Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002799
Parecer: P000622006
Nº do Documento: PPA15022007006200
Descritores: INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL
IMPRESSÃO DIGITAL
PERÍCIA MÉDICO LEGAL
BILHETE DE IDENTIDADE
CARTÃO DE IDENTIDADE
CARTÃO DE CIDADÃO
TESTEMUNHA
IDENTIFICAÇÃO CIVIL
IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL
SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
BASE DE DADOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
DADOS PESSOAIS
DADOS SENSÍVEIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 1825
Data Oficio: 06/27/2006
Pedido: 06/28/2006
Data de Distribuição: 07/13/2006
Relator: FERNANDO BENTO
Sessões: 01
Data da Votação: 02/15/2007
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: SEA DA JUSTIÇA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 03/12/2007
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 16-04-2007
Nº do Jornal Oficial: 74
Nº da Página do Jornal Oficial: 9777
Indicação 2: ASSESSOR: MARTA PATRÍCIO
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR CIV * DIR PERSON /DIR PROC PENAL
Ref. Pareceres:P000131996Parecer: P000131996
P000092005Parecer: P000092005
Legislação:CONST76-ART1 ART18 N2 N3 ART20 N1 N4 ART24 ART25 ART26 N1 ART27 N1 ART35 N1 N2 N3 N4 N7; DL 96/2001 DE 2001/03/26- ART2 N1 A) B) C) D) E) F) G) H) I) J) N2; DL 11/98 DE 1998/01/24 - ART5 D); L 45/2004 DE 2004/08/19 - ART2 N1 N2 N3 N4 N5 ART3 N1 ART4 N1 N2 ART6 N1 N2 ART14 ART20 ART21 ART22 ART23 ART24; L 33/99 DE 1999/05/18 - ART3 N1 ART4 N1 ART5 ART14 N1 ART15 N1 ART16 N1 ART21 ART22 ART23 N2 N4 N5 ART42 ART55 N4; L 7/2007 DE 2007/02/05- ART3 N1 ART4 ART5 N1 N2 ART6 N2 A) N3 ART7 N1 N2 N3 N4 ART8 ART14 N1 N4 N5; L109/91 DE 1991/08/17 - ART52; CPC67 - ART467 N1 A) ART568 ART591 ART 623 N3 ART635 N1 ART639 A) N3 ART806 N1 C) ART861 A) N6; CPT81 ART1 N2 A) C); DL 433/82 DE 1982/10/27 - ART41 N1 ART49; CPP87- ART58 ART59 N3 D) ART61 N3 B) C) ART99 N3 A) ART138 N3 ART141 N3 ART151 ART163 N1 ART171 N1 ART172 N1 ART249 ART250 N5 C) ART342 N1 ART348 N3 ; L 5/95 DE 1995/02/21 - ART1 ART2 ART3 ART4 A) ; DL 352/99 DE 1999/09/03- ART 6 N3 N); DR 27/95 DE 1995/10/31 - ART6 N3 N); DL 295-A/90 DE 1990/09/21 - ART 34 N1; L 57/98 DE 1998/08/18 - ART1 N2; DL 381/98 DE 1998/11/27 - ART5 ART17; DL 265/79 DE 1979/08/01- ART117; DL 252/2000 DE 2000/10/16 - ART6 N1 ART17; DL 83/00 DE 2000/05/11 - ART6 N4; CNOT96 - ART48 N1 A) D) ART51; L 13/99 DE 1999/03/22 - ART38 N1; PORT 356/95 DE 1995/06/03-ART14 N4; DL 395/99 DE 1999/10/13 - ART1 N4 C) ART2 N1 M); L 67/98 DE 19998/10/26 - ART2 ART3 A) B) C) D) E) ART4 N1 ART5 N1 A) B) ART6 ART7 N2 ART15 ART28 N1 A) ART27 N1 N2 N3 N4 N5; CCIV66 - ART71; L 33/99 DE 1999/05/18 - ART3; PORT 247/98 DE 1998/04/21;
Direito Comunitário:DIR 95/46/CE DO PARLAMENTO E DO CONCELHO DE 1995/10/24- ART29
REGULAMENTO N.º 2252/04 DO CONSELHO DE 2004/12/13 - ART1 N2 ART6
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª - O bilhete de identidade e o cartão de cidadão constituem
documentos bastantes para prova da identidade civil dos respectivos titulares perante quaisquer entidades públicas ou privadas, sendo válidos em todo o território nacional (artigo 3.º , n.º 1, da Lei n.º 33/99, de 18 de Maio, e artigo 4.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro);
2.ª- Qualquer pessoa que tenha que ser objecto de perícia de clínica médico-legal a efectuar no Instituto Nacional de Medicina Legal apenas carecerá, para se identificar perante os respectivos serviços e peritos, de exibir um dos referidos documentos ou outro a que a lei atribua igual força identificativa;
3.ª- A uma pessoa que se identifique nos termos da conclusão anterior não poderão os serviços daquele Instituto, como mero elemento identificativo complementar, recolher as respectivas impressões digitais;
4.ª- Tal recolha só poderá ter lugar, para além dos casos em que fizer parte do próprio objecto da perícia, nas situações em que a identificação não possa, em prazo consentâneo com a necessidade da intervenção pericial, ser efectuada através do bilhete de identidade, cartão de cidadão ou documento equivalente.

Texto Integral:

Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça,
Excelência:

I


Em 16 de Junho de 2006, o Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal dirigiu ao Chefe de Gabinete de Vossa Excelência o ofício n.º 1126/SD, com o teor seguinte:

«Aos examinandos que se apresentam a exame pericial no âmbito da Clínica Médico-Legal (em direito penal, civil e do trabalho), é sempre exigida a apresentação de documento de identificação com fotografia (Bilhete de Identidade ou Passaporte), do qual é feita fotocópia que fica arquivada no processo respectivo. Na ausência de um destes documentos de identificação, não é habitualmente realizado o exame, salvo em situações excepcionais, como por exemplo aquelas em que se impõe a colheita imediata de vestígios que correm o risco de se perderem, obtendo-se nestes casos as impressões digitais ou amostra biológica. Note-se que o próprio relatório pericial contém múltiplos elementos identificativos, nomeadamente em termos de características físicas pessoais, descrição detalhada de sequelas, patologia prévia, etc.. Note-se ainda que a não colheita por sistema de impressões digitais, visa evitar a criação de sentimentos negativos do examinando, frequentemente já vítima, e que sente com esse posicionamento estar a ser posta em causa a sua credibilidade.
Existe todavia quem considere que se deve proceder por rotina a esta colheita sistemática das impressões digitais e até de amostras de sangue para eventual tipagem posterior de ADN. Se a segunda destas hipóteses não nos suscita quaisquer dúvidas quanto à sua inexequibilidade (por problemas com armazenamento de amostras, criação de base de dados genéticos ilegal, etc.), já a colheita das impressões digitais pode merecer alguma ponderação, embora não se afigure necessária por rotina.
Nesta conformidade, solicitava os bons ofícios desse Gabinete no sentido de se obter junto da Procuradoria-Geral da República parecer que esclareça qual o posicionamento mais correcto a tomar, isto é, se será de manter aquele que vem sendo seguido pelos serviços médico-legais ou se se deverá passar a colher por sistema as impressões digitais dos examinandos.»

Em face de tal solicitação, dignou-se Vossa Excelência, por despacho de 23 de Junho de 2006 ([1]), solicitar a este Conselho Consultivo a emissão do sugerido parecer, tendo em vista o esclarecimento de qual o procedimento que deverá ser adoptado na matéria em causa pelos serviços médico-legais daquele Instituto.

Cumpre, pois, emitir tal parecer.

II


1. O Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) é um instituto público, dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, que sucedeu nos direitos, obrigações e competências dos extintos Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto e Coimbra, constando os respectivos estatutos do anexo ao Decreto-Lei n.º 96/2001, de 26 de Março ([2]).

As respectivas atribuições vêm consignadas no artigo 2.º dos mencionados estatutos, com o teor seguinte:

«Artigo 2.º
Atribuições

1 - São atribuições do Instituto:

a) Contribuir para a definição da política nacional na área da medicina legal e de outras ciências forenses;
b) Cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm no sistema de administração da justiça, realizando os exames e perícias de medicina legal que lhe forem solicitados, bem como prestar-lhes apoio técnico e laboratorial especializado;
c) Dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade técnico-científica, nomeadamente das delegações, dos gabinetes médico-legais e dos médicos contratados para o exercício de funções periciais;
d) Coordenar, orientar e supervisionar a nível nacional as actividades relacionadas com a medicina legal e outras ciências forenses;
e) Superintender a organização e a gestão dos serviços médico-legais no território nacional;
f) Fomentar programas de garantia de qualidade aplicados aos exames e às perícias de medicina legal e promover a harmonização das suas metodologias, técnicas e relatórios periciais, emitindo directivas técnico-científicas sobre a matéria;
g) Promover a formação, bem como a investigação e divulgação científicas no âmbito da actividade médico-legal;
h) Programar e executar as acções relativas à formação, gestão e avaliação dos recursos humanos afectos à área da medicina legal;
i) Prestar serviços a entidades públicas e privadas, bem como aos particulares, em domínios que envolvam a aplicação de conhecimentos médico-legais;
j) Assegurar a articulação com entidades similares estrangeiras e organizações internacionais.
2 - No âmbito das suas atribuições, o Instituto é considerado instituição nacional de referência.»

Embora essencialmente vocacionado, pela sua história, para a cooperação com os tribunais e demais serviços e entidades públicas intervenientes no sistema de administração da justiça, verifica-se que o diploma em análise possibilita ao INML, na sequência do que já se dispunha no artigo 5.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro, a prestação de serviços, em domínios que envolvam conhecimentos médico-legais, a outras entidades públicas e privadas, e designadamente a qualquer particular cidadão que os venha a solicitar.

Para prosseguir tais atribuições, o INML dispõe de três delegações (Lisboa, Porto e Coimbra) e de gabinetes médico-legais, encontrando-se presentemente instalados os de Faro, Bragança, Guimarães, Viana do Castelo, Leiria, Ponta Delgada, Figueira da Foz, Angra do Heroísmo, Évora, Covilhã, Portimão, Portalegre, Penafiel, Chaves, Santa Maria da Feira, Beja, Viseu, Guarda, Vila Real, Braga, Tomar, Aveiro, Funchal, Santiago do Cacém e Castelo Branco ([3]).


2. O regime jurídico das perícias médico-legais e forenses encontra-se presentemente consagrado na Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto.

Tais perícias são realizadas, em regra, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, podendo, excepcionalmente (em caso de manifesta impossibilidade dos serviços, designadamente por inexistência de peritos com a formação adequada ou de condições materiais para a perícia, e em caso de perícias de natureza laboratorial), ser realizadas por outras entidades, públicas ou privadas (artigo 2.º, n.os 1, 2, 4 e 5).

Nas comarcas não compreendidas na área de actuação das delegações e dos gabinetes médico-legais em funcionamento, as perícias médico-legais podem ser realizadas por médicos a contratar pelo Instituto (artigo 2.º, n.º 3).

As perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo (artigo 3.º, n.º 1). Todavia, as delegações e os gabinetes médico-legais do Instituto podem receber denúncias de crimes, no âmbito da actividade pericial que desenvolvam, e, sempre que tal se mostre necessário para a boa execução das perícias médico-legais, podem praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, procedendo, nomeadamente, ao exame, colheita e preservação dos vestígios, sem prejuízo das competências legais da autoridade policial à qual competir a investigação (artigo 4.º, n.os 1 e 2).

Para além das perícias tanatológicas, incluindo as autópsias médico- -legais (artigos 14.º a 20.º), o INML realiza perícias de clínica médico-legal (artigos 21.º e 22.º), de genética, biologia e toxicologia (artigo 23.º), bem como de psiquiatria e de psicologia forenses (artigo 24.º).

Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico- -legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei, estando qualquer pessoa, quando devidamente notificada ou convocada pelo director de delegação do Instituto ou pelo coordenador de gabinete médico-legal para a realização de uma perícia, obrigada a comparecer no dia, hora e local designados, sendo a falta comunicada, para os devidos efeitos, à autoridade judiciária competente (artigo 6.º, n.os 1 e 2).

Aquele que injustificadamente faltar à convocação estará sujeito às sanções previstas nas leis de processo ([4]).

Quando comparece perante os serviços do INML, para ser sujeito a uma perícia de clínica médico-legal (sendo somente a este tipo de perícias que a consulta se circunscreve), o indivíduo objecto da mesma tem que se identificar, para possibilitar a tais serviços certificarem-se de que estão perante a concreta pessoa a que a diligência se reporta.

Segundo resulta dos próprios termos em que o pedido de consulta foi inicialmente sugerido, os serviços do INML exigem sempre a apresentação de documento de identificação com fotografia (bilhete de identidade ou passaporte), do qual é feita fotocópia que fica arquivada no processo respectivo. Na ausência de um destes documentos de identificação, e até que o mesmo seja apresentado, a perícia não é efectuada, salvo em situações excepcionais, em que razões de urgência impõem a colheita imediata de vestígios que correm o risco de se perderem, obtendo-se nestes casos as impressões digitais ou amostra biológica do examinando.

A questão colocada prende-se, pois, com a possibilidade ou não de os serviços do INML, para identificarem as pessoas que são objecto de perícia no âmbito da clínica médico-legal, exigirem, para além da exibição do bilhete de identidade ou do passaporte, a colheita das respectivas impressões digitais.

III


3. Nas relações consigo próprio e com os outros, cada homem é um ser em si e só igual a si mesmo. Na verdade, «apesar de todas as modificações do seu ciclo vital e da autonomia na assunção das suas finalidades, ele é portador de uma unidade diferenciada, original e irrepetível, oponível externamente, na qual se aglutinam, se complementam e se projectam, identificando-se, todos os seus múltiplos elementos e expressões» ([5]).

Essa unidade, constituída pelo conjunto dos elementos que permitem diferenciar uma pessoa dos seus semelhantes, constitui a respectiva identidade ([6]).

A multiplicidade e a diversidade das pessoas impõem a necessidade da individualização e da identificação de cada uma delas. Pela individualização, selecciona-se e fixa-se, de forma estável e acessível, um determinado número de caracteres da pessoa que permitem distingui-la das demais, a fim de possibilitar, a cada momento, o apuramento da sua identidade. Através da identificação, apura-se qual o indivíduo que, em concreto, corresponde aos caracteres determinados pela individualização ([7]).

Para individualização das pessoas, recorre-se tradicionalmente a elementos naturais ou intrínsecos, existentes na própria pessoa (como o sexo, a cor dos olhos e as impressões digitais) e a elementos circunstanciais ou extrínsecos, enquanto resultado da acção do homem ou de circunstâncias relacionadas, de forma estável, com a pessoa, e a que a lei dá relevância jurídica (como o nome, o estado pessoal e a naturalidade) ([8]).

Para se proceder à identificação das pessoas, recorre-se, fundamentalmente, a dois meios: a identificação por conhecimento pessoal pelo interlocutor ou por terceiros, ou a identificação através do confronto da pessoa com meios anteriormente criados e em que se encontra descrita a sua identidade ([9]).

A identificação através do conhecimento pessoal vem expressamente prevista, e.g., no artigo 48.º, n.º 1, alínea a), do Código do Notariado. Relativamente à identificação através de testemunhas abonatórias, poderão citar-se, a título exemplificativo, as disposições decorrentes do artigo 48.º, n.º 1, alínea d), do Código do Notariado, e do artigo 250.º, n.º 5, alínea c), do Código de Processo Penal.

De entre os meios criados especificamente para permitir a identificação futura das pessoas, assumem particular importância entre nós, no tocante às pessoas singulares, os documentos oficiais de identificação, no âmbito dos quais releva, em particular, o bilhete de identidade ([10]).


4. O bilhete de identidade, introduzido no nosso ordenamento jurídico em 1918 ([11]), surgiu inicialmente associado ao imperativo público de combate à criminalidade ([12]).

Com a posterior evolução legislativa, viria a generalizar-se a sua obtenção e uso na sociedade portuguesa. Embora o legislador não tivesse nunca imposto a sua obtenção obrigatória, o certo é que, determinando a exigibilidade do mesmo para uma gama cada vez mais extensa de situações, tal documento se torna, na prática, de aquisição inevitável para a generalidade da população.

Presentemente, a emissão e o valor identificativo do bilhete de identidade encontram-se regulados na Lei n.º 33/99, de 18 de Maio ([13]) ([14]).

O pedido de bilhete de identidade é efectuado pelo titular dos correspondentes dados de identificação, em impresso próprio, sendo o mesmo instruído com duas fotografias tipo passe, certidão de nascimento do requerente e um verbete onomástico contendo a respectiva impressão digital do indicador direito ou, quando esta não possa ser colhida, a do indicador esquerdo e, na sua falta, a de qualquer outro dedo das mãos, a qual é recolhida no momento da entrega do pedido (artigos 14.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 1 e 23.º, n.º 2).

Do bilhete de identidade, para além do número, data da emissão, serviço emissor e prazo de validade, deverão constar o nome completo, a filiação, a naturalidade, a data de nascimento, o sexo, a residência, a fotografia e a assinatura do respectivo titular (artigo 5.º)([15]).

Com base nos elementos identificativos assim recolhidos, é constituída uma base de dados de identificação civil, tendo por finalidade organizar e manter actualizada a informação necessária ao estabelecimento da identidade dos cidadãos e à emissão do correspondente bilhete de identidade (artigo 21.º). Além dos elementos identificadores que ficam a constar do bilhete de identidade, são recolhidos e passam a constar dessa base os dados seguintes: número e ano do assento de nascimento e conservatória onde foi lavrado, impressão digital, endereço postal, estado civil e, se casado, o nome do cônjuge (artigo 22.º).

Com base em comunicação ulterior dos serviços do registo civil, são ainda recolhidos e registados nessa base os dados relativos à perda da nacionalidade e à data do óbito (artigo 23.º, n.os 4 e 5).

Por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do mesmo diploma, o bilhete de identidade constitui documento bastante para provar a identidade civil do seu titular perante quaisquer autoridades, entidades públicas ou privadas, sendo válido em todo o território nacional.

A sua apresentação é obrigatória para os cidadãos nacionais quando exigida por legislação especial e ainda para os efeitos seguintes (artigo 4.º, n.º 1): Para matrícula escolar a partir do 2.º ciclo do ensino básico; para obtenção de passaporte; para quaisquer pessoas sujeitas a obrigações declarativas perante a administração fiscal; para obtenção de carta ou licença de condução de veículos motorizados, navios ou aeronaves; para agentes e funcionários civis da Administração Pública e para admissão aos respectivos concursos; para os nubentes, nos termos da lei do registo civil; para obtenção de carta de caçador ou de licença de uso ou porte de arma.

Nos termos do disposto no artigo 42.º do referido diploma, a conferência da identidade que se mostre necessária a qualquer entidade, pública ou privada, efectua-se no momento da exibição do bilhete de identidade, o qual deverá ser imediatamente restituído ao titular, sendo vedado a tal entidade reter ou conservar em seu poder tal documento, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão de autoridade judiciária.

Resulta, pois, das disposições legais referidas, que, em regra, para que um cidadão se identifique perante qualquer entidade, pública ou privada, é suficiente que exiba o respectivo bilhete de identidade. Tal regra só cederá perante outras disposições legais que, estabelecendo regimes especiais ou excepcionais de identificação, afastem o regime nela consagrado, criando modos diversos ou complementares de comprovação da identidade das pessoas visadas.


5. Foi, entretanto, publicada a Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro, que cria o cartão de cidadão e rege a sua emissão e utilização.

Carecendo, ainda, para a sua aplicação, da publicação de diversas portarias ([16]), aponta tal diploma, no seu artigo 55.º, n.º 4, para um horizonte de 10 anos tendo em vista a substituição progressiva, por tal cartão, de diversos documentos de identificação actualmente em vigor (bilhete de identidade, documento de identificação fiscal, documento de utente dos serviços de saúde e documento de identificação da segurança social).

Passando tal cartão a ser de obtenção obrigatória para todos os cidadãos portugueses a partir dos seis anos de idade (artigo 3.º, n.º 1), importa salientar, pelo respectivo interesse para o presente parecer, as vertentes seguintes do respectivo regime:

a) O mesmo constitui título bastante para provar a identidade do titular perante quaisquer autoridades e entidades públicas ou privadas, sendo válido em todo o território nacional (artigo 4.º), e sendo a verificação da identidade efectuada através da leitura dos elementos nele visíveis [artigo 6.º, n.º 2, alínea a)];

b) A conferência de identidade que se mostre necessária a qualquer entidade pública ou privada não permite a retenção ou conservação do cartão, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão de autoridade judiciária (artigo 5.º, n.º 1);

c) É igualmente interdita a reprodução do cartão de cidadão em fotocópia ou qualquer outro meio sem consentimento do titular, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão de autoridade judiciária (artigo 5.º, n.º 2);

d) O cartão passa a ter três zonas de armazenamento de dados:

- uma zona visível, contendo os apelidos, o(s) nome(s) próprio(s), a filiação, a nacionalidade, a data de nascimento, o sexo, a altura, a imagem facial, a assinatura, o número de identificação civil, o número de identificação fiscal, o número de utente dos serviços de saúde, o número de identificação da segurança social, o tipo de documento, o número de documento, a data de validade e o número de versão do cartão de cidadão (artigo 7.º, n.os 1 e 3);

- uma zona de leitura óptica, contendo os apelidos, o(s) nome(s) próprio(s) do titular, a nacionalidade, a data de nascimento, o sexo, a menção da República Portuguesa, enquanto Estado emissor, o tipo de documento, o número de documento e a data de validade (artigo 7.º, n.º 4);

- um circuito integrado, contendo, para além dos dados constantes da zona de leitura óptica, os seguintes: a morada, a data de emissão, as impressões digitais, um campo reservado a indicações eventuais, tipificadas na lei, o certificado para autenticação segura, o certificado qualificado para assinatura electrónica qualificada, as aplicações informáticas necessárias ao desempenho das funcionalidades do cartão de cidadão e à sua gestão e segurança, bem como uma zona livre que o titular do cartão pode utilizar, por sua vontade, para arquivar informações pessoais (artigo 8.º);

e) A leitura óptica da zona específica do cartão está reservada a entidades ou serviços do Estado e da Administração Pública, bem como à identificação do titular no âmbito das especificações técnicas do cartão para documentos de viagem (artigo 6.º, n.º 3);

f) As impressões digitais a recolher são as dos dois dedos indicadores ou de outros dedos caso tal não seja possível (artigo 14.º, n.º 1);

g) A funcionalidade das impressões digitais contida no circuito integrado do cartão de cidadão só pode ser usada por vontade do respectivo titular (artigo 14.º, n.º 4);

h) As autoridades judiciárias e as entidades policiais são as únicas entidades que podem obrigar o cidadão, no âmbito das competências que lhes estejam atribuídas, a provar a sua identidade através da funcionalidade das impressões digitais contidas no circuito integrado do cartão de cidadão de que é portador (artigo 14.º, n.º 5);

i) O acesso ilegítimo aos dados constantes do circuito integrado será punido nos termos da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto – Lei da Criminalidade Informática (artigo 52.º).

Verifica-se, assim, pela análise da Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro, que, à medida que o cartão de cidadão vier a ser atribuído, a exibição do mesmo passará, em regra, a ser suficiente para que o respectivo titular se identifique perante qualquer entidade, pública ou privada. À semelhança do que sucede com o bilhete de identidade actual, tal regra, conforme acima se referiu, só deixará de ter aplicação perante outras disposições legais que, consagrando regimes especiais ou excepcionais de identificação, criem modos diversos ou complementares de comprovação da identidade das pessoas visadas.

