e para a população».

3. Anuindo à sugestão da Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna[6], o antecessor de Vossa Excelência dignou-se solicitar parecer urgente a este Conselho Consultivo[7], que cumpre, nesta conformidade, emitir.
II

1. Para melhor enquadrar a problemática suscitada, importa conhecer a factualidade subjacente, conforme resulta da documentação enviada:

a) Em 3 de Setembro de 2004, o Director Regional da Economia do Alentejo concedeu à EDP Distribuição – Energia, S. A., licença de estabelecimento para remodelação/modificação da linha eléctrica aérea a 30 KV, n.º 1214 L3 0025, com 6202 metros, com origem no apoio n.º 7 da linha a 30KV para o PT PTG 0017 – Igreja e término em PT PTG 0026D – Rabaça, freguesia de S. Julião, concelho de Portalegre, linha de média tensão considerada de utilidade pública[8];

b) Em 8 de Novembro de 2004, a EDP Distribuição – Energia, S. A., Área de Rede Vale do Tejo, requereu ao Director Regional da Economia do Alentejo a intimação, ao abrigo do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, de Dário de Jesus Ferreira, dono do prédio sito em Olhos de Água, freguesia de S. Julião, concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 62.º, Secção D, e descrito sob o n.º 00623/03112000 na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, porquanto, tendo procedido ao aviso daquele proprietário para consentir na necessária ocupação do respectivo prédio, nos termos do citado artigo 56.º, constatou-se «que o referido aviso não foi atendido, tendo o proprietário manifestado oposição ao início dos trabalhos»[9];

c) Em 23 de Novembro de 2004, o Director Regional da Economia do Alentejo informou Dário de Jesus Ferreira, dono do prédio em questão, que «após publicação de éditos no Diário da República, III série, n.º 178, de 30 de Julho de 2004, e no Diário de Notícias de 4 de Julho de 2004, consultada a Câmara Municipal de Portalegre e outras entidades oficiais [não especificadas], foi emitida, em 3 de Setembro de 2004, a respectiva licença de estabelecimento da linha aérea a 30 KV, com 6202 metros», aproveitando ainda para informar «que esta linha de média tensão é considerada de utilidade pública, o que obriga os proprietários dos terrenos atravessados a permitir a entrada dos trabalhadores encarregues do estudo, construção, vigilância da linha eléctrica e a suportar a ocupação das suas propriedades enquanto durarem os trabalhos, sem prejuízo de exigirem a indemnização prevista na lei», donde «[f]ace ao exposto e por análise do projecto da linha, parece não haver qualquer razão legal […] para recusar a entrada na vossa propriedade dos trabalhadores da EDP, S. A., e a remodelação do troço da linha de média tensão (apoios n.os 16 a 18)»; nesse ofício, registado e com aviso de recepção, solicitou-se a prestação, no prazo de dez dias, da informação tida por conveniente[10];

d) Em 30 de Novembro de 2004, Dário de Jesus Ferreira informou a Direcção Regional da Economia do Alentejo que «o prédio do signatário já se encontra diminuído nos seus direitos em virtude da EDP ter sucessivamente procedido à colocação de postes e passagens de cabos aéreos neste; daí têm resultado graves desinteligências cujos processos correm termos no Tribunal Judicial de Portalegre»; assim, «como dono e legítimo proprietário do prédio rústico, sito em Olhos de Água, freguesia de S. Julião, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 62.º da Secção D, NÃO AUTORIZO a entrada de quaisquer empregados ou trabalhadores ou empreiteiros ao serviço desta [EDP] a entrar no meu prédio acima referido; mais comunico que defenderei por qualquer forma, mesmo com recurso à força, qualquer desrespeito pela minha decisão»[11];

e) Em 6 de Dezembro de 2004, perante a oposição do dono do aludido prédio à entrada na sua propriedade, o Director Regional da Economia do Alentejo solicitou ao Governador Civil do Distrito de Portalegre, nos termos do parágrafo 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, que «mande intimar o Sr. Dário de Jesus Ferreira […] para que não se oponha aos trabalhos de remodelação, na linha eléctrica mencionada […], na sua propriedade sita em Olhos de Água, freguesia de São Julião – Portalegre», aduzindo que essa linha eléctrica aérea «é considerada de utilidade pública, nos termos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de Julho, na redacção do Decreto-Lei n.º 56/97, de 14 de Março»[12];

f) Em 14 de Dezembro de 2004, o Governo Civil do Distrito de Portalegre informou o Director Regional da Economia do Alentejo que considerava não haver lugar à intervenção daquele Governo Civil no processo em causa, «tendo em conta o estabelecido no artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas», pois, «conforme resulta da referida disposição, a entidade competente para promover a intimação pretendida é o “administrador” (leia-se Presidente da Câmara) do concelho, e não do distrito»[13];

g) Em 14 de Dezembro de 2004, na sequência do entendimento comunicado pelo Governo Civil do Distrito de Portalegre, o Director Regional da Economia do Alentejo remeteu àquele Governo Civil «fotocópia do parecer jurídico n.º 43/GJ/01, de 27 de Agosto de 2001, da Secretaria-Geral do ex-Ministério da Economia, em que se refere que a entidade competente para fazer a intimação, nos termos do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, é [o] Governador Civil do distrito respectivo»[14].

2. Antes de se precisar o tema submetido a consulta, interessa recuperar os fundamentos invocados no parecer identificado na anterior alínea g) para concluir no sentido de que compete ao governador civil efectivar a intimação pretendida.

Depois de transcrever o referido artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aquele parecer formula as seguintes considerações:

«A questão que ora se põe é a de saber qual a entidade competente, ou seja, o sucessor do administrador do concelho, à época da publicação do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas.
De sublinhar que, à época da publicação do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, existia o cargo de governador civil, o presidente da câmara era eleito e o administrador do concelho era nomeado pelo Governo.
Em 31 de Dezembro de 1936, é publicado o novo Código Administrativo, da autoria de Marcello Caetano, que, reflectindo as alterações políticas, consagra a extinção do [cargo de] administrador do concelho, cujas competências passam a ser do presidente da câmara, uma vez que este passa a ser nomeado pelo Governo.
A nosso ver, o legislador de 1936, ao determinar que a entidade competente para intimar o particular era o administrador do concelho, veio claramente estatuir que deveria ser o representante do Governo localmente. Afinal, tratava-se de fazer cumprir uma decisão administrativa, após cumpridas as formalidades exigidas legalmente.
Sem prejuízo das alterações políticas e jurídicas desde 1936, algo parece inquestionável é que a entidade competente para fazer a intimação nos termos do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas tem de manter o carácter de representante do Governo.
Actualmente, o artigo 291.º da Constituição estabelece que enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital e o governador civil [mantém-se] como representante do Governo e como órgão encarregado da tutela na área do distrito.
A Lei n.º 79/77, [de 25 de Outubro], veio definir as atribuições das autarquias e [a] competência dos respectivos órgãos eleitos.
O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, dispõe que o governador civil é o órgão que representa o Governo na área do distrito, para além de outras competências que lhe são atribuídas.
A situação actual recupera a situação existente à data da publicação do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, com a diferença que não existe a figura [do] administrador do concelho.
Existe uma câmara municipal constituída por um presidente e por vereadores eleitos e existe um governador civil nomeado que, como supra referido, é o representante local do Governo.
Dado o exposto, e salvo melhor opinião, somos de parecer que a entidade competente, hoje, para fazer a intimação nos termos do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas é o governador civil do distrito respectivo.»

3. Nesta conformidade, a interrogação formulada na consulta reduz-se a saber se a norma do § 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, que estabelece a competência do administrador do concelho para efectuar a intimação do proprietário de terreno atravessado por linhas eléctricas a consentir na ocupação dessa propriedade, admite uma interpretação actualista de forma a adequá-la ao sistema administrativo vigente, mais concretamente, se a competência para essa intimação, face à extinção do cargo de administrador do concelho, deve ser cometida, actualmente, ao governador civil do distrito respectivo.

Assinale-se que a consulta, tal como vem formulada, não reclama que no presente parecer se encare a questão da aplicação da norma apontada nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, onde não existe a divisão distrital, nem um representante distrital do Governo da República.

Para responder à questão enunciada, importa, em primeiro lugar, indagar a evolução legislativa operada no domínio da administração autárquica, em particular, do estatuto jurídico dos órgãos locais do Estado que nas respectivas circunscrições administrativas desempenham a função de representantes do Governo para fins de administração geral e de segurança pública.

Em segundo lugar, haverá que empreender a caracterização do actual estatuto legal dos governadores civis, com destaque para as suas competências como representantes do Governo e no exercício de funções de segurança e de polícia, aproveitando para explicitar a disciplina atinente à requisição da intervenção das forças de segurança — Guarda Nacional Republicana e Polícia de Segurança Pública.

Em terceiro lugar, impõe-se a consideração de normas que regulam os denominados «lugares paralelos».

Por último, e em decorrência do que for apurado, caberá então responder à questão concreta suscitada na consulta.

III

1. A História da organização administrativa portuguesa nunca deixou de acentuar a especial importância dos concelhos na administração pública local[15].

«Na passagem para o século XIV manifesta-se a tendência para uma intervenção cada vez mais apertada do poder central na vida interna das cidades e das vilas, tendência que toma a forma de nomeação de juízes de fora e da conversão de certos funcionários, que até aí só excepcionalmente eram enviados pelos soberanos para fazer a “correição” numa província, em agentes estáveis do poder central, por este colocados à frente das comarcas.»[16]

Como sublinha MARCELLO CAETANO[17], no antigo regime monárquico português, «a administração do reino estava fundamentalmente confiada às autoridades dos concelhos. Ligados à Coroa, e portanto dependentes de órgãos centrais, havia os juízes de fora integrados nas câmaras dos concelhos mais importantes, os corregedores que inspeccionavam a justiça e a administração na área da sua comarca ou correição e os provedores que nas comarcas zelavam pelos interesses da Fazenda real.»

Entretanto, tendo vingado as ideias que defendiam a necessidade de uma estrutura administrativa mais eficaz, a Constituição de 1822 veio estabelecer que, acima da divisão do reino em concelhos, houvesse a divisão em distritos, em cada um dos quais actuaria um administrador-geral de nomeação régia, assistido de uma junta administrativa com representação municipal (artigos 212.º e 213.º), e a Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 consagrou o seu título VII à «Administração, e Economia das Províncias», referindo-se o artigo 132.º às províncias e os artigos 133.º a 135.º às Câmaras.

O primeiro Código Administrativo foi aprovado por Decreto de 31 de Dezembro de 1836, referendado por Passos Manuel, «em cujas disposições se nota a influência da restauração da Constituição de 1822»[18], e que determinou a divisão do território em distritos, concelhos e freguesias.

Os magistrados administrativos, nomeados pela autoridade governamental, são o administrador-geral do distrito, o administrador do concelho e o regedor da paróquia. Junto de cada um dos magistrados havia um corpo de cidadãos eleito pelos povos: a junta geral administrativa do distrito, a câmara municipal e a junta de paróquia.

Em 16 de Março de 1842, foi aprovado um novo Código Administrativo, que resultou da coordenação das disposições vigentes do Código de 1836 com as leis posteriores que o alteraram. «A divisão do território faz-se em distritos e concelhos. A freguesia fica sendo mera comunidade familiar e religiosa sem carácter administrativo. Os magistrados são o governador civil e o administrador do concelho, ambos de nomeação do Governo. Cria-se no concelho, a par da Câmara, um conselho municipal composto de contribuintes-eleitores. As juntas gerais de distrito eram compostas de procuradores, eleitos conjuntamente pelas câmaras e pelos conselhos municipais. […]. O espírito do Código era centralizador: aos agentes do poder central deu-se larga competência e os corpos administrativos ficaram sujeitos a apertada tutela. Esteve este Código em vigor durante trinta e seis anos, o que atesta eloquentemente a sua adaptação às necessidades do tempo(-)[19]

Na sequência de diversas tentativas de reforma do Código de 1842, foi aprovado o Código Administrativo de 6 de Maio de 1878, que voltou à divisão do território em distritos, concelhos e freguesias, com os correspondentes magistrados administrativos de nomeação do Governo. «Os corpos administrativos eram as juntas de freguesia, as câmaras municipais e as juntas gerais de distrito, mas estas de eleição directa, com numerosas atribuições próprias e uma comissão permanente para executar as suas deliberações. Foi suprimido o conselho municipal. A tutela administrativa seria exercida apenas pelas juntas gerais e só raras deliberações destas necessitavam de confirmação dos órgãos superiores do Estado.»[20]

Em 17 de Julho de 1886, foi publicado ditatorialmente por José Luciano de Castro, um novo Código Administrativo. «As principais inovações do Código de 1886 são: (i) representação das minorias nos corpos administrativos; (ii) criação de um regime especial para os concelhos de Lisboa e Porto, e para os de população superior a 40.000 habitantes que assim o requeressem; (iii) organização dos tribunais administrativos distritais compostos de três juízes togados cada.»[21]

A conjugação das normas do Código Administrativo de 1886 com as dos Decretos de 21 de Abril e de 6 de Agosto de 1892, que o alteraram profundamente, deram origem ao Código Administrativo de 2 de Março de 1895, também aprovado por decreto ditatorial, referendado por João Franco, o qual, submetido à revisão parlamentar, foi transformado no Código aprovado por Carta de Lei de 4 de Maio de 1896. «Nada de novo se encontra quanto à divisão do território, nem pelo que respeita ao número e designação dos magistrados administrativos. Quanto aos corpos administrativos, consagra-se a supressão das juntas gerais de distrito decretada em 1892: o distrito não era mais autarquia local, e a comissão distrital eleita por delegados das câmaras, tinha reduzidas atribuições em cujo exercício preponderava o governador civil. As câmaras eram assistidas, para validamente deliberar sobre algumas matérias, dos quarenta maiores contribuintes do concelho.»[22]

Em 23 de Junho de 1900, foi publicado um novo Código Administrativo, destinado a substituir o Código de 1896, «mas suspenso em 5 de Julho seguinte, não chegou a ser executado.»[23]

Assim, à data da proclamação da República estava em vigor o Código de 1896, «considerado incompatível, pelo espírito centralizador que o inspirava, com as ideias triunfantes»[24], daí que o Decreto com força de lei de 13 de Outubro de 1910, prometendo a breve publicação de um código republicano, pôs em vigor, na parte em que o seu restabelecimento causasse o mínimo de perturbações aos serviços públicos, o Código de 1878.

