Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002338
Parecer: P001152003
Nº do Documento: PPA230920040011500
Descritores: ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
PROTECÇÃO DO AMBIENTE
DIREITO DE PROPRIEDADE
DIREITO DE CONSTRUIR
EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
DIREITOS DE URBANIZAÇÃO
DIREITOS DE EDIFICAÇÃO
TRANSFERÊNCIA
LICENÇA PARA CONSTRUÇÃO
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
DIREITO À PEREQUAÇÃO
TRANSACÇÃO ADMINISTRATIVA
CONTRATO ADMINISTRATIVO
CONTRATO MISTO
INVALIDADE
REDUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Livro: 00
Numero Oficio: 12282
Data Oficio: 12/04/2004
Pedido: 12/05/2003
Data de Distribuição: 12/04/2003
Relator: PINTO HESPANHOL
Sessões: 01
Data da Votação: 09/23/2004
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 4 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MCOTA
Entidades do Departamento 1: MIN DAS CIDADES ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 12/07/2004
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 24-02-2005
Nº do Jornal Oficial: 39
Nº da Página do Jornal Oficial: 2782
Indicação 2: ASSESSOR:LUBÉLIA HENRIQUES
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR CONST * DIR FUND / DIR URB
Ref. Pareceres:P000132003Parecer: P000132003
Legislação:RCM 15/98 DE 1998/02/02 (ART7 N1 N9 ART8 N1 N3 ART20 21 ART66 ART67 ART115 ART116 ART117 ART118 ART122 DO REGULAMENTO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE SESIMBRA); ALVARÁ DE LOTEAMENTO 5/99 DE 1999/10/14; D 84/81 DE 1981/07/08; AV DE 1982/04/15; CONST76 ART9 E ART13 ART17 ART18 ART62 N1 N2 ART64 ART65 N2 A N4 N5 ART66 N1 N2 B C D ART52 N3 ART90 ART93 N1 D N2 ART165 N1 G Z ART182 ART183 N1 ART197 ART198 ART199 ART200 ART201 ART227 N1 C ART228 C D G ART232 N1 ART266 N1 N2; L 11/87 DE 1987/04/07 ART1 A C E I ART5 N2 A B F ART13 N5 ART27 N1 C D E G ART30; DL 186/90 DE 1990/06/06; DL 69/2000 DE 2000/05/03 ART1 N 2 N3 ART2 B E F G I J M ART11 ART13 N7 B ART14 ART15 ART16 N1 N2 ART17 ART18 ANEXO II 12 C ; L 48/98 DE 1998/08/11 ART1 N2 ART5 C D E F H ART7 N1 N2 N3 ART8 ART9 ART10 ART11 ART12 ART13 ART14 N1 ART15 N2 N3 ART16 N2 ART18 N1 N2 N3 ART19 ART20 ART21 ART22 ART23 ART25 ART26 ART27; DL 196/89 DE 1989/06/14 ART3 N1 N2 N3 ART5 N1 N2 ART8 ART9 N1 ART10 ART32 N1 ART33 ART34 ART36 ART37 ART38 ART39 ART40; PORT 1298/93 DE 1993/12/24; DL 93/90 DE 1990/03/19 ART1 ART2 ART3 N1 ART4 N1 ART8 ART9 ART10 ART11 ART12 ART13 ART14 ART15; RCM 194/97 DE 1997/11/03; DL 33/96 DE 1996/08/17 ART1 N2 ART2 N1 A N2 N3 ART4 A B C D E F G H I ART5 N1 N2; DL 140/99 DE 1999/04/24 ART1 N2 ART3 N1 ART4 ART5 ART7 N3 N4 N5 N6 ART8 N1 A ART9 N1 ART10 N1 ART21 ART22 ART23 ART24 ART25; RCM 142/97 DE 1997/08/28 ; DL 380/99 DE 1999/09/22 ART2 N2 N3 N4 ART3 N1 N2 ART4 ART8 ART9 ART10 ART13 ART14 ART19 N2 B N3 ART20 ART21 ART22 ART24 ART26 ART29 ART30 ART34 ART35 N1 N2 A B C ART37 ART38 ART41 ART42 ART45 ART46 ART49 ART51 N1 N3 ART52 A B C D ART53 A B C D E F ART54 A B C D E F G ART55 ART56 ART56 ART58 ART59 ART60 N1 N2 ART63 ART64 N1 ART67 68 ART69 ART70 A B C D E F G H I J L ART71 ART72 ART73 ART74 ART75 N6 N7 ART76 ART77 N1 N2 N4 N5 N6 N7 N 9 ART78 ART79 ART80 N1 N2 N3 N5 N8ART84 N1 ART85 A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U ART86 ART87 ART88 A B C D E F G ART89 ART90 N1 ART91 A B C D E F G H ART92 ART93 N2 N3 N4 ART95 ART97 ART98 ART99 ART100 N3 ART101 N1 ART102 N2 ART103 ART104 ART105 N4 ART106 ART107 N1 N4 ART108 ART109 N3 ART112 ART113 ART114 ART115 ART116 N1 N2 ART117 N1 ART119 N1 N2 ART120 N1 N2 N3 ART122 N1 N2 N3 ART123 N2 A B ART124 ART125 ART131 N2 B N8 ART135 ART136 N1 N2 ART137 A B C D E ART138 N1 A B C N2 N3 ART139 N1 N2 N3 N5 N6 N7 N8 ART140 ART141 ART142 ART143 ART148 N2 V ART149 N1 ART150 ; DL 555/99 DE 1999/12/16 ART9 N9 ART14 N3 N4 ART77 N1 B N4 N7 ART98 N10; CPADM91 ART3 ART133 N2 C ART134 N2 ART135 ART136 ART137 ART141ART178 N1 ART179 V184 ART185 N1 N2 N3 A B ART186 N1 ; L 13/2002 DE 2002/02/19 ART4 N1 F ART40 N1 ART41 N2; CCIV66 ART9 N2 ART10 N2 ART236 ART238 N1 ART280 ART292 ART294 ART1248 ART1299 ART1305 ART1344
Direito Comunitário:
Direito Internacional:CARTA EUROPEIA DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO DE 1983/05/20
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões:

Texto Integral:
Senhor Ministro do Ambiente e do Ordenamento
do Território,
Excelência:


I

Em 17 de Março de 2003, na cidade de Lisboa, o então Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, em representação do Estado Português, firmou o seguinte «ACORDO»:

«Para a resolução do diferendo entre o Estado Português, o Município de Sesimbra e a sociedade Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, S.A., relativamente à realização de uma operação urbanística na zona da Praia do Meco.---

ENTRE:

1.º - ESTADO PORTUGUÊS, adiante abreviadamente designado por ESTADO, neste acto representado por Sua Excelência o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Dr. Isaltino Morais[1], para este efeito domiciliado no Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, sito na Rua do Século, n.º 51, em Lisboa; ----------------------------------------------------------------------

2.º - MUNICÍPIO DE SESIMBRA, adiante abreviadamente designado por MUNICÍPIO, neste acto representado pelo Presidente da Câmara Municipal, Senhor Amadeu José Penin, e para este efeito domiciliado nos Paços do Concelho, em Sesimbra;------------------------------------------------------------------------------------------

3.º - ALDEIA DO MECO – SOCIEDADE PARA O DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO, S.A., adiante abreviadamente designada por ALDEIA DO MECO, neste acto representada pelo Presidente do Conselho de Administração, Senhor Helmfried Horster, com sede sita na Aldeia do Meco, Castelo, em Sesimbra; ----------

4.º - PELICANO – INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., adiante abreviadamente designada por PELICANO, neste acto representada pelo Presidente do Conselho de Administração, Senhor Joaquim Mendes Duarte, com sede sita na Rua Julieta Ferrão, n.º 12, Torre A, 11.º, Piso, em Lisboa.---------------------------------------------------------

CONSIDERANDO QUE:
– Incumbe ao Estado e aos municípios, no âmbito das respectivas atribuições, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar o correcto ordenamento do território.---------------------------------------------------------
– Incumbe ao Estado e aos municípios, em particular, no domínio da conservação da natureza, criar e desenvolver reservas e parques naturais, classificar e proteger paisagens e sítios, com especial relevo para os de litoral onde se situa parte importante dos recursos naturais e os valores genéticos que é mister preservar.-----
– A zona da Ribeira de Prata, no Meco, em Sesimbra, insere-se no sítio natural «Arrábida-Espichel», classificado na Lista Nacional de Sítios e reconhecido ao nível da União Europeia como habitat natural para diversas espécies de flora e de fauna, e integra também a Rede Natura 2000 e a Reserva Ecológica Nacional.------
– Aquela zona insere-se ainda na rede primária da estrutura metropolitana de protecção e valorização ambiental, estabelecida pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, estando igualmente classificada como “espaço natural” não urbanizável no Plano Director Municipal de Sesimbra.-----------------------------------------------------------------------------------
– A urbanização aprovada em 1974 para aquela zona, normalmente designada por Aldeia do Meco, estende-se por uma área de 67 hectares, numa frente de costa sobre a falésia de 1,5 quilómetros, consistindo em 216 lotes de terreno a que correspondem 2227 fogos e 315.000 m2 de área de construção.-----------------------
– A urbanização em causa, se concretizada, comprometeria irremediavelmente os valores naturais protegidos na zona do Meco, pelo que se impõe ao ESTADO e ao MUNICÍPIO, por todos os meios legais ao seu dispor, evitar a construção naquela área.---------------------------------------------------------------------------------------------

CONSIDERANDO, NO ENTANTO, QUE,
– A ALDEIA do MECO é titular do Alvará de loteamento n.º 5/99, emitido pela Câmara Municipal de Sesimbra, em 14 de Outubro de 1999, que lhe confere o direito de realizar a urbanização aprovada para a zona do Meco.----------------------
– O alvará de loteamento em causa foi emitido na sequência das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos, que reconheceram à referida sociedade o direito à emissão de uma licença de loteamento para a zona do Meco.-------------
– O MUNICÍPIO foi demandado judicialmente por aquela sociedade, para responder civilmente perante os tribunais administrativos pelos prejuízos ocorridos.---------------------------------------------------------------------------------------
– O Estado Português foi também demandando perante um tribunal arbitral internacional pelo Estado alemão, de onde são originários os investimentos na referida ALDEIA DO MECO, para responder pelos prejuízos ocorridos, ao abrigo do “Acordo celebrado entre Portugal e a República Federal da Alemanha sobre Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos”, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 84/81, de 8 de Julho.------------------------------------------------------

CONSIDERANDO, POR OUTRO LADO, QUE,
– Tanto o Estado alemão como a sociedade ALDEIA DO MECO estão na disponibilidade de prescindir daquilo que exigem ao ESTADO e ao MUNICÍPIO, se for possível encontrar uma solução para o litígio que lhes permita recuperar os vultuosos investimentos feitos naquele projecto ao longo de mais de 25 anos.------
– A PELICANO dispõe-se a adquirir os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo referido Alvará n.º 5/99, sob condição de poder transferir legalmente aqueles direitos para terrenos de que é proprietária numa zona contígua à área urbana de Santana, na Quinta do Vale Bom, na Mata de Sesimbra, para ali desenvolver o seu próprio projecto turístico.------------------------------------
– De acordo com o parecer dos jurisconsultos consultados, que se encontra anexo ao presente acordo, a transferência dos direitos de urbanização e de edificação titulados pelo Alvará n.º 5/99 é legalmente possível desde que a mesma se encontre prevista e regulada por um plano de pormenor, em termos análogos ao estabelecido no artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro[2].--------
– A aquisição daqueles direitos pela PELICANO, além de permitir a recuperação dos vultuosos investimentos feitos pelos promotores da urbanização, permitirá também preservar os valores naturais protegidos da zona do Meco.-------------------
– Para viabilizar a solução do litígio, nos termos referidos, o Estado alemão e o Estado português acordaram em suspender a constituição do tribunal arbitral internacional, pelo prazo necessário à execução do presente acordo.------------------
– A sociedade ALDEIA DO MECO e o MUNICÍPIO acordam igualmente na suspensão da instância, pelo mesmo prazo, de todos os processos judiciais em curso relativamente ao litígio que os opõe a propósito do caso Meco.----------------

CONSIDERANDO, AINDA, QUE,
– O projecto turístico que a PELICANO pretende realizar nos terrenos da Quinta do Vale Bom, na Mata de Sesimbra, contemplará um índice de construção que não excede o que resulta da adição da área de construção e da volumetria permitidas pelo Plano Director Municipal de Sesimbra com a área de construção e a volumetria autorizadas para o projecto da Aldeia do Meco.----------------------------
– O projecto turístico da PELICANO não é incompatível com o regime e objectivos de ocupação actualmente previstos no Plano Director Municipal de Sesimbra, não obstante a necessidade de o plano de pormenor que lhe servirá de enquadramento adequar os respectivos índices e parâmetros urbanísticos às realidades do projecto.----------------------------------------------------------------------------------------
– É intenção declarada que a ocupação turística pretendida pela PELICANO seja compatível com o Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROTAML), desde que o plano de pormenor que lhe serve de enquadramento assuma plenamente a sua vocação de plano de gestão ambiental, contribuindo para a protecção dos valores naturais e paisagísticos, para a contenção da edificação dispersa e para o controlo das pressões urbanas na Mata de Sesimbra, em cumprimento dos objectivos definidos naquele Plano Regional para a zona em questão.----------------------------------------------------------------------

CONSIDERANDO, FINALMENTE, QUE,
– O projecto de acordo que agora se vai firmar foi aprovado, por unanimidade, pela Assembleia Municipal de Sesimbra, na sua Sessão Ordinária de 21 de Fevereiro de 2003.---------------------------------------------------------------------------------------

É CELEBRADO E REDUZIDO A ESCRITO O ACORDO CONSTANTE DAS CLÁUSULAS SEGUINTES:

PRIMEIRA
1. A sociedade ALDEIA DO MECO é titular do Alvará de loteamento n.º 5/99, emitido pela Câmara Municipal de Sesimbra em 14 de Outubro de 1999, para a realização de um empreendimento na zona da praia da Ribeira de Prata, também designada por Praia do Meco (Cfr. Anexo I adiante junto e que, para todos os efeitos, aqui se dá por inteiramente reproduzido).----------------------------------------
2. A urbanização projectada para os terrenos abrangidos pelo alvará de loteamento identificado no número anterior estende-se por uma área de 67 hectares, numa frente de costa sobre a falésia de 1,5 quilómetros, consistindo em 216 lotes de terreno a que correspondem 2227 fogos e 315.000 m2 de área de construção.-------

SEGUNDA
Constitui objectivo do presente acordo garantir o respeito integral pelos valores merecedores de tutela na zona do Meco, implicando a obrigação de o ESTADO e o MUNICÍPIO atribuírem à sociedade ALDEIA DO MECO, noutro local, direitos de urbanização e de edificação equivalentes em área, localização e valor económico aos titulados pelo referido alvará.-------------------------------------------------------------------

TERCEIRA
1. Como contrapartida dos direitos de urbanização e de edificação que lhe vierem a ser reconhecidos em execução do presente acordo, a sociedade ALDEIA DO MECO obriga-se a não realizar a operação urbanística prevista e titulada pelo Alvará n.º 5/99, bem como, na data da emissão do alvará a que se refere o número seguinte, a entregar para afectação ao domínio público do ESTADO, libertos de ónus, encargos ou responsabilidades, os terrenos abrangidos por aquele alvará, com excepção dos que têm a propriedade registada a favor do Instituto da Conservação da Natureza.-------------------------------------------------------------------
2. Sem prejuízo dos efeitos de outros actos previstos no presente acordo, a obrigação assumida no número anterior fica sujeita à condição de os direitos de urbanização e de edificação que vierem a ser reconhecidos à sociedade ALDEIA DO MECO se encontrarem titulados por alvará de loteamento urbano emitido em nome da sociedade PELICANO ou outra entidade, por esta escolhida, a favor de quem os mesmos venham a ser transferidos.---------------------------------------------------------

QUARTA
1. Pelo presente acordo o ESTADO e o MUNICÍPIO obrigam-se a praticar todos os actos e a tomar as medidas necessárias, nos termos das cláusulas seguintes, para que a sociedade ALDEIA DO MECO possa legalmente transferir os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo Alvará de loteamento n.º 5/99 para terrenos de que a sociedade PELICANO é proprietária numa zona contígua à área urbana de Santana, na Quinta do Vale Bom, na Mata de Sesimbra, Concelho de Sesimbra.---------------------------------------------------------------------------------------
2. Pelo presente acordo a ALDEIA DO MECO e a PELICANO obrigam-se a praticar todos os actos e a tomar todas as medidas necessárias à efectiva transferência dos direitos de urbanização e de edificação titulados pelo referido Alvará de loteamento n.º 5/99, e à consequente entrega ao ESTADO dos terrenos por ele abrangidos, conforme previsto no n.º 1 da cláusula 3.ª-------------------------

QUINTA
1. Para efeitos do disposto na cláusula anterior, os órgãos competentes do MUNICÍPIO obrigam-se a elaborar e a aprovar um plano de pormenor que preveja, em concreto, para além do índice de construção de 0,020 actualmente já previsto pelo Plano Director Municipal de Sesimbra para os terrenos identificados no Anexo II (adiante junto, e que, para todos os efeitos, aqui se dá por inteiramente reproduzido), um índice de construção suplementar que permita neles realizar o volume de construção previsto e titulado pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99.--------------------------------------------------------------------------
2. O plano de pormenor referido no número anterior deverá também expressamente permitir que a sociedade PELICANO adquira à ALDEIA do MECO, por meio de um negócio jurídico de direito privado, em termos equivalentes aos previstos no artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo Alvará de loteamento n.º 5/99.-----------
SEXTA
1. O plano de pormenor previsto na cláusula anterior, com a área identificada no Anexo III (adiante junto, e que, para todos os efeitos, aqui se dá por inteiramente reproduzido) deverá compatibilizar a ocupação resultante da transferência dos direitos de urbanização e de edificação com a necessidade da manutenção da floresta e do equilíbrio ecológico da Mata de Sesimbra, nos termos estabelecidos no Plano Director Municipal de Sesimbra e no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa.-----------------------------------------
2. A ocupação turística admitida pelo plano pormenor deverá ser, tanto quanto possível, concentrada, por forma a conter a habitação dispersa e a impedir que as pressões urbanísticas existentes ponham em causa a sua vocação e o seu potencial agrícola, florestal e natural assim como o seu papel de corredor ecológico conforme definido no PROTAML.---------------------------------------------------------
3. Para garantir a realização dos objectivos estabelecidos nos referidos instrumentos de gestão territorial e no presente acordo, a PELICANO obriga-se a promover, previamente à aprovação do plano de pormenor, a realização de um estudo ambiental que permita proceder à avaliação dos efeitos da ocupação turística na Mata de Sesimbra e à minimização dos seus impactes ambientais negativos.--------

SÉTIMA
1. O regulamento do plano de pormenor a aprovar para a Mata de Sesimbra deverá estabelecer, nos termos previstos nos artigos 135.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 380/99, mecanismos de perequação compensatória dos encargos e benefícios do plano que assegure a igualdade de tratamento entre todos os proprietários por ele abrangidos, sendo da responsabilidade dos proprietários beneficiados os encargos daí resultantes.---------------------------------------------------------------------------------
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o volume de construção que o plano preveja para assegurar a transferência dos direitos de urbanização e construção titulados pelo Alvará n.º 5/99, nos termos do presente acordo, não será considerado como um benefício abrangido pela obrigação de perequação compensatória.---------------------------------------------------------------------------------

OITAVA
1. Sem prejuízo do respeito pelas disposições legais imperativas aplicáveis, o ESTADO obriga-se a, nos termos da lei, ratificar, registar e promover a publicação do plano de pormenor que os órgãos do MUNICÍPIO lhe submetam em execução do presente acordo.-----------------------------------------------------------
2. O Estado obriga-se, igualmente, a proferir a Declaração de Impacte Ambiental relativa ao projecto turístico da PELICANO, exigida pelo Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, no respeito pelos prazos previstos por este diploma.--------
3. Em caso de impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor referido no n.º 1, o ESTADO obriga-se a disponibilizar terrenos que viabilizem uma solução alternativa, equivalente em valor económico e comercial aos terrenos abrangidos pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99.-----------------------------------------

NONA
1. Os procedimentos de elaboração, aprovação, ratificação, registo e publicação do plano de pormenor previsto no presente acordo deverão estar integralmente concluídos no prazo máximo de dezoito meses a contar da apresentação pela PELICANO à Câmara Municipal de Sesimbra do projecto de plano de pormenor, a elaborar conforme protocolo a celebrar entre o MUNICÍPIO e a PELICANO.----
2. Se o plano de pormenor não estiver em vigor no prazo fixado no número anterior, por motivos imputáveis ao ESTADO ou MUNICÍPIO, ou se o mesmo não respeitar alguma das condições previstas no presente acordo, a sociedade ALDEIA DO MECO tem, sem prejuízo de outros direitos que lhe assistam, o direito de resolver o presente acordo e de exigir uma indemnização pelos prejuízos causados pelo atraso na resolução do litígio.---------------------------------
3. Idêntico direito de resolução do presente acordo assiste à PELICANO se o plano de pormenor não estiver em vigor no termo do prazo fixado no n.º 1 deste artigo.--

DÉCIMA
1. Sem prejuízo do prazo estabelecido na cláusula anterior para a entrada em vigor do plano de pormenor, o presente acordo só se considera plenamente executado com a emissão do alvará de loteamento que vier a titular os direitos de urbanização e de edificação previstos no n.º 1 da cláusula 5.ª, e que respeitará todas as normas legais e regulamentares em vigor na data da respectiva emissão.--
2. Cessam as responsabilidades do ESTADO e do MUNICÍPIO se, no prazo máximo de 6 (seis) meses a contar da data de notificação do acto de autorização da operação de loteamento urbano, a PELICANO não requerer a emissão do respectivo alvará, ou, requerendo-o, por falta sua não for legal ou regulamentarmente possível a sua emissão.-----------------------------------------------
3. Com a emissão do alvará do loteamento, as partes promoverão a extinção de todos os processos judiciais e arbitrais em curso, sem possibilidade de oposição de qualquer delas à desistência.-----------------------------------------------------------------

DÉCIMA PRIMEIRA
1. Nada foi convencionado entre os OUTORGANTES, directa ou indirectamente relacionado com a matéria do presente protocolo, para além do que fica escrito nas suas cláusulas.----------------------------------------------------------------------------
2. Quaisquer dúvidas, esclarecimentos, pormenorizações ou alterações que resultem ou se imponham durante a execução do presente protocolo serão decididas por acordo e constarão de documento assinado por todas as partes, que se considerará como parte integrante do mesmo.-----------------------------------------------------------

DÉCIMA SEGUNDA
Todas as comunicações entre as partes relativas ao presente acordo deverão ser endereçadas às respectivas sedes ou domicílios, constantes do preâmbulo deste documento, salvo se, entretanto, o destinatário tiver indicado ao remetente, por escrito, endereço diverso para esse fim.»