As impressões digitais, que deixavam de figurar no modelo de bilhete de identidade regulado pela Lei n.º 33/99, de 18 de Maio, constando apenas da base de dados de identificação civil, passarão, no cartão de cidadão, a estar registadas no respectivo circuito integrado.

Todavia, o acesso à informação às mesmas respeitante apenas pode ter lugar com a anuência do respectivo titular ou, na falta desta, por parte das autoridades judiciárias e policiais no exercício das suas competências legalmente definidas.

IV


6. A perícia, segundo MANUEL DE ANDRADE ([17]), consiste num meio de prova que se traduz na «percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas».

A perícia médico-legal terá pertinência quando, para a percepção e apreciação dos factos, sejam necessários especiais conhecimentos científicos do domínio da medicina legal. Como meio de prova organizado e produzido no próprio processo em que se utiliza, encontra-se expressamente prevista e regulada nas respectivas normas processuais ([18]).

As perícias de clínica médico-legal podem ser requisitadas ao INML no âmbito das diversas jurisdições - penal, civil, laboral ou administrativa.

No quadro da legislação processual civil, e nomeadamente no Código de Processo Civil (CPC), não existe qualquer preceito que imponha às partes e demais intervenientes, seja qual for o acto processual em que participem, uma forma de identificação que vá além da exibição do bilhete de identidade ou documento equivalente.

Com efeito, para além de referências genéricas à obrigatoriedade de identificação das partes [artigo 467.º, n.º 1, alínea a)] e das testemunhas (artigos 623.º, n.º 3, e 635.º, n.º 1), apenas alguns preceitos fazem menção expressa de que, em determinados casos, a identificação daquelas deverá ser efectuada por meio de bilhete de identidade ou outro documento de identificação equivalente [cfr. artigos 639.º-A, n.º 3, 806.º, n.º 1, alínea c), e 861.º-A, n.º 6]. E, no que se refere concretamente à prova pericial, regulada nos artigos 568.º a 591.º, nada se prevê de específico em matéria de identificação das pessoas que dela são objecto.

O mesmo se passa em processo laboral, já que do Código de Processo do Trabalho não consta preceito algum a impor qualquer forma especial de identificação das partes e demais intervenientes processuais, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis, em matéria de prova pericial, as disposições do Código de Processo Civil [artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho].

O mesmo sucede no âmbito do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 1.º do mesmo, consignando a aplicação subsidiária da lei de processo civil).

Também o Código do Procedimento Administrativo não contém qualquer previsão estabelecendo formas específicas de identificação dos interessados e contra-interessados, bem como dos demais intervenientes no procedimento.

No procedimento relativo ao ilícito de mera ordenação social, regulado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ([19]), embora consignando-se, no respectivo artigo 49.º, o poder de as autoridades administrativas competentes e de as autoridades policiais exigirem ao agente de uma contra-ordenação a respectiva identificação, nada se preceitua que exorbite da normal exigibilidade da exibição do bilhete de identidade ou documento equivalente. Nas restantes situações, aplica-se subsidiariamente, no que for aplicável, o direito processual penal, devidamente adaptado (artigo 41.º, n.º 1, do referido diploma).

No âmbito processual penal, a prova pericial vem regulada nos artigos 151.º a 163.º do Código de Processo Penal (CPP), preceitos estes que não estabelecem, de igual modo, qualquer forma especial de identificação por parte das pessoas que podem ser objecto da perícia (arguidos, assistentes, ofendidos, partes civis e até meras testemunhas).

Como regra geral, determina-se no artigo 99.º, n.º 3, alínea a), do CPP que o auto respeitante a qualquer acto processual deverá conter a identificação das pessoas que nele intervieram, seja qual for o seu estatuto processual. Não se estabelece aí, todavia, por que forma tal identificação deverá ser feita.

O mesmo sucede no tocante às disposições específicas constantes do mesmo código relativamente ao arguido e às testemunhas.

Determina-se, com efeito, no artigo 61.º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP que sobre o arguido recaem, em especial, os deveres de responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e de prestar termo de identidade e residência. Por outro lado, prevê-se nos artigos 141.º, n.º 3, e 342.º, n.º 1, do mesmo código que o arguido é perguntado pelo juiz pelos seus elementos identificativos (nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência e local de trabalho), podendo tal autoridade, caso o considere necessário, exigir a exibição de documento oficial bastante de identificação.

Relativamente às testemunhas, resulta apenas dos artigos 138.º, n.º 3, e 348.º, n.º 3, do CPP que a inquirição deverá incidir, primeiramente, sobre os elementos necessários à respectiva identificação. Também ali nada se refere sobre a forma como a autoridade judiciária deverá proceder à comprovação dessa identidade.

Resulta, pois, da análise que se tem vindo a fazer que, por regra, nas formas de processo e de procedimento expostas, às partes, interessados e demais intervenientes, para se identificarem em qualquer acto processual ou procedimental (designadamente de natureza pericial), não é legalmente exigida mais do que a mera exibição do bilhete de identidade ou documento equivalente.


7. Temos, até aqui, vindo a analisar as disposições constantes da legislação processual relativas à identificação civil das pessoas, única, aliás, que é objecto da consulta.

Diferente abordagem haverá que fazer no âmbito da identificação criminal, quando encarada como a actividade processual tendente à identificação dos autores e demais comparticipantes na prática de determinada infracção criminal ([20]). Para levar a cabo tal actividade investigatória, prevê a lei múltiplos meios de prova ([21]) e de obtenção de prova ([22]), entre os quais poderá ter lugar a colheita e subsequente perícia comparativa das impressões digitais dos suspeitos da prática de crimes.

É, com efeito, muito frequente, em processo penal ([23]), recorrer-se à prova dactiloscópica para investigação dos autores de determinados ilícitos criminais, de entre os quais avultam os crimes de furto com arrombamento, em que os respectivos autores deixam, bastas vezes, impressões digitais nos objectos em que tocaram no decurso da respectiva execução. Os vestígios relativos a tais impressões são recolhidos e objecto de posterior comparação com impressões digitais anteriormente registadas na correspondente base de dados policial, ou de comparação com as impressões digitais adrede recolhidas às pessoas sobre quem recaiam suspeitas da prática dos crimes em investigação.

Qualquer suspeito da prática de uma infracção criminal contra quem corra processo de inquérito, poderá ser constituído arguido, determinando tal estatuto a obrigação de o mesmo se sujeitar às diligências de prova legalmente admissíveis que sejam ordenadas e efectuadas pela entidade competente (artigos 58.º e 59.º, n.º 3, alínea d), do CPP). Entre essas diligências de prova encontra-se, sempre que tal se revelar necessário à investigação, a colheita das respectivas impressões digitais (artigos 171.º, n.º 1, e 172.º, n.º 1, do CPP), para subsequente perícia lofoscópica (artigos 151.º e seguintes do mesmo Código).

E mesmo antes da constituição do suspeito como arguido, é possível, em sede de providências cautelares quanto aos meios de prova (artigo 249.º do CPP), assegurar, para além da recolha dos vestígios de impressões digitais deixados no local do crime, a colheita das impressões digitais dos suspeitos da sua aposição, se a demora em tal colheita puder pôr em causa o êxito da investigação.

Esta actividade investigatória, visando estabelecer, através de perícia lofoscópica, a ligação entre determinada pessoa, cuja identidade civil, em regra, não suscita qualquer dúvida, e determinado facto criminoso, nada tem, pois, a ver com a questão colocada na consulta, já que o que nesta se visa é a possibilidade de recolha de impressões digitais como mero elemento complementar de identificação civil dos examinandos.
V


8. Para além da recolha de impressões digitais nos casos acima relatados - aos requerentes do bilhete de identidade ou do recém-criado cartão do cidadão, bem como no âmbito das perícias lofoscópicas levadas a cabo no âmbito da investigação criminal ou no da instrução de processos atinentes a outras jurisdições - múltiplas outras disposições legais existem no nosso ordenamento que, em situações determinadas, prevêem a recolha e registo, por entidades públicas, das impressões digitais de cidadãos que com as mesmas entram em contacto.

Assim, relativamente a pessoas sobre quem recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, que sejam encontradas em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial (o mesmo sucedendo no tocante a pessoas relativamente às quais haja fundada suspeita de terem pendente processo de extradição ou de expulsão, de que tenham penetrado ou permaneçam irregularmente no território nacional, ou de contra elas existir mandado de detenção), preceitua-se no artigo 250.º do CPP que os órgãos de polícia criminal podem proceder à respectiva identificação mediante um formalismo que reveste algumas especificidades.

Tal identificação poderá ser efectuada mediante exibição do bilhete de identidade ou passaporte, no caso de se tratar de cidadão português, e de título de residência, bilhete de identidade, passaporte ou documento que substitua o passaporte, no caso de ser cidadão estrangeiro. Na impossibilidade de apresentação de um dos referidos documentos, o suspeito pode identificar-se mediante a apresentação de documento original, ou cópia autenticada, que contenha o seu nome completo, a sua assinatura e a sua fotografia.

Se não for portador de nenhum documento de identificação, o suspeito pode identificar-se comunicando com uma pessoa que apresente os seus documentos de identificação ou por meio de deslocação, acompanhado pelos órgãos de polícia criminal, ao lugar onde tais documentos se encontrem, podendo ainda ser identificado através de reconhecimento da sua identidade por uma pessoa que seja, ela própria, portadora de um dos documentos atrás referidos e que garanta a veracidade dos dados pessoais indicados pelo identificando.

Só na impossibilidade de identificação nos termos referidos é que os órgãos de polícia criminal podem conduzir o suspeito ao posto policial mais próximo e compeli-lo a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas, realizando, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga e convidando o identificando a indicar residência onde possa ser encontrado e receber comunicações.

Os actos de identificação levados a cabo nos termos expostos são sempre reduzidos a auto e as provas de identificação dele constantes (designadamente dactiloscópicas ou fotográficas) deverão ser destruídas na presença do identificando, a seu pedido, se a suspeita não se confirmar.

9. A Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro ([24]), veio estabelecer a obrigatoriedade, relativamente a cidadãos maiores de 16 anos, da obrigação de porte de documento de identificação, sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial, considerando, para tal efeito, como documento de identificação, o bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos portugueses, o título de residência, o bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia, e o título de residência, o bilhete de identidade de estrangeiro ou o passaporte, para os estrangeiros nacionais de países terceiros (artigo 2.º).

No mesmo diploma consignava-se que os agentes das forças ou serviços de segurança podiam exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontrasse ou circulasse em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre a mesma existissem fundadas suspeitas de prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a Humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado ou tivesse penetrado e permanecesse irregularmente no território nacional ou contra a qual pendesse processo de extradição ou de expulsão (artigo 1.º).

Na impossibilidade de apresentação de um dos documentos de identificação previstos no referido diploma, e não sendo possível proceder à identificação através de testemunha abonatória devidamente identificada [artigo 4.º, alínea a)], estabelecia-se, outrossim, a possibilidade de condução do identificando ao posto policial mais próximo, onde, para efeitos de identificação, se previa a possibilidade de, em caso de necessidade, se recorrer a provas dactiloscópicas, fotográficas e de análoga natureza, provas essas a destruir na presença do identificando caso a suspeita se não confirmasse (artigo 3.º) ([25]).


10. Pelo Decreto-Lei n.º 352/99, de 3 de Setembro, foi estabelecido o regime jurídico dos ficheiros informáticos da Polícia Judiciária, entre os quais se encontra o ficheiro biográfico e de pessoas a procurar, destinado a suportar as actividades de prevenção e investigação criminal daquela polícia.

Em tal ficheiro, é recolhido, para além de outros dados pessoais relativos a arguidos e suspeitos, o número da respectiva resenha dactiloscópica [artigo 6.º, n.º 3, alínea n)].

Tal disposição tem como antecedentes, para além do artigo 6.º, n.º 3, alínea n), do Decreto Regulamentar n.º 27/95 ([26]), de 31 de Outubro, o artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro ([27]), consignando como atribuições dos serviços de registo policial, entre outras, o tratamento onomástico e dactiloscópico dos boletins individuais do registo policial respeitantes a detenções.