Pese embora a expressa aspiração de publicar um Código Administrativo, no mais breve espaço de tempo, o Governo da República apenas conseguiu editar a Lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, respeitante à organização, funcionamento, atribuições e competência dos corpos administrativos, posteriormente regulamentada e completada pela Lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916, tendo falhado as diversas tentativas delineadas para elaborar um projecto de Código.

Após a revolução de 28 de Maio de 1926, o Decreto com força de lei n.º 12.073, de 9 de Agosto de 1926, face à vigência de, pelo menos, quatro diplomas fundamentais relativos à administração local — «o Código de 6 de Maio de 1878, o de 4 de Maio de 1896, e a lei já referida n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, e a n.º 621, de 23 de Junho de 1916, além de, o que é pior, abundante legislação avulsa, que é, não só dispersa, mas tantas vezes contraditória e outras de condenável técnica jurídica»[25] — assumiu o propósito de esclarecer quais as matérias em que se deveria aplicar o Código de 1878 e quais as que seriam reguladas pelo Código de 1896.

Interessa aos fins da consulta conhecer o texto dos artigos 1.º, 2.º e 4.º do Decreto com força de lei n.º 12.073, diploma composto por seis artigos:

«Artigo 1.º
Enquanto não for promulgado um novo Código Administrativo são adoptados os magistrados, funcionários e empregados administrativos abrangidos pelo título VIII do Código Administrativo aprovado por carta de lei de 6 de Maio de 1878, com a designação e atribuições que este Código lhes confere e ainda aquelas que leis ou regulamentos posteriores lhes atribuam.
§ 1.º ………………………………………………………………………….
§ 2.º ………………………………………………………………………….

«Artigo 2.º
O Código Administrativo, aprovado por carta de lei de 4 de Maio de 1896, regulará, na parte não alterada por lei posterior, a divisão do território, o regime local aplicável aos empregados municipais, corporações administrativas, contencioso, serviço dos magistrados e mais funcionários e a sua aposentação e ainda as disposições penais e gerais.

«Artigo 4.º
Em tudo o mais previsto neste decreto com força de lei regulará o Código de 1878, e, em matéria que neste se não contenha, o Código de 1896.»

Só em 31 de Dezembro de 1936, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27.424 um novo Código Administrativo, «cujo aparecimento coincide com o centenário do primeiro Código Administrativo: o Código de 31 de Dezembro de 1836»[26].

2. A explanação precedente revela que à data da edição do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, vigoravam quanto à designação e atribuições dos magistrados administrativos as normas do título VIII do Código Administrativo de 1878, isto por força do artigo 1.º do citado Decreto n.º 12.073.
A sistemática do mencionado título VIII, epigrafado «Dos magistrados e empregados administrativos», estruturava-se em três capítulos: Capítulo I (Do governador civil e dos empregados da secretaria do governo civil; artigos 180.º a 195.º); Capítulo II (Do administrador do concelho e dos empregados da administração; artigos 196.º a 220.º); Capítulo III (Do regedor de paróquia e seus empregados; artigos 221.º a 230.º).

No nosso Direito Administrativo, dá-se tradicionalmente a designação honorífica de magistrados administrativos aos delegados do Governo nas circunscrições administrativas, que actuam como órgãos locais da administração geral e comum do Estado[27].

Assim, de harmonia com os preceitos do Código Administrativo de 1878, exerciam funções de magistrados administrativos o governador civil no distrito, o administrador do concelho no concelho e o regedor na paróquia.

2. 1. O governador civil era da livre nomeação do Governo (artigo 180.º).

Como delegado e representante do Governo (artigo 183.º), competia-lhe, nomeadamente, «[t]ransmitir as leis, regulamentos e ordens superiores às autoridades subalternas, dando-lhes as instruções convenientes para a sua execução» (4.º), «[e]xercer inspecção geral e superior sobre a execução de todas as leis e regulamentos de administração» (5.º), «[s]uperintender em todos os magistrados, funcionários e corpos administrativos do distrito, e em todos os objectos da competência deles» (18.º).

No respeitante à polícia do distrito (artigo 184.º), competia ao governador civil, designadamente, «[d]ar, executar e fazer executar todas as providências necessárias para manter a ordem e segurança pública, auxiliando-se para esse fim da força que tiver à sua disposição, ou requisitando a que for necessária» (1.º) e «em geral, executar e fazer executar todas as leis e regulamentos de polícia» (último parágrafo do artigo 184.º).

Ao governador civil pertencia ainda a tutela da administração das confrarias, irmandades e institutos de piedade ou de beneficência (artigo 186.º).

O governador civil era obrigado a visitar anualmente o distrito, «provendo às necessidades públicas quanto couber em suas atribuições, e dando conta ao governo do estado dele e dos melhoramentos de que é susceptível» (artigo 187.º), sendo que, nos casos omissos e urgentes, o governador civil estava «autorizado a dar providências que as circunstâncias exigirem, dando imediatamente conta ao governo» (artigo 188.º).

Por conseguinte, o governador civil era o superior magistrado administrativo do distrito e imediato representante do Governo, competindo-lhe regular todo o serviço administrativo na área da sua circunscrição territorial.

2. 2. O administrador do concelho[28], por sua vez, era «nomeado por decreto, sobre proposta do governador civil», e prestava «juramento nas mãos deste magistrado» (artigo 196.º).

Como órgão da administração geral, o administrador do concelho podia ser suspenso pelo governador civil, mas a respectiva demissão exigia a edição de decreto do governo (artigo 199.º); o administrador do concelho tinha um substituto, que «fará as suas vezes nos casos de ausência, falta ou impedimento» (artigo 200.º) e no caso de ausência ou impedimento do administrador do concelho e do seu substituto, e enquanto o governador civil não nomeasse quem interinamente os substituísse, «faz as suas vezes o presidente da câmara», o qual, enquanto substituísse o administrador, não podia exercer funções de vereador (artigo 201.º, corpo e § único).

A competência do administrador do concelho desdobrava-se nas seguintes vertentes: (i) encarregado da execução das leis e regulamentos da Administração Pública; (ii) superintendência das irmandades, misericórdias, confrarias, hospitais e quaisquer outros estabelecimentos de piedade e de beneficência, bem como dos estabelecimentos de instrução e educação; (iii) autoridade policial.

O administrador do concelho devia providenciar pela execução imediata das leis e regulamentos da administração pública, «sob a autoridade e inspecção do governador civil» (artigo 202.º), competindo-lhe, em geral (artigo 203.º), «[v]igiar pela execução de todos os serviços e de todas as leis e regulamentos de administração pública, que são desempenhados e executados na área da circunscrição do concelho» (1.º), «[s]uperintender a administração das irmandades, misericórdias, confrarias, hospitais e quaisquer outros institutos de piedade e de beneficência, dando conta ao governador civil de todas as irregularidades que encontrar, e das providências que convier adoptar para melhorar os ditos estabelecimentos» (2.º), «[s]uperintender, nos termos das leis especiais, as escolas e estabelecimentos de instrução e educação» (3.º), «[f]iscalizar o modo por que são cumpridos os regulamentos acerca da administração dos expostos[29]» (4.º).

Como autoridade policial (artigo 204.º), pertencia ao administrador do concelho, no que aqui interessa, a execução das leis e regulamentos de polícia geral (1.º), a polícia rural (14.º), a protecção da liberdade, propriedade e segurança dos habitantes do concelho (16.º), a execução das providências de segurança pública (17.º), a adopção das medidas de prevenção e repressão contra quaisquer actos contrários à ordem e tranquilidade públicas, requisitando a força armada que julgar necessária (18.º), a «formação de autos de investigação de todos os crimes que chegarem ao seu conhecimento e remetê-los, com informação sua, ao Ministério Público» (22.º), «capturar ou mandar capturar os culpados, nos casos em que se não exige a prévia formação de culpa, pondo-os imediatamente à disposição do juiz competente» (24.º).

Ao administrador do concelho cabia igualmente (artigo 207.º) suspender e demitir, com a aprovação do governador civil, os empregados de sua nomeação (1.º), delegar nos seus subalternos, com autorização do governo civil, algumas das suas atribuições, quando as necessidades do serviço assim o exigissem (5.º), prestar à câmara municipal e ao seu presidente a coadjuvação que lhe fosse requisitada para execução das deliberações legais da mesma câmara (6.º), promover o cumprimento de todas as obrigações da câmara municipal e das juntas de paróquia, dando conta ao governador civil das faltas e abusos que notasse (7.º), exercer na execução dos serviços de interesse geral do Estado as funções que lhe estivessem determinadas nas leis e regulamentos especiais (artigo 208.º), estando ainda autorizado, nos casos omissos e urgentes, a tomar as providências que as circunstâncias exigissem, «dando imediatamente conta ao governador civil» (artigo 210.º).

Sintetizando, à luz das referidas normas do Código Administrativo de 1878, o administrador do concelho era um magistrado administrativo, competindo-lhe, sob a autoridade e inspecção do governador civil, velar pelo cumprimento das leis e regulamentos da Administração Pública, e fazer executar todas as medidas de administração geral, mormente quanto à manutenção da ordem e segurança públicas, assumindo, pois, a qualidade de delegado governamental e imediato subordinado do governador civil.

3. A Constituição de 1933 e os Códigos Administrativos de 1936 e 1940 institucionalizaram uma apertada centralização administrativa, «culminando no facto do titular do órgão presidente da Câmara Municipal ser nomeado pelo Governo e cumular essa titularidade com a de magistrado administrativo concelhio»[30].

O governador civil continuava, entretanto, a ser magistrado administrativo.

A reunião, na figura do presidente da câmara, das funções primitivamente atribuídas à presidência da câmara e ao delegado governamental designado por administrador do concelho, determinou a extinção deste último cargo[31]. Também o regedor deixou de ser magistrado administrativo, passando a ser considerado como «representante da autoridade municipal, directamente dependente da Câmara».
Este quadro legal alterou-se profundamente no seguimento da Revolução do 25 de Abril de 1974 e da Constituição da República Portuguesa de 1976.

Convirá, portanto, retomar a indagação atinente à evolução legislativa do estatuto jurídico dos magistrados administrativos.

3. 1. A Constituição de 1933 considerou o território do continente dividido em concelhos, «que se formam de freguesias e se agrupam em distritos e províncias» (artigo 125.º), tendo os Códigos Administrativos de 1936 e 1940 reduzido o distrito a mera circunscrição administrativa sem carácter de autarquia local.

Face ao insucesso da experiência provincial, «por carência de atribuições e de meios, contrastando com o papel essencial dos governadores civis, como órgãos políticos e administrativos de um Estado centralizador»[32], a revisão constitucional de 1959, operada pela Lei n.º 2100, de 29 de Agosto de 1959, suprimiu a administração provincial, restaurando a autarquia distrital.

Daí resultou a necessidade de modificar o Código Administrativo de 1940, tarefa cumprida pelo Decreto-Lei n.º 42.536, de 28 de Setembro de 1959, que, entre outras alterações, substituiu por completo o título IV da parte I daquele Código, dedicado à província, o qual passou a regular o distrito como autarquia local.

O Decreto-Lei n.º 27.424, de 31 de Dezembro de 1936, ao aprovar o Código Administrativo de 1936, criou uma comissão para acompanhar a sua execução e preparar a sua redacção definitiva, prevista para dois anos depois e posteriormente deferida para o final de 1940. O texto revisto do Código Administrativo de 1936 foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31.095, de 31 de Dezembro de 1940, dando origem ao Código Administrativo de 1940. Como refere MARCELLO CAETANO[33], o espírito e o sistema deste último texto são os mesmos do Código Administrativo de 1936, apenas se mudou a redacção de bastantes artigos, acrescentou-se matéria nova (que fez subir a numeração total de 712 para 862 artigos) e suprimiram-se as divisões na respectiva nomenclatura, de sorte que é legítimo reuni-los, considerando-os um só Código, o de 1936-40, pelo que se fará incidir a análise subsequente no articulado aprovado em 1940, com as alterações introduzidas pelo diploma de 1959.

No Código Administrativo de 1936-40, os magistrados administrativos eram o presidente da câmara (artigo 79.º), os administradores de bairro nos concelhos de Lisboa e Porto, e nos bairros previstos no § 2.º do seu artigo 1.º[34] (artigos 106.º, 108.º e 109.º-A[35]) e o governador civil (artigo 404.º).

3.1.1. O presidente da câmara era nomeado e demitido livremente pelo Governo (artigos 71.º e 73.º), competindo-lhe orientar e coordenar a acção municipal, superintender na execução das deliberações da câmara e desempenhar as funções de magistrado administrativo do concelho (artigo 76.º).

Na qualidade de magistrado administrativo (artigo 79.º), competia-lhe, nomeadamente, informar o governador civil, com diligência e exactidão, sobre todos os assuntos de interesse público que esse magistrado devesse conhecer (n.º 1), executar e fazer executar no concelho as leis e regulamentos administrativos (n.º 2), exercer, em relação às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as funções de inspecção que lhe fossem confiadas pelo governador civil (n.º 5), convocar a reunião constitutiva do conselho municipal, da câmara municipal e das juntas de freguesia (n.º 7), inspeccionar a administração paroquial (n.º 9).

Como autoridade policial (artigo 80.º), o presidente da câmara passou a exercer as funções policiais que anteriormente cabiam ao administrador do concelho, designadamente, tomar as providências necessárias para que se cumprissem as leis e regulamentos de polícia geral, distrital e municipal, urbana e rural, zelando pela manutenção da ordem e tranquilidade pública e protegendo a liberdade, propriedade e segurança dos habitantes do concelho (n.º 1), impedir e reprimir quaisquer actos contrários à ordem, à moral e à decência pública, (n.º 2), exercer, por si ou seus agentes, as atribuições da Polícia Judiciária relativas à investigação de crime públicos e à captura dos criminosos, sem prejuízo da competência dos tribunais ordinários e de outras autoridades da mesma Polícia (n.º 11.º), exercer as atribuições policiais que lhe fossem confiadas pelo governador civil em matéria da competência deste (n.º 15.º).

O presidente da câmara era, a um tempo, órgão da autarquia municipal e delegado governamental, prevalecendo, «então, claramente, a segunda qualidade, o que convertia o município em Administração directamente dependente do Estado»[36].