Em síntese, o acordo enunciado (também designado por «protocolo» na cláusula 11.ª) visa resolver o diferendo relativo à realização de uma operação urbanística na Praia do Meco e garantir o respeito integral pelos valores merecedores de tutela naquela zona, implicando para o Estado Português as obrigações seguintes:

– Praticar todos os actos e tomar as medidas necessárias, nos termos do clausulado acordado, para que a sociedade ALDEIA DO MECO possa legalmente transferir os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99 para terrenos de que a sociedade PELICANO é proprietária numa zona contígua à área urbana de Santana, na Quinta do Vale Bom, na Mata de Sesimbra, concelho de Sesimbra (n.º 1 da cláusula 4.ª);
– Sem prejuízo do respeito pelas disposições legais imperativas aplicáveis e nos termos da lei, ratificar, registar e promover a publicação do plano de pormenor que os órgãos do Município de Sesimbra lhe submetam em execução do acordo celebrado (n.º 1 da cláusula 8.ª);
– Proferir a Declaração de Impacte Ambiental relativa ao projecto turístico da PELICANO, exigida pelo Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, no respeito pelos prazos previstos por este diploma (n.º 2 da cláusula 8.ª);
– Em caso de impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor referido, disponibilizar terrenos que viabilizem uma solução alternativa, equivalente em valor económico e comercial aos terrenos abrangidos pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99 (n.º 3 da cláusula 8.ª).

Por outro lado, o acordo prevê as contrapartidas seguintes:

– A sociedade ALDEIA DO MECO obriga-se a não realizar a operação urbanística prevista e titulada pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99, bem como a entregar para afectação ao domínio público do ESTADO, libertos de ónus, encargos ou responsabilidades, os terrenos abrangidos por aquele alvará, com excepção dos que têm a propriedade registada a favor do Instituto da Conservação da Natureza, obrigação que fica sujeita à condição de os direitos de urbanização e de edificação que vierem a ser reconhecidos à sociedade ALDEIA DO MECO se encontrarem titulados por alvará de loteamento urbano em nome da sociedade PELICANO ou de outra entidade, por esta escolhida (n.os 1 e 2 da cláusula 3.ª);
– As partes promoverão a extinção de todos os processos judiciais e arbitrais em curso, sem possibilidade de oposição de qualquer delas à desistência (considerandos 10.º, 11.º e 15.º, que referem a constituição de um tribunal arbitral internacional, e n.º 3 da cláusula 10.ª).

Relativamente ao plano de pormenor a elaborar para a Mata de Sesimbra, o mesmo acordo estabelece:

– Os órgãos competentes do Município de Sesimbra obrigam-se a elaborar e a aprovar um plano de pormenor que preveja, em concreto, para além do índice de construção de 0,020 actualmente já previsto pelo Plano Director Municipal de Sesimbra para os terrenos em causa, um índice de construção suplementar que permita neles realizar o volume de construção previsto e titulado pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99;
– O plano de pormenor deverá expressamente permitir que a sociedade PELICANO adquira à sociedade ALDEIA do MECO, por meio de um negócio jurídico de direito privado, em termos equivalentes aos previstos no artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo referido alvará;
– O plano de pormenor deverá compatibilizar a ocupação resultante da transferência dos direitos de urbanização e de edificação com a necessidade da manutenção da floresta e do equilíbrio ecológico da Mata de Sesimbra, nos termos estabelecidos no Plano Director Municipal de Sesimbra e no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, cabendo à sociedade PELICANO promover, previamente à aprovação do plano de pormenor, a realização de um estudo ambiental que permita proceder à avaliação dos efeitos da ocupação turística na Mata de Sesimbra e à minimização dos seus impactes ambientais negativos;
– O regulamento do plano de pormenor a aprovar para a Mata de Sesimbra deverá estabelecer, nos termos previstos nos artigos 135.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 380/99, mecanismos de perequação compensatória dos encargos e benefícios do plano que assegure a igualdade de tratamento entre todos os proprietários por ele abrangidos, sendo da responsabilidade dos proprietários beneficiados os encargos daí resultantes, não se considerando o volume de construção que o plano preveja para assegurar a transferência dos direitos de urbanização e construção titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99 como benefício abrangido pela obrigação de perequação compensatória.

Tendo um dos antecessores de Vossa Excelência considerado que a execução do acordo transcrito, devido à sua complexidade, suscitava algumas dúvidas e dificuldades interpretativas, dignou-se solicitar parecer a este Conselho Consultivo «quanto à legalidade e eficácia do mesmo»[3].
Entendendo-se, porém, que para a apreciação do assunto pelo Conselho Consultivo importaria proceder a «uma concretização mínima sobre as dúvidas e dificuldades interpretativas referidas no pedido de parecer»[4], o Gabinete do então Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente esclareceu que «as dúvidas colocadas assentam, designadamente, na questão de saber se tal Acordo tem, ou não, aptidão jurídica para vincular o Estado Português a cumprir as obrigações nele assumidas»[5].

Entretanto, o mesmo antecessor de Vossa Excelência remeteu cópia de uma carta[6], datada de 2 de Fevereiro de 2004 e subscrita por Eduardo Ribeiro Pereira, em que se dá conta da entrega de um requerimento na Procuradoria-Geral da República, no qual é solicitada a averiguação dos factos aí descritos e documentados relativos aos Acordos celebrados em 2 de Janeiro de 2003 e em 17 de Março de 2003 entre o Estado Português, o Município de Sesimbra, a Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, S.A., e a Pelicano – Investimento Imobiliário, S.A., «pois constituem lesão frontal dos interesses do concelho de Sesimbra e do Estado, sendo, por isso, susceptíveis de integrar responsabilidade civil e criminal, por parte dos intervenientes nos actos e contratos celebrados à margem da lei e de princípios constitucionais consagrados».

Posteriormente, em resposta a um pedido de informações complementares[7], o Gabinete do então Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente elucidou, ainda, que «tanto quanto se sabe, não foi publicado qualquer despacho de delegação de poderes no Senhor Ministro subscritor do Acordo, nem foi encontrado qualquer despacho de delegação nos arquivos deste Gabinete»[8].

Cumpre, assim, emitir parecer.
II

1. A factualidade disponível para a emissão de parecer é a seguinte[9]:

a) O projecto de urbanização na Aldeia do Meco, freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, resulta do desenvolvimento de um projecto de localização apresentado às entidades competentes em 25 de Abril de 1969, sendo inicialmente aprovado pela Direcção-Geral de Turismo, através da comunicação CT 106, de 26 de Fevereiro de 1970, entidade que também aprovou o projecto definitivo, mediante a comunicação CT 106/1, de 31 de Agosto de 1973[10];

b) Em 31 de Maio de 1974[11], a sociedade Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, L.da, com sede em Portugal e constituída segundo a lei portuguesa, por sócios maioritariamente (não exclusivamente) de nacionalidade alemã, requereu à Câmara Municipal de Sesimbra uma licença de loteamento para a implantação de um aldeamento turístico na Aldeia do Meco;

c) Em 14 de Agosto de 1974, a Câmara Municipal de Sesimbra solicitou parecer sobre aquele pedido de licenciamento à Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, que inicialmente entendeu não ser necessária a emissão de tal parecer, tendo assumido posteriormente essa pronúncia, face ao determinado pelo Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, em despacho de 2 de Setembro de 1974;

d) Em 15 de Abril de 1975, a Câmara Municipal de Sesimbra foi notificada da emissão de parecer desfavorável à pretensão de loteamento apresentada, tendo dado conhecimento desse parecer à sociedade requerente, mediante ofício de 28 de Abril de 1975;

e) Em 11 de Agosto de 1975, a Câmara Municipal de Sesimbra deliberou indeferir expressamente o pedido de licenciamento do loteamento;

f) A sociedade requerente interpôs recurso contencioso de anulação desta deliberação para a então Auditoria Administrativa de Lisboa, recurso que após diferentes incidentes e recursos, obteve provimento por Acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Junho de 1991[12] (recurso n.º 22.368), que anulou a deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra de 11 de Agosto de 1975, por entender que já se tinha verificado o deferimento tácito do pedido de licença de loteamento, em 11 de Janeiro de 1975, o que inquinava o acto do vício de violação de lei, por desrespeito ao disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho;

g) Em 25 de Fevereiro de 1992, a sociedade Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, L.da, requereu a execução integral do Acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo à Câmara Municipal de Sesimbra, tendo esta deliberado, em 13 de Abril de 1992, que tinha caducado a licença de loteamento, em virtude de a requerente não ter solicitado o respectivo alvará no prazo de 60 dias contados do deferimento tácito, pelo que, em 22 de Junho de 1992, aquela sociedade instaurou processo de execução de sentença no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pedindo a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do referido acórdão (processo n.º 3786/A, 2.ª Secção), processo judicial que terminou com decisão desfavorável à Câmara Municipal de Sesimbra, proferida pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Junho de 1998[13] (recurso n.º 34.588), que ordenou a passagem do alvará de loteamento urbano e esclareceu que «os efeitos do acto tácito produzido em 12 de Janeiro de 1975 apenas se geraram a partir do trânsito em julgado do acórdão [de 25 de Junho de 1991], que anulou o acto expresso de 15 de Agosto de 1975»;

h) Entretanto, grande parte da área prevista para o loteamento veio a integrar a Reserva Agrícola Nacional (Portaria n.º 1298/93, de 24 de Dezembro) e foi inserida no sítio «Arrábida-Espichel» (PTCON0010), classificado na Lista Nacional de Sítios (1.ª fase), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto, ao abrigo do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 226/97, de 27 de Agosto, sendo incluída na Reserva Ecológica Nacional uma parte significativa da mesma área em que se situava a pretensão de loteamento (Resolução do Conselho de Ministros n.º 194/97, de 3 de Novembro);

i) Por outro lado, de acordo com a classificação atribuída pelo Plano Director Municipal de Sesimbra, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/98, de 2 de Fevereiro, a área prevista no loteamento foi inserida na unidade operativa da Costa de Sesimbra, que corresponde a um espaço natural a preservar e no qual se privilegia a protecção dos recursos naturais e culturais (artigos 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 13, 20.º e 21.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Sesimbra), integrando áreas de reserva e áreas afectas à Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional (artigos 9.º, n.º 3, 10.º e 11.º do mesmo Regulamento);

j) Em execução dos citados arestos do Supremo Tribunal Administrativo, a Câmara Municipal de Sesimbra emitiu, em 14 de Outubro de 1999, o Alvará de Loteamento n.º 5/99, em nome da Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, L.da, ao abrigo do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Novembro, e Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto, titulando o licenciamento de 216 lotes, para uma área de 66,47 hectares, e determinando, para além da prestação de uma caução de 928.855.960$00, um conjunto de condicionantes aplicáveis à operação de loteamento — nos termos do alvará e seus anexos, o loteamento ocuparia uma frente de costa sobre a falésia de cerca de 1,5 quilómetros, apontando para a construção de 2227 fogos, distribuídos por várias dezenas de edifícios, alguns dos quais com seis andares, incluindo um hotel com 6 pisos e 600 camas, parques de estacionamento, um centro comercial, lojas, restaurantes e diversos equipamentos desportivos, a que correspondem 315.000 m2 de área de construção;

l) Em 19 de Novembro de 1999, reagindo aos termos das condicionantes do licenciamento da operação urbanística, a sociedade loteadora consignou, em requerimento, designadamente, que «o alvará foi emitido sem prévia audiência da ora exponente», que não pode ser «exigível qualquer projecto de impacto ambiental», que «os condicionamentos expressos não respeitam [...] o estabelecido na deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra de 4 de Março de 1974, pela qual foram fixadas as condições a estabelecer para eventual passagem de alvará, nomeadamente no que respeita às obrigações assumidas pelo Município de Sesimbra, relativamente ao abastecimento de água ao empreendimento», que a exponente «se reserva o direito de impugnar judicialmente os condicionamentos ilegalmente fixados, bem como de exigir o ressarcimento de todos os prejuízos que lhe venham a ser causados», e que «as peças escritas e desenhadas que integram o pedido de licenciamento da operação de loteamento dos seus terrenos foram elaborados com base nos conhecimentos, critérios e parâmetros urbanísticos vigentes há mais de trinta anos, tendo-se verificado entretanto profundas alterações e evolução», por isso, «pretende-se estudar e apresentar uma nova solução urbanística, que considere a referida evolução e pondere interesses dignos de tutela», tendo requerido, neste contexto, «a suspensão dos prazos estabelecidos no alvará de loteamento em análise por um período não inferior a 180 dias, tendo em vista a imediata elaboração dos projectos relativos à nova solução, em estreita colaboração com os órgãos desse Município e com as demais entidades competentes» — a sociedade Aldeia do Meco propôs, em 3 de Janeiro de 2000, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, uma acção declarativa contra o Município de Sesimbra em que é pedida a condenação no pagamento de indemnização pelos prejuízos decorrentes da não emissão do alvará de loteamento desde 1975, calculados em 78.993.906$00 e a actualizar desde a data da realização das despesas até ao seu efectivo pagamento, bem como das quantias a liquidar em execução de sentença correspondentes aos lucros cessantes e aos prejuízos e encargos indicados na petição, sendo atribuído à acção o valor de 100.000.000$00 (processo n.º 6/2000, 1.ª secção), e um recurso contencioso do despacho do presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 13 de Outubro de 1999 e da deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra de 27 de Outubro de 1999, requerendo a declaração de nulidade ou a anulação dos actos recorridos, na medida em que estabeleceram condicionantes ao alvará de loteamento (processo n.º 3/2000, 1.ª secção);

m) A solicitação do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, datada de 16 de Dezembro de 1999, o Ministério Público requereu, em 24 de Janeiro de 2000, a suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 13 de Outubro de 1999, bem como da deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra de 27 de Outubro de 1999 que procedeu à ratificação daquele acto, o qual ordenou a emissão do Alvará de Loteamento n.º 5/99, pedido que foi julgado improcedente pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, mediante sentença de 4 de Abril de 2000 (processo n.º 82/2000, 2.ª Secção), confirmada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 24 de Julho de 2000 – contra o assim decidido, o Ministério Público recorreu para o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo com fundamento na oposição de julgados, cuja existência não foi reconhecida, sendo o recurso julgado findo por acórdão de 23 de Novembro de 2000;

n) Em 13 de Outubro de 2000, o Ministério Público interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 13 de Outubro de 1999, bem como da deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra de 27 de Outubro de 1999 de ratificação daquele acto, que determinou a emissão do Alvará de Loteamento n.º 5/99, no qual é alegada a nulidade dos actos impugnados, por violação de normas ambientais e de ordenamento do território (processo n.º 790/2000, 4.ª Secção);

o) Em 19 de Outubro de 2000, o Instituto de Conservação da Natureza adquiriu, livre de quaisquer ónus ou encargos, uma parcela de terreno com a área de 7611 m2, abrangida pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99[14] — quer a parcela de terreno objecto da transacção, que faz parte do prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 102.º, Secção J, descrita na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º 9546, quer o restante prédio rústico, de que esta foi desanexada, inscrito na matriz rústica sob o artigo 102.º, Secção J, descrito na mesma Conservatória sob o n.º 6454, registado a favor dos vendedores sob a inscrição G-1, nunca foram propriedade da sociedade Aldeia do Meco;

p) Na sequência da aquisição da mencionada parcela de terreno, a sociedade titular do Alvará de Loteamento n.º 5/99, entretanto transformada em sociedade anónima, solicitou ao Governo da República Federal da Alemanha protecção ao abrigo do Acordo de 16 de Setembro de 1980 entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha[15], tendo o Governo Federal da Alemanha, em 26 de Março de 2001, pedido ao Governo da República Portuguesa para debater as questões relacionadas com a concretização daquele projecto turístico no âmbito das consultas previstas no n.º 1 do artigo 10.º do referido Acordo;

q) Em 12 de Setembro de 2001, o Instituto de Conservação da Natureza, na qualidade de proprietário de uma parcela de terreno abrangida pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99, manifestou à Câmara Municipal de Sesimbra a sua total oposição à concretização do loteamento titulado por aquele alvará, solicitando a emissão de uma declaração de ineficácia do mesmo;

r) Em 17 de Setembro de 2001, o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território comunicou a aquisição da mencionada parcela de terreno ao Ministério Público, que apresentou, em 29 de Outubro de 2001, requerimento nos autos de recurso contencioso aludidos na antecedente alínea n), invocando, designadamente, que os actos recorridos, ao determinarem a emissão do alvará de loteamento, abrangendo um prédio cuja propriedade não pertencia ao titular da licença, são nulos nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo, na medida em que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito de propriedade, previsto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade;

s) Em 30 de Novembro de 2001, o Governo da República Federal da Alemanha comunicou ao Governo da República Portuguesa que pretendia submeter a tribunal arbitral a divergência respeitante à aplicação dos artigos 2.º e 4.º, n.º 2, do Acordo sobre promoção e protecção recíproca de investimentos, nomeando um dos membros do tribunal arbitral por nota verbal de 17 de Janeiro de 2002, tendo o Governo da República Portuguesa respondido em 28 de Janeiro de 2002, pela nota verbal GAE n.º 508, com a nomeação do segundo membro do tribunal arbitral, embora sustentando que tal divergência deveria ser resolvida por via consensual;

t) Também em 28 de Janeiro de 2002, a Câmara Municipal de Sesimbra, na sequência da oposição manifestada pelo Instituto de Conservação da Natureza à concretização do loteamento e invocando o disposto nos artigos 31.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 11.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, deliberou suspender a eficácia do Alvará de Loteamento n.º 5/99, até ser proferida decisão judicial, com trânsito em julgado, na acção referida no considerando 6.º da proposta do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra que esteve na base da apontada deliberação e de que se transcrevem os seis primeiros considerandos[16]:

«1 - No pedido de licenciamento do loteamento hoje titulado pelo alvará n.º 5/99, designado por loteamento Aldeia do Meco, a sociedade comercial Aldeia do Meco, no que concerne a uma parcela do prédio descrito sob o n.º 06454 da freguesia do Castelo, um dos diversos prédios abrangidos por aquele pedido, actuou a coberto de um contrato de promessa de compra e venda do identificado prédio, do qual era promitente compradora, com poderes para representar os promitentes vendedores no pedido de loteamento e perante a Câmara Municipal;
2 - Em 1996, antes da emissão do alvará n.º 5/99, intentou a sociedade Aldeia do Meco, uma acção, contra os promitentes vendedores, na qual pedia que fosse ela, a sociedade Aldeia do Meco, declarada proprietária de uma parcela com a área de 7611 m2, não identificada, mas a destacar do prédio acima referido, por lhe ter sido prometida vender;
3 - Os promitentes vendedores vieram a ser absolvidos daquele pedido;
4 - A sociedade Aldeia do Meco, não informou a Câmara Municipal de Sesimbra, quer da existência da acção, quer da absolvição dos promitentes vendedores, e da consequente perda de poderes para, no processo de loteamento, representarem os proprietários da identificada parcela de terreno, bem como do direito de disporem do mesmo;
5 - Em 19-10-2000, o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) [...] comprou [...] a parcela em questão [...];
6 - Em 8-4-2001, a Sociedade Aldeia do Meco propôs no Tribunal Judicial de Sesimbra acção declarativa com a forma de processo ordinário contra os referidos vendedores e contra o comprador ICN, tendo peticionado, além do mais, a declaração de nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico titulado pela escritura de compra e venda outorgada em 19-10‑2001, invocando ainda o seu direito de preferência na aquisição em causa (v. Proc. 385/2001)»;

u) Em 2 de Janeiro de 2003, as mesmas entidades que viriam a celebrar o Acordo de 17 de Março de 2003, assinaram um «Acordo», cujo texto apenas difere daqueloutro nos seguintes pontos:

– Afirma-se que o ESTADO PORTUGUÊS é representado nesse acto «por Sua Excelência o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Dr. Isaltino Morais, por delegação de Sua Excelência o Primeiro-Ministro»;
– Não consta o considerando 20.º, que veio a ser aditado no Acordo de 17 de Março de 2003, referindo que «[o] projecto de acordo que agora se vai firmar foi aprovado, por unanimidade, pela Assembleia Municipal de Sesimbra, na sua Sessão Ordinária de 21 de Fevereiro de 2003»;
– Após a cláusula décima segunda, consigna-se que «[e]ste texto vai ser rubricado pelos representantes designados pelas partes, para efeitos de fixação do respectivo conteúdo, devendo a vinculação definitiva ao acordo ser decidida e formalizada até ao final do próximo mês de Fevereiro»;

v) Por sentença datada de 7 de Março de 2003, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa rejeitou o recurso contencioso aludido na antecedente alínea n), com fundamento na irrecorribilidade dos actos impugnados, tendo o Ministério Público interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que ainda se encontra pendente;

x) Em 17 de Junho de 2003, a Câmara Municipal de Sesimbra deliberou[17], por unanimidade, mandar elaborar o Plano de Pormenor da Zona Norte da Mata de Sesimbra, com uma área de intervenção de 3.772,825 hectares, e o Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra, com uma área de intervenção de 5.274,141 hectares, bem como aprovar o texto dos protocolos para elaboração dos referidos Planos de Pormenor, a celebrar entre o Município de Sesimbra e a Pelicano – Investimento Imobiliário, S.A., que prevêem a obrigação de elaborar um Plano de Gestão Ambiental (para além da realização do estudo ambiental já previsto no n.º 3 da cláusula 6.ª do «Acordo») e um Plano de Acessibilidades ao Concelho abrangendo toda a unidade operativa da Mata de Sesimbra — o período de discussão pública relativa àqueles Planos de Pormenor decorreu entre 7 de Julho de 2003 e 5 de Agosto de 2003, sendo que a respectiva área de intervenção insere-se na rede primária da estrutura metropolitana de protecção e valorização ambiental, estabelecida pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROTAML), e de acordo com o Plano Director Municipal de Sesimbra, «ocupa cerca de 40% da área concelhia e deverá manter o actual uso florestal, articulado com agricultura nos vales e alguns núcleos turísticos», integrando áreas afectas à Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional;

z) Através da nota verbal n.º 86 de 26 de Junho de 2003, o Governo da República Federal da Alemanha comunicou ao Governo da República Portuguesa que «considerando a assinatura do Acordo de 17 de Março de 2003 e na expectativa de um célere accionamento da solução do litígio, encontram-se reunidas, também no entender do Governo Federal, as condições para se suspender o processo arbitral».