11. A Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto ([28]), que estabeleceu os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, determinou, no seu artigo 1.º, n.º 2, que, para além da recolha, tratamento e conservação dos extractos de decisões e comunicações de factos sujeitos a registo criminal, seriam objecto de recolha, como meio complementar de identificação, as impressões digitais dos arguidos condenados nos tribunais portugueses, a fim de serem arquivadas pela ordem da respectiva fórmula, para organização do ficheiro dactiloscópico.

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro ([29]), que veio regulamentar e desenvolver o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes, estabeleceu, no seu artigo 5.º, que do boletim do registo criminal a remeter aos serviços de identificação criminal deveria constar, em caso de sentença condenatória, e encontrando-se presente o arguido em julgamento, para além dos demais elementos (e.g., extracto da decisão; indicação do facto; a data e a assinatura, devidamente autenticada, do responsável pelo preenchimento; a identificação civil do arguido; a data e forma da decisão; o conteúdo da decisão e dos preceitos aplicados; designação e data da prática do crime, com indicação dos preceitos violados e das penas principais, de substituição e acessórias ou das medidas de segurança aplicadas), as suas impressões digitais e assinatura.

Tais impressões digitais, depois de devidamente classificadas, são objecto de arquivo pela ordem da respectiva fórmula, com referência ao respectivo número de registo criminal (artigo 17.º do mesmo diploma).


12. O Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto ([30]), que reestruturou os serviços que têm a seu cargo as medidas privativas de liberdade, determinou, no seu artigo 117.º, que constituem meios de identificação, para efeitos da execução da medida privativa de liberdade, sem prejuízo dos demais elementos necessários à identificação precisa da pessoa do recluso, as impressões digitais e das palmas das mãos, as fotografias, a descrição das características, traços e sinais físicos externos e as indicações antropométricas, sendo tais elementos de identificação anexados ao processo individual do recluso.


13. O Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16 de Outubro ([31]), que aprovou a estrutura orgânica e definiu as atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), estabeleceu no seu artigo 6.º, n.º 1, que, com vista ao estabelecimento ou confirmação da identidade de estrangeiros ou apátridas, o SEF pode recorrer aos meios de identificação civil, incluindo a obtenção de fotografias e impressões digitais.

Tais elementos serão objecto de tratamento por parte do Departamento de Identificação e Peritagem Documental do SEF, serviço este com competência para, relativamente aos mesmos, efectuar peritagens e respectivos relatórios (artigo 17.º do mesmo diploma).


14. O Regulamento (CE) n.º 2252/2004 do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004, que estabeleceu normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados-Membros, determinou, no seu artigo 1.º, n.º 2, que os passaportes e documentos de viagem deverão incluir um suporte de armazenamento integrando uma imagem facial, bem como impressões digitais registadas em formatos interoperáveis.

Por força do disposto no artigo 6.º do mesmo Regulamento, os Estados-Membros deverão aplicar o respectivo regime, no que respeita à imagem facial, o mais tardar dentro de 18 meses, e, no tocante às impressões digitais, dentro de 36 meses, a contar da sua entrada em vigor.

O Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio ([32]), que estabelece o regime legal da concessão e emissão de passaportes, consigna, no seu artigo 6.º, n.º 4 ([33]), que as impressões digitais correspondentes ao dedo indicador esquerdo e ao dedo indicador direito não serão armazenadas no chip do passaporte electrónico até à fixação e entrada em vigor das especificações técnicas aplicáveis.

Face a tais diplomas, é de esperar que, em breve, as impressões digitais do respectivo titular passem a ser armazenadas em tal documento.

15. Dispõe-se no artigo 51.º do Código do Notariado que os outorgantes que não saibam ou não possam assinar devem apor, à margem do instrumento, segundo a ordem por que nele foram mencionados, a impressão digital do indicador da mão direita. Os outorgantes que não puderem apor a impressão do indicador da mão direita, por motivo de doença ou de defeito físico, devem apor a do dedo que o notário determinar, fazendo-se menção do dedo a que corresponde junto à impressão digital. Quando algum outorgante não puder apor nenhuma impressão digital, deve referir-se no instrumento a existência e a causa da impossibilidade. A aposição da impressão digital poderá, todavia, ser substituída pela intervenção de duas testemunhas instrumentárias, excepto nos testamentos públicos, instrumentos de aprovação ou de abertura de testamentos cerrados e internacionais e nas escrituras de revogação de testamentos.

Outros preceitos legais prevêem a aposição da impressão digital por parte de pessoas que não sabem assinar, em substituição da assinatura. A título meramente exemplificativo, poderão citar-se o artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 13/99, de 22 de Março ([34]) (Lei do Recenseamento Eleitoral), e o artigo 14.º, n.º 4, da Portaria n.º 536/95, de 3 de Junho ([35]) (Regulamento do Serviço de Vales de Correios).


16. Em face dos preceitos legais acima enunciados, constata-se que a recolha das impressões digitais neles prevista obedece a propósitos nem sempre coincidentes.

Nuns casos, visa o registo dessas impressões numa base de dados, para efeitos de à mesma se recorrer eventualmente mais tarde, em caso de necessidade, tendo em vista a identificação civil das pessoas. É o caso da impressão digital recolhida na base de dados de identificação civil.

Noutros casos, relativamente a pessoas suspeitas da prática de crimes, é permitida a recolha de impressões digitais como meio imediato de identificação civil, para suprir a falta de exibição de documento de identificação (artigo 250.º do CPP).

Noutros, visa-se possibilitar a imediata ou a futura identificação de autores de ilícitos de natureza criminal. É o que se passa com as impressões digitais recolhidas para efeito de perícia lofoscópica no decurso do inquérito, bem como com as impressões digitais relativas a detidos e suspeitos constantes dos ficheiros da Polícia Judiciária.

Noutras situações, a recolha das impressões digitais destina-se a garantir a eficácia do registo criminal dos arguidos, permitindo imputar aos mesmos as decisões condenatórias contra eles proferidas mesmo que usando identidades diferentes nos vários processos em que são objecto de condenação. Está nesse caso a recolha das impressões digitais nos boletins de registo criminal aos arguidos condenados presentes em audiência, que poderá ser complementada, em caso de necessidade, com as recolhas de impressões digitais efectuadas no âmbito prisional, relativamente a arguidos julgados na ausência ou nos casos de insuficiente qualidade das impressões anteriormente recolhidas e constantes dos boletins do registo criminal.

Casos há em que, por razões de segurança relacionadas com a circulação das pessoas a nível internacional, a recolha das impressões digitais se destina a servir de meio complementar imediato de identificação civil, conjugadamente com a exibição do documento de identificação. É o que sucede com a recolha, sempre que tal se revelar necessário, de impressões digitais a estrangeiros e apátridas por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. De alguma forma, são análogas razões de segurança que determinam que, em breve, as impressões digitais passem a figurar no passaporte electrónico a vigorar nos Estados-Membros da União Europeia.

Finalmente, múltiplos casos há em que a impressão digital é recolhida em substituição da assinatura do titular, como forma de garantir a genuinidade de determinados documentos e a sua prova futura. É o que sucede no tocante às disposições acima citadas do Código do Notariado, da Lei do Recenseamento Eleitoral e do Regulamento do Serviço de Vales de Correios.


17. A despeito de obedecer a finalidades imediatas distintas, a recolha das impressões digitais mantém, em todas as situações descritas, um denominador comum. O que justifica, em qualquer dos casos, a sua recolha, é a susceptibilidade, científica e universalmente reconhecida, de, por comparação com outras impressões digitais, já produzidas ou a produzir, ser possível, em caso de se verificar a coincidência entre elas num determinado número de pormenores, atribuir com segurança a sua origem ao mesmo indivíduo e só a ele ([36]).

É por reunirem as características da universalidade (sendo comuns a todas as pessoas), da singularidade (contendo traços peculiares próprios irrepetíveis), da permanência (imutabilidade com o decurso do tempo) e da mensurabilidade (susceptibilidade de comparação) ([37]) próprias dos dados biométricos que as impressões digitais vêm sendo reconhecidas e utilizadas generalizadamente como meio seguro de identificação.

Em todas as referidas situações, as impressões digitais são recolhidas pelas entidades públicas competentes, com base em disposições legais que expressamente prevêem a possibilidade dessa recolha, disposições essas que visam, mediante tal meio identificativo, assegurar direitos e interesses constitucionalmente garantidos, nos planos da segurança e da realização da justiça (artigos 20.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).


18. Conforme já acima se salientou, não existe, na legislação processual e procedimental atinente às várias jurisdições ou no diploma que regula as perícias médico-legais (Lei n.º 45/2004), qualquer disposição que, para efeito da mera identificação civil das pessoas objecto de perícia, expressamente imponha ou permita a recolha das respectivas impressões digitais.

Sucede, todavia, que, no Decreto-Lei n.º 395/99, de 13 de Outubro, que estabeleceu o regime jurídico dos ficheiros informáticos dos Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto e Coimbra, se consigna a previsão expressa da criação, em cada um deles, de um ficheiro dactiloscópico [artigo 1.º, n.º 4, alínea c)], contendo impressões digitais dos examinados [artigo 2.º, n.º 1, alínea m)].

Prevendo a existência desse ficheiro, não resulta, contudo, de tal diploma a definição de quais as concretas situações em que poderão ser recolhidas e registadas as impressões digitais das pessoas objecto de perícia médico-legal.

Será que os citados normativos poderão ser interpretados como permitindo aos serviços do INML, para além de exigir aos examinandos a exibição do bilhete de identidade ou de documento equivalente, recolher sistematicamente, como mero elemento complementar de identificação, e registar no ficheiro informático as respectivas impressões digitais, seja qual for a natureza da perícia a efectuar (designadamente de clínica médico-legal)?

Ou será que tais preceitos prevêem a criação de um ficheiro dactiloscópico de âmbito diferente, contendo as impressões digitais dos examinados apenas nos casos em que as mesmas fizerem parte do objecto da própria perícia, ou em casos em que a identidade do examinando não possa ser confirmada mediante documento idóneo?

A resposta a tais questões reclama a abordagem de outras vertentes do nosso sistema jurídico, que passaremos a encarar de seguida.

VI


19. A observação da face palmar dos dedos humanos mostra que a pele respectiva não é lisa, apresentando numerosos sulcos separados por cristas de desenho complexo. Por impressões digitais entendem-se as figuras que reproduzem o desenho formado pelas linhas papilares dos dedos ([38]).

A configuração dos referidos sulcos, a disposição das cristas e o desenho dos mesmos resultante constituem uma característica física de cada indivíduo que, apesar de o mesmo, quando contacta com os demais cidadãos no âmbito da respectiva vida social, trazer normalmente as mãos a descoberto, escapam ao olhar alheio, sendo, pelas respectivas características, um elemento da individualidade física da pessoa objecto de natural resguardo, integrante da sua privacidade.

Embora não se conheçam estudos recentes aprofundados sobre a matéria, existem referências científicas no sentido de que o desenho das impressões papilares pode sofrer e revelar a interferência de determinados estados mórbidos, como sejam, para além da lepra, o eritema toxicum bullosum, a hiperhidrose, o queratoma palmar de eczema tyloticum, o noevus verucosum striatus, o raquitismo, o nanismo, a acromegalia, a hemiplegia, o panarício, a radiodermite, a esclerodermia com esclerodactilia ([39]), acrocefalia-sindactilia e a ectrodactilia ([40]).

Existem, também, dados científicos que permitem concluir que certas alterações da disposição das cristas papilares estão relacionadas com anomalias cromossómicas ([41]).

Foi tendo presente esta problemática que o grupo de trabalho constituído ao abrigo do artigo 29.º da Directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, no seu Parecer n.º 3/2005, sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.º 2252/2004 do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004, que estabelece normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados-Membros ([42]), expressamente manifestou a sua preocupação alegando que «no caso do armazenamento de impressões digitais, terá de ser prestada atenção ao facto de se discutirem várias correlações entre certos padrões papilares e determinadas doenças», «como, por exemplo, o facto de se afirmar que certos padrões papilares dependeriam da alimentação da mãe (e do feto) durante o 3.º mês da gravidez», referindo ainda que «a leucemia e o cancro da mama também parecem estar estatisticamente correlacionados com certos padrões papilares».