3.1.2. O governador civil, imediato representante do Governo no distrito, era nomeado pelo Ministro do Interior, ao qual ficava imediatamente subordinado, podendo ser por ele livremente exonerado ou demitido (artigo 404.º).

Como representante do Governo (artigo 407.º), competia ao governador civil, nomeadamente, informar o Governo sobre quaisquer assuntos de interesse público ou de interesse particular que com aquele tivessem relação (n.º 1), chamar a atenção dos presidentes das câmaras municipais para as leis e regulamentos e transmitir-lhes as ordens superiores, dando-lhes as instruções convenientes para a sua execução (n.º 3), exercer tutela sobre as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa nos termos da lei (n.º 9).

Ao governador civil competia, como autoridade policial do distrito (artigo 408.º), designadamente, tomar as providências necessárias para manter a ordem e tranquilidade pública, proteger as pessoas e a propriedade e fazer reprimir os actos contrários à moral e à decência pública (n.º 1), requisitar aos comandantes distritais de polícia e aos comandantes da Guarda Nacional Republicana que estacionem ou sirvam no distrito o que tiver por conveniente para a manutenção da ordem e segurança do distrito (n.º 15), exercer quaisquer outras atribuições policiais que as leis e regulamentos lhe confiram (n.º 18).

O governador civil podia ainda ser encarregado de inspeccionar e fiscalizar qualquer serviço público dependente do Governo, fosse qual fosse o Ministério em que o serviço estivesse integrado, e corresponder-se directamente com todos os Ministros, cumprindo as ordens e instruções que nas matérias da respectiva competência deles recebesse (artigo 410.º).

Nesta conformidade, o governador civil era exclusivamente magistrado administrativo, exercendo, como tal, atribuições policiais, e detinha poder hierárquico sobre os presidentes das câmaras (n.º 3 do artigo 407.º do Código Administrativo de 1940).

3.2. A entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976[37]. alterou profundamente a ordem jurídica portuguesa.

Entre essas alterações figura o regime jurídico-administrativo e o sistema de governo das autarquias locais, que deixam de constituir Administração dependente do Estado-Administração.

De facto, segundo o n.º 1 do artigo 6.º da Constituição, o Estado respeita na sua organização e funcionamento o princípio da autonomia das autarquias locais.

«O princípio da autonomia local significa designadamente que as autarquias locais são formas de administração autónoma territorial, de descentralização territorial do Estado, dotadas de órgãos próprios, de atribuições específicas correspondentes a interesses próprios, e não meras formas de administração indirecta ou mediata do Estado»[38].

A afirmação das autarquias locais como pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das comunidades locais, flui do n.º 2 do artigo 235.º da Constituição, a qual prevê que no território do continente (entenda-se, do continente europeu), as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (n.º 1 do artigo 238.º da versão originária, actual n.º 1 do artigo 236.º), tendo confiado à lei ordinária — a apelidada Lei das Autarquias Locais[39] — a regulação das atribuições e da organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos (artigo 239.º da versão originária, actual n.º 1 do artigo 237.º).

De harmonia com o actual artigo 239.º da Constituição, «[a] organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável» (n.º 1), sendo a «assembleia eleita por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional» (n.º 2) e o órgão executivo colegial «constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adoptada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e destituição e o seu funcionamento» (n.º 3).

Segundo a Constituição de 1976, o distrito deixou novamente de ser autarquia local, subsistindo, no entanto, como divisão distrital enquanto não forem instituídas as regiões administrativas (n.º 1 do artigo 263.º da versão originária). Previu-se a existência em cada distrito, «em termos a definir na lei», de uma assembleia deliberativa composta por representantes dos municípios e presidida pelo governador civil (n.º 2 do artigo 263.º da versão originária), competindo a este último, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito (n.º 3 do artigo 263.º da versão originária).

As revisões constitucionais de 1982 e 1989 inseriram as normas do citado artigo 263.º nas disposições finais e transitórias (artigo 295.º na revisão de 1982 e artigo 291.º na revisão de 1989), estatuindo o actual artigo 291.º que «[e]nquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido» (n.º 1), havendo em cada distrito, «em termos a definir na lei, uma assembleia deliberativa composta por representantes dos municípios» (n.º 2), competindo ao governador civil, «assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito (n.º 3).

3.2.1. No que respeita à freguesia, a actual Constituição preceitua que a assembleia da freguesia e a junta de freguesia são os órgãos representativos daquela autarquia local (artigo 244.º) — o primeiro é o órgão deliberativo da freguesia (n.º 1 do artigo 245.º) e o segundo o respectivo órgão executivo (artigo 246.º).

A lei ordinária, actualmente a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, consagra a existência de um órgão representativo da freguesia não previsto na Constituição da República Portuguesa, o presidente da junta de freguesia. A respectiva competência é enumerada exaustivamente no artigo 38.º da citada lei, pertencendo-lhe, de modo particular, representar a freguesia em juízo e fora dele [alínea a)], executar as deliberações da junta de freguesia e coordenar a respectiva actividade [alínea g)] e, bem assim, dar cumprimento às deliberações da assembleia de freguesia, sempre que para a sua execução seja necessária a intervenção da junta [alínea h)].

3.2.2. Por seu turno, os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal (artigo 250.º). A assembleia municipal é o órgão deliberativo do município e é constituída por membros eleitos directamente em número superior ao dos presidentes de junta de freguesia, que a integram (artigo 251.º). A câmara municipal é o segundo órgão municipal previsto na Constituição, que o define como «o órgão executivo colegial do município» (artigo 252.º).

A lei ordinária (Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro) desenvolve a Constituição, preceituando no artigo 56.º que «[a] câmara municipal é constituída por um presidente e por vereadores, um dos quais designado vice-presidente, e é o órgão executivo colegial do município, eleito pelos cidadãos eleitores recenseados na sua área» (n.º 1), sendo a respectiva eleição «simultânea com a da assembleia municipal, salvo no caso de eleição intercalar» (n.º 2).

A câmara municipal é, pois, directamente eleita pelos cidadãos eleitores.

Sobre a composição da câmara municipal dispõe o artigo 57.º da citada lei, precisando que o presidente da câmara municipal é o primeiro candidato da lista mais votada ou, no caso de vacatura do cargo, o que se lhe seguir na respectiva lista (n.º 1), pertencendo ao presidente da câmara municipal designar, de entre os vereadores, o vice-presidente, «a quem, para além de outras funções que lhe sejam distribuídas, cabe substituir o primeiro nas suas faltas e impedimentos» (n.º 3).

O presidente da câmara municipal é, portanto, directamente eleito para o cargo, como primeiro candidato da lista mais votada para o executivo camarário, o que faz sobressair uma legitimidade própria, «conduzindo assim à sua proeminência no colégio camarário e, por via disso, na estrutura do poder municipal»[40].

A Constituição da República Portuguesa não inclui o presidente da câmara municipal no elenco dos órgãos representativos municipais. Contudo, a legislação ordinária que desenvolveu o texto constitucional, conferiu-lhe competência própria, o que explica que a doutrina[41] qualifique o presidente da câmara municipal como um órgão autárquico diverso dos demais.

Em sentido adverso, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[42], em anotação ao artigo 252.º da Constituição, ponderam:

«O órgão executivo do município é a câmara e não o seu presidente. Embora a Constituição tenha expressamente previsto a figura do presidente da câmara, ele não é um órgão autónomo da administração municipal. O órgão executivo do município é a câmara, como órgão colegial (v., também, artigo 241.º, n.º 1 — actual n.º 1 do artigo 239.º). Não é, portanto, possível conferir ao presidente, por via legal, competência originária para o exercício de atribuições municipais, podendo contudo a câmara delegar-lhe uma parte das suas competências, nos casos previstos na lei. Por isso, a atribuição directa de poderes ao presidente — ainda que sob a figura de “delegação tácita”, operada directamente pela lei, independentemente de qualquer acto de delegação da câmara municipal (Decreto-Lei n.º 100/84, artigo 52.º) — não tem fundamento constitucional, mesmo quando se admite que a câmara municipal possa fazer cessar a delegação, ou reapreciar as decisões do presidente, em via de recurso. A abertura legal veio permitir na prática transições silenciosas de um regime de colegialidade para um regime de presidencialismo municipal, com violação do “princípio da conformidade funcional”, relativamente aos órgãos autárquicos.»

O sentido do parecer dispensa uma tomada de posição compromissória acerca do problema teórico em questão, bastando acentuar que a lei ordinária confere competência própria ao presidente da câmara municipal.

A competência própria do presidente da câmara municipal consta, de forma circunstanciada, no artigo 68.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção conferida pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, comportando funções de natureza representativa [alíneas a) e m) do n.º 1], executiva [alíneas b) e c) do n.º 1], informativa [alíneas i), s), u) e cc) do n.º 1, e alínea q) do n.º 2] e de gestão do município (a generalidade das restantes competências previstas no citado artigo 68.º).

Em suma, no domínio de vigência da Constituição de 1976 e da legislação ordinária que desenvolveu o texto constitucional, o presidente da câmara municipal perdeu a qualidade de magistrado administrativo e de autoridade policial[43], passando a ser eleito directamente pelas populações locais e a integrar, exclusivamente, o órgão executivo do município.

Por conseguinte, nos termos do artigo 291.º da Constituição, enquanto não forem instituídas as regiões administrativas[44], o governador civil é, no território do continente, o único órgão local da administração geral e comum do Estado, representando o Governo na circunscrição distrital[45].

IV

1. O quadro temático em que se inscreve a presente consulta reclama a caracterização do estatuto legal do governador civil[46].

Tradicionalmente, o governador civil é o representante local do Governo na divisão administrativa consubstanciada no distrito, tendo, entre outras, funções de polícia e de tutela sobre a administração autárquica[47].

Conforme já se deu conta, trata-se de uma função que vem sendo entendida como correspondente à de um delegado do Governo, significando na sua essência uma forma de «desconcentração administrativa orgânica vertical territorial»[48], traduzida numa delegação ope legis de poder decisório originalmente pertencente ao Governo.

Na verdade, relativamente ao estatuto e competência do governador civil, o que está em causa fundamentalmente são funções e competências do Governo, que este, aliás, através da falada relação de subordinação hierárquica do governador civil, expressa na figura da desconcentração vertical, não perde originariamente[49].

2. O estatuto e as competências dos governadores civis, bem como o regime dos órgãos e serviços que deles dependem, acham-se definidos, presentemente, no Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro[50].

No preâmbulo deste diploma reconhece-se que «o actual estatuto do governador civil não está claramente definido, havendo todas as vantagens em homogeneizar, tanto quanto possível, o conjunto variado e difuso de diplomas em que se traduz a moldura legal da sua actuação e das suas competências».

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto, face à não instituição das regiões administrativas em consequência do referendo nacional sobre esta matéria veio dar novo relevo à figura jurídica do governador civil, sendo o respectivo estatuto reformulado no novo quadro de competências decorrente do processo de descentralização e desconcentração administrativas.

A sistemática do Decreto-Lei n.º 252/92, estrutura-se em nove capítulos: Capítulo I (Do governador civil; artigos 1.º a 3.º); Capítulo II (Das competências; artigos 4.º e 5.º); Capítulo III (Dos actos praticados pelo governador civil; artigos 6.º a 8.º), Capítulo IV (Da secretaria; artigos 9.º a 12.º), Capítulo V (Conselho coordenador da administração central de âmbito distrital; artigos 13.º a 14.º), Capítulo VI (Do gabinete de apoio pessoal; artigo 15.º), Capítulo VII (Estatuto pessoal e remuneratório; artigos 16.º a 22.º), Capítulo VIII (Regime financeiro dos governos civis; artigos 23.º a 25.º); Capítulo IX (Disposições finais e transitórias; artigos 26.º a 30.º).

Para além da norma revogatória do artigo 29.º (são revogados os artigos 404.º, 406.º a 411.º e 413.º a 415.º do Código Administrativo), revelam-se de especial interesse para o esclarecimento pretendido algumas disposições integrantes dos três primeiros capítulos, que se passam a referir na sua versão actual.

O governador civil é, nos termos da Constituição, o representante do Governo na área do distrito, exercendo no mesmo as funções e competências que lhe são conferidas por lei (artigo 2.º), sendo nomeado e exonerado pelo Governo, em Conselho de Ministros, por proposta do Ministério da Administração Interna, de quem depende hierárquica e organicamente (n.º 1 do artigo 3.º).

De harmonia com o artigo 4.º, o governador civil exerce competências nos seguintes domínios, sem prejuízo de outras consagradas em legislação avulsa: a) representação do Governo; b) aproximação entre o cidadão e a Administração; c) segurança pública; d) protecção civil.

Os artigos 4.º-A a 4.º-F especificam as competências em cada um dos apontados domínios, interessando aos fins da consulta destacar o preceituado nos artigos 4.º-A e 4.º-D:
«Artigo 4.º-A
(Competências como representante do Governo)
1 – Compete ao governador civil, na área do distrito e enquanto representante do Governo:
a) Exercer as funções de representação do Governo;
b) Colaborar na divulgação das políticas sectoriais do Governo, designadamente através de acções de informação e formação, diligenciando a sua melhor implementação;
c) Prestar ao membro do Governo competente em razão da matéria informação periódica e sistematizada por áreas sobre assuntos de interesse para o distrito;
d) Preparar informação relativamente aos requerimentos, exposições e petições que lhe sejam entregues para envio aos membros do Governo ou a outros órgãos de decisão;
e) Atribuir financiamentos a associações no âmbito do distrito.
2 – Para efeitos da alínea c) do número anterior são áreas estratégicas de prestação de informação, na área do distrito, todas as referentes a protecção civil, segurança interna e, em particular, o policiamento de proximidade, questões económico-sociais, investimentos a realizar no distrito, bem como outras acções de interesse para o distrito.
3 – Compete ainda ao governador civil desenvolver todas as diligências necessárias e convenientes a uma adequada cooperação na articulação entre os serviços públicos desconcentrados de âmbito distrital e entre aqueles e outros órgãos administrativos localizados na circunscrição distrital, de acordo com as orientações dos respectivos membros do Governo.
«Artigo 4.º-D
(Competências no exercício de funções de segurança e de polícia)
Compete ao governador civil, no distrito e no exercício de funções de segurança e de polícia:
1 – Conceder, nos termos da lei, licenças ou autorizações para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos e a prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes.
2 – Promover, após parecer do conselho coordenador e com fundamento em política definida pelo Ministro da Administração Interna, a articulação das seguintes actividades em matéria de segurança interna:
a) Das forças de segurança quanto ao policiamento de proximidade, ouvido o respectivo responsável máximo no distrito;
b) Das forças de segurança com as polícias municipais, ouvido o respectivo responsável máximo no distrito;
c) Das acções de fiscalização que se inserem no âmbito do Ministério da Administração Interna.
3 – Providenciar pela manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas, podendo, para o efeito:
a) Requisitar, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandos da PSP e da GNR, instaladas no distrito;
b) Propor ao Ministro da Administração Interna para aprovação os regulamentos necessários à execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências;
c) Aplicar as medidas de polícia e as sanções contra-ordenacionais previstas na lei.»