2. A consulta respeita à legalidade e eficácia do acordo celebrado, em 17 de Março de 2003, para a resolução do diferendo sobre a realização de uma operação urbanística na zona da Praia do Meco, especificamente, «as dúvidas colocadas assentam, designadamente, na questão de saber se tal Acordo tem, ou não, aptidão jurídica para vincular o Estado Português a cumprir as obrigações nele assumidas».

Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, analisar a disciplina jurídica dos vários instrumentos de gestão ambiental e territorial, bem como as relações entre os diferentes níveis de planeamento territorial, com vista a identificar, embora muito sumariamente, o conjunto de regras relativas à protecção ambiental e ao ordenamento do território das zonas em causa.

Em segundo lugar, haverá que caracterizar os mecanismos que podem ser adoptados para salvaguardar a igualdade de tratamento entre todos os proprietários, em particular, os mecanismos de perequação compensatória dos benefícios e encargos.

Em terceiro lugar, é necessário indagar se os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99, respeitantes à instalação de um empreendimento turístico na zona da praia da Ribeira de Prata, também designada por Praia do Meco, podem ser legalmente transferidos para terrenos localizados na Mata de Sesimbra, enfrentando, nomeadamente, a problemática da delimitação do conteúdo do direito de propriedade.

Finalmente, interessa averiguar a natureza jurídica do acordo celebrado e aferir a sua validade e eficácia.

Em decorrência do que for apurado, procurar-se-á dilucidar as dúvidas colocadas sobre a aptidão jurídica do acordo questionado para vincular o Estado Português a cumprir as obrigações nele assumidas.

III

1. Entre as tarefas fundamentais do Estado previstas na Constituição conta-‑se a de «[p]roteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território» (alínea e) do artigo 9.º), incumbência estatal que múltiplos preceitos da Lei Fundamental concretizam.

Assim, o artigo 65.º, subordinado à epígrafe «Habitação e urbanismo», determina que incumbe ao Estado, para assegurar o direito fundamental à habitação, «[p]rogramar e executar um política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social» (alínea a) do n.º 2), estipulando que «[o] Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística» (n.º 4) e garantindo «a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território» (n.º 5).

Por sua vez, o artigo 66.º, com o título «Ambiente e qualidade de vida», declara o direito de todos «a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender» (n.º 1) e para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, comete ao Estado, «por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos», nomeadamente, «[o]rdenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-‑económico e a valorização da paisagem» (alínea b) do n.º 2), «[c]riar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico» (alínea c) do n.º 2) e «[p]romover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações» (alínea d) do n.º 2).

Para garantia destes direitos e interesses, o n.º 3 do artigo 52.º confere «a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra [...] a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural».

Por outro lado, no âmbito da parte concernente à organização económica (Parte II da Constituição), o artigo 90.º prevê que «[o]s planos de desenvolvimento económico e social têm por objectivo promover o crescimento económico, o desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com as políticas social, educativa e cultural, a defesa do mundo rural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português».

No artigo 93.º afirma-se como objectivo da política agrícola, «[a]ssegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração» (alínea d) do n.º 1), assumindo o Estado o propósito de promover «uma política de ordenamento e reconversão agrária e de desenvolvimento florestal, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país» (n.º 2).

Por último, em sede de organização do poder político (Parte III da Constituição), incluem-se na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, as bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural (alínea g) do n.º 1 do artigo 165.º), bem como as bases do ordenamento do território e do urbanismo (alínea z) do n.º 1 do artigo 165.º), concedendo-se competência às assembleias legislativas regionais para as desenvolver em função do interesse específico das regiões autónomas (artigos 227.º, n.º 1, alínea c), 228.º, alíneas c), d) e g), e 232.º, n.º 1).

Verifica-se, pois, que a Constituição, embora reconhecendo a distinção entre as matérias do ambiente, do ordenamento do território e do urbanismo, consagra, ao mesmo tempo, uma íntima ligação entre essas realidades[18], o que se reflecte, «por um lado, em princípios constitucionais objectivos e, por outra parte, em direitos ou situações constitucionais ou constitucionalmente relevantes»[19].

No que respeita aos apontados princípios de direito constitucional, JORGE MIRANDA[20] realça os seguintes:

a) A conexão incindível entre todos os objectivos, incumbências e imposições dos artigos 9.º, alínea e), 65.º e 66.º da Lei Básica;
b) O carácter instrumental do ordenamento do território — que é a gestão racional do espaço físico do País — relativamente à política de habitação, de urbanismo e de protecção da natureza e vice-versa;
c) A complementaridade, a interdependência e a colaboração do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais em matéria de ambiente, urbanismo e ordenamento do território, não podendo invocar-se o princípio da autonomia local como impeditivo da intervenção do Estado;
d) O não exclusivo das entidades públicas na concretização das incumbências e na efectivação dos direitos, por o Estado fazer «apelo» e dar «apoio» a iniciativas populares (n.º 2 do artigo 66.º da Constituição);
e) A referência à identidade nacional ou «identidade cultural comum», até porque a classificação e a protecção de paisagens e sítios se destinam, por seu turno, a garantir a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico (artigos 66.º, n.º 2, alínea c), in fine, e 78.º, n.º 2, alínea c), da Lei Básica).

Assim, no contexto da Constituição, os direitos relacionados com o ambiente, o urbanismo e o ordenamento do território projectam-se no domínio dos direitos, liberdades e garantias e direitos fundamentais de natureza análoga, situando-‑se a respectiva promoção e efectivação no cerne do Estado de direito democrático[21].

2. A Lei Fundamental não explicita a significação do termo ambiente.

No dizer de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[22], «a Constituição aponta para um conceito, simultaneamente estrutural, funcional e unitário de ambiente».

«Trata-se de um conceito unitário, pois embora se possa colocar o acento tónico: (i) sobre o ambiente como “modo de ser global” da realidade natural, fundado num dado equilíbrio dos seus elementos (modelo ecológico); (ii) ou sobre o ambiente como uma ou mais zonas circunscritas do território particularmente importantes pela sua beleza, valor paisagístico, científico ou histórico (cfr., precisamente, o n.º 2/c); (iii) ou sobre o ambiente como suporte territorial de referência relativamente a empreendimentos agrícolas, industriais e comerciais (cfr. n.º 2/d), a Constituição aponta (em consonância, de resto com diplomas internacionais), para uma visão unitária (conjunto dos sistemas físicos, químicos e biológicos e de factores económicos, sociais e culturais). Trata-se também de uma compreensão estrutural-‑funcional de ambiente, pois os sistemas físicos, químicos e biológicos e os factores económicos, sociais e culturais, além de serem interactivos entre si, produzem efeitos, directa e indirectamente, sobre unidades existenciais vivas e sobre a qualidade de vida do homem.»

Ainda segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[23], o direito ao ambiente é um direito constitucional fundamental, que se exprime numa dupla dimensão, como «um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas», «e nesta dimensão negativa, o direito do ambiente é seguramente um dos direitos fundamentais de natureza análoga a que se refere o artigo 17.º, sendo-lhe portanto aplicável o regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias»; por outro lado, «trata-‑se de um direito positivo a uma acção do Estado (n.º 2), no sentido de defender o ambiente e de controlar as acções poluidoras deste, impondo-lhe as correspondentes obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais»[24].

2.1. Nessa dimensão positiva inscreve-se a edição da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril[25]), que «define as bases da política de ambiente, em cumprimento dos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República» (artigo 1.º).

A sistemática do diploma estrutura-se em nove capítulos: Capítulo I (Princípios e objectivos; artigos 1.º a 5.º); Capítulo II (Componentes ambientais naturais; artigos 6.º a 16.º); Capítulo III (Componentes ambientais humanos; artigos 17.º a 26.º), Capítulo IV (Instrumentos da política de ambiente; artigos 27.º a 32.º), Capítulo V (Licenciamento e situações de emergência; artigos 33.º a 36.º), Capítulo VI (Organismos responsáveis; artigos 37.º a 39.º), Capítulo VII (Direitos e deveres dos cidadãos; artigos 40.º a 44.º), Capítulo VIII (Penalizações; artigos 45.º a 48.º); Capítulo IX (Disposições finais; artigos 49.º a 52.º).

O Capítulo I contém normas de carácter geral que delineiam os princípios (artigos 2.º e 3.º), os objectivos e as medidas da política de ambiente (artigo 4.º) e consagram conceitos e definições.

Entre as medidas referidas no artigo 4.º destacam-se as que visam «[o] desenvolvimento económico e social auto-sustentado e a expansão correcta das áreas urbanas, através do ordenamento do território» [alínea a)], «[g]arantir o mínimo impacte ambiental, através de uma correcta instalação em termos territoriais das actividades produtivas» [alínea c)], «[a] conservação da Natureza, o equilíbrio biológico e a estabilidade dos diferentes habitats, nomeadamente através da compartimentação e diversificação das paisagens, da constituição de parques e reservas naturais e outras áreas protegidas, corredores ecológicos e espaços verdes urbanos e suburbanos, de modo a estabelecer um continuum naturale» [alínea e)] e «[a] promoção da participação das populações na formulação e execução da política de ambiente e qualidade de vida, bem como o estabelecimento de fluxos contínuos de informação entre os órgãos da Administração por ela responsáveis e os cidadãos a quem se dirige» [alínea i)].

O n.º 2 do artigo 5.º, por seu lado, define os conceitos de «ambiente», «ordenamento do território» e «conservação da Natureza» nas alíneas seguintes:

«a) Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem;
b) Ordenamento do território é o processo integrado da organização do espaço biofísico, tendo como objectivo o uso e a transformação do território, de acordo com as suas capacidades e vocações, e a permanência dos valores de equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida;
f) Conservação da Natureza é a gestão da utilização humana da Natureza, de modo a viabilizar de forma perene a máxima rentabilidade compatível com a manutenção da capacidade de regeneração de todos os recursos vivos.»

No Capítulo II, relativo aos «Componentes ambientais naturais», importa destacar quanto à defesa e valorização do solo como recurso natural, que «[a] utilização e a ocupação do solo para fins urbanos e industriais ou implantação de equipamentos e infra-estruturas serão condicionadas pela sua natureza, topografia e fertilidade» (n.º 5 do artigo 13.º).

Interessa ainda considerar os instrumentos da política de ambiente, a que vai dedicado o Capítulo IV.

O artigo 27.º enumera os «instrumentos da política de ambiente e do ordenamento do território», entre os quais, «[o] ordenamento integrado do território a nível regional e municipal, incluindo a classificação e criação de áreas, sítios ou paisagens protegidas sujeitos a estatutos especiais de conservação» (alínea c) do n.º 1), «[a] reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional» (alínea d) do n.º 1), «[o]s planos regionais de ordenamento do território, os planos directores municipais e outros instrumentos de intervenção urbanística» (alínea e) do n.º 1) e «[a] avaliação prévia do impacte provocado por obras, pela construção de infra-estruturas, introdução de novas actividades tecnológicas e de produtos susceptíveis de afectarem o ambiente e a paisagem » (alínea g) do n.º 1).

No tocante à avaliação de impacte ambiental[26], o artigo 30.º prescreve:
«Artigo 30.º
(Estudos de impacte ambiental)
1 - Os planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos, quer sejam da responsabilidade e iniciativa de um organismo da administração central, regional ou local, quer de instituições públicas ou privadas, devem respeitar as preocupações e normas desta lei e terão de ser acompanhados de um estudo de impacte ambiental.
2 - Serão regulamentadas por lei as condições em que será efectuado o estudo de impacte ambiental, o seu conteúdo, bem como as entidades responsáveis pela análise das suas conclusões e pela autorização e licenciamento de obra ou trabalhos previstos.
3 - A aprovação do estudo de impacte ambiental é condição essencial para o licenciamento final das obras e trabalhos pelos serviços competentes, nos termos da lei.»

2.2. A regulamentação do estudo de impacte ambiental foi efectivada pelo Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de Junho[27], que, ao mesmo tempo, transpôs para o direito interno a Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Aquele diploma legal foi, entretanto, revogado e substituído pelo Decreto- -Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio[28], actualmente em vigor, o qual reviu o regime jurídico da avaliação do impacte ambiental dos projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, com as alterações introduzidas pela Directiva n.º 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997.

O Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, comporta seis capítulos: Capítulo I (Disposições Gerais; artigos 1.º a 4.º); Capítulo II (Entidades Intervenientes e Competências; artigos 5.º a 10.º); Capítulo III (Componentes de AIA; artigos 11.º a 31.º), Capítulo IV (Impactes Transfronteiriços; artigos 32.º a 35.º), Capítulo V (Fiscalização e Sanções; artigos 36.º a 42.º), Capítulo VI (Disposições finais; artigos 43.º a 46.º).

O artigo 1.º alude ao objecto e âmbito do diploma, estabelecendo que estão sujeitos a avaliação do impacte ambiental os projectos incluídos nos seus anexos I e II (n.º 2), bem como os projectos que, em função das suas especiais características, dimensão e natureza, sejam sujeitos a essa avaliação, por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto, em razão da matéria, e do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente[29] (n.º 3).

Por seu turno, o artigo 2.º define, entre outros, os conceitos de «áreas sensíveis», «avaliação de impacte ambiental», «consulta pública», «declaração de impacte ambiental», «estudo de impacte ambiental», «impacte ambiental» e «participação pública», nas alíneas seguintes:

«b) “Áreas sensíveis”: (i) Áreas protegidas, classificadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 227/98, de 17 de Julho; (ii) Sítios da Rede Natura 2000, zonas especiais de conservação e zonas de protecção especial, classificadas nos termos do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, no âmbito das Directivas n.os 79/409/CEE e 92/43/CEE; (iii) Áreas de protecção dos monumentos nacionais e dos imóveis de interesse público definidas nos termos da Lei n.º 13/85, de 6 de Julho;
e) “Avaliação de impacte ambiental” ou “AIA” — instrumento de carácter preventivo da política do ambiente, sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação;
f) “Consulta pública” — procedimento compreendido no âmbito da participação pública e regulado nos termos do presente diploma que visa a recolha de opiniões, sugestões e outros contributos dos interessados sobre cada projecto sujeito a AIA;
g) “Declaração de impacte ambiental” ou “DIA” — decisão emitida no âmbito da AIA sobre a viabilidade da execução dos projectos sujeitos ao regime previsto no presente diploma;
i) “Estudo de impacte ambiental” ou “EIA” — documento elaborado pelo proponente no âmbito do procedimento de AIA, que contém uma descrição sumária do projecto, a identificação e avaliação dos impactes prováveis, positivos e negativos, que a realização do projecto poderá ter no ambiente, a evolução previsível da situação de facto sem a realização do projecto, as medidas de gestão ambiental destinadas a evitar, minimizar ou compensar os impactes negativos esperados e um resumo não técnico destas informações;
j) “Impacte ambiental” — conjunto das alterações favoráveis e desfavoráveis produzidas em parâmetros ambientais e sociais, num determinado período de tempo e numa determinada área (situação de referência), resultantes da realização de um projecto, comparadas com a situação que ocorreria, nesse período de tempo e nessa área, se esse projecto não viesse a ter lugar;
m) “Participação pública” — informação e consulta dos interessados, incluindo-se neste conceito a audição das instituições da Administração Pública cujas competências o justifiquem, nomeadamente em áreas específicas de licenciamento do projecto.»

O procedimento de AIA constitui um «sub-procedimento, enxertado no procedimento principal de autorização, de projecto ou obra, de plano ou programa»[30], isto é, visa «auxiliar e conduzir à tomada de decisões ambientalmente adequadas em sede do procedimento de licenciamento ou de autorização dos projectos»[31].

Segundo alguma doutrina mais recente[32], pode mesmo falar-se hoje de um princípio da avaliação de impacte ambiental, que funcionaria como «princípio inspirador» e «princípio director do Direito do Ambiente […], de fundamental importância no contexto de um retorno a uma certa visão garantística dos direitos individuais, face a constrangimentos provindos dos poderes públicos ou de sectores privados»[33]. A actual conformação do procedimento de AIA reflecte, de facto, a importância que hoje é conferida, no plano comunitário, aos procedimentos de acção preventiva, com destaque para a avaliação de impacte ambiental[34].

Tem-se salientado que «o procedimento de AIA, tal como está agora regulamentado, abrange as seguintes fases fundamentais: a definição do âmbito do EIA, fase facultativa [artigo 11.º]; a apreciação técnica do EIA [artigo 13.º]; a consulta institucional, que consiste na solicitação de pareceres a entidades com competências na apreciação do projecto [alínea b) do n.º 7 do artigo 13.º]; a participação dos interessados [artigos 14.º e 15.º]; a elaboração do parecer técnico final [n.º 1 do artigo 16.º]; a emissão da proposta de DIA [n.º 2 do artigo 16.º]; e a emissão da DIA»[35].

Um dos traços mais relevantes do regime é o de se procurar atribuir as funções técnica e decisória a entidades diferentes, de forma a que se distingam, no quadro das entidades com competência em sede de AIA, o órgão de intervenção técnica (a Comissão de Avaliação, que emite o parecer técnico final do procedimento de AIA) do órgão decisor (o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente[36]) e ambos do órgão mediador entre essas duas entidades (a Autoridade de AIA[37], que emite a proposta de DIA)[38].

No que respeita à «Declaração de Impacte Ambiental», há que atentar nos artigos 17.º e 18.º, cujo teor é o seguinte:

«Artigo 17.º
(Conteúdo)
1 – A decisão sobre o procedimento de AIA consta da DIA, a qual pode ser favorável, condicionalmente favorável ou desfavorável, devendo, neste caso, fundamentar as razões daquela conclusão.
2 – A DIA condicionalmente favorável especifica as condições em que o projecto pode ser licenciado ou autorizado e contém obrigatoriamente as medidas de minimização dos impactes ambientais negativos que o proponente deve adoptar na execução do projecto.
3 – O disposto na segunda parte do número anterior pode ser igualmente aplicável à DIA favorável.
4 – A DIA deve mencionar as sugestões reiteradamente formuladas pelos interessados no âmbito da consulta pública que não tenham sido acolhidas, fundamentando a posição adoptada.
«Artigo 18.º
(Competência e prazos)
1 – A DIA é proferida pelo Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente [39] no prazo de 15 dias contados a partir da data da recepção da proposta da Autoridade de AIA.
2 – A DIA é notificada, de imediato e em simultâneo, à entidade licenciadora ou competente para a autorização e ao proponente.
3 – Os prazos estabelecidos para o licenciamento ou a autorização ficam suspensos até à data em que ocorra a notificação da entidade licenciadora ou competente para a autorização ou ocorra a situação prevista no artigo seguinte.»

Com vista ao desenvolvimento ulterior do parecer, resta ainda salientar que, nos termos da alínea c) do n.º 12 do Anexo II do Decreto-Lei n.º 69/2000, os projectos de estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento turístico[40] estão sujeitos a avaliação de impacte ambiental, quando localizados fora das zonas urbanas e urbanizáveis delimitadas em plano municipal de ordenamento do território ou plano especial de ordenamento do território, no caso geral, os aldeamentos turísticos com área > 5 hectares ou > 50 habitantes por hectares, os hotéis, hotéis-apartamentos e apartamentos turísticos > 200 camas, e, inserindo-se nas áreas sensíveis, todos os aldeamentos turísticos e os hotéis, hotéis-apartamentos e apartamentos turísticos > 20 camas[41].

Nesta conformidade, o projecto turístico que se pretende edificar na Mata de Sesimbra, em função das suas especiais características, dimensão e localização, estará sujeito a procedimento de avaliação de impacte ambiental.

3. Como vimos, a Constituição considera as matérias do «ordenamento do território» e do «urbanismo» como duas realidades distintas e complementares (n.º 4 do artigo 64.º, alínea z) do n.º 1 do artigo 165.º, alínea g) do artigo 228.º).

O certo, porém, é que «a apontada separação conceitual e a mencionada estreita relação estão apenas pressupostas naqueles preceitos constitucionais, já que a nossa Lei Básica não fornece qualquer definição de ordenamento do território e de urbanismo»[42].

3.1. «Apresentar uma noção de ordenamento do território [...] que seja simultaneamente certa, completa e precisa, é missão muito difícil ou quase impossível, se considerarmos a diversidade de objectivos que com ele se pretende prosseguir e a variedade de meios por ele utilizados.»[43]

Em 20 de Maio de 1983, o Conselho da Europa aprovou a Carta Europeia do Ordenamento do Território, na qual foram condensados os princípios fundamentais do ordenamento do território[44]. De acordo com aquele texto internacional, o ordenamento do território é simultaneamente uma disciplina científica, uma técnica administrativa e uma política concebidas como uma abordagem interdisciplinar e global, que visam desenvolver de modo equilibrado as regiões e organizar fisicamente o espaço, segundo uma concepção orientadora. Aquele documento, depois de referir que o ordenamento do território deve ser democrático, global, funcional e dotado de capacidade antecipadora do futuro, indica como seus objectivos fundamentais o desenvolvimento sócio-económico equilibrado das regiões, a melhoria da qualidade de vida, a gestão responsável dos recursos naturais e a protecção do ambiente, bem como a utilização racional do território.

Recorde-se que a Lei de Bases do Ambiente define o ordenamento do território como «processo integrado da organização do espaço biofísico, tendo como objectivo o uso e a transformação do território, de acordo com as suas capacidades e vocações, e a permanência dos valores de equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida».

Para JOÃO CAUPERS[45], «[a] ideia de ordenar o território significa habitualmente atribuir aos espaços físicos funções económicas, sociais e culturais determinadas, de acordo com uma certa concepção global sobre o ambiente (habitat) humano. É, acima de tudo, uma concepção funcional, no sentido de que somente aceita o espaço afecto a uma finalidade determinada».