A susceptibilidade de a disposição das cristas papilares e, consequentemente, da respectiva imagem projectada em documento, revelar dados relacionados com o estado de saúde realça a sua característica de elemento relativo à vida privada das pessoas, cujo resguardo justificará a tutela do direito.

As impressões digitais, enquanto projecção, em determinado documento ou objecto, do desenho dos referidos sulcos e cristas, integram, por outro lado, uma imagem de uma parte do corpo do respectivo titular.

Tendo em conta as respectivas características, que os tornam únicos e irrepetíveis, os desenhos resultantes dos sulcos e cristas existentes nas faces palmares dos dedos constituem, por outro lado, preciosos elementos de individualização e de identificação das pessoas, como tais vindo a ser universalmente utilizados.


20. Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária - artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

«A dignidade da pessoa humana é um prius. A vontade popular está-lhe subordinada; não se lhe contrapõe como princípio com que tenha de se harmonizar, porquanto é a própria ideia constitucional de dignidade da pessoa humana que a exige como forma de realização; não há respeito pela vontade do povo português (…) sem respeito da dignidade da pessoa humana» ([43]).

A dignidade da pessoa humana, para além de constituir, em termos jurídico-constitucionais, um princípio-limite, tem um valor próprio e uma dimensão normativa específicos, estando na base de vários direitos fundamentais consagrados na Constituição ([44]).

Dispõe-se no artigo 26.º, n.º 1, da CRP que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra qualquer forma de discriminação», preceituando-se no n.º 2 do mesmo artigo que «a lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias».

Ao consagrar, na sequência da enunciação dos direitos à vida e à integridade física e moral (artigos 24.º e 25.º da CRP), vários outros direitos pessoais com implicação no princípio geral do respeito pela dignidade e personalidade humanas, veio este preceito perfilar-se como base constitucional e sede fundamental da tutela geral da personalidade, abrangendo todas as formas de lesão de bens de personalidade independentemente de estarem ou não legalmente tipificados ([45]), tutela essa com subsequentes desenvolvimentos, em termos genéricos, na lei civil ([46]) e, em termos fragmentários, na lei penal ([47]).

Por outro lado, tendo em consideração os enormes desenvolvimentos que se têm vindo a verificar nos últimos anos no que respeita às ciências da informação (informática, telemática, informação em rede), com os inerentes perigos para a segurança e recato das pessoas, sentiu o legislador constitucional a necessidade de controlar apertadamente a utilização das novas tecnologias quanto à utilização dos dados pessoais individualmente referenciáveis.

Daí que, no artigo 35.º da CRP, se tenha estabelecido que todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei, devendo esta definir o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado (n.os 1 e 2).

No mesmo preceito, determina-se que a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis (n.º 3), sendo proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei (n.º 4).

Por outro lado, consignou-se no mesmo preceito que os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista relativamente aos ficheiros informáticos (n.º 7).


21. O direito à identidade, referenciado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, garantindo a conservação e protecção daquilo que identifica cada pessoa como indivíduo, singular e irredutível, vem suscitando algumas dificuldades de delimitação no tocante ao respectivo conteúdo ([48]).

Abrangendo várias vertentes, como o direito ao nome, o direito à historicidade pessoal, o direito à identidade genética e o direito de acesso à informação sobre a identificação civil ([49]), o mesmo tem zonas de contacto e de sobreposição com outros direitos, como sejam os direitos à imagem e à palavra ([50]), bem como o direito à privacidade, enquanto direito ao segredo do ser ([51]).


22. O direito à imagem, com referência constitucional no mesmo preceito e com largos desenvolvimento e regulamentação no plano do direito ordinário ([52]), encontra-se fundamentalmente dirigido à tutela do retrato da pessoa, seja mediante fotografia, seja através de outras formas de representação gráfica ou plástica ([53]).

Para além de garantir o direito de não ser fotografado e o de não ver o retrato exposto em público sem consentimento do próprio, o âmbito de protecção da referida norma estende-se ainda ao direito de não ver apresentado tal retrato em forma gráfica ou em montagem ofensiva, malevolamente distorcida ou infiel ([54]).

Embora essencial e tradicionalmente correlacionado com o retrato da pessoa, englobando o respectivo rosto, como forma de permitir aos outros uma imediata identificação do retratado, o direito à imagem não deixa, contudo, de tutelar a representação imagética de qualquer outra parte do corpo humano, desde que, pelas circunstâncias do caso, seja referenciável como pertencendo a uma pessoa concreta, identificada ou identificável ([55]). A fotografia, ou outra imagem gráfica, de uma parte do corpo de determinada pessoa, mesmo desacompanhada da imagem do respectivo rosto, desde que susceptível de reporte directo a essa pessoa, goza, também, da tutela constitucional e legal do direito à imagem.

Tal direito, para além de apresentar, como já se salientou, zonas de contacto com o direito à identidade ([56]), apresenta, também, acentuados espaços de contacto e de sobreposição com o direito à privacidade ([57]).


23. É muito discutida, na doutrina nacional e estrangeira, qual a abrangência do direito à reserva da intimidade da vida privada.

É comum admitir-se na tutela da privacidade um conjunto de zonas com grau de protecção variável.

Assim, segundo RABINDRANATH V. A. CAPELO DE SOUSA, será menor a intensidade da tutela nos casos em que a vida privada dos indivíduos é adjacente à respectiva esfera pública, considerando-se, seguidamente, zonas intermédias, como os elementos privados da actividade profissional e económica, sendo, finalmente, na intimidade da vida familiar, doméstica, sentimental e sexual e no ser do homem para si mesmo que reside a maior eficácia da reserva, originando um crivo mais apertado no tocante a eventuais causas de justificação da ilicitude nas ofensas a tais bens ([58]).

MANUEL DA COSTA ANDRADE preconiza, no âmbito penal, o recurso à teoria das três esferas, com origem na jurisprudência constitucional alemã, distinguindo uma esfera da intimidade (área nuclear, inviolável e intangível da vida privada), uma esfera de privacidade em sentido estrito (susceptível de sacrifício, respeitadas as exigências do princípio da proporcionalidade) e uma área de publicidade (correspondente à área periférica da vida normal de relação) ([59]).

Para OLIVEIRA ASCENSÃO, na senda de HUBMANN, haverá que distinguir, na área da reserva da vida privada, as esferas individual, privada e secreta ([60]). A esfera individual engloba os elementos referidos a uma pessoa, em termos que permitam a identificação desta (e.g., os dados pessoais). A esfera privada corresponderia à reserva da intimidade da vida familiar. A esfera secreta abrangeria os aspectos mais densos da consciência, com as suas opções últimas.

Para ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO ([61]), haverá que distinguir: (1) uma esfera pública, própria de políticos, actores, desportistas ou outras celebridades, implicando uma área de condutas propositadamente acessível ao público, independentemente de concretas autorizações; (2) uma esfera individual-social, reportada ao relacionamento social normal com amigos, colegas, conhecidos, em que a reprodução da informação seria possível, salva proibição, mas apenas para circular nesse meio; (3) uma esfera privada, tendo a ver com o círculo da família e dos amigos mais estreitos; (4) uma esfera secreta, abrangendo o âmbito que o próprio tenha decidido não revelar a ninguém; (5) finalmente, uma esfera íntima, reportada à vida sentimental ou familiar no sentido mais estrito (cônjuge e filhos).

Já para J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, não será, no âmbito da previsão do artigo 26.º da CRP, de dar relevo à doutrina das esferas, tendente à distinção entre uma esfera pessoal íntima (absolutamente protegida) e uma esfera privada simples (apenas relativamente protegida, podendo ter de ceder em conflito com outro interesse ou bem público). Para tais autores, o critério constitucional deverá antes arrancar dos conceitos de «privacidade» e «dignidade humana», de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea, delimitando-se o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada tendo em conta a referência civilizacional do respeito dos comportamentos, do anonimato e da vida em relação ([62]).


24. Conquanto se não apresentem nitidamente delineados os limites dessa «privacidade» ou «intimidade da vida privada», com tutela no ordenamento constitucional, parece existir uma diferente abrangência entre o âmbito da tutela da intimidade da vida privada decorrente do artigo 26.º, n.º 1, e o da tutela da privacidade com assento no artigo 35.º da CRP.

Com efeito, o artigo 35.º da CRP, consagrando o chamado direito à autodeterminação informacional em matéria de dados pessoais, dando a cada pessoa o direito de controlar a informação disponível a seu respeito e impedindo que tal pessoa se transforme em «simples objecto de informações» ([63]) destinadas a integrar ficheiros, sejam de natureza informática, sejam de estrutura manual (cfr. n.º 7 do preceito), estabelece uma distinção entre dados pessoais sensíveis, a que se reporta o seu n.º 3 (dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica), e os restantes dados pessoais, abrangidos pelos demais números do preceito.

Tal distinção tem o seu reflexo na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro ([64]) (Lei da Protecção de Dados Pessoais), a qual, separando o tratamento de dados pessoais sensíveis (artigo 7.º) do tratamento dos restantes dados, impõe para os primeiros, quando o tratamento for legalmente admitido, um regime de autorização prévia, a conceder pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) [artigo 28.º, n.º 1, alínea a)], enquanto para os restantes apenas exige a respectiva notificação à mesma Comissão, nos termos previstos no artigo 27.º, n.os 1 e 5.

Daí que alguns autores tendam a assimilar o conceito de vida privada a que se reporta o n.º 3 do artigo 35.º ao de intimidade da vida privada previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP ([65]). Tal teria como consequência que a tutela das restantes franjas da privacidade colocadas fora daquele âmbito de intimidade só poderia lograr assento constitucional no quadro do artigo 35.º, n.os 1, 2 e 4 a 6, da CRP (garantia do direito à autodeterminação informacional), estribando-se, para além disso, no plano do direito ordinário, na tutela geral da personalidade decorrente do artigo 71.º do Código Civil e preceitos conexos.


25. Já acima acentuámos que, nos direitos de personalidade, não existem zonas de total estanquicidade, ocorrendo entre eles significativas zonas de contacto e mesmo de sobreposição.

Vários autores vêm sustentando que a identidade pessoal se encontra, em geral, abrangida pela reserva da vida privada, podendo citar-se, a título exemplificativo, TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, secundando PAULO MOTA PINTO ([66]), e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO ([67]).

Perfilhando análogo entendimento, em matéria de dados biométricos utilizados para identificação das pessoas, e concretamente em matéria de impressões digitais, preconizando a sua inclusão na reserva da intimidade da vida privada, poderão citar-se CATARINA SARMENTO E CASTRO ([68]) e LUCRECIO REBOLLO DELGADO ([69]).

No mesmo sentido se pronunciam ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO/JORGE MENEZES DE OLIVEIRA ([70]), defendendo que «a identidade é uma das matérias protegidas pela reserva da intimidade da vida privada», como decorrência da consagração constitucional de uma verdadeira «reserva de identidade». Para tais autores, «sem que haja uma obrigação imposta por lei, e esta se situe dentro dos parâmetros constitucionais, ninguém pode ser forçado a declinar e, muito menos, a exibir prova do nome ou de qualquer outro dado de identificação civil» ([71]).

Também J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA se pronunciam, de alguma forma, em sentido próximo, ao sustentarem a consagração constitucional da protecção do anonimato. Referem, com efeito, tais autores que «o âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se (…) com base num conceito de “vida privada” que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação» ([72]).

A tal doutrina aderiu o Parecer deste Conselho n.º 13/96, de 22 de Maio de 1997, onde se consignou que: «Saber-se quem é cada um de nós e como é cada um de nós não é matéria de acesso livre por parte de outrem, incluindo autoridades. O desvendar da identidade representa pois uma compressão da privacidade pessoal, só aceitável em homenagem à prossecução de outros valores constitucionais, sempre no respeito pelo já referido princípio da proporcionalidade e proibição de excesso.»