Prosseguindo na apreciação dos normativos do Decreto-Lei n.º 252/92, estabelece o artigo 7.º que a desobediência às ordens e aos actos praticados pelo governador civil constitui crime punido nos termos do Código Penal, e o artigo 8.º, por sua vez, permite que o governador civil, sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes de interesse público, possa praticar todos os actos ou tomar todas as providências administrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo órgão normalmente competente.

De entre as competências do governador civil, interessa à consulta destacar as respeitantes ao exercício de funções de segurança e de polícia[51].

Neste domínio pertence ao governador civil providenciar pela manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas, podendo, para o efeito, requisitar, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandos da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana, instaladas no distrito (corpo e alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º-D).

3. Convém, agora, indagar qual o sentido jurídico preciso da expressão «manutenção da ordem pública» e explicitar o regime da requisição da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana.

3.1. A Constituição da República Portuguesa, tal como as constituições italiana de 1947 e espanhola de 1978, não acolhe a noção de ordem pública, dada a força expansiva deste conceito, que foi entendido como justificativo da restrição de direitos fundamentais na prática política dos regimes autoritários precedentes[52].

Observe-se, no entanto, que o n.º 2 do artigo 16.º da Constituição remete para a Declaração Universal dos Direitos do Homem a interpretação e a integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais, sendo certo que o n.º 2 do artigo 29.º da antedita Declaração Universal refere-se à satisfação das «justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática»[53] como credencial justificativa da limitação dos direitos e liberdades.

O texto constitucional de 1976 adopta, sim, outras locuções, afins da ordem pública, embora não forçosamente coincidentes: legalidade democrática, ordem constitucional democrática, segurança interna[54].

Na verdade, o n.º 2 do artigo 3.º prescreve que «[o] Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática», competindo a defesa dessa legalidade democrática, sucessivamente, ao Governo [alínea f) do artigo 199.º], aos Tribunais (n.º 2 do artigo 202.º) e ao Ministério Público (n.º 1 do artigo 219.º).

Por seu turno, o n.º 2 do artigo 19.º determina que «[o] estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática […]».

Finalmente, o n.º 2 do artigo 268.º prevê que «[o]s cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas», e o n.º 1 do artigo 272.º dispõe que «[a] polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos».

Em anotação a esta última norma, referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[55] que «[a] distinção aqui feita entre defesa da legalidade democrática e garantia da segurança interna mostra que a primeira não coincide com a função tradicional de defesa da “ordem pública”, que abrangia a defesa da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, lugares públicos, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (águas, alimentos, etc.). O sentido mais consentâneo com o contexto global do preceito estará, porventura, ligado à ideia de garantia de respeito e cumprimento das leis em geral, naquilo que concerne à vida da colectividade.»

A presente indagação quanto à noção de ordem pública deve confinar-se ao domínio do Direito Administrativo e, eventualmente, ao do Direito Penal[56].

No dizer de JORGE MIRANDA[57], a ordem pública, na apontada dimensão, significa «o conjunto de condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais», logo acrescentando que «a ordem pública, a segurança interna e (até certo ponto) a própria legalidade democrática convergem para a ordem constitucional democrática; apenas se compreendem dirigidas para a garantia e a realização desta; assumem carácter instrumental ou acessório em relação a ela». E, mais adiante, o mesmo AUTOR remata, «[a] ordem pública é limite e, ao mesmo tempo, garantia da ordem constitucional democrática: os direitos apenas podem sofrer limites em nome da ordem pública, quando tal seja exigido pela preservação da ordem constitucional democrática; tal como, em contrapartida, os direitos não podem ser exercidos em liberdade e igualdade sem ordem pública».
Também a previsão no Código Penal de crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas (artigos 295.º a 307.º) visa a tutela, particularmente intensa, da ordem constitucional democrática, figurando nesse conjunto de tipos legais de crimes, entre outros, a instigação pública a um crime (artigo 297.º), a associação criminosa (artigo 299.º), as organizações terroristas (artigo 300.º), a participação em motim (artigo 302.º), a desobediência a ordem de dispersão de reunião pública (artigo 304.º), a ameaça com prática de crime (artigo 305.º).

A manutenção da ordem pública anda, assim, tradicionalmente ligada à ideia de polícia[58], em especial à polícia de segurança.

Na expressão de Marcello Caetano[59], «[a] polícia de segurança é o ramo da actividade policial que visa a manutenção da ordem e da tranquilidade públicas, prevenindo a criminalidade e perseguindo os criminosos».

A este propósito, o Conselho Consultivo salientou[60]:

«Numa fórmula breve, pode de facto dizer-se que a polícia administrativa representa o “conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade (-), orientando-se pelo escopo referencial de “prevenir os atentados à ordem pública”.
E a ordem pública que a polícia tem funcionalmente por fim assegurar caracteriza-se em regra por três vectores:
a) Pelo seu carácter principalmente material, posto que se trata de evitar desordens visíveis;
b) Pelo seu carácter público, já que a polícia não tutela matérias do foro privado nem o próprio domicílio pessoal, salvo na medida em que as actividades que aí se desenrolem tenham reflexos no exterior (regulamentação do barulho causado por aparelhagens sonoras, higiene de imóveis);
c) Pelo seu carácter limitado, são três os itens tradicionais da ordem pública: tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído); segurança (prevenção de acidentes e flagelos, humanos ou naturais); salubridade (salvaguarda da higiene pública).»

Na legislação ordinária posterior à Constituição de 1976, o conceito de manutenção da ordem pública reconduz-se à noção de segurança interna e de polícia de segurança.

Assim, de acordo com a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana[61], esta força de segurança tem por missão geral, entre outras, «[g]arantir, no âmbito da sua responsabilidade, a manutenção da ordem pública, assegurando o exercício dos direitos, liberdades e garantias» [alínea a) do artigo 2.º].

Por sua vez, a Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública[62] especifica que esta força de segurança «tem por funções defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos do disposto na Constituição e na lei» (n.º 1 do artigo 1.º), fixando-lhe como objectivos fundamentais, um vasto elenco de competências, entre outras, «[g]arantir a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas», «[p]revenir a criminalidade e a prática dos demais actos contrários à lei e aos regulamentos», «[g]arantir a execução dos actos administrativos emanados da autoridade competente que visem impedir o incumprimento da lei ou a sua violação continuada» [alíneas b), c) e e) do n.º 2 do artigo 2.º].

Enquadrando estas normas orgânicas definidoras das competências da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública, a Lei de Segurança Interna[63] define segurança interna como «a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática» (n.º 1 do artigo 1.º).

Em suma, como é salientado no citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 583/96, «a expressão “manutenção da ordem pública” é utilizada na legislação ordinária para significar uma das atribuições ou missões de segurança interna, prosseguida pelas forças ou polícias de segurança, que se traduz na garantia da segurança e tranquilidade públicas, na protecção de pessoas e bens, na prevenção da criminalidade, na contribuição para o asseguramento do normal funcionamento das instituições democráticas e do regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e do respeito pela legalidade democrática».

3.2. As competências do governador civil no domínio da manutenção ou reposição da ordem pública podem justificar a intervenção das forças de segurança sediadas no distrito, que terão de ser requisitadas aos comandos locais.

O regime de requisição de forças da Guarda Nacional Republicana está previsto nos artigos 16.º e 17.º da respectiva Lei Orgânica, que estabelecem:
«Artigo 16.º
(Requisição de forças)
1 – Nas zonas que lhe são afectas, as autoridades judiciárias e administrativas podem requisitar à Guarda, através dos comandos locais, a actuação de forças para manter a ordem pública.
2 – …………………………………………………………………………..
3 – As forças requisitadas nos termos dos números anteriores actuam unicamente no quadro das suas competências e por forma a cumprir a sua missão, mantendo total subordinação aos comandos de que dependem.
«Artigo 17.º [64]
(Processo de requisição)
1 – As autoridades que necessitem de auxílio das forças da Guarda dirigem as respectivas requisições aos comandos de subunidade ou de unidade ou ao comando-geral, conforme o grau hierárquico da entidade requisitante e a área para onde o serviço é requisitado.
2 – As requisições são escritas e devem indicar a natureza do serviço a desempenhar, bem como as particularidades de que o mesmo se reveste, podendo, excepcionalmente e em casos urgentes, ser verbais ou telecomunicadas, sem prejuízo da sua obrigatória confirmação por escrito.
3 – As autoridades requisitantes são responsáveis pela legitimidade dos serviços que requisitarem nos termos do presente artigo, mas a adopção das medidas e a utilização dos meios são da exclusiva responsabilidade da Guarda.
4 – As requisições efectuadas ao abrigo do disposto no presente artigo devem ser acompanhadas de uma cópia da acta ou despacho administrativo que as determinou.
5 – É reconhecido à Guarda o direito de recusar, mediante despacho fundamentado, a satisfação de requisições ou pedidos que não caibam no âmbito legal da sua missão ou não emanem de autoridades legalmente competentes para o efeito.
6 – As decisões tomadas pelos comandos locais devem ser comunicadas de imediato ao escalão superior.»
Quanto à requisição de forças da Polícia de Segurança Pública, o artigo 96.º da respectiva Lei de Organização e Funcionamento dispõe:
«Artigo 96.º
(Requisição de forças e serviços)
1 – As autoridades judiciárias e administrativas que necessitem da actuação da PSP devem dirigir os seus pedidos ou requisições à autoridade policial da área.
2 – As requisições devem ser escritas e comunicadas por ofício, no qual se indicará a natureza do serviço a desempenhar e o motivo ou a ordem que as justifica e, em casos graves e de reconhecida urgência, poderão ser transmitidas por qualquer outro meio de telecomunicação adequado, ou ainda verbalmente, devendo, neste último caso, ser confirmadas por escrito.
3 – A autoridade requisitante é responsável pela legitimidade do serviço requisitado, mas a adopção das medidas e a utilização dos meios para o seu desempenho são determinadas pela PSP.
4 – O comandante investido de autoridade policial na área só pode recusar, mediante despacho fundamentado, a satisfação de pedidos ou requisições que não caibam no âmbito das atribuições da PSP ou não emanem de entidades legalmente competentes para o efeito.
5 – Quando o pedido ou requisição respeitar a área que não esteja compreendida no âmbito territorial da PSP, deve a autoridade requisitante ser de imediato informada desta situação e, em caso de reconhecida urgência, será igualmente informada a força de segurança com competência na área.
6 – As decisões tomadas pelos comandantes de divisão, de secção e de esquadra devem ser comunicadas, de imediato, ao escalão superior.»

Como se referiu anteriormente, no domínio de vigência da Constituição de 1976 e da legislação ordinária que desenvolveu esse texto constitucional, os presidentes das câmaras municipais perderam a qualidade de magistrados administrativos e de autoridades policiais.

Assim, ao contrário do governador civil, a lei não confere, actualmente, ao presidente da câmara municipal competência para requisitar a força pública com vista à manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas.

O certo é, porém, que compete ao presidente da câmara municipal, nos termos do artigo 68.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes [alínea m) do n.º 2], bem como ordenar o despejo sumário dos prédios cuja expropriação por utilidade pública tenha sido declarada ou cuja demolição ou beneficiação tenha sido deliberada [alínea n) do n.º 2].

Embora estas competências não afectem directamente a ordem pública, deve reconhecer-se que a demolição de obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, tal como a execução do despejo sumário de prédios, podem gerar eventuais alterações da ordem pública[65].

Ora, o presidente da câmara municipal pode requisitar a força pública para garantir a execução das referidas acções de demolição ou despejo, ao abrigo das apontadas disposições da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (artigos 16.º e 17.º) e Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública (artigo 96.º), competindo à polícia manter a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas no decurso dessas operações e proteger os funcionários que as executem.

V

1. Antes de avançar para a abordagem concreta da questão em apreço, impõe-se uma breve análise de disposições legais que regulam «problemas normativos paralelos»[66].
O recurso aos denominados «lugares paralelos» revela-se um precioso auxiliar na determinação do sentido da lei, quando esta acolhe conceitos já densificados em institutos afins.

De resto, é o próprio Código Civil (n.º 1 do artigo 9.º) que, em sede de interpretação da lei, determina que se tenha «sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico».

2. O regime jurídico das empreitadas de obras públicas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48.871, de 19 de Fevereiro de 1969, conferia aos «magistrados administrativos dos concelhos» a efectivação da investidura administrativa na posse dos trabalhos da empreitada.

Neste conspecto, sempre que, nos termos da lei, o dono da obra estivesse autorizado a tomar posse administrativa dos trabalhos em curso, o artigo 210.º do citado regime estabelecia que o dono da obra devia oficiar «aos magistrados administrativos dos concelhos onde eles se situarem solicitando que nos oito dias seguintes à recepção do ofício seja empossado dos trabalhos e indicando desde logo a entidade a quem, em sua representação, deve ser notificada a data da posse» (n.º 1); recebido o ofício, «o magistrado administrativo marcará a data e mandará logo notificar o representante do dono da obra e o empreiteiro ou seu representante para comparecerem no lugar onde estiverem situados os estaleiros da obra, ou onde se encontre material do empreiteiro» (n.º 3) e no dia fixado, «comparecerão no local o magistrado administrativo, ou a autoridade policial do concelho em que ele delegar, e o representante do dono da obra e, esteja ou não presente o empreiteiro ou seu representante, logo o primeiro dará posse das obras, incluindo terrenos consignados ou ocupados, materiais, edificações próprias ou arrendadas, estaleiros, ferramentas, máquinas e veículos afectos à obra, inventariando-os em auto, que será lavrado pelo funcionário que acompanhar a autoridade empossante e firmado por esta, pelo representante do dono da obra e pelo empreiteiro ou seu representante, quando presente» (n.º 4).
Transcorridos dezassete anos sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48.871, face à evidente desactualização de algumas das suas disposições, o Decreto-‑Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, procedeu a uma reformulação global daquele regime jurídico, aproveitando ainda para reunir num só diploma toda a legislação avulsa posterior a 1969.