O conceito de urbanismo, por seu turno, tem natureza polissémica.

DIOGO FREITAS DO AMARAL[46], enuncia para o termo diversos sentidos: (a) o urbanismo como fenómeno social, traduzindo a fixação crescente das populações em meios urbanos; (b) o urbanismo como técnica, a que chama urbanística; (c) o urbanismo como ciência, para a qual prefere a designação urbanologia; (d) o urbanismo como política pública, encarregada da definição dos meios e dos objectivos da intervenção da Administração Pública no ordenamento racional das cidades.

Para as finalidades da consulta, interessa considerar uma perspectiva de definição dos objectivos e meios da política de ordenamento do território e de urbanismo, isto é, o conjunto de regras e de instrumentos de natureza pública que definem os parâmetros de uso, ocupação e transformação dos solos.

3.2. Presentemente, é a Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo.

A Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo divide-se em seis capítulos: Capítulo I (Princípios e objectivos; artigos 1.º a 6.º); Capítulo II (Sistema de gestão territorial; artigos 7.º a 13.º); Capítulo III (Regime de uso do solo e execução dos instrumentos de planeamento territorial; artigos 14.º a 18.º), Capítulo IV (Regime dos instrumentos de gestão territorial; artigos 19.º a 27.º), Capítulo V (Avaliação da política de ordenamento do território; artigos 28.º a 29.º), Capítulo VI (Disposições finais e transitórias; artigos 30.º a 36.º).

O n.º 2 do seu artigo 1.º esclarece que «[a] política de ordenamento do território e de urbanismo define e integra as acções promovidas pela Administração Pública, visando assegurar uma adequada organização e utilização do território nacional, na perspectiva da sua valorização, designadamente no espaço europeu, tendo como finalidade o desenvolvimento económico, social e cultural integrado, harmonioso e sustentável do País, das diferentes regiões e aglomerados urbanos».

A ocupação, a utilização e a transformação do solo estão subordinadas aos fins, princípios gerais e objectivos específicos estabelecidos nos artigos 3.º, 5.º e 6.º e conformam-se com o regime de uso do solo definido nos instrumentos de planeamento territorial (n.º 1 do artigo 14.º).

Entre os princípios gerais a que deve obedecer a política de ordenamento do território e de urbanismo, destacam-se os contidos nas seguintes alíneas do artigo 5.º:

«c) Coordenação, articulando e compatibilizando o ordenamento com as políticas de desenvolvimento económico e social, bem como as políticas sectoriais com incidência na organização do território, no respeito por uma adequada ponderação dos interesses públicos e privados em causa;
d) Subsidiariedade, coordenando os procedimentos dos diversos níveis da Administração Pública, por forma a privilegiar o nível decisório mais próximo do cidadão;
e) Equidade, assegurando a justa repartição dos encargos e benefícios decorrentes da aplicação dos instrumentos de gestão territorial;
f) Participação, reforçando a consciência cívica dos cidadãos através do acesso à informação e à intervenção nos procedimentos de elaboração, execução, avaliação e revisão dos instrumentos de gestão territorial;
h) Contratualização, incentivando modelos de actuação baseados na concertação entre a iniciativa pública e a iniciativa privada na concretização dos instrumentos de gestão territorial.»

Segundo o artigo 7.º, a política de ordenamento do território e de urbanismo assenta num sistema de gestão territorial (n.º 1), que articula os vários níveis ou âmbitos em que aquela política se desenvolve (nacional, regional e municipal, nos termos do n.º 2), com os diversos tipos de instrumentos de gestão territorial através dos quais ela se exprime (n.º 3).

Na verdade, vigora no ordenamento jurídico português o princípio da tipicidade dos instrumentos de gestão territorial, pelo que «a Administração não pode elaborar os planos que entender, mas apenas aqueles que a lei prevê de um modo típico»[47].

Os instrumentos de gestão territorial são classificados de acordo com as funções diferenciadas que desempenham (desenvolvimento territorial, planeamento territorial, política sectorial e de natureza especial — artigo 8.º) e conforme a sua caracterização específica, desdobram-se em diversas figuras, descritas no artigo 9.º: (1) são instrumentos de desenvolvimento territorial, o programa nacional da política de ordenamento do território, os planos regionais de ordenamento do território e os planos intermunicipais de ordenamento do território; (2) são instrumentos de planeamento territorial, os planos municipais de ordenamento do território, que compreendem o plano director municipal, o plano de urbanização e o plano de pormenor; (3) são instrumentos de política sectorial os planos com incidência territorial da responsabilidade dos diversos sectores da administração central, nomeadamente nos domínios dos transportes, das comunicações, da energia e recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio e indústria, das florestas e do ambiente; (4) constituem instrumentos de natureza especial os planos especiais de ordenamento do território (artigo 9.º).

Os artigos 10.º a 13.º regulam as relações entre os instrumentos de gestão territorial e a respectiva vinculação, o direito de informação e as garantias dos particulares, estipulando como segue:

«Artigo 10.º
(Relações entre instrumentos de gestão territorial)
1 – Os instrumentos de planeamento territorial devem prosseguir as orientações definidas pelos instrumentos de desenvolvimento territorial.
2 – Os instrumentos de desenvolvimento territorial e os instrumentos de política sectorial traduzem um compromisso recíproco de integração e compatibilização das respectivas opções, determinando que:
a) Os planos sectoriais desenvolvam e concretizem, no respectivo domínio de intervenção, as directrizes definidas no programa nacional da política de ordenamento do território;
b) Os planos regionais de ordenamento do território integrem as regras definidas no programa nacional da política de ordenamento do território e nos planos sectoriais preexistentes;
c) A elaboração dos planos sectoriais vise a necessária compatibilização com os planos regionais de ordenamento do território, relativamente aos quais tenham incidência espacial.
3 – Os planos regionais de ordenamento do território e os planos sectoriais vinculam as entidades públicas competentes para a elaboração e aprovação de planos municipais relativamente aos quais tenham incidência espacial, devendo ser assegurada a compatibilidade entre os mesmos.
4 – Os planos especiais de ordenamento do território traduzem um compromisso recíproco de compatibilização com o programa nacional da política de ordenamento do território e os planos regionais de ordenamento do território e prevalecem sobre os planos municipais e intermunicipais;
5 – Na elaboração de novos instrumentos de gestão territorial devem ser identificados e ponderados os planos, programas e projectos com incidência na área a que respeitam, já existentes ou em preparação, e asseguradas as necessárias compatibilizações.
«Artigo 11.º
(Vinculação dos instrumentos de gestão territorial)
1 – Os instrumentos de gestão territorial vinculam as entidades públicas.
2 – Os planos municipais e especiais de ordenamento do território são ainda vinculativos para os particulares.
«Artigo 12.º
(Direito de informação)
Os particulares têm direito à informação tanto nos procedimentos de elaboração e alteração, como após a publicação dos instrumentos de gestão territorial, previstos no n.º 2 do artigo anterior, podendo, designadamente, consultar o respectivo processo, adquirir cópias e obter certidões.
«Artigo 13º
(Garantias dos particulares)
1– São reconhecidas aos titulares de direitos e interesses lesados por instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares as garantias gerais dos administrados e, nomeadamente:
a) O direito de promover a respectiva impugnação;
b) O direito de acção popular;
c) O direito de apresentação de queixa ao Ministério Público e ao Provedor de Justiça.
2– São ainda reconhecidos os direitos de acção popular e de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça relativamente a todos os instrumentos de gestão territorial cujos efeitos não vinculem directamente os particulares.»

No que concerne ao regime de uso do solo e execução dos instrumentos de planeamento territorial regem os artigos 14.º a 18.º

A classificação do solo determina o seu destino básico e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano (n.º 2 do artigo 15.º).

É solo rural, «aquele para o qual é reconhecida vocação para as actividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de protecção ou de lazer, ou que seja ocupado por infra-estruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano». É solo urbano, «aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano» (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 15.º).

A qualificação dos solos regula, com respeito pela sua classificação básica, o correspondente aproveitamento em função da actividade dominante que neles possa ser efectuada ou desenvolvida, estabelecendo o respectivo uso e edificabilidade (n.º 3 do artigo 15.º).

Por sua vez, o regime de uso do solo é estabelecido em instrumentos de planeamento territorial, que definem para o efeito as adequadas classificação e qualificação (n.º 3 do artigo 15.º).

No seu artigo 16.º faz-se uma referência expressa à matéria da execução dos instrumentos de planeamento territorial, estabelecendo o dever da Administração Pública de proceder à execução coordenada e programada desses instrumentos de planeamento (n.º 1), permitindo o recurso a meios de parceria ou de contratualização que incentivem a concertação dos diversos interesses (n.º 2) e consagrando o dever de os particulares concretizarem e adequarem as suas pretensões às metas e prioridades estabelecidas nesses instrumentos de planeamento (n.º 3).

No artigo 17.º estabeleceu-se ainda a possibilidade de elaboração de programas de acção territorial que enquadrem a coordenação das actuações de entidades públicas e privadas interessadas na definição da política de ordenamento do território e de urbanismo e na execução dos instrumentos de planeamento territorial.

«Apesar de esta lei não ter criado sistemas ou instrumentos de execução dos planos municipais de ordenamento do território, a verdade é que, pela primeira vez, um diploma legal veio estabelecer, no nosso ordenamento urbanístico, a necessidade de os criar, remetendo para o efeito, para os meios de política dos solos a definir em legislação posterior»[48].

Ora, conforme a previsão do n.º 2 do artigo 16.º, «os meios de política de solos a estabelecer na lei devem contemplar, nomeadamente, modos de aquisição ou disponibilização de terrenos, mecanismos de transformação fundiária e formas de parceria ou contratualização, que incentivem a concertação dos diversos interesses».

Peculiar expressão do princípio da equidade proclamado na alínea e) do artigo 5.º é a consagração de mecanismos de compensação e indemnização dos proprietários dos solos no artigo 18.º, estabelecendo que «[o]s instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares devem prever mecanismos equitativos de perequação compensatória, destinados a assegurar a redistribuição entre os interessados dos encargos e benefícios deles resultantes, nos termos a estabelecer na lei» (n.º 1) e, bem assim, que «[e]xiste o dever de indemnizar sempre que os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados nos termos do número anterior» (n.º 2), remetendo-se para a lei a definição do prazo e das condições de exercício desse direito à indemnização (n.º 3).

Nas palavras de FERNANDO ALVES CORREIA[49], «[c]om a recepção destes princípios, procurou o legislador pôr termo à situação aberrante de os planos serem uma fonte de gravíssimas desigualdades e injustiças, dando, assim, um decisivo passo no sentido da construção de um ordenamento jurídico urbanístico mais moderno e mais justo».

Matéria de particular importância é a do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, cujo desenvolvimento e densificação o artigo 19.º remete para diplomas legais complementares, prevendo-se, nesta sede, o procedimento de elaboração e aprovação dos instrumentos de gestão territorial (artigo 20.º), a participação dos cidadãos, nomeadamente através de formas de concertação de interesses (artigo 21.º), a emissão de pareceres pela junta regional (artigo 22.º), a ratificação pelo Governo, que se destina «a verificar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como a conformidade com instrumentos de desenvolvimento territorial, de planeamento territorial, de política sectorial ou de natureza especial válidos e eficazes» e que «pode ser parcial, aproveitando apenas à parte conforme com as normas legais e regulamentares vigentes e conforme com os instrumentos de gestão territorial eficazes» (artigo 23.º) e, ainda, a publicidade, alteração, suspensão e revisão dos instrumentos de gestão territorial (artigos 24.º a 27.º).

IV

1. Resulta do quadro normativo exposto que os instrumentos das políticas de ambiente, de ordenamento do território e de urbanismo são essencialmente de dois tipos: (i) normas legais, que contêm um regime jurídico específico para certas categorias de solos e que não pressupõem, aliás, a elaboração de planos; e (ii) normas de valor infra-legal, constantes dos diversos instrumentos de gestão territorial.

As referidas normas jurídicas, seguindo a lição de FERNANDO ALVES CORREIA[50], «constituem o primeiro pilar do direito do urbanismo e contêm uma disciplina jurídica dos solos que deve ser observada pelos planos — funcionando, por isso, como limites à discricionaridade de planeamento — e, simultaneamente, um conjunto de prescrições directamente vinculativas da actividade da Administração e dos particulares com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo, em todas as áreas não abrangidas por qualquer plano de ordenamento do território».

Adentro do perímetro deste modo delimitado, proceder-se-á, em primeiro lugar, ao exame, se bem que sucinto, das normas legais sobre a utilização do solo e, de seguida, à análise da disciplina jurídica dos vários instrumentos de gestão territorial previstos na lei.

2. Existe um elevado número de normas legais «que prescrevem limitações à liberdade de modelação do conteúdo dos planos, estabelecendo para alguns tipos de bens imóveis um regime jurídico particular, de tal modo que é ilegal uma previsão do plano incompatível com ele»[51].

A economia do parecer dispensa uma referência ao elenco completo das normas legais que prevêem um regime jurídico específico sobre a utilização do solo, pelo que apenas se destacam aquelas que interessam à consulta[52]: Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional, Regime das Áreas Florestais e Regime das Zonas Especiais de Conservação e das Zonas de Protecção Especial.

2.1. O regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, abreviadamente designada «RAN», é definido pelo Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho[53], que «visa defender e proteger as áreas de maior aptidão agrícola e garantir a sua afectação à agricultura, de forma a contribuir para o pleno desenvolvimento da agricultura portuguesa e para o correcto ordenamento do território» (artigo 1.º).

De acordo com o estatuído no seu artigo 3.º, a RAN integra «o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas» (n.º 1) e divide-se «em regiões que coincidem com o território de cada direcção regional de agricultura» (n.º 2), tendo cada região da RAN «como órgão próprio uma comissão regional da reserva agrícola, existindo, a nível nacional, o Conselho Nacional da Reserva Agrícola» (n.º 3).

As áreas da RAN são identificadas na carta da RAN, a publicar por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação[54], podendo esta publicação ser feita de forma parcelada, designadamente município a município, consoante os trabalhos da sua elaboração se forem desenvolvendo (n.os 1 e 2 do artigo 5.º).

O artigo 8.º determina que os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente a realização de obras de natureza urbanística, estipulando o n.º 1 do artigo 9.º que «[c]arecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN» e o artigo 10.º que «[t]odas as utilizações não estritamente agrícolas de solos integrados na RAN que, de acordo com a lei geral, não dependam de licença, concessão, aprovação ou autorização de entidades públicas carecem de autorização das comissões regionais da reserva agrícola».

Importa ainda salientar, que «[o]s processos de aprovação ou ratificação de planos regionais e municipais de ordenamento do território [...] serão sempre instruídos com carta aprovada pela comissão regional da reserva agrícola que delimite as áreas cuja integração na RAN deve ser garantida» (n.º 1 do artigo 32.º), que «[o]s solos integrados na RAN são obrigatoriamente identificados em todos os instrumentos que definam a ocupação física do território, designadamente planos regionais de ordenamento, planos directores municipais e planos de urbanização» (artigo 33.º), e, bem assim, que estão previstos mecanismos destinados a garantir a observância do regime da RAN, tais como a nulidade dos actos administrativos praticados em violação do n.º 1 do artigo 9.º (artigo 34.º), a tipificação de ilícitos de mera ordenação social (artigo 36.º e 38.º), a estruturação de um sistema de fiscalização (artigo 37.º) e as providências tendentes à cessação das acções violadoras e à reposição da situação anterior à infracção (artigos 39.º e 40.º).

Refira-se, em derradeiro termo, que a carta da Reserva Agrícola Nacional relativa ao município de Sesimbra foi aprovada pela Portaria n.º 1298/93, de 24 de Dezembro.

2.2. A Reserva Ecológica Nacional, abreviadamente designada REN, é disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março[55], diploma que pretende salvaguardar, no seguimento do disposto no artigo 27.º da Lei de Bases do Ambiente, (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril), «os valores ecológicos e o homem, não só na sua integridade física, como no fecundo enquadramento da sua actividade económica, social e cultural, conforme é realçado na Carta Europeia do Ordenamento do Território»[56].

Nos termos do Decreto-Lei n.º 93/90, a REN «constitui uma estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas» (artigo 1.º) e abrange zonas costeiras e ribeirinhas, águas interiores, áreas de infiltração máxima e zonas declivosas, competindo ao Governo, por resolução do Conselho de Ministros, ouvida a Comissão Nacional da REN, aprovar a integração e a exclusão de áreas da REN (artigos 2.º, 3.º, n.º 1, 8.º e 9.º).

Nas áreas incluídas na REN são proibidas as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal (n.º 1 do artigo 4.º).

Por outro lado, as áreas integradas na REN são especificamente demarcadas em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação física do solo, designadamente planos regionais e municipais de ordenamento do território (artigo 10.º).

O regime legal disciplinador da REN consagra normas destinadas a garantir a observância do respectivo regime, especificamente, a estruturação da respectiva fiscalização (artigo 11.º), a tipificação de ilícitos de mera ordenação social (artigo 12.º e 13.º), o embargo e demolição de obras violadoras do regime da REN, bem como a reposição dos terrenos na situação anterior à infracção (artigo 14.º) e, ainda, a nulidade dos actos administrativos praticados em violação do regime jurídico da REN (artigo 15.º).

Refira-se, por último, que a delimitação da Reserva Ecológica Nacional para a área do concelho de Sesimbra foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 194/97, de 3 de Novembro.

2.3. O regime das áreas florestais, definido pela Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto), explicita que «a política florestal nacional, fundamental ao desenvolvimento e fortalecimento das instituições e programas para a gestão, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas e sistemas naturais associados, visa a satisfação das necessidades da comunidade, num quadro de ordenamento do território» (n.º 2 do artigo 1.º).

Verifica-se, pois, «uma relação muito estreita entre o regime jurídico das áreas florestais e o conteúdo prescritivo dos planos territoriais»[57].

A floresta, pela diversidade e natureza dos bens e serviços que proporciona, é reconhecida como um recurso natural renovável, essencial à manutenção de todas as formas de vida, cabendo a todos os cidadãos a responsabilidade de a conservar e proteger (alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º), sendo que a exploração, conservação, reconversão e expansão da floresta são de interesse público, sem prejuízo do regime jurídico da propriedade (n.º 2 do artigo 2.º), cabendo ao Estado definir normas reguladoras da fruição dos recursos naturais, em harmonia e com a participação activa de todas as entidades produtoras e utilizadoras dos bens e serviços da floresta e dos sistemas naturais associados (n.º 3 do artigo 2.º).

Segundo o artigo 4.º, a política florestal nacional prossegue os seguintes objectivos: a) promover e garantir um desenvolvimento sustentável dos espaços florestais e do conjunto das actividades da fileira florestal; b) promover e garantir o acesso à utilização social da floresta, promovendo a harmonização das múltiplas funções que ela desempenha e salvaguardando os seus aspectos paisagísticos, recreativos, científicos e culturais; c) assegurar a melhoria do rendimento global dos agricultores, produtores e utilizadores dos sistemas florestais, como contributo para o equilíbrio sócio-económico do mundo rural; d) optimizar a utilização do potencial produtivo de bens e serviços da floresta e dos sistemas naturais associados, no respeito pelos seus valores multifuncionais; e) promover a gestão do património florestal nacional, nomeadamente através do ordenamento das explorações florestais e da dinamização e apoio ao associativismo; f) assegurar o papel fundamental da floresta na regularização dos recursos hídricos, na conservação do solo e da qualidade do ar e no combate à erosão e à desertificação física e humana; g) garantir a protecção das formações florestais de especial importância ecológica e sensibilidade, nomeadamente os ecossistemas frágeis de montanha, os sistemas dunares, os montados de sobro e azinho e as formações ripícolas e das zonas marginais dulçaquícolas; h) assegurar a protecção da floresta contra agentes bióticos e abióticos, nomeadamente contra os incêndios; i) incentivar e promover a investigação científica e tecnológica no domínio florestal.

Por outro lado, nos termos do artigo 5.º, «[a] organização dos espaços florestais faz-se, em cada região, através de planos de ordenamento florestal, numa óptica de uso múltiplo e de forma articulada com os planos regionais e locais de ordenamento do território» (n.º 1), sendo esses planos regionais de ordenamento florestal (PROF) elaborados pelo organismo público legalmente competente em colaboração com os detentores das áreas abrangidas, submetidos à apreciação pública e aprovados pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas (n.º 2).

Resta acrescentar que os solos incluídos em áreas florestais são identificados nos planos regionais, intermunicipais e municipais de ordenamento do território, tal como determina o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial que adiante se analisará.

2.4. O regime das zonas especiais de conservação (ZEC) e das zonas de protecção especiais (ZPE) está previsto no Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril[58], que reviu a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de Abril, relativa à conservação das aves selvagens (Directiva Aves), alterada pelas Directivas n.os 91/244/CEE, da Comissão, de 6 de Março, 94/24/CE, do Conselho, de 8 de Junho, e 97/49/CE, da Comissão, de 29 de Junho, bem como da Directiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens (Directiva Habitats), com as alterações que lhe foram introduzidas pela Directiva n.º 97/62/CE, do Conselho, de 27 de Outubro.

São objectivos deste diploma, contribuir para assegurar a biodiversidade, através da conservação e do restabelecimento dos habitats naturais e da flora e fauna selvagens num estado de conservação favorável no território nacional, tendo em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais (n.º 2 do artigo 1.º).

Tendo em vista a prossecução desses objectivos, prevê-se a designação de zonas de protecção especial, ao abrigo da Directiva Aves, e sítios nacionais, no âmbito da Directiva Habitats. A partir das várias listas nacionais de sítios[59] são posteriormente seleccionados os sítios de importância comunitária, que darão lugar a zonas especiais de conservação (artigos 4.º e 5.º).

As zonas especiais de conservação, a par das zonas de protecção especial, integram uma rede ecológica europeia, denominada «Rede Natura 2000», que constitui um instrumento fundamental da política da União Europeia em matéria de conservação da natureza e diversidade biológica.