Tal entendimento foi, posteriormente, reafirmado no Parecer deste Conselho n.º 9/2005, de 3 de Março de 2005, não se antevendo, presentemente, qualquer fundamento que justifique pô-lo em causa.


VII


26. A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, que transpôs para o nosso ordenamento a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, determina, no seu artigo 2.º, que o tratamento dos dados pessoais se deve processar de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

O mesmo diploma assume-se como o instrumento da lei ordinária que concretiza e desenvolve os princípios decorrentes do artigo 35.º da CRP, em matéria de direito fundamental à autodeterminação informativa.

Esse direito apresenta-se, em primeiro lugar, com uma vertente negativa, permitindo ao respectivo titular que negue informação pessoal ou se oponha à sua recolha e tratamento ([73]). «Está em causa a tutela da reserva da vida privada da pessoa, a tutela de estar só, de não revelar factos relativos a uma esfera íntima de vida, e que só a ela dizem respeito, independentemente de os factos ou elementos em apreço levados à praça pública poderem ser em concreto bem valorados» ([74]).

Apresenta-se, por outro lado, o mesmo direito com uma vertente positiva, possibilitando ao titular o «poder de supervisionar o uso da informação» que lhe diz respeito ([75]).


27. Por dado pessoal entende-se, para efeitos da Lei n.º 67/98, qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, sendo considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social [artigo 3.º, alínea a)].

As impressões digitais, possibilitando, por comparação, o seu reporte a uma concreta pessoa, deverão reputar-se como um dado pessoal, para efeitos do diploma legal em causa.

A mesma lei aplica-se não só ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, como também ao seu tratamento por meios não automatizados em ficheiros manuais ou a estes destinados (artigo 4.º, n.º 1). Para tal efeito, entende-se o ficheiro de dados pessoais como qualquer conjunto estruturado de dados pessoais acessível segundo critérios determinados, quer seja centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico [artigo 3.º, alínea c)].

Fora do âmbito da previsão do diploma apenas estarão os dados destinados a integrar expedientes administrativos ou procedimentais sem qualquer base de estruturação que permita um acesso lógico à informação deles constante ([76]).


28. Vários princípios vêm consagrados na referida Lei, em matéria de tratamento de dados pessoais, que cumprirá analisar.

Em primeiro lugar, faz a mesma apelo aos princípios da licitude e da boa fé [artigo 5.º, n.º 1, alínea a)], determinando que os dados sejam tratados de forma lícita, com obediência estrita às proibições legais, e dentro dos cânones de um relacionamento de sã confiança entre quem os trata e o respectivo titular.

Estabelecem-se, seguidamente, os princípios da determinação e da explicitação do fim, impondo que os dados sejam recolhidos para finalidades pré-determinadas e explícitas, e proibindo-se que os mesmos venham a ser posteriormente tratados de forma incompatível com aquela finalidade [alínea b) do mesmo número].

Consagra-se, por outro lado, o princípio da proporcionalidade, especificando que os dados pessoais só poderão ser objecto de tratamento, incluindo neste a respectiva recolha [cfr. artigo 3.º, alínea b)], quando forem adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades a prosseguir [alínea c)].

Por aplicação dos princípios da exactidão e da actualização, estabelece--se a obrigação para os responsáveis pelo tratamento dos dados de tomarem as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente [alínea d)].

Pelo princípio da limitação temporal, os dados apenas deverão ser conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior [alínea e)].


29. Relativamente às condições de legitimidade para o tratamento dos dados, cumpre distinguir os dados sensíveis dos restantes ([77]).

Relativamente a dados sensíveis, dispõe-se no artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 67/98 que, mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o seu tratamento quando por motivos de interesse público importante o mesmo for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º do mesmo diploma.

Tendo em consideração que, por força do disposto no artigo 35.º, n.º 3, da CRP, o tratamento dos referidos dados carecerá, em alternativa, de autorização do titular ou de autorização legal, tem-se entendido que não será suficiente, na falta de qualquer dessas autorizações, a mera autorização da CNPD para o seu tratamento, já que tal solução incorreria em inconstitucionalidade material ([78]).

Para além dos casos referidos, o tratamento dos dados sensíveis é permitido (artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 67/98) quando se verificar uma das seguintes condições: (a) Ser necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento; (b) ser efectuado, com o consentimento do titular, por fundação, associação ou organismo sem fins lucrativos de carácter político, filosófico, religioso ou sindical, no âmbito das suas actividades legítimas, sob condição de o tratamento respeitar apenas aos membros desse organismo ou às pessoas que com ele mantenham contactos periódicos ligados às suas finalidades, e de os dados não serem comunicados a terceiros sem consentimento dos seus titulares; (c) dizer respeito a dados manifestamente tornados públicos pelo seu titular, desde que se possa legitimamente deduzir das suas declarações o consentimento para o tratamento dos mesmos; (d) ser necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efectuado exclusivamente com essa finalidade.

Relativamente aos dados referentes à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos, o seu tratamento é permitido quando for necessário para efeitos de medicina preventiva, de diagnóstico médico, de prestação de cuidados ou tratamentos médicos ou de gestão de serviços de saúde, desde que o tratamento desses dados seja efectuado por um profissional de saúde obrigado a sigilo ou por outra pessoa sujeita igualmente a segredo profissional, seja notificado à CNPD, nos termos do artigo 27.º, e sejam garantidas medidas adequadas de segurança da informação (n.º 4 do citado preceito).

Quanto aos restantes dados pessoais, de natureza não sensível, estabelece-se no artigo 6.º do mesmo diploma que o seu tratamento só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para:

a) Execução de contrato ou contratos em que o titular dos dados seja parte ou de diligências prévias à formação do contrato ou declaração da vontade negocial efectuadas a seu pedido;

b) Cumprimento de obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

c) Protecção de interesses vitais do titular dos dados, se este estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;

d) Execução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados;

e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.


30. De entre os princípios acima referidos, relativos ao tratamento dos dados pessoais, importa, essencialmente, para o presente parecer, reter dois: o princípio da proporcionalidade e o princípio da limitação temporal.

O princípio da proporcionalidade, impondo que os dados pessoais sejam adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados, visa, no plano do direito ordinário, consagrar o mesmo princípio que decorre do artigo 18.º da CRP. Ali se estabelece que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas, só podendo a lei restringi-los nos casos expressamente previstos na Constituição e devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Para além disso, as leis restritivas, que deverão ter carácter geral e abstracto, não poderão ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Tal princípio constitucional da proporcionalidade, ou da proibição do excesso, concretiza-se em três subprincípios: (a) o princípio da adequação, impondo que as medidas restritivas legalmente previstas se revelem como meio adequado para a prossecução dos fins visados por lei (isto é, a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) o princípio da necessidade, por força do qual as medidas restritivas se deverão revelar indispensáveis, não podendo os fins legalmente visados ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias sacrificados; (c) o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que determina que os meios legais restritivos não devam ser excessivos em relação aos fins legais a prosseguir ([79]).

O princípio da limitação temporal entronca, também, no próprio princípio da proporcionalidade, na sua vertente cronológica. A compressão dos direitos só será constitucional e legalmente admissível enquanto temporalmente se justificar para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.


VIII


31. Pela análise a que acima se procedeu, constatamos que a recolha de impressões digitais a uma pessoa contende com direitos fundamentais da mesma objecto de tutela constitucional (ao nível do direito à reserva da intimidade da vida privada e no plano da sua confluência com o direito à identidade; no que respeita ao direito à imagem; no tocante ao direito à autodeterminação informacional em sede de dados pessoais).

O regime próprio de tais direitos não impede que os mesmos sejam sujeitos a restrições, nos termos expressamente consignados no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da CRP.

Cumpre, então, passar a analisar concretamente a questão da colheita de impressões digitais nos serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal às pessoas que ali se dirigem para serem sujeitas a perícias médico-legais, no sentido de apurar se e em que medida a mesma se perfila como constitucionalmente admissível.

Uma tal análise permitirá fazer luz sobre qual o real alcance dos preceitos do Decreto-Lei n.º 395/99, de 13 de Outubro, permitindo a sua interpretação constitucionalmente conforme.


32. Se bem atentarmos na forma como o pedido da presente consulta foi sugerido, verificamos que aos examinandos que se apresentam nos serviços do INML para serem sujeitos a perícia no âmbito da clínica médico-legal (em direito penal, civil e do trabalho) é sempre exigida a apresentação de documento de identificação com fotografia (bilhete de identidade ou passaporte). Na ausência de um destes documentos de identificação, não é habitualmente realizada a perícia, salvo em situações excepcionais, como aquelas em que se impõe a colheita imediata de vestígios que correm o risco de se perderem, obtendo-se nestes casos as impressões digitais ou amostra biológica do examinando.

Parece, assim, decorrer de tal prática que os serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal têm vindo a entender que, para identificar as pessoas a submeter a perícia de clínica médico-legal, é suficiente a exibição por elas do respectivo bilhete de identidade ou de documento de igual valor identificativo. Só em casos excepcionais e urgentes, em que não seja possível proceder a uma tal identificação documental, é que se procede à recolha das impressões digitais dos examinandos, como meio alternativo e seguro de identificação.

Segundo, ainda, os termos em que o pedido de consulta foi sugerido, a não colheita sistemática das impressões digitais por parte dos serviços do INML visa evitar a criação de sentimentos negativos no examinando, frequentemente vítima, e que se sente com esse posicionamento estar a ser posta em causa a sua credibilidade ([80]).

Pretende o Instituto saber se, em vez de manter a referida regra identificativa, de natureza exclusivamente documental, poderá passar a exigir às pessoas a submeter a perícia de clínica médico-legal, para além da exibição do bilhete de identidade ou documento análogo, a colheita das respectivas impressões digitais, embora a mesma «não se afigure necessária por rotina» (sic).


33. Deparamo-nos aqui com direitos e interesses contrapostos: de um lado, interesses e direitos entre si conflituantes no âmbito de processos judiciais pendentes, com tutela instrumental no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da CRP (tutela jurisdicional efectiva), e, por outro, direitos fundamentais da pessoa sujeita a perícia de clínica médico-legal judicialmente ordenada, tutelados pelas disposições constitucionais já analisadas ao longo do parecer.

Será que para garantia da tutela jurisdicional efectiva dos interesses contrapostos nos referidos processos judiciais se justificará o sacrifício dos aludidos direitos fundamentais da pessoa a submeter à perícia, na vertente da colheita das respectivas impressões digitais?

Figuremos, por exemplo, uma perícia no âmbito da traumatologia forense. Pretendendo o tribunal apurar as lesões traumáticas sofridas por determinada pessoa (e.g., ao nível da coluna vertebral), bem como as consequências das mesmas decorrentes, com carácter de permanência, para a respectiva capacidade de trabalho, os peritos médico-legais não carecem, para responder às questões colocadas pelo tribunal, de examinar as impressões digitais da pessoa que sofreu o traumatismo. Um tal exame estará, de todo, fora do âmbito da perícia a realizar.

Se tal pessoa, ao apresentar-se perante os serviços do INML, for portadora do respectivo bilhete de identidade, encontrando-se esse documento dentro do prazo de validade e em bom estado de conservação, sem suscitar qualquer fundada dúvida de falsificação, será juridicamente admissível que, para além da exibição de tal documento, os serviços de tal Instituto obriguem essa pessoa a deixar recolher as respectivas impressões digitais?

Ora, não parece que tal colheita de impressões digitais, no caso em apreço, possa considerar-se justificada.

Conforme o próprio INML refere, não tem vindo a ser essa a sua prática, já que as impressões digitais, em situações análogas à referida, não têm vindo a ser recolhidas. E não há conhecimento de que, por isso, se tenha gerado qualquer efeito nefasto ao nível da segurança das perícias ali realizadas.

Com efeito, o que é que se visaria, em concreto, com a colheita e subsequente registo, em base de dados informática, das impressões digitais daquele examinando?