Relativamente à disciplina do empossamento das obras, o artigo 213.º do novo regime das empreitadas de obras públicas previa que a investidura na posse administrativa dos trabalhos da empreitada deveria ser solicitada «às câmaras municipais dos concelhos onde eles se situarem»; recebido o ofício, «a câmara municipal marcará a data e mandará logo notificar o representante do dono da obra e do empreiteiro ou seu representante para comparecerem no lugar onde estiverem situados os estaleiros da obra ou onde se encontre material do empreiteiro» (n.º 3) e no dia fixado, «comparecerão no local o representante do município e o representante do dono da obra e, esteja ou não presente o empreiteiro ou seu representante, logo o primeiro dará posse das obras, incluindo terrenos consignados ou ocupados, materiais, edificações próprias ou arrendadas, estaleiros, ferramentas, máquinas e veículos afectos à obra, inventariando-os em auto, que será lavrado pelo funcionário que acompanhar a autoridade empossante e firmado por esta, pelo representante do dono da obra e pelo empreiteiro ou seu representante, quando presente» (n.º 4).

Entretanto, foi editado o Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, que teve por objectivo adequar o regime normativo nacional de empreitadas de obras públicas às novas realidades económicas e sociais, bem como às novas disposições derivadas do direito comunitário.

No respeitante à efectivação da posse administrativa, o seu artigo 217.º estipulava que o dono da obra, quando estivesse autorizado a tomar posse administrativa dos trabalhos em curso, «oficiará aos governos civis em cuja área se situarem, ou aos Ministros da República para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, solicitando que nos seis dias seguintes à recepção do ofício seja empossado dos trabalhos e indicando desde logo a entidade a quem, em sua representação, deve ser notificada a data da posse» (n.º 1); recebido o ofício, «o governador civil marcará a data e mandará logo notificar os representantes do dono da obra e do empreiteiro para comparecerem no lugar onde estiverem situados os estaleiros da obra ou onde se encontre material do empreiteiro» (n.º 3) e no dia fixado, «comparecerão no local o representante do governador civil e os representantes do dono da obra e, esteja ou não presente o empreiteiro, logo o primeiro dará posse das obras, incluindo terrenos consignados ou ocupados, materiais, edificações próprias ou arrendadas, estaleiros, ferramentas, máquinas e veículos afectos à obra, inventariando-os em auto, que será lavrado pelo funcionário que acompanhar a autoridade empossante e firmado por esta, pelo representante do dono da obra e pelo empreiteiro, quando presente» (n.º 4).

Culminando esta evolução legislativa, o Decreto-Lei n.º 405/93 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março[67], que acolhe, presentemente, o regime jurídico das empreitadas de obras públicas.

Segundo a nota preambular, o novel diploma «apresenta, face ao regime anterior, inovações resultantes de imperativos do direito comunitário e de exigências de sistematização do direito interno, com vista à criação de um sistema coerente com as restantes medidas legislativas levadas a cabo no sector das obras públicas, traduzidas no novo diploma que regula o acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas e industrial de construção civil e na criação de um novo instituto público regulador deste sector».

Quanto à posse administrativa, o respectivo artigo 236.º preceitua:
«Artigo 236.º
(Posse administrativa)
1 – Sempre que, nos termos da lei, o dono da obra esteja autorizado a tomar posse administrativa dos trabalhos em curso, tem de oficiar [a]os governadores civis em cuja área a obra se situe, solicitando que nos seis dias seguintes à recepção do ofício seja empossado dos trabalhos e indicando desde logo a entidade a quem, em sua representação, deve ser notificada a data da posse.
2 – …………………………………………………………………………..
3 – Recebido o ofício, o governador civil marcará a data e mandará logo notificar os representantes do dono da obra e do empreiteiro para comparecerem no lugar onde estiverem situados os estaleiros da obra, ou onde se encontre material do empreiteiro.
4 – No dia fixado, comparecerão no local o representante do governador civil e os representantes do dono da obra e, esteja ou não presente o empreiteiro, logo o primeiro dará posse das obras, incluindo terrenos consignados ou ocupados, materiais, edificações próprias ou arrendadas, estaleiros, ferramentas, máquinas e veículos afectos à obra, inventariando-os em auto, que será lavrado pelo funcionário que acompanhar a autoridade empossante e firmado por esta, pelo representante do dono da obra e pelo empreiteiro, quando presente.
..........................................................................................................................
9 – Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira a posse administrativa referida no n.º 1 é requerida pelo dono da obra ao Ministro da República, quando as obras sejam da iniciativa do Estado ou de serviços dependentes do Governo, ou ao Governo Regional, nos demais casos, seguindo-se a restante tramitação prevista no presente artigo.

É paradigmática a evolução do regime jurídico da investidura na posse administrativa dos trabalhos de empreitadas de obras públicas.

Assim, o diploma de 1969 conferia essa competência aos «magistrados administrativos dos concelhos», que, no domínio do Código Administrativo de 1940 e de acordo com o seu artigo 79.º, eram os presidentes das câmaras municipais; porém, tendo os presidentes das câmaras municipais perdido a qualidade de magistrados administrativos e de autoridades policiais, o Decreto-Lei n.º 235/86 passou a atribuir essa competência à câmara municipal, para logo se retomar com o Decreto-Lei n.º 405/93 e, posteriormente, com o Decreto-Lei n.º 59/99, a orientação tradicional de cometer tal responsabilidade ao único magistrado administrativo na área distrital, isto é, ao governador civil do distrito respectivo.

Não é despiciendo anotar que podendo ocorrer a necessidade do recurso à força pública no acto de empossamento dos trabalhos da empreitada, compreende-se que o diploma de 1969 tenha conferido essa competência ao presidente da câmara municipal, então magistrado municipal e autoridade policial, bem como se justifica a actual opção de cometer essa mesma responsabilidade ao governador civil, como delegado do Governo na área distrital, com funções de segurança e polícia.

Há, assim, razões para acentuar o paralelismo entre a evolução legislativa desenvolvida no domínio da investidura na posse administrativa de obras públicas e a competência para efeitos da intimação prevista no parágrafo 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936.

3. Num outro plano, importa agora atentar no Decreto-Lei n.º 181/70, de 28 de Abril[68], que nos termos do sumário oficial, «[d]etermina que a constituição de uma servidão administrativa, desde que exija a prática de um acto da Administração, deve ser precedida de aviso público e ser facultada audiência aos interessados».

Decorre do respectivo preâmbulo que o diploma refere-se às servidões «cuja constituição exige a prática de um acto da Administração, quer apenas pelo reconhecimento da utilidade pública justificativa da servidão, quer ainda pela definição de certos aspectos do respectivo regime, designadamente no que se refere à área sujeita à servidão e aos encargos por ela impostos».

Como fundamento do seu regime encontra-se o reconhecimento de que os encargos inerentes às servidões administrativas podem afectar os proprietários e utentes dos prédios onerados. E, por isso, se considerou ser «conveniente estabelecer, para todos os casos em que a constituição de servidões exija a prática de um acto da Administração, uma fase de aviso público e audiência dos interessados de forma a possibilitar a oportuna apresentação de reclamações».

O legislador faz ainda notar, nesse preâmbulo, que tal sistema de audiência dos interessados já constava anteriormente do regime específico previsto para as servidões militares e aeronáuticas[69], sendo propósito do diploma generalizar esse sistema.

O texto dos seis artigos que integram o Decreto-Lei n.º 181/70 é o seguinte:
«Artigo 1.º
1 – Sempre que a constituição de uma servidão administrativa exija a prática de um acto da Administração, deverá este ser precedido de aviso público e ser facultada audiência aos interessados.
2 – O referido processo será também observado nos casos de ampliação da zona sujeita a servidão e naqueles em que esta se torne mais onerosa.
«Artigo 2.º
1 – Para os efeitos do disposto no artigo anterior, a entidade competente para promover a constituição ou alteração da servidão dará conhecimento à câmara municipal do concelho a que pertencer a área que se presume vir a ser sujeita a servidão dos termos em que se projecta a respectiva constituição ou alteração, com indicação daquela área e dos encargos e restrições a impor.
2 – A comunicação será feita logo que os estudos elaborados permitam definir com razoável probabilidade os termos projectados para a constituição ou alteração da servidão.
«Artigo 3.º
1 – A câmara municipal, no prazo de vinte dias, dará publicidade à comunicação recebida e convidará os interessados a apresentar quaisquer reclamações no prazo de trinta dias.
2 – Para esse efeito, a câmara promoverá a afixação de editais nos lugares de estilo e a publicação de correspondente aviso num dos jornais publicados no concelho ou, na sua falta, num dos mais lidos na área.
3 – A entidade competente para a constituição da servidão reembolsará a câmara municipal da despesa feita com a publicação do aviso.
«Artigo 4.º
As reclamações poderão ter por objecto a ilegalidade ou inutilidade da constituição ou alteração da servidão ou a sua excessiva amplitude ou onerosidade.
«Artigo 5.º
1 – Decorrido o prazo a que se refere a última parte do n.º 1 do artigo 3.º, a câmara municipal, nos dez dias seguintes, enviará à entidade competente as reclamações apresentadas, para apreciação no estudo final da constituição ou alteração da servidão, ou comunicará a falta de apresentação de reclamações.
2 – Em qualquer dos casos, poderá a câmara formular as observações que lhe parecerem convenientes para o mesmo efeito.

«Artigo 6.º
Na falta do envio das reclamações ou da comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º, a entidade competente promoverá as diligências previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º, devendo, nesse caso, ser-lhe apresentadas directamente as reclamações dos interessados.»

Como bem decorre da normação transcrita, o Decreto-Lei n.º 181/70 prevê, para todos os casos em que a constituição de servidões exija a prática de um acto da Administração, uma fase de aviso público e audiência dos interessados (artigo 1.º). Para o efeito, criam-se algumas formalidades prévias à prática do acto constitutivo da servidão, com vista à comunicação da pretensão de realizar esse acto aos interessados e de forma a permitir-lhes a apresentação de reclamações, operando essa comunicação através da afixação de editais e da publicação de aviso em jornal (artigos 2.º e 3.º). Definem-se os eventuais fundamentos das reclamações (artigo 4.º) e fixa-se a tramitação da fase final do processo que culmina na decisão sobre a constituição da servidão (artigos 5.º e 6.º).

Assinale-se que no citado Parecer n.º 37/2002[70] concluiu-se, em síntese, que o regime especial de audiência dos interessados previsto no Decreto-Lei n.º 181/70 devia ser interpretado de modo a que, por um lado, a regulamentação expressa no n.º 2 do seu artigo 3.º (notificação edital e por aviso público) seria apenas aplicável à notificação de interessados desconhecidos ou não identificáveis e, por outro, que a norma do n.º 1 do mesmo artigo 3.º (fixação de prazo para os interessados apresentarem reclamações) exigiria, quanto aos interessados conhecidos e identificados, em conformidade com o princípio constitucional da participação (n.º 5 do artigo 267.º da Constituição, também proclamado no n.º 1 do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo), a sua notificação pessoal, a ter lugar por carta ou ofício registado com aviso de recepção.

Trata-se, pois, de um procedimento que visa, essencialmente, a protecção jurídica dos interesses das populações locais face à eventual constituição de uma servidão administrativa, pelo que, nessa exacta medida, justifica-se que a câmara municipal, na qualidade de órgão colegial de gestão permanente dos interesses das comunidades locais, encabece essa fase de audiência dos interessados.

Estas considerações evidenciam a dissemelhança entre o procedimento consagrado no Decreto-Lei n.º 181/70 e a figura da intimação de proprietário que se opõe à realização de trabalhos na linha eléctrica aérea que já atravessa o seu prédio.

VI

1. A questão colocada à apreciação do Conselho inscreve-se no domínio das servidões administrativas e da execução do acto administrativo de licença de estabelecimento para remodelação/modificação de uma linha eléctrica considerada de utilidade pública.

Face ao limitado objectivo da consulta interessará, apenas, uma breve referência aos regimes da servidão administrativa e da execução do acto administrativo.

2. Na doutrina existe algum consenso em torno da definição da figura da servidão administrativa e suas características, sendo mais notórias as divergências a propósito da respectiva delimitação conceptual face às servidões prediais do direito civil e acerca do seu modo de constituição[71].

Segundo MARCELLO CAETANO[72], servidão administrativa é «o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública duma coisa», distinguindo-se das meras restrições de utilidade pública ao direito de propriedade; nas primeiras, há uma «relação entre coisas», sendo «estabelecidas em proveito da utilidade pública de certos bens», enquanto nas segundas não há tal relação, constituindo as mesmas «limitações permanentes impostas ao exercício do direito de propriedade, ou poderes conferidos à Administração para serem utilizados eventualmente na realização dos seus fins».

O mesmo AUTOR refere que as servidões administrativas apresentam as seguintes características: «a) são sempre impostas por lei; b) são de utilidade pública; c) nem sempre são constituídas em benefício de um prédio; d) podem recair sobre coisas do mesmo dono; e) podem ser negativas ou positivas; f) quando exijam um acto definidor da Administração, só são impostas após audiência dos interessados; g) só dão lugar a indemnização mediante disposição expressa da lei; h) são impostas e defendidas por processos enérgicos e expeditos de coacção; i) são inalienáveis e imprescritíveis; j) cessam com a desafectação dos bens dominiais ou com o desaparecimento da função pública das coisas dominantes.»[73]

Sobre o modo de constituição das servidões administrativas, considera MARCELLO CAETANO que as servidões administrativas «não se constituem por acto jurídico», embora haja casos «em que se torna necessário um acto de definição da área abrangida, mas não há aí servidão constituída por acto administrativo, porque o decreto ou o despacho, nesses casos, não constituem a servidão, apenas se limitam a fixar os respectivos limites, pressupondo-a existente segundo a lei»[74].