Segundo o artigo 3.º do diploma citado, zona especial de conservação (ZEC) é «um sítio de importância comunitária no território nacional em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável dos habitats naturais ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado» (alínea n) do n.º 1) e zona de protecção especial (ZPE) é «uma área de importância comunitária no território nacional em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou restabelecimento do estado de conservação das populações das espécies de aves selvagens inscritas no [respectivo] anexo A-I e dos seus habitats».

Os instrumentos de planeamento territorial ou outros de natureza especial, quando existam, devem conter as medidas necessárias para garantir a conservação dos habitats e das populações de espécies para as quais os referidos sítios e áreas foram designados, e caso esses instrumentos de planeamento não contemplem tais medidas, devem integrá-las na primeira revisão a que sejam sujeitos (n.os 3 e 4 do artigo 7.º).

Ademais, encontra-se prevista a aprovação, precedida de consulta pública, de um plano sectorial relativo à implementação da Rede Natura 2000[60] (n.os 5 e 6 do artigo 7.º).

Enquanto os mencionados instrumentos de planeamento territorial não forem criados ou revistos de modo a garantir a conservação das áreas em causa, ficam sujeitos a parecer favorável do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) ou da direcção regional de ambiente territorialmente competente, entre outros actos e actividades, «[a] realização de obras de construção civil fora dos perímetros urbanos, com excepção das obras de reconstrução, ampliação demolição e conservação» (alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º) e a «[a] alteração do uso actual do solo que abranja áreas contínuas superiores a 5 ha» (alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º).

Por outro lado, quaisquer acções ou projectos, individualmente ou em conjunto com outras acções ou projectos, susceptíveis de afectar significativamente um sítio de importância comunitária, uma ZEC ou uma ZPE, e tendo em vista o objectivo de conservação dos mesmos, podem ser sujeitos a uma avaliação de impacte ambiental ou a um processo prévio de análise de incidências ambientais, como formalidade essencial da autorização (n.º 1 do artigo 9.º), e quando se conclua que a acção ou projecto implica impactes negativos para um sítio de importância comunitária, para uma ZEC ou para uma ZPE, o mesmo só pode ser autorizado quando se verifique a ausência de solução alternativa e ocorram razões imperativas de interesse público, como tal reconhecidas mediante despacho conjunto do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente[61] e do ministro competente em razão da matéria (n.º 1 do artigo 10.º).

O regime das zonas especiais de conservação e das zonas de protecção especiais prevê, igualmente, normas respeitantes à fiscalização (artigo 21.º), a tipificação de ilícitos de mera ordenação social (artigo 22.º a 24.º) e medidas necessárias à reposição da situação anterior à infracção (artigo 25.º).

Note-se que a operação urbanística para instalação de um empreendimento turístico na zona do Meco, insere-se no sítio «Arrábida-Espichel» (PTCON0010), classificado na Lista Nacional de Sítios (1.ª fase), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto, sítio com 20.663 hectares, possuidor de diversos habitats naturais, bem como de diversas espécies da flora e da fauna, algumas prioritárias.

3. O Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro[62], em desenvolvimento das bases da política de ordenamento do território e de urbanismo estabelecidas pela Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, define o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de planificação territorial, o regime geral de uso do solo e a disciplina jurídica do procedimento de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.

Em primeiro lugar, convirá possuir uma visão sistemática do diploma, que tem 160 artigos, repartidos por oito capítulos, alguns divididos em secções e algumas destas sistematizadas em subsecções e divisões, a saber:

– Capítulo I (Disposições gerais – artigos 1.º a 22.º);
– Secção I (Disposições gerais – artigos 1.º a 7.º);
– Secção II (Interesses públicos com expressão territorial – artigos 8.º a
22.º);
– Subsecção I (Harmonização dos interesses – artigos 8.º a 19.º);
– Subsecção II (Coordenação das intervenções – artigos 20.º a 22.º);
– Capítulo II (Sistema de gestão territorial artigos 23.º a 100.º);
– Secção I (Relação entre os instrumentos de gestão territorial artigos 23.º a 25.º);
– Secção II (Âmbito nacional – artigos 26.º a 50.º);
– Subsecção I (Programa nacional da política de ordenamento do
território – artigos 26.º a 34.º);
– Subsecção II (Planos sectoriais – artigos 35.º a 41.º);
– Subsecção III (Planos especiais de ordenamento do território –
artigos 42.º a 50.º);
– Secção III (Âmbito regional – artigos 51.º a 59.º);
– Secção IV (Âmbito municipal – artigos 60.º a 92.º);
– Subsecção I (Planos intermunicipais de ordenamento do território
artigos 60.º a 68.º);
– Subsecção II (Planos municipais de ordenamento do território –
artigos 69.º a 92.º);
– Divisão I (Disposições gerais – artigos 69.º a 83.º);
– Divisão I (Disposições gerais – artigos 84.º a 86.º);
– Divisão III (Plano de urbanização – artigos 87.º a 89.º);
– Divisão IV (Plano de pormenor – artigos 90.º a 92.º);
– Secção V (Dinâmica – artigos 93.º a 100.º);
– Capítulo III (Violação dos instrumentos de gestão territorial – artigos
101.º a 106.º);
– Capítulo IV (Medidas cautelares – artigos 107.º a 117.º);
– Secção I (Medidas preventivas – artigos 107.º a 116.º);
– Secção II (Suspensão de concessão de licenças – artigo 117.º);
– Capítulo V (Execução, compensação e indemnização artigos 118.º a
143.º);
– Secção I (Programação e execução artigos 118.º a 134.º);
– Subsecção I (Programação e sistemas de execução – artigos 118.º
a 125.º);
– Subsecção II (Instrumentos de execução dos planos – artigos 126.º
a 134.º);
– Secção II (Da compensação – artigos 135.º a 142.º);
– Subsecção I (Princípio da perequação compensatória dos
benefícios e encargos – artigos 135.º a 137.º);
– Subsecção II (Mecanismos de perequação compensatória – artigos
138.º a 142.º);
– Secção III (Da indemnização artigo 143.º);
– Capítulo VI (Avaliação – artigos 144.º a 147.º);
– Capítulo VII (Eficácia – artigos 148.º a 151.º);
– Capítulo VIII (Disposições finais e transitórias – artigos 152.º a 160.º).

3.1. O diploma começa por definir o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial (artigo 2.º), estabelecendo que o âmbito nacional é concretizado através do programa nacional da política de ordenamento do território, dos planos sectoriais com incidência territorial e dos planos especiais de ordenamento do território (n.º 2), o âmbito regional é concretizado através dos planos regionais de ordenamento do território (n.º 3) e o âmbito municipal é concretizado através dos planos intermunicipais de ordenamento do território e dos planos municipais de ordenamento do território, compreendendo estes, os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor (n.º 4).

Os instrumentos de gestão territorial devem explicitar, de forma racional e clara, o fundamento técnico das respectivas previsões, indicações e determinações (artigo 4.º), assim como identificar os interesses públicos prosseguidos, justificando os critérios utilizados na sua identificação e hierarquização, e assegurar a harmonização dos vários interesses públicos com expressão espacial, tendo em conta as estratégias de desenvolvimento económico e social, bem como a sustentabilidade e a solidariedade intergeracional na ocupação e utilização do território (artigo 8.º), sendo certo que, nas áreas territoriais em que convirjam interesses públicos entre si incompatíveis, deve ser dada prioridade àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo em termos ambientais, económicos, sociais e culturais (artigo 9.º).

Segundo o artigo 10.º, os instrumentos de gestão territorial devem identificar os seguintes recursos territoriais:

a) As áreas afectas à defesa nacional, segurança e protecção civil;
b) Os recursos e valores naturais;
c) As áreas agrícolas e florestais;
d) A estrutura ecológica;
e) O património arquitectónico e arqueológico;
f) As redes de acessibilidades;
g) As redes de infra-estruturas e equipamentos colectivos;
h) O sistema urbano;
i) A localização e a distribuição das actividades económicas.

No que concerne às áreas agrícolas e florestais, o artigo 13.º prevê que se identifiquem as áreas afectas a usos agro-florestais, bem como as áreas fundamentais para a valorização da diversidade paisagística, designadamente as áreas de reserva agrícola, e quanto à estrutura ecológica, o artigo 14.º determina a identificação das áreas, valores e sistemas fundamentais para a protecção e valorização ambiental dos espaços rurais e urbanos, designadamente as áreas de reserva ecológica.

O artigo 19.º, por sua vez, reportando-se à localização e distribuição das actividades industriais, turísticas, de comércio e de serviços, ordena que «[o] programa nacional da política de ordenamento do território, os planos regionais, os planos intermunicipais de ordenamento do território e os planos sectoriais relevantes definirão os princípios e directrizes subjacentes à estratégia de localização, instalação e desenvolvimento de espaços turísticos comerciais e de serviços, compatibilizando o equilíbrio urbano e a qualidade ambiental com a criação de oportunidades de emprego e a equilibrada distribuição de usos e funções no território» (alínea b) do n.º 2) e que «os planos municipais de ordenamento do território estabelecerão, no quadro definido pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respectivo conteúdo, os parâmetros de ocupação e de utilização do solo, para os fins relativos à localização e distribuição das actividades económicas» (n.º 3).

O reconhecimento da importância decisiva de uma efectiva coordenação entre as várias entidades públicas intervenientes no processo de planeamento, fundamenta a consagração do princípio geral da coordenação das intervenções do Estado e das autarquias locais em matéria de gestão territorial (artigo 20.º), regulando-se formas de coordenação das diversas intervenções públicas com impacte territorial, quer no âmbito de cada uma das pessoas colectivas responsáveis pelas diversas fases do processo de planeamento (artigo 21.º), quer no âmbito das relações entre as mesmas, estabelecendo-se, relativamente ao Estado e às autarquias locais, o dever de promoção da política de ordenamento do território, de forma articulada e garantindo o respeito pelas respectivas atribuições na elaboração dos vários instrumentos e o cumprimento dos limites materiais impostos à intervenção dos diversos órgãos e agentes relativamente ao processo de planeamento nacional, regional e municipal (artigo 22.º).

As relações entre os diversos instrumentos de gestão territorial são muito complexas, tendo a doutrina delineado três princípios fundamentais disciplinadores[63]: o princípio da hierarquia, que não deve ser entendido de forma rígida, mas de forma flexível ou mitigada, e sempre conjugado com o princípio da coordenação das intervenções das várias entidades responsáveis pela sua elaboração e aprovação; o princípio da conta‑corrente, que se concretiza pela obrigação do plano hierarquicamente superior e mais amplo tomar em consideração as disposições de um plano hierarquicamente inferior e abrangente de uma área mais restrita; e o princípio da articulação, que se caracteriza pela obrigação de compatibilização recíproca entre planos que não estão subordinados ao princípio da hierarquia, traduzindo, no essencial, a proibição da coexistência de planos que contenham disposições contraditórias.

O artigo 24.º prevê, expressamente, as relações jurídicas entre os vários instrumentos de âmbito nacional ou regional e os instrumentos de âmbito municipal, desenvolvendo o imperativo da compatibilização das respectivas opções nos termos seguintes:
«Artigo 24.º
(Relação entre os instrumentos de âmbito nacional ou regional e os instrumentos de âmbito municipal)
1 – O programa nacional da política de ordenamento do território e os planos regionais definem o quadro estratégico a desenvolver pelos planos municipais de ordenamento do território e, quando existam, pelos planos intermunicipais de ordenamento do território.
2 – Nos termos do número anterior, os planos municipais de ordenamento do território definem a política municipal de gestão territorial de acordo com as directrizes estabelecidas pelo programa nacional da política de ordenamento do território, pelos planos regionais de ordenamento do território e, sempre que existam, pelos planos intermunicipais de ordenamento do território;
3 – Os planos municipais de ordenamento do território e, quando existam, os planos intermunicipais de ordenamento do território devem acautelar a programação e a concretização das políticas de desenvolvimento económico e social e de ambiente, com incidência espacial, promovidas pela administração central, através dos planos sectoriais.
4 – Os planos especiais de ordenamento do território prevalecem sobre os planos intermunicipais de ordenamento do território, quando existam, e sobre os planos municipais de ordenamento do território.»

3.2. Examinemos, agora, o regime aplicável aos instrumentos de gestão territorial, com maior enfoque para aqueles que assumem especial relevo para a questão posta e que são os planos regionais de ordenamento do território, os planos municipais de ordenamento do território e, dentre estes, os planos de pormenor.

A disciplina do processo tendente à aprovação dos diversos instrumentos obedece a uma matriz comum: definição sucessiva da respectiva noção, objectivos, conteúdo material e documental, elaboração, acompanhamento, concertação, participação e discussão pública e aprovação.

3.2.1. O programa nacional da política de ordenamento do território é o documento que estabelece as grandes opções com relevância para a organização do território nacional, consubstanciando o quadro de referência a considerar na elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial e constitui um instrumento de cooperação com os demais Estados membros para a organização do território da União Europeia (artigo 26.º).

Este tipo de instrumento aplica-se a todo o território nacional, é constituído por um relatório e um programa de acção (artigo 29.º) e a respectiva elaboração é da competência do Governo, sob coordenação do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente[64] (artigo 30.º), sendo aprovado por lei da Assembleia da República, cabendo ao Governo o desenvolvimento e a concretização do programa de acção[65] (artigo 34.º).

O programa nacional da política de ordenamento do território é apenas vinculativo para as entidades públicas (n.º 1 do artigo 3.º).

3.2.2. Os planos sectoriais são instrumentos de programação ou de concretização das políticas de desenvolvimento económico e social com incidência na organização do território (n.º 1 do artigo 35.º).

Nesta perspectiva, são planos sectoriais os planos com incidência territorial da responsabilidade dos diversos sectores da administração central, nomeadamente nos domínios dos transportes, das comunicações, da energia e dos recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio, da indústria, das florestas e do ambiente (alínea a) do n.º 2 do artigo 35.º).

Para além destes, consideram-se planos sectoriais os planos de ordenamento sectorial e os regimes territoriais definidos ao abrigo de lei especial (v.g. Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional) e, bem assim, as decisões sobre a localização e a realização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial (alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 35.º).

Esses planos abrangem a área territorial necessária para a respectiva intervenção, são constituídos por um relatório, bem como pelas peças gráficas necessárias à representação da correspondente expressão territorial (artigo 37.º) e a pertinente elaboração é determinada por resolução do Conselho de Ministros, competindo às entidades públicas que integram a administração estadual directa ou indirecta (artigo 38.º), sendo aprovados por resolução do Conselho de Ministros, salvo norma especial que determine a sua aprovação por decreto-lei ou decreto regulamentar (artigo 41.º).

Os planos sectoriais são apenas vinculativos para as entidades públicas, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º

3.2.3. Os planos especiais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar elaborados pela administração central e que constituem um meio supletivo de intervenção do Governo, tendo em vista a prossecução de objectivos de interesse nacional com repercussão espacial, estabelecendo regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e assegurando a permanência dos sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território. Assim, são planos especiais de ordenamento do território, os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira (artigo 42.º).

Tais planos abrangem a área territorial necessária para o interesse específico a prosseguir, são constituídos por um regulamento e pelas peças gráficas necessárias à representação da respectiva expressão territorial, acompanhados por um relatório, que justifica a disciplina definida, uma planta de condicionantes, que identifica as servidões e restrições de utilidade pública em vigor, e pelos demais documentos fixados por portaria do Ministro responsável pelo ordenamento do território (artigo 45.º) e a respectiva elaboração é determinada por resolução do Conselho de Ministros, (artigo 46.º), sendo aprovados por resolução do Conselho de Ministros, a qual deve consagrar as formas e os prazos, previamente acordados com as câmaras municipais envolvidas, para a adequação dos planos municipais de ordenamento do território abrangidos e dos planos intermunicipais de ordenamento do território, quando existam (artigo 49.º).

Os planos especiais de ordenamento do território vinculam todas as entidades públicas e também, de forma directa e imediata, os particulares (n.º 2 do artigo 3.º).

3.2.4. Os planos regionais de ordenamento do território são instrumentos que definem a estratégia regional de desenvolvimento territorial, integrando as opções estabelecidas ao nível nacional e considerando as estratégias municipais de desenvolvimento local, constituindo o quadro de referência para a elaboração dos planos municipais de ordenamento do território (n.º 1 do artigo 51.º).

Abrangem, em princípio, a área correspondente à respectiva comissão de coordenação e desenvolvimento regional que os elaboram, mas esta pode propor ao Governo que o plano regional de ordenamento do território seja estruturado em unidades de planeamento correspondentes a espaços sub-regionais integrados na respectiva área de actuação susceptíveis de elaboração e aprovação faseadas (n.º 3 do artigo 51.º).

São objectivos desses planos (artigo 52.º), desenvolver, no âmbito regional, as opções constantes do programa nacional da política de ordenamento do território e dos planos sectoriais [alínea a)], traduzir, em termos espaciais, os grandes objectivos de desenvolvimento económico e social sustentável formulados no plano de desenvolvimento regional [alínea b)], equacionar as medidas tendentes à atenuação das assimetrias de desenvolvimento intra-regionais [alínea c)] e servir de base à formulação da estratégia nacional de ordenamento territorial e de quadro de referência para a elaboração dos planos especiais, intermunicipais e municipais de ordenamento do território [alínea d)].

Sobre o respectivo conteúdo material, o artigo 53.º preceitua que os planos regionais de ordenamento do território definem um modelo de organização do território regional estabelecendo, nomeadamente, a estrutura regional do sistema urbano, das redes, das infra-estruturas e dos equipamentos de interesse regional, assegurando a salvaguarda e a valorização das áreas de interesse nacional em termos económicos, agrícolas, florestais, ambientais e patrimoniais [alínea a)], os objectivos e os princípios assumidos ao nível regional quanto à localização das actividades e dos grandes investimentos públicos [alínea b)], as medidas de articulação, ao nível regional, das políticas estabelecidas no programa nacional da política de ordenamento do território e nos planos sectoriais preexistentes, bem como das políticas de relevância regional contidas nos planos intermunicipais e nos planos municipais de ordenamento do território abrangidos [alínea c)], a política regional em matéria ambiental, bem como a recepção, ao nível regional, das políticas e das medidas estabelecidas nos planos especiais de ordenamento do território [alínea d)], as directrizes relativas aos regimes territoriais definidos ao abrigo de lei especial, designadamente áreas de reserva agrícola, domínio hídrico, reserva ecológica e zonas de risco [alínea e)] e medidas específicas de protecção e conservação do património histórico e cultural [alínea f)].

Os mencionados planos são constituídos por três grupos de documentos (artigo 54.º). Em primeiro lugar, pelas opções estratégicas, normas orientadoras e um conjunto de peças gráficas ilustrativas das orientações substantivas nele definidas. Em segundo lugar, por um esquema representando o modelo territorial proposto, com a identificação dos principais sistemas, redes e articulações de nível regional. Finalmente, por um relatório que contém: (a) os estudos sobre a caracterização biofísica, a dinâmica demográfica, a estrutura de povoamento e as perspectivas de desenvolvimento económico, social e cultural da região; (b) a definição de unidades de paisagem; (c) a estrutura regional de protecção e valorização ambiental; (d) a identificação dos espaços agrícolas e florestais com relevância para a estratégia regional de desenvolvimento rural; (e) a representação das redes de acessibilidades e dos equipamentos; (f) o programa de execução contendo disposições indicativas sobre a realização das obras públicas a efectuar na região, bem como de outros objectivos e acções de interesse regional indicando as entidades responsáveis pela respectiva concretização; (g) a identificação das fontes e estimativa de meios financeiros.

A elaboração dos planos regionais de ordenamento do território compete à comissão de coordenação e desenvolvimento regional, sendo determinada por resolução do Conselho de Ministros (artigo 55.º), e conforme o disposto no artigo 56.º, a respectiva elaboração é acompanhada por uma comissão mista de coordenação, integrada por representantes de diversos Ministérios, dos municípios abrangidos e de outras entidades públicas cuja participação seja aconselhada no âmbito do plano, bem como de representantes dos interesses económicos, sociais, culturais e ambientais, sendo que, concluída a respectiva elaboração, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional remete, para parecer, a proposta de plano regional de ordenamento do território, acompanhada do parecer da comissão mista de coordenação, às entidades que, no âmbito da mesma, hajam formalmente discordado das soluções definidas no futuro plano (artigo 57.º).

O plano regional de ordenamento do território está sujeito a um período formal de discussão pública (artigo 58.º) e é aprovado por resolução do Conselho de Ministros (artigo 59.º), sendo publicado na 1.ª Série do Diário da República, em dois jornais diários e num semanário de grande expansão nacional (artigos 148.º, n.º 2, alínea c), e 149.º, n.º 1), e registado na Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (artigo 150.º).

Referindo-se à eficácia jurídica dos planos regionais de ordenamento do território (PROT), afirma FERNANDA PAULA OLIVEIRA[66]:

«Os PROT são apenas vinculativos para as entidades públicas, não vinculando os particulares. As normas do PROT vinculam, por um lado, o ente público que o aprova (o Estado), bem como todas as entidades públicas. Trata-se, por isso, de um plano que se enquadra nos conceitos de autoplanificação e de heteroplanificação. No conjunto das entidades públicas que devem obediência ao PROT estão os municípios, que devem respeitar, na elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, as suas normas e princípios.
Não vinculam, no entanto, de um modo directo e imediato, os particulares dado que as suas normas apenas definem o quadro estratégico, as directrizes orientadoras de carácter genérico, e as orientações para o ordenamento do território. Deste modo, tendo um grau analítico pouco denso, as suas disposições não podem servir de base para decisões concretas da administração em relação aos particulares.»

O carácter não vinculativo dos planos regionais de ordenamento do território em relação aos particulares decorre do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do diploma em análise.

Neste segmento expositivo, importa, ainda, assinalar que a zona em que se pretende instalar o empreendimento turístico do Meco, assim como a Mata de Sesimbra, inserem-se na rede primária da estrutura metropolitana de protecção e valorização ambiental, estabelecida pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROTAML), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2002, de 8 de Abril[67].

Segundo a estrutura do modelo territorial proposto no PROTAML, Sesimbra, a par de Alcochete e Mafra, é um dos três pólos de valência turística e ambiental com especificidades bem diferenciadas, «com predomínio de áreas ambientalmente condicionadas, mas com potencialidades de recreio e lazer e actividades turísticas ligadas às excelentes condições naturais interiores e litorais»[68].