Uma vez que este, exibindo o respectivo bilhete de identidade, faz perante o INML prova cabal da sua identidade civil, de acordo com o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 33/99, de 18 de Maio, a colheita das impressões digitais só seria explicável como um adicional método cautelar de garantir uma potencial identificação futura do examinando na hipótese de este ter usurpado a identidade de outrem ou utilizado uma identidade forjada.

A colheita das impressões digitais teria, pois, sempre subjacente uma dúvida sistemática relativamente à genuinidade ou integridade do documento de identificação apresentado ou relativamente à correspondência desse documento à pessoa que o exibe.

Não se conhecem quaisquer dados estatísticos relativamente às usurpações ou falsificações de identidade que possam ter ocorrido até hoje no âmbito das perícias médico-legais feitas no INML.

Todavia, é de crer que o respectivo número seja estatisticamente bem inferior às que ocorrem noutros domínios da actividade pública e do comércio privado.

Não são, com efeito, muito raros os casos de pessoas que utilizam documentos de identidade alheios ou falsificados (por viciação ou por contrafacção), seja na vida privada, seja perante as autoridades públicas, designadamente policiais e judiciais, chegando mesmo a haver condenações penais em que as sentenças respectivas mencionam elementos identificativos que não correspondem aos da concreta pessoa condenada.

A possibilidade de ocorrerem tais usurpações de identidade ou uso de identidades falsas não constituiu obstáculo a que o legislador determinasse que, perante tais entidades, públicas ou privadas, incluindo as autoridades judiciárias e policiais, o bilhete de identidade constituísse documento bastante para provar a identidade civil do respectivo titular (artigo 3.º da Lei n.º 33/99). Em regra, o próprio arguido, no decurso do processo, apenas se identifica, em qualquer diligência processual, mesmo de natureza pericial, mediante exibição do bilhete de identidade ou de outro documento de igual valor, apenas lhe sendo recolhidas as impressões digitais após a respectiva condenação, para envio ao registo criminal, como acima já se relatou.

Ora, o facto de as pessoas que são submetidas a perícia médico-legal no INML, no âmbito de processos judiciais, já haverem, em regra, passado previamente pelo crivo identificativo das autoridades judiciárias ou dos órgãos de polícia criminal terá, em princípio, a virtualidade de fazer diminuir significativamente o risco de usurpação de identidade alheia ou de utilização de identidade falsa por parte das mesmas quando se apresentam em tal organismo a fim de se realizar tal diligência processual.

Tendendo esse risco a ser menor, não parece que faça qualquer sentido vir-se a estabelecer um procedimento adicional de identificação, mediante colheita e registo das impressões digitais dos examinandos. O médico legista não carecerá, em regra, de um método mais seguro para identificar um sujeito ou interveniente processual do que aquele que é legalmente permitido utilizar, relativamente à mesma pessoa, no âmbito do mesmo processo, por parte do órgão de polícia criminal, do magistrado do Ministério Público ou do juiz.


34. Poder-se-ia objectar às considerações referidas com o seguinte argumento: tendo em consideração que a prova pericial de natureza médico-legal efectuada no INML, pelo seu relevo, decorrente da autoridade científica de quem a leva a cabo, e que chega, no âmbito do processo penal, a ter força vinculativa para o próprio tribunal (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não justificará a adopção por tal Instituto do aludido meio complementar de identificação, permitindo, com a colheita e registo das impressões digitais do examinando, diminuir o risco de fraudes na perícia, mediante substituição de umas pessoas por outras, com as inerentes consequências nos resultados da perícia e na decisão da causa?

Embora reconhecendo-se a força probatória da prova pericial de natureza médico-legal produzida no INML, mormente no processo penal, tal objecção não é, contudo, suficiente para pôr em causa tudo o que acima se referiu.

Em primeiro lugar, as perícias médico-legais podem ser realizadas fora do INML, em outras instituições públicas ou privadas, sem que haja notícia de que, alguma vez, nelas se tivesse equacionado a possibilidade de passar a efectuar a recolha sistemática das impressões digitais às pessoas objecto dessas perícias.

Por outro lado, outras perícias existem, diversas das médico-legais, reclamando a intervenção directa de pessoas, cujas conclusões têm análogo valor probatório e vinculativo para o tribunal, sem que se tenha colocado, até hoje, que se saiba, a necessidade de recolher as impressões digitais às pessoas nelas visadas. Estarão neste caso, e.g., a colheita de autógrafos às pessoas para perícias de comparação de letra e assinatura e a colheita em pessoas de vestígios de determinadas substâncias, designadamente de explosivos ou de produtos tóxicos, levadas a cabo no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

E, no tocante à força probatória da prova pericial, sempre se dirá que, na maior parte dos casos, as decisões judiciais são proferidas sem que tenha sido ordenada no processo a realização de qualquer perícia, continuando a prova testemunhal, a despeito das suas deficiências, a ser, em termos estatísticos, a rainha das provas. Sucede, muitas vezes, uma acção ser julgada procedente com base, exclusivamente, no depoimento de uma ou mais testemunhas, cujos depoimentos o tribunal julga dignos de crédito e nele geram a convicção segura acerca da realidade de determinados factos. Isso não justifica, todavia, que o tribunal, para se precaver contra uma hipotética usurpação de identidade por parte dessas testemunhas, em cujos depoimentos assentou em exclusivo a sua convicção, proceda à recolha às mesmas das respectivas impressões digitais, tendo em vista a necessidade eventual da sua perseguição futura por motivos de perjúrio.


35. Aqui chegados, cumpre, então, concluir no sentido de que, se a lei considera que, para efeitos de mera identificação civil perante quaisquer entidades, públicas ou privadas, é suficiente a exibição do bilhete de identidade ou de documento equivalente, a exigência da colheita das impressões digitais do examinando, não sendo necessária para lograr tal identificação, sempre haverá que ter-se como constitucional e legalmente inadmissível.

Será desproporcionada, numa primeira fase, porque vai além dos elementos identificativos que a lei considera serem suficientes para a identificação dos cidadãos.

Será desproporcionada, num segundo momento, porque, levando à recolha das impressões digitais, estas irão ser objecto de registo em ficheiro informático, durante vários anos, ultrapassando em muito, em termos temporais, as necessidades específicas da identificação das pessoas no âmbito da referida diligência processual.

O risco decorrente da possibilidade de se virem a verificar usurpações de identidade ou uso de documentos viciados ou contrafeitos perante os serviços do INML não é superior, antes pelo contrário, ao que se verifica perante as outras entidades públicas ou privadas.

Esse risco, meramente abstracto e remoto, porque constitucional e legalmente desproporcionado, não pode servir de base à compressão dos direitos fundamentais implicados na recolha e registo em ficheiro das impressões digitais dos cidadãos sujeitos às perícias de clínica médico-legal.

Poderá, pois, afirmar-se que a resposta à consulta se contém nos próprios termos em que o pedido desta foi formulado. Se, como ali se refere, a colheita das impressões digitais aos examinandos «não se afigura necessária por rotina», então a imposição da sua colheita sistemática, por desnecessária, será constitucional e legalmente insustentável, por violação do princípio da proporcionalidade.


36. Mas então, se não existe justificação para sujeitar, por regra, os examinandos, na clínica médico-legal, à recolha de impressões digitais, para efeitos de mera identificação civil, qual o motivo por que, no Decreto-Lei n.º 395/99, de 13 de Outubro, se previu a criação, nos Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto e Coimbra, de um ficheiro dactiloscópico, para registo de impressões digitais dos examinados?

Ora, tal ficheiro, apesar de tudo o que acima se referiu, mantém toda a pertinência.

Em primeiro lugar, casos existirão em que as próprias finalidades da perícia a efectuar poderão impor a colheita e eventual estudo comparativo subsequente das impressões digitais da pessoa que dela é objecto.

Com efeito, e como resulta do Regulamento do Internato Complementar de Medicina Legal, anexo à Portaria n.º 247/98, de 21 de Abril ([81]), o estudo das impressões digitais faz parte do currículo respectivo, tendo como objectivo, no âmbito da criminalística, a aquisição dos conhecimentos necessários à interpretação médico-legal do caso concreto, nomeadamente mediante exames de dactiloscopia.

Tais exames de dactiloscopia poderão ser necessários em múltiplas situações, quer para identificação de cadáveres, quer para a identificação de pessoas vivas.

Resulta, por outro lado, do artigo 4.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, que as delegações e os gabinetes médico-legais do INML podem receber denúncias de crimes e, sempre que se mostre necessário para a boa execução das perícias médico-legais, poderão praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, procedendo, nomeadamente, ao exame, colheita e preservação dos vestígios, sem prejuízo das competências legais da autoridade policial à qual competir a investigação. Tal terá lugar, essencialmente, no caso das perícias urgentes a que se reporta o artigo 13.º do mesmo diploma, em que se imponha assegurar com brevidade a observação de vítimas de violência, tendo, designadamente, em vista a colheita de vestígios ou amostras susceptíveis de se perderem ou alterarem rapidamente, bem como o exame do local em situações de vítimas mortais de crime doloso ou em que exista suspeita de tal.

Tais intervenções cautelares e urgentes podem justificar, em múltiplas situações, a colheita de impressões digitais em objectos e mesmo em pessoas, designadamente para efeitos meramente identificativos, no caso de estas não disporem de outro meio fiável de identificação.

Disso mesmo dá conta o INML, na referência constante do próprio pedido da consulta, nos termos da qual os respectivos peritos médicos, na ausência de documentos de identificação, optam, em situações excepcionais, em que se impõe a colheita imediata de vestígios que correm o risco de se perderem, por obter as impressões digitais ou amostra biológica dos examinandos.

Desde que, atentas as circunstâncias do caso, a colheita das impressões digitais de determinada pessoa se revele meio cautelar indispensável à investigação e que cumpra preservar, a mesma terá plena justificação, fundamentando-se, no plano legal, nos preceitos acima referidos, a interpretar mediante recurso aos preceitos paralelos do Código de Processo Penal em matéria de providências cautelares relativas a meios de prova (artigos 249.º e 171.º).

O mesmo se poderá passar no tocante a perícias médico-legais a efectuar a pessoas que compareçam no INML e não disponham de documento de identificação bastante nem se disponham a obtê-lo antes de se submeterem à perícia.

Uma vez que não exista outro meio legalmente idóneo de proceder à identificação de tais pessoas, a recolha das respectivas impressões digitais com estrita finalidade identificativa passa a ser constitucional e legalmente justificada, não colocando em crise o princípio da proporcionalidade entre os interesses a prosseguir no processo (constitucionalmente protegidos em matéria de segurança de pessoas e bens e de garantia de acesso à justiça) e os direitos fundamentais a restringir na esfera pessoal do examinando no quadro da referida recolha.

Os múltiplos lugares paralelos existentes no nosso ordenamento jurídico a que acima se fez referência, permitindo a recolha das impressões digitais na falta de documento idóneo de identificação, constituem base legal suficiente para justificar o tratamento jurídico análogo da questão.

IX


Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª - O bilhete de identidade e o cartão de cidadão constituem
documentos bastantes para prova da identidade civil dos respectivos titulares perante quaisquer entidades públicas ou privadas, sendo válidos em todo o território nacional (artigo 3.º , n.º 1, da Lei n.º 33/99, de 18 de Maio, e artigo 4.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro);

2.ª- Qualquer pessoa que tenha que ser objecto de perícia de clínica médico-legal a efectuar no Instituto Nacional de Medicina Legal apenas carecerá, para se identificar perante os respectivos serviços e peritos, de exibir um dos referidos documentos ou outro a que a lei atribua igual força identificativa;

3.ª- A uma pessoa que se identifique nos termos da conclusão anterior não poderão os serviços daquele Instituto, como mero elemento identificativo complementar, recolher as respectivas impressões digitais;

4.ª- Tal recolha só poderá ter lugar, para além dos casos em que fizer parte do próprio objecto da perícia, nas situações em que a identificação não possa, em prazo consentâneo com a necessidade da intervenção pericial, ser efectuada através do bilhete de identidade, cartão de cidadão ou documento equivalente.