Entre as várias espécies de servidões administrativas o antedito AUTOR destaca as seguintes: servidão de margem, servidão de atravessadouro, servidão de aqueduto, servidões das estradas, servidões das linhas férreas, servidões das linhas telegráficas, telefónicas e das linhas eléctricas, servidões aeronáuticas, servidão dos faróis, servidões dos monumentos e edifícios nacionais, servidões militares.

A todas elas correspondem regimes legais específicos.

As servidões administrativas respeitantes a linhas eléctricas acham-se submetidas ao regime previsto nos artigos 54.º e 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de Novembro de 1960, e no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de Julho.

Nos termos do citado Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, os proprietários dos terrenos onde se acham estabelecidas linhas de uma instalação declarada de utilidade pública e os proprietários dos terrenos confinantes com quaisquer vias de comunicação, ao longo das quais estejam estabelecidas as referidas linhas, são obrigados a não consentir nem conservar neles plantações que possam prejudicar aquelas linhas na sua exploração (corpo do artigo 54.º); por outro lado, os proprietários ou locatários de terrenos ou edifícios que tenham de ser atravessados por linhas aéreas ou subterrâneas de uma instalação declarada de utilidade pública ficam obrigados a permitir a entrada nas suas propriedades às pessoas encarregadas de estudos, construção, reparação ou vigilância dessas linhas e a suportar a ocupação das suas propriedades enquanto durarem os trabalhos que a exigirem, mediante a competente indemnização (corpo do artigo 56.º).

A declaração de utilidade pública das linhas de transporte ou de distribuição de energia eléctrica confere ao concessionário, de harmonia com o preceituado no artigo 51.º do referido Decreto-Lei n.º 43.335, os seguintes direitos: 1.º) utilizar as ruas, praças, estradas, caminhos e cursos de água, bem como terrenos ao longo dos caminhos-de-ferro e de quaisquer vias de comunicação do domínio público, para o estabelecimento ou passagem das diferentes partes da instalação objecto da concessão; 2.º) atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas e montar nesses prédios os necessários apoios; 3.º) estabelecer suportes nos muros e paredes ou telhados dos edifícios confinantes com as vias públicas, com a condição de esses suportes serem acessíveis do exterior desses muros ou edifícios; 4.º) estabelecer fios condutores paralelamente aos ditos muros e paredes e na proximidade deles; 5.º) expropriar, por utilidade pública e urgente, terrenos, edifícios e servidões ou outros direitos necessários para o estabelecimento das instalações, que pertençam a particulares e ainda que estejam abrangidos em concessões de interesse privado.

Todavia, o § 1.º do citado artigo 51.º ressalva que esses direitos «só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936».

Enfim, o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 182/95 prevê que «[a]s actividades vinculadas de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica são consideradas de utilidade pública, pelo que a atribuição das licenças vinculadas ou da concessão de exploração da RNT [Rede Nacional de Transporte] confere, ao respectivo titular, os seguintes direitos: a) utilizar os bens do domínio público ou privado do Estado e das autarquias locais para o estabelecimento ou passagem das diferentes partes da instalação ou rede, nos termos da legislação aplicável; b) solicitar a expropriação, por utilidade pública e urgente, nos termos do Código das Expropriações, dos imóveis necessários ao estabelecimento de instalações ou redes; c) solicitar a constituição de servidões sobre os imóveis necessários ao estabelecimento das instalações ou redes, nos termos da lei.»

Tais servidões assumem, pois, natureza especial já que a sua constituição, embora imposta por lei, não é de efeito imediato, exigindo-se ainda a prática de um acto definidor da Administração — a emissão de licença de estabelecimento da instalação respectiva, licença a obter de acordo com as disposições constantes do dito Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas.

Constituída a servidão administrativa, o respectivo exercício, isto é, o direito de servidão, compreenderá tudo o que se mostrar necessário ao uso e conservação do bem de domínio tendo por medida a utilidade pública.

No caso em apreço, o Director Regional da Economia do Alentejo concedeu à «EDP Distribuição – Energia, S. A.», em 3 de Setembro de 2004, licença de estabelecimento para remodelação/modificação da linha eléctrica aérea a 30 KV, n.º 1214 L3 0025, com 6202 metros, com origem no apoio n.º 7 da linha a 30KV para o PT PTG 0017 – Igreja e término em PT PTG 0026D – Rabaça, freguesia de S. Julião, concelho de Portalegre, linha de média tensão considerada de utilidade pública, nos termos do artigo 38.º do citado Decreto-Lei n.º 182/95, o que obriga os proprietários dos terrenos atravessados a permitir a entrada nas suas propriedades às pessoas encarregadas de estudos, construção, reparação ou vigilância dessas linhas e a suportar a ocupação das suas propriedades enquanto durarem os trabalhos que a exigirem, mediante a competente indemnização, conforme o estatuído no corpo do artigo 56.º do citado Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas.

Registe-se que o Decreto-Lei n.º 502/76, de 30 de Junho[75], que criou a «Electricidade de Portugal – Empresa Pública», abreviadamente EDP, estabeleceu no n.º 3 do seu artigo 3.º que se mantêm «em benefício da EDP as regalias reconhecidas por lei às sociedades concessionárias do serviço de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nomeadamente as atribuídas pelo Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de Novembro de 1960», as quais foram anteriormente explicitadas.
Apenas se acrescentará, porque um dos proprietários dos terrenos atravessados pela linha eléctrica em questão se opõe à entrada na sua propriedade de empregados ou trabalhadores ou empreiteiros ao serviço da concessionária EDP, afirmando que defenderá «por qualquer forma, mesmo com recurso à força, qualquer desrespeito pela [sua] decisão», que a autoridade administrativa, no exercício do privilégio da execução prévia, poderá impor coercivamente aos donos dos prédios servientes o cumprimento das obrigações decorrentes da servidão administrativa.

3. O privilégio da execução prévia consiste no «poder atribuído por lei às pessoas colectivas que integram a Administração Pública de, por autoridade própria, independentemente dos tribunais, definir por modo unilateral, através de actos administrativos, a situação jurídica dos particulares que com eles entram em relação, bem como o de fazer executar coercivamente as pretensões nascidas daqueles actos ou constituídas ex-lege, quando as correspondentes obrigações não forem voluntariamente cumpridas»[76].

Como se refere no citado Parecer n.º 52/93[77], «o acto administrativo goza da presunção de legalidade, já que é de presumir que tem em vista a realização do interesse público cuja prossecução a lei confere à Administração. As decisões da Administração possuem, de per si, força obrigatória que os administrados têm de aceitar sob pena de, sem necessidade de recurso aos tribunais, ela os impor coercivamente».

Nesta perspectiva, a Administração tem o dever de notificar a pessoa que deva acatar o acto executório: «se essa pessoa acata o imperativo do acto, houve observância; se não acata, é então forçoso empregar a coacção e verifica-se a execução forçada»[78], que pode assumir diversas formas.

A força pública de que a Administração necessita para impor as medidas executivas do acto administrativo é assegurada pela coadjuvação das diversas forças de segurança, conforme já se deu conta no ponto IV.3.2. do presente parecer.

O Código do Procedimento Administrativo, ao tratar da execução do acto administrativo, dispõe no artigo 149.º:
«Artigo 149.º
(Executoriedade)
1 – Os actos administrativos são executórios logo que eficazes[79].
2 – O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei.
3 – ………………………………………………………………………….»

Em comentário a esta disposição, DIOGO FREITAS DO AMARAL e outros[80] afirmam:

«A solução adoptada no n.º 2 fica a meio caminho entre a solução algo autoritária do artigo 231.º do P/COPAG-1 e a solução muito liberal do artigo 202.º do P/COPAG-2[81].
Na primeira, que corresponde à concepção tradicional do privilégio de execução prévia, o acto administrativo podia ser sempre objecto de execução coerciva por via administrativa, salvas as excepções legais.
Na segunda, que perfilha uma concepção ultra-moderna defendida por alguns autores mais radicais, a execução coerciva por via administrativa só seria legítima em matéria de polícia administrativa e, para além desta, nas hipóteses em que a lei expressamente a autorizasse caso a caso.
Pareceu aos autores do P/CPA[82] — e o Governo concordou — que qualquer dessas soluções era inconveniente, por ser demasiado extremista: a primeira conferia poderes excessivos à Administração, a segunda manietava-a na generalidade dos casos.
Concebeu-se, assim, uma solução intermédia, que ficou consagrada no n.º 2 deste artigo: a Administração pode sempre executar coercivamente os seus actos administrativos por via administrativa, mas ao executar só pode fazê-‑lo pelas formas e nos termos previstos no Código ou admitidos por outras leis; ou seja: a execução coerciva por via administrativa é legítima em todos os casos em que exista acto administrativo executório, mesmo que não esteja prevista em qualquer texto legal, mas as formas da execução e os termos em que ela é feita terão de estar previstos na lei. […].»

Por seu lado, o artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo prescreve o seguinte:
«Artigo 152.º
(Notificação da execução)
1 – A decisão de proceder à execução administrativa é sempre notificada ao seu destinatário antes de se iniciar a execução.
2 – O órgão administrativo pode fazer a notificação da execução conjuntamente com a notificação do acto administrativo.»

Anotando este artigo, DIOGO FREITAS DO AMARAL e outros[83] referem:

«Esta norma era imposta na regulamentação de vários procedimentos executivos previstos na lei, mas nem sempre era respeitada na prática.
A regra contida no presente preceito constitui outro princípio fundamental do procedimento executivo — o da prévia notificação da execução ao destinatário, meio de possibilitar o cumprimento voluntário por este. A execução coerciva pela Administração surge, assim, como último recurso para o cumprimento das obrigações ou o respeito das limitações contidas em acto administrativo, a ser utilizada apenas omissio voluntatis.
A notificação pode ocorrer em simultâneo com a notificação do próprio acto exequendo (cfr. artigo 132.º).»

A notificação prevista no transcrito artigo 152.º funciona, assim, «quase como um acto cominatório. O particular não será assim surpreendido com a execução. Porém, para ser viável tal execução voluntária, necessário se torna que medeie um espaço razoável (variável, conforme os casos) entre a prática do acto e a decisão de proceder à sua execução administrativa»[84].

4. Aqui chegados, há que responder à interrogação formulada na consulta.

Pretende-se saber, face à extinção do cargo de administrador do concelho, qual é a entidade actualmente competente para efectivar a intimação prevista no § 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936.
4.1. Tradicionalmente a intimação era a formalidade pela qual se dava conhecimento de algum acto judicial ou administrativo às partes interessadas num processo ou a qualquer outra pessoa, ou se chamava a juízo ou a uma repartição pública quem devia intervir acidentalmente numa causa ou processo[85].

A Novíssima Reforma Judiciária, aprovada pelo Decreto de 21 de Maio de 1841, falava em citações, notificações e intimações, sendo que estes dois últimos termos aplicavam-se ao mesmo acto (artigo 1038.º), e a citação tinha lugar em casos similares aos prevenidos no actual Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil de 1876[86], no seu artigo 178.º, distinguia a citação da intimação pelo fim a que se destinavam ou pela função que exerciam[87]. A citação tinha lugar no começo da causa, para renovação da instância ou para casos em que à parte fosse defeso fazer-se representar por procurador; a intimação, por seu lado, tinha lugar quando se dava conhecimento de algum acto judicial às partes ou a qualquer outra pessoa, ou quando se chamava a juízo quem interviesse acidentalmente na causa. Por último, a notificação consubstanciava um processo especial regulado nos artigos 641.º a 649.º daquele Código.

Entretanto, o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto n.º 16.489, de 15 de Fevereiro de 1929, substituiu a intimação pela notificação[88].

Seguindo na esteira do Código de Processo Penal de 1929, o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29.637, de 28 de Maio de 1939, também substituiu a intimação pela notificação, conforme bem resulta do texto do respectivo artigo 228.º, no qual se estabelecia que a notificação «serve para, em quaisquer outros casos [não compreendidos na primeira parte do artigo 228.º], chamar alguém a juízo ou para dar conhecimento de um acto ou de um facto»[89].

Assim, em processo penal (artigos 111.º a 113.º do actual Código de Processo Penal), tal como no processo civil (artigos 228.º e seguintes do actual Código de Processo Civil) e no procedimento administrativo (artigos 66.º a 70.º e 152.º do Código do Procedimento Administrativo), a intimação está hoje substituída pela notificação, devendo o termo «intimação» contido no § 1.º do artigo 56.º do citado Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas ser entendido com esse actual significado.

4.2. As considerações expendidas permitem afirmar com segurança que o Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, está globalmente em vigor, sendo de realçar que a última alteração introduzida nesse diploma ocorreu por força do Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro, que aprovou o Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas[90].

Todavia, a afirmação dessa vigência há-de ser entendida em termos hábeis, impondo-se uma interpretação actualista e adaptada de alguns dos seus preceitos[91].

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9.º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista[92].

Como sublinha BAPTISTA MACHADO[93]:

«Não tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico” […].
Cumpre ainda anotar que, quanto mais uma lei esteja marcada, no seu conteúdo, pelo circunstancialismo da conjuntura em que foi elaborada, tanto maior poderá ser a necessidade da sua adaptação às circunstâncias, porventura muito alteradas, do tempo em que é aplicada.»

4.3. Segundo o § 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, competia ao administrador do concelho efectivar a intimação do proprietário de terreno atravessado por linhas eléctricas que não consentisse na ocupação da respectiva propriedade para a reparação dessas linhas.

Como se viu, aquando da promulgação do citado Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, o administrador do concelho era um magistrado administrativo, competindo-lhe velar pelo cumprimento das leis e regulamentos da Administração Pública, e fazer executar todas as medidas de administração geral, assumindo a qualidade de delegado governamental e autoridade policial.

Os Códigos Administrativos de 1936 e 1940 extinguiram o cargo de administrador do concelho, o qual foi substituído pelo presidente da câmara municipal, que era nomeado pelo Governo e acumulava a titularidade desse órgão com a de magistrado administrativo concelhio.

Esse quadro legal alterou-se profundamente na vigência da actual ordem constitucional e da legislação ordinária que a desenvolveu, tendo o presidente da câmara municipal perdido a qualidade de magistrado administrativo e de autoridade policial[94], passando a ser eleito directamente pelas populações locais e a integrar, exclusivamente, o órgão executivo do município.
Actualmente, o governador civil é, no território do continente, o único órgão local da administração geral e comum do Estado nos municípios em que exerce a sua jurisdição, competindo-lhe funções de representação do Governo, aproximação entre o cidadão e a Administração, segurança pública e protecção civil.