Os estudos de caracterização e diagnóstico desenvolvidos no âmbito do PROTAML, designadamente o inventário territorial e o levantamento dos padrões de ocupação do solo, permitiram fundamentar a identificação de 17 unidades territoriais distintas, que constituem a base do modelo territorial e que dele são parte integrante.

Entre essas unidades territoriais figura a unidade «Arrábida/Espichel/matas de Sesimbra», que congrega «uma vasta área a sudoeste da península de Setúbal e nela se inserem subunidades autónomas, mas com a característica comum de constituírem espaços fundamentais do ponto de vista natural. São eles a serra da Arrábida, o cabo Espichel, as matas de Sesimbra, a área agrícola de Azeitão, o eixo urbano Sesimbra/Santana/lagoa de Albufeira»[69].

«A serra da Arrábida, classificada como parque natural, e o cabo Espichel correspondem a uma extensa área costeira e serrana compreendendo falésias, costeira, marinhas, praias, maquis[70], garrigues[71], pastagens, florestas e áreas agrícolas compartimentais de elevado interesse e diversidade ecológica, constituindo paisagens e zonas únicas incontornáveis na riqueza patrimonial natural da AML. As matas de Sesimbra são um importante espaço da península [de Setúbal], constituindo a única mancha integralmente florestal e contínua no seio da AML e detendo uma ocupação arbórea de elevado interesse faunístico e florístico. Com especial interesse, e classificada nas matas, encontra-se a zona húmida da lagoa de Albufeira.»[72]

Ainda no âmbito do PROTAML, foram estabelecidas quatro áreas estruturantes da rede primária da estrutura metropolitana de protecção e valorização ambiental, nela se incluindo o território da unidade «Arrábida/Espichel/matas de Sesimbra/lagoa de Albufeira» (n.º 4), que constitui um elemento terrestre de contraponto às áreas estuarinas de elevada importância metropolitana e nacional.

«Trata-se de uma área de paisagem única com elementos extremamente diversificados, tanto do ponto de vista geológico e geomorfológico, como florístico, faunístico e paisagístico», sendo acentuado que «[a]s suas potencialidades para as actividades de turismo, recreio e lazer deverão ser enquadradas pela garantia do respeito pelos valores estratégicos de protecção ambiental»[73].

Definido o esquema do modelo territorial, o PROTAML explicita as normas orientadoras das opções estratégicas adoptadas, que se organizam em três grupos fundamentais (normas gerais, normas específicas e acções urbanísticas), referindo, no que interessa ao tema da consulta:

Normas Gerais (Orientações territoriais):
– «Manter a Arrábida/Espichel como paisagens e zona únicas fora das pressões urbanas» (1.3.10.1);
– «Estruturar e consolidar o sistema Sesimbra/Santana/lagoa de Albufeira como área urbana ligada ao turismo, recreio e lazer, garantindo que a ocupação turística seja consentânea com o interesse paisagístico, ecológico e patrimonial» (1.3.10.2);
– «Controlar as pressões urbanas nas matas de Sesimbra, tendo em conta o seu elevado interesse patrimonial» (1.3.10.4)[74].

Normas Específicas (Ordenamento territorial e planeamento urbanístico)[75]:
– Quanto à rede primária da estrutura metropolitana de protecção e valorização ambiental, os instrumentos de planeamento territorial (adiante designados por IPT) devem «definir modelos de uso, ocupação e classificação do solo que decorram de estudos globais para as áreas indicadas e que considerem a função ecológica destes territórios como dominante, prioritária e estruturante, garantindo que as intervenções nas áreas de fronteira e no seu interior não põem em causa a sua função dominante, nem lhe diminuem ou alteram o carácter» (2.2.2.1);
– Nessas mesmas áreas estruturantes primárias da estrutura metropolitana de protecção e valorização ambiental, as administrações central e municipal devem «definir critérios específicos de licenciamento para as actividades de turismo, recreio e lazer que sejam compatíveis com as suas funções dominantes, estabilizadoras do sistema, garantindo sempre a sua inserção regional e ambiental» (2.2.2.2);
– Os instrumentos de planeamento territorial devem «acautelar a proliferação da edificação dispersa nas áreas agrícolas, florestais ou naturais, seja com fins habitacionais de primeira ou segunda residência, sejam equipamentos ou instalações industriais ou de armazenagem» (2.2.7.1);
– As administrações central e municipal devem «promover a requalificação e a diversificação da oferta turística, através de acções de ordenamento do território que promovam a ocorrência ou orientem a procura de empreendimentos turísticos, com garantias de integração social e ambiental» (2.7.4).

Acções Urbanísticas (Área turística a estruturar e qualificar)[76]:
– «As áreas com vocação turística devem ser objecto de estudos inseridos em IPT específicos para estas áreas, onde sejam avaliadas as suas características actuais, as suas potencialidades e as funções ambientais e turísticas determinantes que promovam actividades de desenvolvimento sustentável e de integração ambiental» (3.8.1);
– «Na área de Sesimbra/Santana/lagoa de Albufeira, os IPT devem: (a) garantir a manutenção dos valores naturais e paisagísticos que conferem a esta área uma elevada procura em termos de turismo, recreio, lazer e segunda residência; (b) promover as acções que conduzam à contínua recuperação, manutenção ou requalificação dos ecossistemas associados à lagoa de Albufeira e suas margens, bem como às suas faixas litorais; (c) promover a contenção da habitação dispersa e associar padrões de qualidade ao edificado nas áreas urbanas e nos núcleos rurais; (d) promover acções urbanísticas de restruturação e reconversão de áreas degradadas ou de génese ilegal» (3.8.5).

3.2.5. O plano intermunicipal de ordenamento do território é um instrumento de desenvolvimento territorial que assegura a articulação entre o plano regional e os planos municipais de ordenamento do território, no caso de áreas territoriais que, pela interdependência dos seus elementos estruturantes, necessitam de uma coordenação integrada (n.º 1 do artigo 60.º), abrangendo a totalidade ou parte das áreas territoriais pertencentes a dois ou mais municípios vizinhos (n.º 2 do artigo 60.º).

Os planos intermunicipais de ordenamento do território são constituídos por um relatório e por um conjunto de peças gráficas ilustrativas das orientações substantivas, podendo ser acompanhados, em função dos respectivos âmbito e objectivos, por: planta de enquadramento, abrangendo a área de intervenção e a restante área de todos os municípios integrados no plano; identificação dos valores culturais e naturais a proteger, bem como dos espaços agrícolas e florestais com relevância para a estratégia intermunicipal de desenvolvimento rural; representação das redes de acessibilidades e dos equipamentos públicos de interesse supramunicipal; análise previsional da dinâmica demográfica, económica, social e ambiental da área abrangida; e, ainda, por programas de acção territorial relativos, designadamente, à execução das obras públicas determinadas pelo plano, e por um plano de financiamento (artigo 63.º).

A elaboração dos planos intermunicipais de ordenamento do território compete aos municípios associados para o efeito ou às associações de municípios, após aprovação, respectivamente, pelas assembleias municipais interessadas ou pela assembleia intermunicipal, da respectiva proposta, definindo a área abrangida e os objectivos estratégicos a atingir (n.º 1 do artigo 64.º), sendo aprovados por deliberação das assembleias municipais interessadas, quando se trate de municípios associados para o efeito, ou por deliberação da assembleia intermunicipal, após audição de todas as assembleias municipais envolvidas (artigo 67.º), e após a aprovação, são objecto de ratificação pelo Governo, através de resolução do Conselho de Ministros (artigo 68.º).

Os planos intermunicipais de ordenamento do território apenas vinculam as entidades públicas (n.º 1 do artigo 3.º).

3.2.6. Os planos municipais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar aprovados pelos municípios, que estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental (artigo 69.º).

Segundo o artigo 70.º, os planos municipais de ordenamento do território visam estabelecer a tradução, no âmbito local, do quadro de desenvolvimento do território estabelecido nos instrumentos de natureza estratégica de âmbito nacional e regional [alínea a)], a expressão territorial da estratégia de desenvolvimento local [alínea b)], a articulação das políticas sectoriais com incidência local [alínea c)], a base de uma gestão programada do território municipal [alínea d)], a definição da estrutura ecológica municipal [alínea e)], os princípios e as regras de garantia da qualidade ambiental e da preservação do património cultural [alínea f)], os princípios e os critérios subjacentes a opções de localização de infra-estruturas, equipamentos, serviços e funções [alínea g)], os critérios de localização e distribuição das actividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços [alínea h)], os parâmetros de uso do solo [alínea i)], os parâmetros de uso e fruição do espaço público [alínea j)], outros indicadores relevantes para a elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial [alínea l)].

Os planos municipais de ordenamento do território definem o regime de uso do solo através da respectiva classificação e qualificação (artigo 71.º).

Os solos são classificados, tendo em consideração o destino básico dos terrenos, em solos urbanos e solos rurais (artigo 72.º), referindo-se a qualificação do solo, atenta a sua classificação básica, à regulação do aproveitamento do mesmo em função da utilização dominante que nele pode ser instalada ou desenvolvida, fixando os respectivos uso e, quando admissível, edificabilidade (artigo 73.º).

São planos municipais de ordenamento do território, os planos directores municipais (artigos 84.º a 86.º), os planos de urbanização (artigos 87.º a 89.º) e os planos de pormenor (artigos 90.º a 92.º).

O plano director municipal (PDM) estabelece o modelo de estrutura espacial do território municipal, constituindo uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local prosseguida, integrando as opções de âmbito nacional e regional com incidência na respectiva área de intervenção (n.º 1 do artigo 84.º), devendo proceder à definição de unidades operativas de planeamento e gestão, para efeitos de programação da execução do plano, estabelecendo para cada uma das mesmas os respectivos objectivos, bem como os termos de referência para a necessária elaboração de planos de urbanização e de pormenor (alínea l) do artigo 85.º).

O plano de urbanização define a organização espacial de parte determinada do território municipal, incluída em perímetros urbanos, podendo englobar solo rural complementar que exija uma intervenção integrada de planeamento (artigo 87.º).

Por último, o plano de pormenor desenvolve e concretiza propostas de organização espacial de qualquer área específica do território municipal, definindo com detalhe a concepção da forma de ocupação e servindo de base aos projectos de execução das infra-estruturas, da arquitectura dos edifícios e dos espaços exteriores, de acordo com as prioridades estabelecidas nos programas de execução constantes do plano director municipal e do plano de urbanização (n.º 1 do artigo 90.º).

Do ponto de vista do seu conteúdo material, o plano director municipal define um modelo de organização municipal do território, nomeadamente: a) a caracterização económica, social e biofísica, incluindo da estrutura fundiária da área de intervenção; b) a definição e caracterização da área de intervenção, identificando as redes urbana, viária, de transportes e de equipamentos de educação, de saúde, de abastecimento público e de segurança, bem como os sistemas de telecomunicações, de abastecimento de energia, de captação, de tratamento e abastecimento de água, de drenagem e tratamento de efluentes e de recolha, depósito e tratamento de resíduos; c) a definição dos sistemas de protecção dos valores e recursos naturais, culturais, agrícolas e florestais, identificando a estrutura ecológica municipal; d) os objectivos de desenvolvimento estratégico a prosseguir e os critérios de sustentabilidade a adoptar, bem como os meios disponíveis e as acções propostas; e) a referenciação espacial dos usos e das actividades nomeadamente através da definição das classes e categorias de espaços; f) a identificação das áreas e a definição de estratégias de localização, distribuição e desenvolvimento das actividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços; g) a definição de estratégias para o espaço rural, identificando aptidões, potencialidades e referências aos usos múltiplos possíveis; h) a identificação e a delimitação dos perímetros urbanos, com a definição do sistema urbano municipal; i) a definição de programas na área habitacional; j) a especificação qualitativa e quantitativa dos índices, indicadores e parâmetros de referência, urbanísticos ou de ordenamento, a estabelecer em plano de urbanização e plano de pormenor, bem como os de natureza supletiva aplicáveis na ausência destes; l) a definição de unidades operativas de planeamento e gestão, para efeitos de programação da execução do plano, estabelecendo para cada uma das mesmas os respectivos objectivos, bem como os termos de referência para a necessária elaboração de planos de urbanização e de pormenor; m) a programação da execução das opções de ordenamento estabelecidas; n) a identificação de condicionantes, designadamente reservas e zonas de protecção, bem como das necessárias à concretização dos planos de protecção civil de carácter permanente; o) as condições de actuação sobre áreas críticas, situações de emergência ou de excepção, bem como sobre áreas degradadas em geral; p) as condições de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal; q) a identificação das áreas de interesse público para efeitos de expropriação, bem como a definição das respectivas regras de gestão; r) os critérios para a definição das áreas de cedência, bem como a definição das respectivas regras de gestão; s) os critérios de perequação compensatória de benefícios e encargos decorrentes da gestão urbanística a concretizar nos instrumentos de planeamento previstos nas unidades operativas de planeamento e gestão; t) a articulação do modelo de organização municipal do território com a disciplina consagrada nos demais instrumentos de gestão territorial aplicáveis; u) o prazo de vigência e as condições de revisão (artigo 85.º).

Por sua vez, o plano de urbanização prossegue o equilíbrio da composição urbanística, estabelecendo, nomeadamente: a) a definição e caracterização da área de intervenção identificando os valores culturais e naturais a proteger; b) a concepção geral da organização urbana, a partir da qualificação do solo, definindo a rede viária estruturante, a localização de equipamentos de uso e interesse colectivo e a estrutura ecológica, bem como o sistema urbano de circulação de transporte público e privado e de estacionamento; c) a definição do zonamento para localização das diversas funções urbanas, designadamente habitacionais, comerciais, turísticas, de serviços e industriais, bem como identificação das áreas a recuperar ou a reconverter; d) a adequação do perímetro urbano definido no plano director municipal em função do zonamento e da concepção geral da organização urbana definidos; e) os indicadores e os parâmetros urbanísticos aplicáveis a cada uma das categorias e subcategorias de espaços; f) a estruturação das acções de perequação compensatória a desenvolver na área de intervenção; g) as subunidades operativas de planeamento e gestão (artigo 88.º).

Na explicitação do conteúdo material do plano de pormenor, procura-se clarificar e desenvolver o seu carácter operativo, prevendo-se que estabeleça, entre outros elementos: a) a definição e caracterização da área de intervenção, identificando, quando se justifique, os valores culturais e naturais a proteger; b) a situação fundiária da área de intervenção, procedendo, quando necessário, à sua transformação; c) o desenho urbano, exprimindo a definição dos espaços públicos, de circulação viária e pedonal, de estacionamento, bem como do respectivo tratamento, alinhamentos, implantações, modelação do terreno, distribuição volumétrica, bem como a localização dos equipamentos e zonas verdes; d) a distribuição de funções e a definição de parâmetros urbanísticos, designadamente índices, densidade de fogos, número de pisos e cérceas; e) indicadores relativos às cores e materiais a utilizar; f) as operações de demolição, conservação e reabilitação das construções existentes; g) a estruturação das acções de perequação compensatória a desenvolver na área de intervenção; h) a identificação do sistema de execução a utilizar na área de intervenção.

No que concerne ao respectivo conteúdo documental, o plano director municipal é constituído por um regulamento, uma planta de ordenamento, que representa o modelo de estrutura espacial do território municipal de acordo com a classificação e a qualificação dos solos, bem como com as unidades operativas de planeamento e gestão definidas, uma planta de condicionantes, que identifica as servidões e restrições de utilidade pública em vigor que possam constituir limitações ou impedimentos a qualquer forma específica de aproveitamento, sendo ainda acompanhado por estudos de caracterização do território municipal, um relatório fundamentado das soluções adoptadas e um programa contendo disposições indicativas sobre a execução das intervenções municipais previstas, bem como sobre os meios de financiamento das mesmas (artigo 86.º).

O plano de urbanização é constituído por um regulamento, uma planta de zonamento, que representa a organização urbana adoptada, uma planta actualizada de condicionantes, sendo ainda acompanhado por um relatório fundamentado das soluções adoptadas e por um programa contendo disposições indicativas sobre a execução das intervenções municipais previstas, bem como sobre os meios de financiamento das mesmas (artigo 89.º).

O plano de pormenor é constituído por um regulamento, uma planta de implantação, uma planta actualizada de condicionantes, sendo ainda acompanhado por um relatório fundamentado das soluções adoptadas, peças escritas e desenhadas que suportem as operações de transformação fundiária previstas, nomeadamente para efeitos de registo predial e um programa de execução das acções previstas e respectivo plano de financiamento (artigo 92.º).

A elaboração dos planos municipais de ordenamento do território compete à câmara municipal, sendo determinada por deliberação a publicar no Diário da República e a divulgar através da comunicação social, que estabelece os respectivos prazos de elaboração, cabendo também à câmara municipal definir a oportunidade e os termos de referência dos planos de urbanização e dos planos de pormenor, sem prejuízo da posterior intervenção de outras entidades públicas ou particulares (artigo 74.º).

A elaboração dos planos municipais é acompanhada pela administração central.

No caso do plano director municipal, o acompanhamento é assegurado por uma comissão mista de coordenação constituída por despacho do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente[77], devendo a sua composição traduzir a natureza dos interesses a salvaguardar e a relevância das implicações técnicas a considerar, integrando técnicos oriundos de serviços da administração directa ou indirecta do Estado, das Regiões Autónomas, do município e de outras entidades públicas cuja participação seja aconselhável no âmbito do plano, bem como de representantes dos interesses económicos, sociais, culturais e ambientais (n.º 6 do artigo 75.º) [78].

Já o acompanhamento da elaboração dos planos de urbanização e dos planos de pormenor é assegurado pela comissão de coordenação e desenvolvimento regional, que promove a audição das entidades representativas dos interesses a ponderar no prazo de cinco dias após a recepção da proposta de plano (n.º 7 do artigo 75.º).

Concluída a elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, abre-se a fase tendente a obter a concertação entre as entidades que, no âmbito da comissão mista de coordenação, hajam formalmente discordado das soluções projectadas (artigo 76.º).

No âmbito do procedimento de elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, prevê-se, igualmente, de uma forma expressa, a participação dos particulares (artigo 77.º). Na verdade, ao longo da elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, a câmara municipal deve facultar aos interessados todos os elementos relevantes para que estes possam conhecer o estádio dos trabalhos e a evolução da tramitação procedimental, bem como formular sugestões à autarquia e à comissão mista de coordenação (n.º 1), é obrigada a publicitar a abertura do procedimento de elaboração dos planos municipais, para permitir a participação preventiva dos particulares (n.º 2), prevendo-se, ainda, uma consulta formal ao público antes da aprovação (n.os 4 a 6).

Finda a participação dos particulares, a câmara municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados, estando obrigada a um dever de resposta fundamentada perante aqueles que invoquem desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes, incompatibilidade com planos, programas e projectos que devessem ser ponderados em fase de elaboração, desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis e eventual lesão de direitos subjectivos (n.os 7 a 9 do artigo 77.º).

Concluída a versão final, a proposta dos planos municipais de ordenamento do território é objecto de parecer da comissão de coordenação e desenvolvimento regional, que incide sobre a conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como sobre a articulação e coerência da proposta com os objectivos, princípios e regras aplicáveis no município, definidos por quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficazes (artigo 78.º).

A aprovação dos planos municipais de ordenamento do território compete à assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal, podendo a assembleia municipal introduzir alterações à proposta apresentada pela câmara municipal, caso em que devem ser repetidos a consulta pública e o parecer final da comissão de coordenação e desenvolvimento regional (artigo 79.º).

Depois de aprovados, os planos directores municipais, bem como os planos de urbanização, na falta de plano director municipal eficaz, e os planos de pormenor, na falta de plano director municipal ou plano de urbanização eficazes, estão sujeitos a ratificação pelo Governo, sendo que tal ratificação exprime «o reconhecimento da sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como com quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficazes» (n.º 1 do artigo 80.º).

A ratificação dos planos municipais de ordenamento do território pode ser parcial, aproveitando apenas à parte conforme com as normas legais e regulamentares vigentes e com os instrumentos de gestão territorial eficazes (n.º 2 do artigo 80.º).

O n.º 3 do artigo 80.º enumera situações em que o Governo pode ainda proceder à ratificação de planos municipais, nomeadamente, nos casos em que: (i) o plano director municipal, não obstante a incompatibilidade com o plano regional de ordenamento do território, desde que tenha sido objecto de parecer favorável da comissão mista de coordenação; (ii) o plano de urbanização desconforme com o plano director municipal, desde que tenha sido objecto de parecer favorável da comissão de coordenação e desenvolvimento regional; (iii) o plano de pormenor, desconforme com o plano director municipal ou com o plano de urbanização, desde que tenha sido objecto de parecer favorável da comissão de coordenação e desenvolvimento regional.

«Trata-se de um conjunto de casos em que os planos se afastam ou se desviam, em alguma ou algumas das suas disposições, em relação a um plano hierarquicamente superior e com o qual deviam ser compatíveis ou conformes. A possibilidade de o Governo ratificar tais planos deve ser vista como um elemento de flexibilização ou de temperamento do princípio da hierarquia dos planos.»[79]

Nesta conformidade, prevê-se, expressamente, que a ratificação de qualquer plano municipal de ordenamento do território desconforme ou incompatível com instrumentos de gestão territorial superiores implica a automática revogação das disposições constantes dos instrumentos de gestão territorial afectados (n.º 5 do artigo 80.º).

A ratificação governamental dos planos municipais de ordenamento do território é feita por resolução do Conselho de Ministros (n.º 8 do artigo 80.º), tendo «a natureza jurídica de um acto de controlo preventivo, que desencadeia a eficácia da deliberação que aprova o plano»[80].

A questão da natureza jurídica da ratificação governamental dos planos municipais de ordenamento do território foi já tratada, por diversas vezes, pelo Supremo Tribunal Administrativo, tendo-se firmado entendimento no sentido de que tal ratificação é um acto integrativo da eficácia do plano, destinando-se a verificar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes[81].

De acordo com esta orientação, afirmou-se no Acórdão do Pleno da 1.ª Secção, de 2 de Maio de 2001 (Recurso n.º 38.632)[82] que «a ratificação é um acto conformativo, no sentido de verificação da conformidade do PDM à lei, devendo aqui ver-se a actividade do Governo não como uma ingerência na vida das autarquias enquanto elas prosseguem interesses inscritos no âmbito exclusivo das suas atribuições, mas antes como o exercício de uma competência própria na área do ordenamento do território, em que não estão apenas em causa os interesses de cada município. A ratificação do PDM pelo Conselho de Ministros [...] restrita à legalidade do mesmo sem o recusar ou lhe amputar algumas das suas disposições, tem a natureza de acto de aprovação, ou de acto integrativo da eficácia do referido Plano, não tendo, pois, natureza normativa mas sim de acto administrativo».