([1]) Comunicado através do ofício n.º 1825, de 27 de Junho de 2006 (Proc. 1740/2006).
([2]) Diploma este entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 3/2006, de 3 de Janeiro.
([3]) Cfr. as Portarias n.os 368/98, de 29 de Junho, 803/98, de 24 de Setembro, 811/99, de 21 de Setembro, 117/2000, de 4 de Março, 180/2000, de 29 de Março, 240/2001, de 20 de Março, 510/2001, de 19 de Maio, 733/2001, de 17 de Julho, 954/2001, de 10 de Agosto, 1137/2001, de 26 de Setembro, 1222/2001, de 24 de Outubro, 1326/2001, de 4 de Dezembro, 1/2002, de 3 de Janeiro, 162/2002, de 22 de Fevereiro, 203/2002, de 7 de Março, 412/2003, de 21 de Maio, 413/2003, de 21 de Maio, 1217/2003, de 20 de Outubro, 111/2004, de 29 de Janeiro, 112/2004, de 29 de Janeiro, 140/2005, de 3 de Fevereiro, 160/2005, de 10 de Fevereiro, e 89/2005, de 15 de Dezembro.
([4]) Cfr. artigos 116.º do Código de Processo Penal e 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, este último com aplicação subsidiária nos processos laboral [artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho] e administrativo (artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
([5]) RABINDRANATH V. A. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 244.
([6]) ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, 2004, pág. 327; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 2.ª Edição, LEX, Lisboa, 1995, pág. 144.
([7]) LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, ob. cit., págs. 143 a 145 e 159.
([8]) Ibidem, págs. 145 e 146.
([9]) Ibidem, págs. 160 a 164.
([10]) Para além do bilhete de identidade, múltiplos outros documentos oficiais estão previstos no nosso ordenamento jurídico visando a identificação futura das pessoas, mas tendo, todos eles, utilização estatisticamente muito inferior à daquele. O certificado de vida e de identidade, previsto no artigo 161.º do Código do Notariado, tem muito pouca expressão entre nós. O boletim de nascimento, previsto no artigo 219.º, n.º 1, do Código do Registo Civil, sucedâneo da cédula pessoal, também perdeu, com a generalização do uso do bilhete de identidade, a relevância identificativa de que em tempos idos beneficiou. A carta de condução tem, também, valor identificativo juridicamente reconhecido [cfr. artigo 48.º, n.º 1, alínea b), do Código do Notariado] e socialmente aceite. O mesmo sucede com o passaporte, que vem sendo previsto na nossa legislação, num elevado número de situações, como meio bastante de verificação da identidade, em paralelo com o bilhete de identidade [cfr., a título exemplificativo: artigo 48.º, n.º 1, alínea c), do Código do Notariado; artigo 250.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal; artigo 2.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, que estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação; artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 391/98, de 27 de Novembro, que regula o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes; artigo 4.º , n.º 1, da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto, que regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional]. Todavia, o facto de ser exigido aos respectivos titulares, quer no tocante à carta de condução, quer ao passaporte comum, a obtenção prévia do bilhete de identidade [cfr. artigo 85.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, e artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio], torna tais documentos de uso estatisticamente muito pouco significativo, em face da utilização generalizada do bilhete de identidade.
([11]) Pelo Decreto n.º 4837, de 20 de Setembro de 1918.
([12]) Para uma síntese da evolução legislativa em Portugal em matéria de bilhete de identidade, cfr. ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO/JORGE MENEZES DE OLIVEIRA, Revista do Ministério Público, Ano 15.º, Outubro-Dezembro de 1994, págs. 11 a 100.
([13]) Alterada pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro (na redacção do Decreto- -Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro), e pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de Agosto.
([14]) No que concerne aos bilhetes de identidade previstos em disposições especiais relativamente a certos grupos profissionais, cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, ob. cit., pág. 162.
([15]) Por força do disposto no artigo 52.º, n.º 1, da Lei n.º 33/99, de 18 de Maio, manter-se-á transitoriamente em vigor o modelo de bilhete de identidade aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64/76, de 24 de Janeiro, até à aprovação, por despacho do Ministro da Justiça, do novo modelo. Por via disso, e durante esse período transitório, os elementos a constar do bilhete de identidade continuarão a ser os seguintes: nacionalidade, nome completo, naturalidade, residência, data do nascimento, estado civil, fotografia, impressão digital, altura e assinatura (artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64/76).
([16]) Portarias essas visando, e.g., a instalação dos serviços emissores (artigo 54.º), bem como a definição dos modelos oficiais do cartão, dos elementos de segurança física que o deverão compor e dos requisitos técnicos e de segurança a observar na captação da imagem facial e das impressões digitais (artigo 63.º). Entretanto, e no decurso da elaboração do presente parecer, foram publicadas, em 13 de Fevereiro de 2007, as seguintes Portarias: n.o 201/2007, regulando, no período que antecede a expansão a todo o território nacional, a localização e as condições de instalação dos serviços de recepção dos pedidos de cartão de cidadão; n.º 202/2007, aprovando o modelo oficial e exclusivo do cartão de cidadão para os cidadãos nacionais e para os beneficiários do estatuto referido no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro, e n.º 203/2007, regulando o montante das taxas devidas pela emissão ou substituição do cartão de cidadão, as situações em que os actos devem ser gratuitos e a taxa devida pela realização do serviço externo, no âmbito do pedido de emissão ou substituição do cartão.
([17]) Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 262.
([18]) Cfr. Parecer deste Conselho n.º 30/2005, de 2 de Junho de 2005.
([19]) Com as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, e do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
([20]) Quanto à pluralidade de significados da expressão identificação criminal, cfr. MARIA DO CÉU MALHADO, Noções de Registo Criminal, Almedina, 2001, págs. 382 a 448.
([21]) Cfr. artigos 128.º a 170.º do CPP.
([22]) Cfr. artigos 171.º a 190.º do CPP.
([23]) Embora com menor frequência, há lugar a perícias lofoscópicas noutras jurisdições (v.g., em processo civil, para comprovação da autoria da impressão digital aposta em documento em substituição de assinatura).
([24]) Objecto de alteração pela Lei n.º 49/98, de 11 de Agosto.
([25]) Conforme se concluiu no Parecer deste Conselho n.º 161/2004, de 3 de Fevereiro de 2005, o diploma em causa deve ter-se, presentemente, por tacitamente revogado pelo artigo 250.º do CPP, na parte pertinente.
([26]) Revogado pelo Decreto-Lei n.º 352/99, de 3 de Setembro.
([27]) Diploma este posteriormente substituído pelo Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, que aprovou a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária (tendo este sido, entretanto, rectificado pelas Declarações de Rectificação n.os 16-D/2000, de 30 de Novembro, e 16-Z/2000, de 30 de Novembro, e alterado pela Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto, e pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, 304/2002, de 13 de Dezembro, 43/2003, de 13 de Março, e 235/2005, de 30 de Dezembro).
([28]) Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/98, de 30 de Setembro, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
([29]) Diploma entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 20/2007, de 23 de Janeiro.
([30]) Alterado pelos Decretos-Leis n.os 49/80, de 22 de Março, e 414/85, de 18 de Outubro.
([31]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro.
([32]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 278/2000, de 10 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 108/2004, de 11 de Maio, pela Lei n.º 13/2005, de 26 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 de Julho.
([33]) Na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 de Julho.
([34]) Alterada pela Lei n.º 3/2002, de 8 de Janeiro, pela Lei Orgânica n.º 4/2005, de 8 de Setembro, e pela Lei Orgânica n.º 5/2005, de 8 de Setembro.
([35]) Alterada pela Portaria n.º 75/2002, de 22 de Janeiro.
([36]) JOSÉ EDUARDO LIMA PINTO DA COSTA, Impressões Digitais – Contribuição para o seu Estudo Médico-Legal, Porto, 1972, págs. 419 a 442.
([37]) AMADEU GUERRA, A Privacidade no Local de Trabalho, Almedina, 2004, págs. 190 e 191.
([38]) JOSÉ EDUARDO LIMA PINTO DA COSTA, ob. cit., pág. 17.
([39]) JOSÉ EDUARDO LIMA PINTO DA COSTA, ob. cit., pág. 387.
([40]) Ibidem, pág. 395.
([41]) Ibidem.
([42]) Jornal Oficial L 385, de 29/12/2004, págs. 1-6.
([43]) JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 53.
([44]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 198.
([45]) JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., págs. 282 e 283.
([46]) Cfr. artigos 70.º a 80.º do Código Civil.
([47]) Cfr. artigos 131.º a 200.º do Código Penal.
([48]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., págs. 462 e 463.
([49]) Ibidem.
([50]) JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., pág. 285, 289 e 290.
([51]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 468.
([52]) Cfr. artigos 79.º do Código Civil, 199.º do Código Penal e 167.º do Código de Processo Penal. Cfr., também, o artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
([53]) OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Teoria Geral, Volume I, Coimbra Editora, 1997, pág. 106.
([54]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 467.
([55]) Cfr. MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 268, citando, a propósito, posição nesse sentido sustentada por ORLANDO DE CARVALHO; no mesmo sentido, RABINDRANATH V. A. CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pág. 324, nota 818, citando, também, ORLANDO DE CARVALHO em abono de tal posição.
([56]) JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., pág. 285;
([57]) ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português I, Tomo III, pág. 195.
([58]) Ob. cit., págs. 327 e 328.
([59]) Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 729; Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, págs. 94 a 96.
([60]) A Reserva da Intimidade da Vida Privada e Familiar, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Volume XLIII, N.º 1, 2002, págs. 17 e 18.
([61]) Ob. cit., pág. 200.
([62]) Ob cit., pág. 468.
([63]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 551.
([64]) Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 22/98, de 28 de Novembro.
([65]) Vide, neste sentido, HELENA MONIZ, Notas Sobre a Protecção de Dados Pessoais Perante a Informática, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Abril-Junho de 1997, pág. 245; OLIVEIRA ASCENSÃO, A Reserva da Intimidade da Vida Privada e Familiar, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Volume XLIII, N.º 1, 2002, págs. 15 e 16; AMADEU GUERRA , ob. cit., pág. 74.
([66]) “Da Esfera Privada do Trabalhador e o Controlo do Empregador”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVDIA JURIDICA 78, Coimbra Editora, 2004, pág. 134.
([67]) Ob. cit. pág. 205.
([68]) Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, Almedina, 2005, pág. 97.
([69]) El Derecho Fundamental a la Intimidad, DYKINSON, Madrid, 2000, pág. 154.
([70]) In "O Bilhete de Identidade e os Controlos de Identidade", Revista do Ministério Público, Ano 15.º, Outubro / Dezembro 1994, n.º 60, págs. 70 e 98.
([71]) Ibidem, pág. 70.
([72]) Ob. cit., pág. 468.
([73]) JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS ob. cit., pág. 380.
([74]) Ibidem.
([75]) Ibidem.
([76]) GARCIA MARQUES/LOURENÇO MARTINS, Direito da Informática, 2ª Edição, Almedina, 2006, pág. 336.
([77]) Não se cura aqui da questão específica do tratamento de dados relativos a suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais e contra-ordenações, a que se reporta o artigo 8.º da Lei n.º 67/98, por não revelar interesse para a economia do parecer.
([78]) CATARINA SARMENTO E CASTRO, ob. cit., pág.218; AMADEU GUERRA, ob. cit., pág. 75.
([79]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., págs. 392 e 393; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, ob. cit., pág. 162.
([80]) Efectivamente, tendo em consideração a tradição histórica a que se encontra ligada, a colheita de impressões digitais reveste um carácter simbolicamente estigmatizador – Cfr. ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO/JORGE MENEZES DE OLIVEIRA, loc. cit., pág. 41.
([81]) Portaria que, embora revogada pelo Decreto-Lei n.º 3/2006, de 3 de Janeiro, foi mantida em vigor, por força do artigo 3.º, n.º 3, deste diploma, até ser publicada nova regulamentação.