Ora, o acto de intimação cuja prática o § 1.º do artigo 56.º do citado Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas cometia ao administrador do concelho não contende com a esfera de competências que é definida para o governador civil nos artigos 4.º-A (como representante do Governo) e 4.º-D (no exercício de funções de segurança e de polícia), ambos do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro.

Na verdade, afigura-se claro que a competência atribuída ao administrador do concelho no normativo em causa enquadra-se materialmente nas competências do governador civil, na qualidade de representante do Governo na área distrital, com funções de segurança e polícia.

Além disso, similar competência é conferida ao governador civil no regime jurídico da investidura na posse administrativa dos trabalhos de empreitadas de obras públicas, constante no Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, o que demonstra que a assunção dessa responsabilidade não repugna ao sistema jurídico.

De resto, ainda segundo o disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 252/92, o governador civil, sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes de interesse público, pode praticar todos os actos ou tomar todas as providências administrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo órgão normalmente competente.

Assim, sempre se poderia dizer, face à extinção do cargo de administrador do concelho e não cabendo já aos presidentes das câmaras municipais a actuação prevista no § 1.º do artigo 56.º do citado Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, que a pretendida intimação poderia ser efectivada pelo governador civil ao abrigo do invocado artigo 8.º, visto destinar-se a ocorrer a uma necessidade de interesse público.

Finalmente, não se diga que se estará perante uma lacuna, pois, conforme se escreveu no citado Parecer n.º 31/87, «antes de se concluir pela existência de uma lacuna no sistema jurídico, necessário é proceder a uma interpretação, ainda que actualista das normas vigentes, sendo mesmo de presumir, como princípio, que o legislador elaborou um sistema completo, não devendo o intérprete concluir pela existência de uma lacuna quando as normas vigentes apresentam um sentido lógico».

Nesta conformidade, entende-se que para efeitos da intimação (notificação) prevista na citada norma do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, deve considerar-se competente o governador civil do distrito respectivo, na qualidade de representante do Governo na área distrital, com funções de segurança e polícia.

De todo o modo, considerando que o regime das servidões administrativas respeitantes a linhas eléctricas acha-se disperso por vários diplomas — Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de Novembro de 1960, e Decreto-‑Lei n.º 182/95, de 27 de Julho —, o que dificulta a interpretação e a aplicação do apontado regime legal, não seria despicienda uma intervenção legislativa destinada a promover a centralização desta matéria num único diploma, aproveitando-se a oportunidade para se proceder à necessária actualização, em conformidade com o regime dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, de algumas normas daquela legislação, nomeadamente as relativas aos procedimentos adoptados nos parágrafos 1.º a 4.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas com vista a impor coercivamente aos donos dos prédios servientes o cumprimento das obrigações decorrentes da servidão administrativa.

VII

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª Aquando da promulgação do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936, vigoravam quanto à designação e atribuições dos magistrados administrativos as normas do título VIII do Código Administrativo de 1878, por força do disposto no artigo 1.º do Decreto n.º 12.073, de 9 de Agosto de 1926;

2.ª À luz das referidas normas do Código Administrativo de 1878, o administrador do concelho era um magistrado administrativo, competindo-lhe velar pelo cumprimento das leis e regulamentos da Administração Pública, e fazer executar todas as medidas de administração geral, assumindo a qualidade de delegado governamental e autoridade policial;

3.ª No domínio dos Códigos Administrativos de 1936 e 1940, o titular do órgão presidente da câmara municipal era nomeado pelo Governo e acumulava essa titularidade com a de magistrado administrativo concelhio, substituindo o administrador do concelho, o que determinou a extinção deste último cargo;

4.ª O apontado quadro legal alterou-se profundamente na vigência da actual ordem constitucional e da legislação ordinária que a desenvolveu, tendo o presidente da câmara municipal perdido a qualidade de magistrado administrativo e de autoridade policial, passando a ser eleito directamente pelas populações locais e a integrar, exclusivamente, o órgão executivo do município;

5.ª Enquanto não forem instituídas as regiões administrativas, o governador civil é, no território do continente, um magistrado administrativo, o único órgão local da administração geral e comum do Estado, exercendo na circunscrição distrital funções de representação do Governo, aproximação entre o cidadão e a Administração, segurança pública e protecção civil;

6.ª Face à evolução legislativa verificada impõe-se uma interpretação actualista da norma constante do § 1.º do artigo 56.º do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26.852, de 30 de Julho de 1936;

7.ª Assim, para efeitos da intimação (notificação) prevista na citada norma do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, deve considerar-se competente o governador civil do distrito respectivo, na qualidade de representante do Governo na área distrital, com funções de segurança e polícia, consoante o disposto no corpo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto, que ressalva o exercício de outras competências consagradas em legislação avulsa.