Sublinhe-se, de passagem, que a eficácia dos planos municipais de ordenamento do território depende da respectiva publicação no Diário da República (artigo 148.º), competindo à Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano proceder ao seu registo (artigo 150.º), e ainda que os planos municipais de ordenamento do território vinculam todas as entidades públicas e também, de forma directa e imediata, os particulares (n.º 2 do artigo 3.º).

Para rematar a matéria respeitante aos planos municipais de ordenamento do território, valerá a pena notar que, nos termos do Regulamento do Plano Director Municipal de Sesimbra[83], o local em que se pretende instalar o empreendimento turístico do Meco integra-se na unidade operativa de planeamento e gestão da Costa de Sesimbra, «que corresponde a um espaço natural a preservar» e no qual se privilegia a protecção dos recursos naturais e culturais (artigos 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 13, 20.º e 21.º) e que a Mata de Sesimbra é considerada uma unidade operativa de planeamento e gestão, «que ocupa cerca de 40% da área concelhia e deverá manter o actual uso florestal, articulado com agricultura nos vales e alguns núcleos turísticos» (artigos 7.º, n.º 9, 66.º e 67.º).

Assim, na área da unidade operativa da Costa de Sesimbra é proibido «construir ou ampliar edificações, salvo equipamentos de recreio e lazer, estes sujeitos a autorização da Câmara Municipal de Sesimbra e parecer favorável de serviço competente do MARN[84]» (alínea g) do n.º 3 do artigo 21.º do citado Regulamento).

Por seu turno, a unidade operativa da mata de Sesimbra inclui espaços florestais (área de 5758 hectares), espaços agrícolas (área de 998 hectares), espaço urbano/urbanizável (área de 42,10 hectares), espaço para equipamentos (área de 12,10 hectares), espaço industrial (área de 25,30 hectares) e espaço militar, conforme o estatuído no artigo 66.º do citado Regulamento.

O programa de ocupação dos espaços florestal e agrícola integrados nesta unidade operativa (n.º 3 do artigo 67.º do citado Regulamento) prevê que «o uso dominante deverá continuar a ser florestal, articulado com espaços agrícolas, sendo permitida a edificação de estabelecimentos hoteleiros ou conjuntos turísticos quando contribuam para a manutenção da floresta, não pondo em causa o seu equilíbrio ecológico» [alínea a)], não sendo permitido nesta área «loteamento urbano, ou destaque de parcelas, construção, salvo de apoio a actividade agro-florestal e empreendimentos turísticos, culturais, desportivos e científicos, quando previstos em estudo de conjunto aprovado, referido no n.º 5» [alínea b)].

As normas e condições para a instalação de empreendimentos turísticos naqueles espaços florestal e agrícola constam das alíneas do n.º 6 do artigo 67.º do citado Regulamento, que estipulam: «a) a propriedade não poderá ter área inferior a 100 hectares; b) a área de intervenção deve corresponder à totalidade da propriedade ou a uma parte desta, a destacar, desde que tenha uma área não inferior a 100 hectares; c) só serão licenciados os empreendimentos turísticos desde que sobre a respectiva área de intervenção esteja registado um ónus que garanta a sua indivisibilidade; d) ocorrendo parcelamento da propriedade, na qual tenha sido construído empreendimento turístico, não será permitido nessas parcelas qualquer construção; e) o projecto deverá abranger a totalidade da área de intervenção, incluindo as zonas destinadas à utilização agrícola ou florestal; f) o solo a ocupar com os acessos, estacionamento, edificações e com as áreas que lhe sejam envolventes ou afectas não poderá ultrapassar 10% da área de intervenção; g) o solo destinado a equipamentos que exijam grande área, tais como campo de golfe, hipódromo ou aeródromo, não se considera incluído na percentagem definida na alínea anterior; estes equipamentos, se existirem, poderão ocupar mais 10% da área de intervenção; h) o índice de construção (superfície total de pavimento/área de intervenção) deverá ser < a 0,020; a superfície de pavimento destinada a equipamentos culturais e ou desportivos de uso colectivo não será considerada para o índice; os parques de campismo serão considerados para o índice, fazendo-se equivaler, para o efeito, um alvéolo a 100 m2 da superfície de pavimento; i) deverá destinar-se a estabelecimentos hoteleiros com regime de lotação dia a dia 50%, pelo menos, da superfície total de pavimento; j) sendo o empreendimento faseado, a 1.ª fase deverá respeitar o disposto na alínea anterior; k) as infra-estruturas a construir, salvo as de captação de água, poderão constituir sistemas autónomos e a sua gestão ficar a cargo dos proprietários, sem prejuízo de fiscalização municipal; [...]; l) os equipamentos que sejam grandes consumidores de água, como os campos de golfe, não poderão utilizar a rede pública, mas fazer o reaproveitamento de águas de ETAR, convenientemente tratadas, aproveitamento de água da chuva e, em última instância, de captações próprias do aquífero superficial, de profundidade menor de 50 m; o seu licenciamento fica condicionado à verificação da disponibilidade destas águas; m) a faixa de propriedade marginal a estradas nacionais e municipais, numa largura de 100 m, deverá ser totalmente arborizada, não podendo ter qualquer outro tipo de ocupação, salvo portaria e via de acesso».

Em qualquer caso, «a implantação das construções deverá respeitar as condicionantes biofísicas e paisagísticas do local, de acordo com a REN e RAN, a pormenorizar caso a caso» (n.º 7 do artigo 67.º do citado Regulamento).

O Regulamento do Plano Director Municipal de Sesimbra prevê que seja autorizada a construção nos espaços urbanos/urbanizáveis e nos espaços industriais (artigo 115.º), bem como nos espaços turísticos, não sendo aí permitido o loteamento urbano, devendo a construção ser precedida de estudos de conjunto no quadro da legislação em vigor para os empreendimentos turísticos[85] (artigo 116.º).

Nas restantes classes de espaço em que se divide o concelho, «não serão permitidas operações de loteamento urbano, apenas sendo permitido o licenciamento de construção, de acordo com o definido nos capítulos anteriores» (artigo 117.º).

O artigo 118.º do mesmo Regulamento consagra os princípios a observar na fixação das taxas e demais compensações a prestar ao município pelas licenças de loteamento e de construção, sendo de realçar o princípio de uma justa repartição de encargos e benefícios entre os diversos agentes no processo de ocupação do território (n.º 1).

Importa acentuar, finalmente, que o n.º 2 do artigo 122.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Sesimbra, incluído nas respectivas disposições finais (Capítulo VIII), determina que «deverão ser elaborados planos de urbanização ou de pormenor para as diversas zonas do concelho, quando a Câmara o entender necessário», planos esses que devem garantir e pormenorizar as orientações globais do Plano Director Municipal, «podendo, quando tal se justifique: a) precisar os perímetros urbanos; b) alterar o número de pisos, até 50% do estipulado; c) alterar a STP (Superfície total de pavimento[86]) máxima prevista numa percentagem não superior a 15%».

3.3. Cabe, de seguida, analisar a dinâmica dos instrumentos de gestão territorial, que se estrutura em torno das figuras jurídicas da alteração, revisão e suspensão dos mesmos[87].

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 93.º, a alteração dos instrumentos de gestão territorial pode decorrer, para além da entrada em vigor de leis ou regulamentos que colidam com as respectivas disposições ou que estabeleçam servidões administrativas ou restrições de utilidade pública que afectem as mesmas, da evolução das perspectivas de desenvolvimentos económico e social que lhes estão subjacentes e que os fundamentam, desde que não ponham em causa os seus objectivos globais, e da ratificação de planos municipais ou da aprovação de planos especiais de ordenamento do território que com eles não se compatibilizem.

Atenta a natureza da vinculação dos planos especiais e municipais e o consequente acréscimo da relevância da salvaguarda dos princípios da estabilidade do planeamento e da segurança jurídica, estabelece-se um período de três anos, após a respectiva entrada em vigor, durante o qual apenas poderão ser objecto de alteração em circunstâncias excepcionais, por força da entrada em vigor de leis ou regulamentos ou para introdução de meros ajustamentos de natureza técnica, estando, nos dois últimos casos, sujeita a um procedimento simplificado e célere, igualmente sujeito a publicidade (artigos 95.º e 97.º).

O conceito de revisão é reservado para os planos municipais e especiais de ordenamento do território, estabelecendo-se que a mesma pode decorrer da necessidade de adequação à evolução, a médio e longo prazos, das condições que determinaram a respectiva elaboração, tendo em conta os relatórios de avaliação da sua execução, ou ainda da respectiva suspensão e consequente necessidade de adequação à prossecução dos interesses públicos que a determinaram, a qual apenas poderá ocorrer, à excepção da decorrente de situações de suspensão, decorridos três anos sobre a entrada em vigor do plano (artigos 93.º, n.º 3, e 98.º).

Da conjugação dos vários preceitos citados pode retirar-se, segundo FERNANDO ALVES CORREIA[88], que a revisão dos planos pressupõe uma reponderação global das regras respeitantes ao uso, ocupação e transformação do solo, da qual pode resultar a confirmação das mesmas, a introdução de pequenas modificações ou a adopção de um novo modelo de plano, enquanto a alteração consiste não numa reapreciação global do plano, mas tão só numa reanálise meramente parcelar ou pontual do mesmo, por isso, a distinção entre alteração e revisão dos planos «não se encontra na quantidade e na profundidade das modificações por elas operadas, mas fundamentalmente na intensidade ou profundidade do procedimento de reponderação ou de reapreciação que está na base daquelas duas figuras jurídicas».

Quanto à suspensão dos instrumentos de gestão territorial, pode decorrer da verificação de circunstâncias excepcionais que se repercutam no ordenamento do território, pondo em causa a prossecução de interesses públicos relevantes, consistindo na paralisação, durante um período de tempo determinado, dos efeitos de todo ou parte do plano, no âmbito territorial ou material, devendo a decisão de suspensão conter a fundamentação, o prazo e a incidência territorial da suspensão, bem como indicar expressamente as disposições suspensas (cf. artigos 93.º, n.º 4, 99.º e 100.º, n.º 3).

3.4. Há que distinguir três hipóteses de violação das disposições dos instrumentos de gestão territorial: i) a violação das disposições dos planos por outros planos; ii) a violação das disposições dos planos pelos actos administrativos de gestão urbanística; iii) a violação das disposições dos planos por actos materiais de realização de operações urbanísticas.

De acordo com o disposto no artigo 101.º, «[a] compatibilidade entre os diversos instrumentos de gestão territorial é condição da respectiva validade» (n.º 1) e, por outro lado, «[a] conformidade dos actos praticados com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis é condição da respectiva validade».

Nesta conformidade, o legislador considera nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial com o qual devessem ser compatíveis (n.º 1 do artigo 102.º), sendo certo que, por via de regra, «a declaração de nulidade não prejudica os efeitos dos actos administrativos entretanto praticados com base no plano», princípio expressamente previsto no n.º 2 do artigo 102.º e que visa «garantir a estabilidade dos efeitos dos actos administrativos de gestão urbanística praticados ao abrigo de um plano que venha posteriormente a ser declarado nulo, na sua totalidade ou em alguma ou algumas das suas disposições»[89].

São, igualmente, nulos os actos administrativos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável, conforme prevê o artigo 103.º

Para o caso de violação das disposições dos planos por actos materiais de realização de operações urbanísticas, o artigo 104.º tipifica como ilícito de mera ordenação social, punível com coima, «a realização de obras e a utilização de edificações ou do solo em violação de disposições de plano municipal ou de plano especial de ordenamento do território» e o artigo 105.º sujeita a embargo e a demolição as obras realizadas em violação de disposições de plano municipal ou de plano especial de ordenamento do território, tenham sido ou não objecto de licença ou autorização, constituindo crime de desobediência, nos termos do artigo 106.º, «o prosseguimento dos trabalhos embargados nos termos do artigo anterior».

Acresce que, nos termos do n.º 4 do artigo 105.º, as ordens de embargo e de demolição são objecto de registo na conservatória de registo predial competente, mediante comunicação do presidente da câmara municipal, da comissão de coordenação e desenvolvimento regional ou do órgão competente do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, procedendo-se oficiosamente aos necessários averbamentos.

3.5. As medidas cautelares dos planos municipais de ordenamento do território estabelecidas nos artigos 107.º a 117.º são de duas espécies: medidas preventivas e suspensão de concessão de licenças.

Discorrendo sobre a consagração de medidas cautelares dos planos, afirma FERNANDO ALVES CORREIA[90]:

«Como vimos em páginas anteriores, o procedimento de formação dos planos é complexo e demorado. Ora, durante o período, bastante longo, em que se desenrola o procedimento de elaboração dos planos (e o mesmo se poderá dizer a propósito do procedimento de alteração, revisão ou suspensão dos mesmos), poderão ocorrer alterações das circunstâncias e das condições de facto existentes no momento em que foi decidida a elaboração dos planos que venham a limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais difícil ou onerosa a sua execução.
Foi para evitar que tal sucedesse que o legislador consagrou medidas cautelares dos planos, embora dirigidas somente aos planos que produzem efeitos jurídicos directos e imediatos em relação aos particulares, isto é, aos planos especiais e municipais de ordenamento do território, pois apenas eles são susceptíveis de uma execução directa, isto é, sem necessidade de interposição de outro plano, devido à densidade ou ao grau de concreteza das suas disposições.»

As medidas preventivas destinam-se «a evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do plano» (n.º 1 do artigo 107.º) e podem consistir na proibição, na limitação ou na sujeição a parecer vinculativo das seguintes acções previstas no n.º 4 do artigo 107.º: a) operações de loteamento e obras de urbanização; b) obras de construção civil, ampliação, alteração e reconstrução, com excepção das que estejam sujeitas apenas a um procedimento de comunicação prévia à câmara municipal; c) trabalhos de remodelação de terrenos; d) obras de demolição de edificações existentes, excepto as que, por regulamento municipal, possam ser dispensadas de licença ou autorização; e) derrube de árvores em maciço ou destruição do solo vivo e do coberto vegetal.

No que concerne à natureza jurídica das medidas preventivas, o artigo 108.º especifica que elas têm a natureza de regulamentos administrativos, sendo-lhes, assim, reconhecida uma natureza jurídica idêntica à dos planos em relação aos quais desempenham a apontada função cautelar.

Relativamente à competência e ao procedimento de elaboração de medidas preventivas dos planos municipais de ordenamento do território, rege o artigo 109.º, estando sujeitas a ratificação «quando a ela estiverem sujeitos os planos a que respeitam» (n.º 3).

Quanto ao âmbito temporal das medidas preventivas, prescreve o artigo 112.º que o respectivo prazo de vigência será fixado no acto que as estabelecer, não podendo ser superior a dois anos, prorrogável por mais um, quando tal se mostre necessário, deixando de vigorar quando: a) forem revogadas; b) decorrer o prazo fixado para a sua vigência; c) entrar em vigor o plano que motivou a sua aplicação; d) a entidade competente abandonar a intenção de elaborar o plano que as originou; e) cessar o interesse na salvaguarda das situações excepcionais de reconhecido interesse nacional ou regional.

Para garantir a observância das medidas preventivas decretadas, e à semelhança do regime desenhado para a violação dos planos, é tipificada como contra-ordenação, punível com coima, a violação por parte dos particulares das proibições e limitações decorrentes das medidas preventivas (artigo 113.º), e prescreve-se que as obras e os trabalhos efectuados com inobservância das proibições, condicionantes ou pareceres vinculativos decorrentes das medidas preventivas, ainda que licenciados ou autorizados pelas entidades competentes, podem ser embargados ou demolidos ou, sendo o caso, pode ser ordenada a reposição da configuração do terreno e a recuperação do coberto vegetal segundo projecto a aprovar pela Administração (artigo 114.º), sendo que o artigo 115.º fulmina com a nulidade «os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento com inobservância das proibições ou limitações consequentes do estabelecimento de medidas preventivas ou que violem os pareceres vinculativos nelas previstos».

Saliente-se, ainda, que o n.º 1 do artigo 116.º acolhe o princípio geral de que «a imposição de medidas preventivas não confere o direito a indemnização» (n.º 1 do artigo 116.º), embora o n.º 2 do mesmo artigo logo reconheça a existência de algumas excepções.

Uma segunda medida cautelar dos planos municipais de ordenamento do território reconduz-se à suspensão de concessão de licenças.

De harmonia com o n.º 1 do artigo 117.º, «[n]as áreas a abranger por novas regras urbanísticas constantes de plano municipal ou especial de ordenamento do território ou sua revisão, os procedimentos de informação prévia, de licenciamento e de autorização ficam suspensos a partir da data fixada para o início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor daqueles instrumentos de planeamento». Todavia, «[c]aso as novas regras urbanísticas não entrem em vigor no prazo de 150 dias desde a data do início da respectiva discussão pública, cessa a suspensão do procedimento, devendo nesse caso prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final, de acordo com as regras urbanísticas em vigor à data da sua prática» (n.º 3 do artigo 117.º).

3.6. Existe uma íntima relação entre as questões da execução dos planos, a perequação compensatória dos benefícios e encargos e a indemnização por danos decorrentes dos planos.

Com efeito, a perequação só pode operar na fase da execução das previsões dos planos e, por outro lado, só haverá indemnização por danos decorrentes dos planos, quando não existam mecanismos de perequação, ou quando, apesar de existirem, eles não possibilitem a compensação daqueles prejuízos.

3.6.1. A execução dos planos municipais de ordenamento do território é feita através dos sistemas de compensação, de cooperação e de imposição administrativa (n.º 1 do artigo 119.º).

No sistema de compensação previsto no artigo 122.º, a iniciativa de execução é dos particulares, que ficam obrigados a prestar ao município a compensação devida de acordo com as regras estabelecidas nos planos ou em regulamento municipal (n.º 1), sendo os direitos e as obrigações dos participantes na unidade de execução definidos por contrato de urbanização (n.º 2) e cabendo aos particulares proceder à perequação dos benefícios e encargos resultantes da execução do instrumento de planeamento entre todos os proprietários e titulares de direitos inerentes à propriedade abrangidos pela unidade de execução, na proporção do valor previamente atribuído aos seus direitos (n.º 3).

O artigo 123.º regula o sistema de cooperação, em que a iniciativa de execução do plano pertence ao município, com a cooperação dos particulares interessados, actuando coordenadamente, de acordo com a programação estabelecida pela câmara municipal e nos termos do adequado instrumento contratual, concretizando-se os direitos e as obrigações das partes mediante a celebração de contratos de urbanização.

Por último, no sistema de imposição administrativa, a iniciativa de execução do plano pertence ao município, que actua directamente ou mediante concessão de urbanização (artigo 124.º).

Convém acrescentar que o artigo 125.º impõe a constituição, para cada unidade de execução, de um fundo de compensação com o objectivo de liquidar as compensações devidas pelos particulares e respectivos adicionais, cobrar e depositar em instituição bancária as quantias liquidadas e liquidar e pagar as compensações devidas a terceiros.

Neste âmbito, prevêem-se vários instrumentos de execução dos planos através dos quais a execução se pode concretizar: i) direito de preferência; ii) demolição de edifícios; iii) expropriação; iv) reestruturação da propriedade; v) direito à expropriação; vi) reparcelamento do solo urbano de acordo com as disposições do plano.

O reparcelamento do solo urbano de acordo com as disposições do plano é também, nitidamente, um instrumento de perequação, já que assume como objectivo, «distribuir equitativamente, entre os proprietários, os benefícios e encargos resultantes do plano» (alínea b) do n.º 2 do artigo 131.º), o que comprova a estrita ligação entre execução e perequação[91].

3.6.2. O vocábulo perequação designa «o acto de atribuir uma coisa igualmente a muitas pessoas»[92] ou, dito por outra forma, «o acto de tornar igual uma coisa entre muitas pessoas»[93].

A questão perequativa tem sido colocada, essencialmente, perante o problema das vantagens e dos inconvenientes decorrentes dos planos[94], sendo aliás nesta óptica que é regulada nos artigos 135.º a 142.º

O artigo 135.º atribui aos proprietários o direito à distribuição perequativa dos benefícios e encargos decorrentes dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares, sendo que o n.º 1 do artigo 136.º impõe à Administração o dever correlativo de incluir nos referidos instrumentos de gestão territorial, mecanismos directos ou indirectos de perequação.

Por seu lado, o n.º 2 do artigo 136.º especifica que «a aplicação dos mecanismos de perequação previstos nesta secção (Secção II do Capítulo V) realiza-‑se no âmbito dos planos de pormenor ou das unidades de execução, segundo os critérios adoptados no plano director municipal».

As unidades de execução são áreas delimitadas pela câmara municipal por iniciativa própria ou a requerimento dos proprietários interessados, para efeitos de execução dos planos (n.º 2 do artigo 119.º), consistindo essa delimitação na fixação em planta cadastral dos limites físicos da área a sujeitar a intervenção urbanística e com identificação de todos os prédios abrangidos (n.º 1 do artigo 120.º), por forma a assegurar um desenvolvimento urbano harmonioso e a justa repartição de benefícios e encargos pelos proprietários abrangidos, devendo integrar as áreas a afectar a espaços públicos ou equipamentos previstos nos planos de ordenamento (n.º 2 do artigo 120.º).

As unidades de execução podem corresponder a uma unidade operativa de planeamento e gestão, à área abrangida por um plano de pormenor ou a parte desta (n.º 3 do artigo 120.º).