[1] Objecto de rectificação publicada no Diário do Governo, I série, n.º 231, 1 de Outubro de 1936, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 40.722, de 2 de Agosto de 1956, 43.335, de 19 de Novembro de 1960, 446/76, de 5 de Junho, 131/87, de 17 de Março, pela Portaria n.º 344/89, de 13 de Maio, e pelos Decretos-Leis n.os 272/92, de 3 de Dezembro, e 4/93, de 8 de Janeiro.
[2] Ofícios do Governo Civil do Distrito de Portalegre, n.º 3, de 14 de Janeiro de 2005, e n.º 101, Processo A.1, de 2 de Fevereiro de 2005, que deram entrada no Ministério da Administração Interna, respectivamente, em 5 de Janeiro de 2005 e em 9 de Fevereiro de 2005.
[3] O artigo 55.º foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de Novembro de 1960, também revogado, posteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março, mas que manteve em vigor o Decreto-Lei n.º 43.335 (artigo 28.º), vigência essa confirmada pelo Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 56/97, de 14 de Março, 24/99, de 28 de Janeiro, 198/2000, de 24 de Agosto, 69/2002, de 25 de Março, e 85/2002, de 6 de Abril.
[4] O corpo do artigo 54.º dispõe: «[o]s proprietários dos terrenos onde se acham estabelecidas linhas de uma instalação declarada de utilidade pública e os proprietários dos terrenos confinantes com quaisquer vias de comunicação, ao longo das quais estejam estabelecidas as referidas linhas, são obrigados a não consentir nem conservar neles plantações que possam prejudicar aquelas linhas na sua exploração, cumprindo igual obrigação aos chefes de serviços públicos a que pertencerem plantações nas condições referidas, mas somente nos casos de reconhecida necessidade»; por seu turno, o § 1.º do mesmo artigo estabelece: «[a]s secções de fiscalização eléctrica, a requerimento do concessionário, intimarão os infractores a cumprir este preceito dentro de um prazo que lhes será designado, podendo no caso de desobediência, mandar proceder à destruição das plantações que impedirem o serviço das linhas, levantando auto de desobediência e fazendo instaurar o competente processo criminal, para aplicação das penas cominadas no artigo 188.º do Código Penal [aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886]».
[5] Parecer n.º 121-L/05, de 28 de Fevereiro de 2005, Processo n.º M/290, de 17 de Fevereiro de 2005.
[6] Despacho de 3 de Março de 2005.
[7] Ofício n.º 1348/2005, Processo n.º 70/2005, Registo n.º 1500/2005, de 7 de Março de 2005, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República em 8 de Março de 2005.
[8] Ofício da Direcção Regional da Economia do Alentejo, n.º 14159, de 6 de Dezembro de 2004, Processo n.º 811/12/14/242, com data de entrada no Governo Civil do Distrito de Portalegre em 9 de Dezembro seguinte.
[9] Carta da EDP Distribuição – Energia, S. A., Área de Rede Vale do Tejo, datada de 8 de Novembro de 2004, referência Carta 3103/04/VTPC, com data de entrada na Direcção Regional da Economia do Alentejo em 15 de Novembro de 2004.
[10] Ofício da Direcção Regional da Economia do Alentejo, n.º 13683, de 23 de Novembro de 2004.
[11] Carta de 30 de Novembro de 2004, com data de entrada na Direcção Regional da Economia do Alentejo em 2 de Dezembro de 2004.
[12] Ofício indicado na nota 8.
[13] Ofício do Governo Civil do Distrito de Portalegre, n.º 1389, de 14 de Dezembro de 2004, Processo n.º A.1.
[14] Telecópia da Direcção Regional da Economia do Alentejo, datada de 22 de Dezembro de 2004.
[15] ALEXANDRE HERCULANO, História de Portugal (desde o começo da Monarquia até ao fim do reinado de Afonso III), direcção de DAVID LOPES, tomo VII, Livrarias Aillaud & Bertrand, Paris-Lisboa, 1916, pp. 25-341; PAULO MERÊA, «Organização Social e Administração Pública», História de Portugal, vol. II, Portucalense Editora, Barcelos, 1929, pp. 445-524; HENRIQUE DA GAMA BARROS, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, tomo XI, 2.ª edição, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1945-1954, pp. 11-69 e 169-209; JOSÉ A. DUARTE NOGUEIRA, «As Instituições e o Direito», vol. I, Publicações Alfa, Lisboa, 1983, pp. 782‑795; História de Portugal, direcção de JOSÉ MATTOSO, vol. II, Círculo de Leitores, Lisboa, 1992-‑1994, pp. 205-241, 280-288 e 531; História dos Municípios e do Poder Local (dos finais da Idade Média à União Europeia), direcção de CÉSAR OLIVEIRA, Temas e Debates, Lisboa, 1996.
[16] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. VII, Editorial Enciclopédia, L.da, Lisboa, Rio de Janeiro, Agosto de 1978, p. 349.
[17] Manual de Direito Administrativo, tomo I, 10.ª edição (7.ª reimpressão), revista e actualizada por DIOGO FREITAS DO AMARAL, 1991, p. 144, que neste ponto se acompanha de perto.
[18] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 147.
[19] MARCELLO CAETANO, ob. cit., pp. 149-150.
[20] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 151.
[21] Idem.
[22] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 152.
[23] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 153.
[24] Idem.
[25] Cf. preâmbulo do Decreto com força de lei n.º 12.073.
[26] Cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 27.424, de 31 de Dezembro de 1936.
[27] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 294.
[28] O cargo de «administrador do concelho» foi instituído pela Carta de Lei de 25 de Abril de 1835 e pelo Decreto de 18 de Julho do mesmo ano, substituindo o antigo «provedor», criado pelo Decreto de 16 de Maio de 1832, que era de nomeação régia; porém, o administrador do concelho passou a ser eleito directamente, formando-se depois uma lista dos mais votados na municipalidade, donde o Governo escolhia então o administrador. O Código Administrativo de 31 de Dezembro de 1836 conservou o mesmo sistema de eleição, alterando somente a proposta que devia ser feita em lista quíntupla para a escolha do Governo — cf. JUSTINO ANTÓNIO DE FREITAS, Instituições de Direito Administrativo Portuguez, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1857, p. 124, nota (a).
[29] Tradicionalmente, a assistência aos expostos, crianças abandonadas na roda, foi realizada pelos concelhos (para os quais era considerada obrigatória) e também pelas Misericórdias — cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. X, ob. cit., p. 768.
[30] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, vol. I, Lex, Lisboa, 1999, p. 351.
[31] O § 2.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 27.424, de 31 de Dezembro de 1936, que aprovou o Código Administrativo de 1936 e continha algumas disposições transitórias, determinou que «[o]s administradores do concelho exercerão até 31 de Dezembro de 1937 as funções policiais que, segundo o disposto no artigo 80.º do Código Administrativo, pertencem ao presidente da câmara».
[32] MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., p. 385.
[33] Ob. cit., p. 160.
[34] Nos termos da redacção introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 49.268, de 26 de Setembro de 1969, «[o] Governo poderá, por decreto do Ministro do Interior: a) dividir em bairros as cidades com mais de 100.000 habitantes; b) organizar em bairros os núcleos populacionais de mais de 10.000 habitantes distintos da sede do concelho e com densidade de tipo urbano, sempre que convenha aos interesses dos habitantes a desconcentração dos serviços municipais».
[35] Aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 49.268, de 26 de Setembro de 1969.
[36] MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., p. 267.
[37] A Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, aprovada por Decreto de 10 de Abril de 1976, foi alterada pelas Leis Constitucionais n.os 1/82, de 30 de Setembro, 1/89, de 8 de Julho, 1/92, de 25 de Novembro, 1/97, de 20 de Setembro, 1/2001, de 12 de Dezembro, e 1/2004, de 24 de Julho.
[38] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, revista, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 6.º, p. 75.
[39] Concretizando o expresso mandato do texto constitucional, a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, veio definir as atribuições das autarquias e as competências dos respectivos órgãos, tendo revogado expressamente as disposições do Código Administrativo contrárias à normação editada; o citado diploma foi objecto de rectificação, publicada no Diário da República, I série, n.º 275, de 28 de Novembro de 1977, e alterado pelas Leis n.os 91/77, de 31 de Dezembro, 24/78, de 5 de Junho, 1/79, de 2 de Janeiro (Finanças Locais), 9/81, de 26 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (revê a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, no sentido da actualização e reforço das atribuições das autarquias locais e da competência dos respectivos órgãos, revogando os artigos 1.º a 81.º e 97.º a 115.º da Lei n.º 79/77, bem como todas as disposições do Código Administrativo e demais legislação contrárias ao disposto no antedito diploma); a Lei n.º 25/85, de 12 de Agosto, deu nova redacção aos artigos 2.º, 6.º, 11.º, 12.º, 22.º, 25.º, 27.º, 31.º, 36.º, 37.º, 39.º, 41.º, 44.º, 45.º, 46.º, 49.º, 70.º, 81.º e 97.º do Decreto-Lei n.º 100/84; nesta sequência, o Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio, alterou a alínea c) do n.º 1 do artigo 88.º da Lei n.º 79/77, a Lei n.º 87/89 de 9 de Setembro, revogou os artigos 91.º a 93.º da Lei n.º 79/77, o artigo 70.º e o n.º 2 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 100/84, e, por último, o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro, estabeleceu o novo regime jurídico das assembleias distritais, revogando os artigos 82.º a 90.º da Lei n.º 79/77.
A Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, estabelece o actual regime jurídico do funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, assim como as respectivas competências, tendo revogado a anterior legislação sobre a matéria, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março; entretanto, a Lei n.º 169/99 foi alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, que a republicou na íntegra, tendo este último diploma sido objecto das Declarações de Rectificação n.os 4/2002, de 6 de Fevereiro, e 9/2002, de 5 de Março.
[40] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 905.
[41] Por todos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, p. 496; MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., p. 446.
[42] Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 907.
[43] O artigo 79.º do Código Administrativo, relativo à competência do presidente da câmara como magistrado administrativo foi revogado pelo artigo 114.º da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro. Sobre esta matéria, cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 173/79, de 24 de Janeiro de 1980, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 299, p. 55, em cuja 1.ª conclusão se pode ler que, com tal revogação, bem como com a do artigo 80.º do Código Administrativo, os presidentes das câmaras municipais perderam a qualidade de magistrados administrativos e de autoridades policiais.
[44] Na sequência da segunda revisão constitucional (1989), a Lei n.º 56/91, de 13 de Agosto, aprovou a lei-quadro das regiões administrativas, que prevê a existência junto de cada região administrativa de um governador civil regional, nomeado em Conselho de Ministros (artigo 40.º), cuja nomeação determinará a extinção dos governos civis sediados na área da respectiva região (artigo 47.º).
[45] Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Janeiro de 1989, recurso n.º 26.077 (Apêndice ao Diário da República, de 14 de Novembro de 1994, pp. 145-156), de 9 de Maio de 1996, recurso n.º 37.292 (Apêndice ao Diário da República, de 23 de Outubro de 1998, Volume II, pp. 3336-3341) e de 2 de Fevereiro de 2000, recurso n.º 38.062 (Apêndice ao Diário da República, de 8 de Novembro de 2002, Volume I, pp. 804-820).
[46] Sobre o cargo de governador civil, incluindo a evolução histórica da figura, cf. JOSÉ FERNANDO NUNES BARATA, Dicionário Jurídico da Administração Pública, entrada «Governador Civil», vol. V, Lisboa, 1993, pp. 7-16. Também os Pareceres do Conselho Consultivo n.os 8/78, de 16 de Março de 1978, 173/79, já citado na nota 45, 86/85, de 3 de Julho de 1986, 50/91, de 27 de Junho de 1991, 38/91 e 38/91 (complementar), de 21 de Novembro de 1991 e 28 de Maio de 1992, respectivamente, 52/93, de 2 de Dezembro de 1993 (Diário da República, II série, n.º 116, de 19 de Maio de 1994), 22/2001, de 10 de Abril de 2002 (Diário da República, II série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2003, objecto da Rectificação n.º 326/2003, publicada no Diário da República, II série, n.º 37, de 13 de Fevereiro de 2003), e 162/2003, de 18 de Dezembro de 2003, (Diário da República, II série, n.º 74, de 27 de Março de 2004).
[47] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 1075.
[48] Cf. JOSÉ CASALTA NABAIS, «A Autonomia Local», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, vol. II, separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1993, p. 165, nota 119.
[49] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 381/97, Processo n.º 816/95 (Diário da República, II série, n.º 144, de 25 de Junho de 1997, p. 7277).
[50] O Decreto-Lei n.º 252/92 foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 316/95, de 28 de Novembro, 213/2001, de 2 de Agosto, e 264/2002, de 25 de Novembro.
[51] O citado Parecer n.º 52/93, qualifica o governador civil como autoridade administrativa com funções de polícia, reservando a categoria de «autoridade policial» ou «autoridade de polícia» para aquelas autoridades às quais são legalmente atribuídos poderes de direcção e ou comando das forças policiais (em especial, ponto 5.3.).
[52] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 583/96, Processo n.º 344/93 (Diário da República, II série, n.º 239, de 15 de Outubro de 1996, p. 14.468), que cita G. CORSO, «Ordine pubblico», Enciclopedia del Direito, vol. XXX, 1980, pp. 1061 e seguintes. Igualmente sobre a temática da manutenção da ordem pública, cf. JEAN RIVERO, Direito Administrativo, Livraria Almedina, Coimbra, 1981, pp. 480-481; JORGE MIRANDA, «A Ordem Pública e os Direitos Fundamentais. Perspectiva Constitucional», Revista da Polícia Portuguesa, ano LVI, n.º 88, Julho/Agosto, 1994, p. 2-7; JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, A Manutenção da Ordem Pública em Portugal, Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Lisboa, 2000; PAULO PERES CAVACO, «A Polícia no Direito Português, Hoje», Estudos de Direito de Polícia, 1.º vol., Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pp. 80-83.
[53] Cf. texto publicado no Diário da República, I série, n.º 57, de 9 de Março de 1978.
[54] JORGE MIRANDA, ob. cit., p. 5.
[55] Ob. cit., p. 955.
[56] Diferentes noções de ordem pública aparecem em outros ramos do Direito, bastando recordar, em matéria de conflitos de leis, «os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português», previstos no n.º 1 do artigo 22.º do Código Civil, ou a referência a «leis de interesse e ordem pública», tradicionalmente utilizada para designar normas imperativas delimitadoras da autonomia negocial no Direito privado (artigos 280.º, n.º 2, e 281.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
[57] Ob. cit., p. 5.
[58] Sobre o conceito de polícia, cf. ETIENNE PICARD, «La Notion de Police Administrative», Bibliothèque de Droit Public, Tomo CXLVI, Publications de L’Université de Rouen, Librairie Generale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1984; MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 1145-‑1199; SÉRVULO CORREIA, Dicionário Jurídico da Administração Pública, entrada «Polícia», vol. VI, Lisboa, 1994, pp. 393-408; PIETRO VIRGA, Diritto Amministrativo, vol. 4.º, 2.ª edição, Giuffrè Editore, Milão, 1996, pp. 321 e seguintes; CUNHA RODRIGUES, «Para um novo conceito de polícia», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Fasc. 3.º, Julho/Setembro de 1998, p. 401; ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, «Função constitucional da Polícia», Revista do Ministério Público, ano 24, Jul/Set 2003, n.º 95, pp. 25-30. Também os Pareceres do Conselho Consultivo n.º 9/96‑B/Complementar, de 25 de Março de 1999, publicado no Diário da República, II série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2000, e n.º 162/2003, de 18 de Dezembro de 2003, este último já citado na nota 46.
[59] Ob. cit., p. 1176.
[60] Parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-A/Complementar, de 2 de Dezembro de 1998 (Diário da República, II série, n.º 1, de 3 de Janeiro de 2000). No que respeita à noção de manutenção da ordem pública, cf., ainda, os Pareceres n.º 79/86, de 4 de Dezembro de 1986, inédito, e n.º 114/79 (Diário da República, II série, n.º 78, de 2 de Abril de 1980).
[61] Aprovada pelo Decreto‑Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 138/93, publicada no Diário da República, I série-A, n.º 178, de 31 de Julho de 1993, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 298/94, de 24 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 188/99, de 2 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 15/2002, de 29 de Janeiro.
[62] Aprovada pela Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 6/99, publicada no Diário da República, I série-A, n.º 39, de 16 de Fevereiro de 1999, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 137/2002, de 16 de Maio.
[63] Aprovada pela Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, rectificada por Declaração, publicada no Diário da República, I Série, n.º 185, de 13 de Agosto de 1987, e alterada pela Lei n.º 8/91, de 1 de Abril.
[64] Na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 298/94, de 24 de Novembro.
[65] Cf. JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 71.
[66] Cf. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, p. 183; sobre o mesmo tema, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 394, e JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa 1994, p. 229.
[67] Alterado pela Lei n.º 163/99, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 159/2000, de 27 de Julho, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e pelos Decretos-Leis n.os 245/2003, de 7 de Outubro, e 43/2005, de 22 de Fevereiro, alterações que não relevam para o caso presente.
[68] Rectificado por Declaração publicada no Diário da República, I série, n.º 142, de 20 de Junho de 1970. A propósito do regime jurídico acolhido no Decreto-Lei n.º 181/70, cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 37/2002, de 23 de Outubro de 2003, inédito, que se passa a acompanhar.
[69] Reguladas as primeiras na Lei n.º 2.078, de 11 de Julho de 1955, e no Decreto-Lei n.º 45.986, de 22 de Outubro de 1964, e as segundas no Decreto-Lei n.º 45.987, da mesma data.
[70] Cf. nota 68.
[71] Para maiores desenvolvimentos sobre esta temática, cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 628; ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA, Servidões Administrativas, Elcla Editora, Porto, 1992; MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, Lex, Lisboa, 1993, pp. 409-411 e 417; JOSÉ FERNANDO NUNES BARATA, entrada «Servidão Administrativa», Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VII, Lisboa, 1996, pp. 399-404; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil-Reais, 5.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 260; FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, vol. I, Almedina, 2001, pp. 213-230. Também este Conselho Consultivo tomou posição sobre questões como a delimitação do conceito de servidão administrativa ou as suas características, cf., por todos, para além do citado Parecer n.º 37/2002 (nota 68), que se volta a acompanhar, o Parecer n.º 33/92, de 9 de Julho de 1992 (Diário da República, II série, n.º 269, de 17 de Novembro de 1993) e, ainda, o Parecer n.º 18/97, de 9 de Julho de 1997, inédito.
[72] Ob. cit., tomo II, pp. 1050‑1064.
[73] Idem, pp. 1052‑1053.
[74] Idem, p. 1053.
[75] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 427/82, de 21 de Outubro, e complementado pelos Decretos-Leis n.os 7/91, de 8 de Janeiro (transforma a empresa pública Electricidade de Portugal – EDP, em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com a firma EDP – Electricidade de Portugal, S. A.), 131/94, de 19 de Maio, 78-A/97, de 7 de Abril (aprova a 1.ª fase do processo de reprivatização do capital social da EDP), 315/97, de 19 de Novembro (aprova a 2.ª fase do processo de reprivatização do capital social da EDP), 94-C/98, de 17 de Abril (aprova a 3.ª fase do processo de reprivatização do capital social da EDP), 4/2000, de 29 de Janeiro (aprova a fusão de sociedades distribuidoras de energia eléctrica resultantes da anterior cisão da EDP efectuada ao abrigo dos Decretos-Leis n.os 7/91 e 131/94), 141/2000, de 15 de Julho (aprova a 4.ª fase do processo de reprivatização do capital social da EDP), e 218-A/2004, de 25 de Outubro (aprova a 5.ª fase do processo de reprivatização do capital social da EDP). No seguimento da apontada evolução legislativa, a designação daquela sociedade foi alterada para EDP – Energias de Portugal, S. A. (http://www.edp.pt/index.asp?LID=PT&MID=2&OID=9010000&PID=9000000&CI...).
[76] RUI MACHETE, entrada «Privilégio da Execução Prévia», Dicionário Jurídico da Administração Pública, Lisboa, 1996, pp. 448-470. Para o enquadramento geral da temática relacionada com a execução do acto administrativo, cf. ainda MARCELLO CAETANO, ob. cit., tomo I, pp. 447-450; MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Breve Reflexão sobre a Execução Coactiva dos Actos Administrativos, edição do Centro de Estudos Fiscais, Direcção‑Geral das Contribuições e Impostos, Lisboa, 1983; RUI MACHETE, «A Execução do Acto Administrativo», Revista Direito e Justiça, vol. VI, 1992, pp. 65-88; JOSÉ MANUEL BOTELHO e outros, Código do Procedimento Administrativo, Anotado – Comentado, Jurisprudência, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 816-825; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, 4.ª reimpressão da edição de 1997, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, pp. 698-713.
[77] Nota 46. Também sobre o privilégio da execução prévia, cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 38/91, de 21 de Novembro de 1991, inédito, onde se dá conta da evolução dogmática do fundamento da executoriedade do acto administrativo, mormente pontos 4.3. e 5. do parecer.
[78] MARCELLO CAETANO, ob. cit., tomo I, p. 448.
[79] O que, em regra, coincide com o momento em que são produzidos, salvo os casos de eficácia retroactiva ou diferida (artigos 127.º a 129.º do Código do Procedimento Administrativo).
[80] Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, anotação ao artigo 149.º, pp. 264-265.
[81] As siglas inscritas no texto significam, respectivamente, a primeira e a segunda versão do Projecto de Código do Processo Administrativo Gracioso.
[82] Sigla que designa o Projecto do Código do Procedimento Administrativo, apresentado pelos autores ao Governo em 1990, não publicado.
[83] Código do Procedimento Administrativo Anotado, ob. cit., p. 269.
[84] Cf. JOSÉ MANUEL BOTELHO e outros, Código do Procedimento Administrativo, Anotado – Comentado, Jurisprudência, ob. cit., p. 833.
[85] Cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XIII, ob. cit., p. 962.
[86] Alterado pelos Decretos n.os 4.618, de 13 de Julho de 1918, 21.287, de 26 de Maio de 1932, e 21.694, de 29 de Setembro de 1932.
[87] Cf. LUÍS OSÓRIO, Comentário ao Código do Processo Penal Português, 2.º vol., Coimbra Editora, 1932, p. 92; ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Explicado, Coimbra Editora, 1939, p. 136.
[88] Cf. JOSÉ MOURISCA, Código de Processo Penal Anotado, Tipografia Minerva, Vila Nova de Famalicão, 1931, pp. 301-303.
[89] Cf. ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pp. 136-137.
[90] Cf. nota 1.
[91] A propósito da necessidade de uma interpretação actualista da Lei n.º 2.118, de 3 de Abril de 1963 (Lei de Saúde Mental), cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 31/87, de 21 de Maio de 1987 (Diário da República, II série, n.º 193, de 24 de Agosto de 1987).
[92] Sobre a problemática da interpretação actualista, cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1987, pp. 58-59; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 190-191; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 388-389; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa 1994, pp. 220-221.
[93] Ob. cit., p. 191.
[94] Note-se que a Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, que procedeu à revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, estabelece que «[a]s polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa» (n.º 1 do artigo 1.º), têm âmbito municipal (n.º 2 do artigo 1.º) e estão organizadas «na dependência hierárquica do presidente da câmara» (n.º 1 do artigo 6.º), achando-se as respectivas atribuições e competências previstas nos artigos 2.º (Atribuições), 3.º (Funções de polícia) e 4.º (Competências) do mencionado diploma legal. Sobre o tema, cf. CATARINA SARMENTO E CASTRO, A Questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, Coimbra, 2003.