Para FERNANDO ALVES CORREIA[95], «[o] nosso legislador, ao determinar que os mecanismos da perequação se aplicam no âmbito dos planos de pormenor ou das unidades de execução — as quais podem corresponder, como vimos, a uma “unidade operativa de planeamento e gestão”, à área abrangida por um plano de pormenor ou apenas a uma parte desta —, optou claramente, de entre os tipos de instrumentos ou mecanismos que podem garantir a igualdade dos proprietários perante as disposições dos planos, por aqueles que visam prosseguir uma igualdade de tratamento dos proprietários dos terrenos no interior de cada um dos planos de pormenor ou de cada uma das “unidades de execução”, instituindo, assim, uma igualdade intraplanos (como sucede nos planos de pormenor ou nas “unidades de execução” que coincidam com a área de um plano de pormenor) ou até uma igualdade intrazonas de um mesmo plano (como acontece nas “unidades de execução” que correspondam somente a uma parte da área abrangida por um plano de pormenor ou nas “unidades de execução” que correspondam a uma “unidade operativa de planeamento e gestão” definida pelo plano director municipal ou a uma “subunidade operativa de planeamento e gestão” estabelecida no plano de urbanização). Na nossa óptica, andou bem o legislador. É que, por um lado, sob o ponto de vista técnico, a correcção das desigualdades oriundas dos planos municipais apenas é possível, com o mínimo de rigor, num espaço bastante restrito. [...]. Por outro lado, as desigualdades que se devem considerar mais chocantes são aquelas que se situam no âmbito de aplicação de um mesmo plano ou de cada uma das áreas em que este se subdivide — em suma, as desigualdades de tratamento entre proprietários vizinhos —, pelo que é no contexto de cada plano ou de cada uma das zonas ou sectores nele delimitados que deve ser feita a perequação de benefícios e encargos entre os proprietários do solo».

Também JORGE CARVALHO e FERNANDA PAULA OLIVEIRA[96], pronunciando-se sobre o disposto no n.º 2 do artigo 136.º, afirmam que «esta última norma sublinha que os critérios perequativos devem ser estabelecidos em PDM, ou seja, que devem decorrer de uma leitura e de uma política para a globalidade de cada concelho» e que «a norma refere que a aplicação dos mecanismos de perequação se realiza no âmbito dos planos de pormenor (PP) e das unidades de execução (UE), o que faz sentido face ao conteúdo material do PP (artigo 97.º do Decreto-Lei n.º 380/99) e é óbvio face ao instrumento operativo que é a UE», sendo porém «omissa relativamente às áreas não integradas em PP ou UE, e ao licenciamento que nelas ocorra». Questionando-se sobre a interpretação a dar a tal omissão, prosseguem os mesmo Autores, «esta [omissão] não poderá ser interpretada como negação dos princípios, pelo que deverá concluir-se que, pelo menos nas áreas de expansão urbana, não poderá ocorrer licenciamento não precedido de PP ou UE, ou (o que se afigura mais consentâneo com o quadro legal e a prática estabelecida), que tal licenciamento, a acontecer, também deverá obedecer a critérios perequativos, os quais deverão ser estabelecidos no PDM (ou então no PU)».

Que objectivos devem prosseguir os mecanismos de perequação compensatória a prever nos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares?

De acordo com o artigo 137.º, esses objectivos são os seguintes: a) redistribuição das mais-valias atribuídas pelo plano aos proprietários; b) obtenção pelos municípios de meios financeiros adicionais para a realização das infra-‑estruturas urbanísticas e para o pagamento de indemnizações por expropriação; c) disponibilização de terrenos e edifícios ao município para a implementação, instalação ou renovação de infra-estruturas, equipamentos e espaços urbanos de utilização colectiva, designadamente zonas verdes, bem como para compensação de particulares nas situações em que tal se revele necessário; d) estímulo da oferta de terrenos para urbanização e construção, evitando-se a retenção dos solos com fins especulativos; e) eliminação das pressões e influências dos proprietários ou grupos para orientar as soluções do plano na direcção das suas intenções.

No que respeita aos mecanismos de perequação compensatória a aplicar no âmbito dos planos de pormenor ou das unidades de execução, o n.º 1 do artigo 138.º prevê, a título exemplificativo, os seguintes: a) estabelecimento de um índice médio de utilização; b) estabelecimento de uma área de cedência média; c) repartição dos custos de urbanização.

O n.º 2 do mesmo preceito estatui que «[o] recurso ao mecanismo previsto na alínea a) tem sempre de ser combinado com a previsão da alínea b)» e o n.º 3 do mesmo artigo dispõe que «[o] município pode utilizar conjunta ou coordenadamente mecanismos de perequação».

Pretende-se, assim, garantir a concretização de uma efectiva perequação de benefícios e encargos decorrentes do plano sem, contudo, coarctar a liberdade de criação, pelos municípios, de outros mecanismos susceptíveis de prosseguir tal objectivo.

Importa agora caracterizar, embora a traço grosso, os mecanismos de perequação referidos no n.º 1 do artigo 138.º

O índice médio de utilização consiste na fixação pelo plano de um direito abstracto de construir correspondente a uma edificabilidade média que é determinada pela construção admitida para cada propriedade ou conjunto de propriedades, por aplicação dos índices e orientações urbanísticos estabelecidos no plano (n.º 1 do artigo 139.º). O direito concreto de construir, resultará dos actos de licenciamento de operações urbanísticas, os quais deverão ser conformes aos índices e parâmetros urbanísticos estabelecidos no plano (n.º 2 do artigo 139.º). A edificabilidade média será determinada pelo quociente entre a soma das superfícies brutas de todos os pisos acima e abaixo do solo destinados a edificação, independentemente dos usos existentes e admitidos pelo plano e a totalidade da área ou sector abrangido por aquele (n.º 3 do artigo 139.º).

Quando a edificabilidade do terreno for inferior à média, o proprietário deverá, quando pretenda urbanizar, ser compensado de forma adequada, compensação essa que deverá ser prevista em regulamento municipal através das seguintes medidas alternativas ou complementares: a) desconto nas taxas que tenha de suportar; b) aquisição pelo município, por permuta ou compra, da parte do terreno menos edificável (n.os 5 e 6 do artigo 139.º).

Por sua vez, quando a edificabilidade do terreno for superior à média, o proprietário deverá, aquando da emissão do alvará, ceder para o domínio privado do município uma área com a possibilidade construtiva em excesso, cedência essa que será contabilizada como cedência para equipamento já que se destina a compensar o município pela área que, para esse fim, por permuta ou compra, terá de adquirir noutro local (n.os 7 e 8 do artigo 139.º).

No entanto, a compensação, em vez de ser feita através do município, nos termos referidos anteriormente, pode ser efectuada entre proprietários, de harmonia com a previsão ao artigo 140.º, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 140.º
(Compra e venda do índice médio de utilização)
1 – Em alternativa às medidas de compensação estabelecidas nos n.os 6 e 7 do artigo anterior, o plano poderá ainda optar por permitir que os proprietários que, de acordo com as disposições do mesmo, possam construir acima da edificabilidade média, adquiram o excesso a essa potencialidade àqueles que, igualmente nos termos do plano, disponham de um direito concreto de construção inferior à mesma.
2 – As transacções efectuadas ao abrigo desta disposição são obrigatoriamente comunicadas à câmara municipal e estão sujeitas a inscrição no registo predial.»

Segundo FERNANDO ALVES CORREIA[97], «esta variante do mecanismo de compensação do índice médio de utilização, denominada pelo legislador como “compra e venda do índice médio de utilização”, apresenta fortes semelhanças com o mecanismo do direito francês, designado por “transferência de coeficiente de ocupação do solo” (“transfert de COS”). Este instrumento jurídico, previsto, actualmente, apenas no artigo L. 123-4 do Code de l’Urbanisme francês(x), consiste, em traços gerais, no seguinte: o plano local de urbanismo fixa para todo o território municipal, ou apenas para uma zona ou sector, um coeficiente de ocupação do solo idêntico para todos os proprietários — designado COS de referência — e que determina o respectivo direito de construir. A construção para além do coeficiente de ocupação do solo de referência será admitida até ao limite estabelecido no plano urbanístico, desde que o proprietário adquira o direito de construir de outro proprietário, que aceita vendê-lo, renunciando a utilizar o seu terreno para fins de edificação, o qual fica onerado com um servidão non aedificandi. Há, assim, terrenos ou parcelas emissores, aos quais são retiradas no todo ou em parte as possibilidades de construção, e terrenos receptores, que são beneficiados com as faculdades de construção complementares.»[98]

O mecanismo de perequação traduzido na fixação de uma área de cedência média é regulado no artigo 141.º, nos termos do qual o plano pode fixar uma área de cedência média de parcelas de terrenos, aquando da emissão do alvará de loteamento, parcelas essas destinadas a infra-estruturas e pequenos espaços públicos que irão servir directamente o conjunto a edificar ou a zonas verdes urbanas, equipamentos e vias sem construção adjacente, conforme o previsto no plano.

Quando a área de cedência efectiva for superior à cedência média, o proprietário deverá, quando pretenda urbanizar, ser compensado de forma adequada, compensação essa que deve ser prevista em regulamento municipal, através das seguintes medidas alternativas ou complementares: a) desconto nas taxas que terá de suportar; b) aquisição da área em excesso pelo município, por compra ou permuta.

Ao contrário, quando a área de cedência efectuada for inferior à cedência média, o proprietário terá de compensar o município em numerário ou espécie a fixar em regulamento municipal.

No tocante ao mecanismo de perequação denominado repartição dos custos de urbanização, o artigo 142.º reza que a comparticipação nos custos de urbanização, designadamente relativos às infra-estruturas gerais e locais, pode ser determinada pelos seguintes critérios, isolada ou conjuntamente: a) o tipo ou a intensidade de aproveitamento urbanístico determinados pelas disposições dos planos; b) a superfície do lote ou da parcela.

De acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, «[o] pagamento dos custos de urbanização pode realizar-se, por acordo com os proprietários interessados, mediante a cedência ao município, livre de ónus ou encargos, de lotes ou parcelas com capacidade aedificandi de valor equivalente».

Para finalizar esta temática, importa referir que, nos casos em que a compensação não se mostre possível, o artigo 143.º estabelece ainda o dever de indemnização de situações designadas pela doutrina como «expropriações do plano», correspondentes a restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo preexistentes e juridicamente consolidadas, que determinem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação.

V

1. A questão posta aconselha a explicitação de alguns dos princípios que regem a actividade administrativa.

A Administração Pública, nos termos do artigo 266.º da Constituição, visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (n.º 1) e os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).

A definição dos tipos de interesses públicos que à Administração compete prosseguir (atribuições) e os poderes funcionais que para tal lhe são conferidos (competência) são estabelecidos por lei, constituindo esta exigência projecção do princípio da legalidade, que rege a actividade administrativa.

A competência concretiza-se, por regra, no exercício de poderes vinculados, explicitados na lei, e de poderes discricionários[99], que implicam uma certa liberdade de ponderação da Administração quanto à oportunidade e à forma de agir na prossecução do interesse público, caso em que a violação daqueles princípios gerais assume relevância.

Merecem aqui destaque os princípios da legalidade e da igualdade[100].

O princípio da legalidade traduz a ideia de que os órgãos e agentes da Administração Pública apenas podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela estabelecidos.

O princípio analisa-se em duas dimensões: uma, negativa (prevalência da lei), significa que os actos da Administração devem conformar-se com a lei, sob pena de ilegalidade; outra, positiva (precedência de lei) significa, em geral, que a Administração só pode actuar com base na lei ou mediante autorização da lei[101].

Segundo o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, «[o]s órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

«O princípio da legalidade aparece aqui na sua acepção mais ampla, abrangendo quer poderes discricionários quer vinculados, e implicando não a mera submissão à lei em sentido formal ou material, mas todo o direito. O princípio da legalidade deixa assim de ter uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa.[102]»

Com efeito, «[a]s fórmulas usadas parecem manifestações inequívocas de que, para o legislador do Código, a actuação da Administração Pública é, em bloco, comandada pela lei, sendo ilegais, não apenas os actos (regulamentos ou contratos) administrativos produzidos contra proibição legal, como também aqueles que não tenham previsão ou habilitação legal, ainda que genérica [...]»[103].

O princípio da igualdade «é, nesta sede, a refracção do princípio jurídico geral da igualdade, consagrado no art. 13.º. Pretende-se especificamente, salientar a vinculação da administração pública, que, nas relações com as pessoas físicas ou colectivas, deve adoptar igual tratamento. Em termos negativos, o princípio da igualdade proíbe tratamentos preferenciais; em termos positivos, obriga a Administração a tratar de modo igual situações iguais.»[104].

2. A actividade administrativa de planificação territorial goza de uma ampla discricionaridade na escolha das soluções mais adequadas e correctas no contexto do desenvolvimento urbanístico de um determinado território[105].

É no domínio do conteúdo do plano, ou seja, no campo das soluções a adoptar quanto ao regime de ocupação, uso e transformação do território por ele abrangido, que ganha maior expressão o denominado princípio da discricionaridade de planificação da Administração.

Tal como sucede na discricionaridade administrativa comum, também a discricionaridade de planeamento se apresenta como uma concessão legislativa, determinada pela interpretação das normas legais, e não como um poder originário da Administração, e caracteriza-se como um espaço funcional e materialmente jurídico onde a Administração tem de respeitar escrupulosamente as vinculações legais, actuar segundo os princípios jurídicos fundamentais (igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa-fé e racionalidade) e observar estritamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O espaço de discricionaridade de planeamento está, assim, sujeito a certas limitações, que FERNANDO ALVES CORREIA[106] apelida de «princípios jurídicos fundamentais ou estruturais dos planos»: o princípio da legalidade, os princípios da hierarquia, da conta-corrente e da articulação, os princípios da justa ponderação e da superação dos conflitos de interesses coenvolvidos nos planos, o princípio da garantia constitucional do direito de propriedade privada, o princípio da separação das utilizações urbanisticamente incompatíveis, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso e o princípio da igualdade.

Neste conspecto, o princípio da legalidade dos planos apresenta diversas expressões ou manifestações, que se consubstanciam em vários subprincípios. Entre estes, assumem particular relevo o princípio da tipicidade dos planos e o princípio da definição pela lei do procedimento para a formação dos planos.

Em páginas anteriores, já se teve o ensejo de referir que o princípio da tipicidade expressa a ideia de que a Administração não pode elaborar os planos que entender, mas apenas aqueles que a lei prevê de modo típico.

Relativamente ao princípio da definição pela lei do procedimento de formação dos planos, vem a propósito acentuar que a lei não deixa de indicar os órgãos competentes para a elaboração e a aprovação dos planos e de desenhar minuciosamente o procedimento da sua formação, sendo, igualmente, de realçar a importância da participação dos interessados como elemento de compensação e também de limitação da amplitude do poder discricionário que caracteriza a actividade de planificação territorial.

Através da participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico, princípio consagrado no n.º 5 do artigo 65.º da Constituição, visa-se, nas palavras de JOÃO MIRANDA[107], «conferir maior legitimidade à actuação administrativa, contribuindo, deste modo, para o reforço da democracia e para que seja no seu seio que se venham a dirimir muitos dos eventuais conflitos entre particulares»; e logo prossegue o mesmo Autor[108], «[a] ideia de participação assegura ainda uma maior eficiência da actividade administrativa, uma vez que permite à Administração conhecer as aspirações dos administrados e nessa medida adoptar decisões cuja aceitação por parte deles ocorrerá com maior facilidade(x1). Trata-se da função de integração da participação(x2). Em síntese, a participação nos procedimentos de elaboração, alteração e revisão dos planos assume as funções de racionalização e de compensação pela amplitude de poderes discricionários de que usufrui a Administração neste domínio».

Também o direito de propriedade privada, enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 62.º da Lei Fundamental, deve ser especialmente considerado no procedimento de ponderação dos interesses implicados no plano.

Na verdade, não são só os planos que condicionam ou influenciam decisivamente o direito de propriedade do solo, através da definição do destino e das formas de utilização do espaço[109]. Igualmente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido condiciona, por si mesmo, a liberdade de conformação dos planos e influencia significativamente o seu conteúdo.

O direito fundamental da propriedade privada surge, deste modo, como um limite interno à liberdade de modelação do conteúdo do plano.

No entanto, convém sublinhar que o interesse do proprietário do solo não goza de um poder de exigir que o seu interesse seja consagrado no plano.

«Os interesses do proprietário do solo não têm de antemão qualquer preferência ou primazia perante os interesses públicos. O proprietário do solo tem apenas o direito de exigir que o seu “interesse” seja tomado em consideração no procedimento de ponderação(-). Mas como refere H. SCHULTE, é inegável que a obrigação de inserir os interesses dos proprietários do solo no procedimento de ponderação tem inevitavelmente reflexos no conteúdo do plano urbanístico. Tendencialmente, o direito de propriedade do solo goza de um tratamento muito mais favorável no plano urbanístico do que se ocorresse a situação contrária, isto é, se os órgãos com competência para elaborar e aprovar o plano não fossem obrigados a tomar em consideração os interesses dos proprietários do terreno(-). Deverá, além disso, afirmar-se que a garantia constitucional da propriedade privada, condensada no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, seria violada se os interesse dos proprietários não fossem considerados, ao lado de outros interesses, nas reflexões conducentes à escolha do conteúdo do plano urbanístico.»[110]

Ora, a particular relevância do direito de propriedade privada no âmbito da consulta justifica que seja objecto de tratamento autónomo no número seguinte.

3. O direito de propriedade privada é reconhecido constitucionalmente no n.º 1 do artigo 62.º da Lei Básica, nos termos do qual «[a] todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição».

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que «[a] requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização».

Como ensinam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[111], a fórmula «nos termos da Constituição», adoptada no n.º 1 do citado artigo 62.º, não é supérflua, pretendendo significar que «o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição».

Referem os mesmos Autores[112] que, tradicionalmente, «o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) o direito de adquirir bens; (b) o direito de usar e fruir bens de que se é proprietário; (c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles. Aparentemente, só o segundo aspecto não está contemplado de forma explícita neste preceito constitucional».

Com efeito, no citado artigo 62.º omite-se a referência à liberdade de uso e fruição dos bens objecto de propriedade, mas trata-se de um sentido que se extrai sem dificuldade do alcance que se atribui à faculdade de os adquirir.

Por outro lado, há que ter em conta o disposto nos artigos 1305.º e 1344.º , n.º 1, do Código Civil, que prescrevem do modo seguinte:

«Artigo 1305.º
(Conteúdo do direito de propriedade)
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.»


«Artigo 1344.º
(Limites materiais)
1 – A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
2 – .................................................................................................................»

Resulta, assim, quer do texto constitucional, quer deste texto legal, que há limites e restrições impostos ao direito de propriedade.

Todavia, o direito de propriedade privada é um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, gozando, por isso mesmo, do respectivo regime naquilo que nele reveste natureza análoga (artigo 17.º da Constituição), pelo que as limitações legais ao direito de propriedade privada não podem diminuir a extensão e o alcance do seu conteúdo essencial, sob cominação de inconstitucionalidade (n.º 3 do artigo 18.º da Constituição).

Os falados limites reconduzem-se, sobretudo, à liberdade de uso e fruição e são particularmente intensos no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir (jus aedificandi) ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo.

A controvérsia caracteriza-se, em síntese, do seguinte modo[113]: o direito de propriedade privada garantido constitucionalmente inclui, como suas componentes essenciais, o direito de urbanizar (a faculdade de dotar um terreno de infra-estruturas urbanísticas), de lotear (a faculdade de dividir um ou vários prédios em lotes, com o fim de promover a sua urbanização e edificação) e de edificar (a faculdade de erigir uma construção no solo), estando apenas o exercício daqueles direitos dependente de uma autorização permissiva da Administração Pública? Ou, ao invés, aqueles direitos não se incluem na garantia constitucional da propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico- ‑urbanístico, designadamente, dos planos?

A doutrina portuguesa, tal como as estrangeiras, tem-se dividido sobre a natureza jurídica do jus aedificandi e as suas relações com os planos urbanísticos, podendo afirmar-se que são duas as teses com curso no nosso Direito sobre esta matéria[114].

A primeira, dita predominantemente privatística, é a que vê o jus aedificandi como parte integrante do direito de propriedade privada do solo, invocando o disposto nos artigos 1305.º e 1344.º do Código Civil[115].

A segunda, por vezes caracterizada como publicística[116], recusa que o jus aedificandi seja uma faculdade inserida no conteúdo do direito de propriedade privada, entendendo que se trata de poder que se constitui por força de acto da Administração Pública. O direito de construir nasce, para esta segunda orientação, no momento do acto de planificação urbanística, se o plano permitir a aludida construção no prédio em causa e fixar a implantação, altura e o número de pisos, ou seja, todas as regras que vinculam a Administração Pública na apreciação do projecto de obras. Mas já se constitui apenas no momento do acto de aprovação dos projectos de obras e da licença de construção, que é uma autorização constitutiva de direitos, em todas as restantes eventualidades.

O sentido do parecer dispensa uma tomada de posição compromissória acerca do problema teórico em questão.

Para os fins da consulta basta acentuar que o direito de construir está condicionado pela verificação da sua compatibilidade jurídico-pública, com outros interesses e necessidades constitucionais, e que só pode ser exercido se e nos termos em que tal for permitido por autorização ou licença administrativa.

Não há, pois, um direito ou liberdade constitucionais de construir o que se quiser, como se quiser e onde se quiser, pelo simples facto de se ser proprietário de um terreno[117].

4. Revertendo, em presença do quadro esboçado, ao objecto da consulta, é necessário indagar se os direitos de urbanização e de edificação previstos para a Aldeia do Meco podem ser legalmente transferidos para terrenos localizados na Mata de Sesimbra.

Entre as principais características da licença ou autorização de urbanização e ou de edificação, vulgarmente conhecidas por «licença de construção», a doutrina salienta o seu carácter real, significando com esta expressão que a licença de construção «é conferida em função das regras aplicáveis ao terreno e ao projecto de construção, abstraindo das circunstâncias pessoais do sujeito que a requer»[118], também «porque tem unicamente em vista o objecto sobre que recai, abstraindo do sujeito que a requer e das suas características pessoais»[119] e «é atribuída em função das regras aplicáveis ao projecto em causa e não em função da pessoa que dela beneficiará»[120].

A consequência mais importante desta característica é a possibilidade da transferência da licença de construção para um terceiro, por acto entre vivos ou por sucessão, juntamente com o terreno, sem que seja necessária a atribuição de uma nova licença[121].

É o que resulta do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro[122], que apenas exige para a transferência da «licença de construção», que o substituto faça prova da sua posição jurídica junto do presidente da câmara municipal, para que este proceda ao averbamento da substituição (artigos 9.º, n.º 9, e 77.º, n.º 7), sendo de assinalar que, nos termos da alínea o) do n.º 1 do artigo 98.º, a ausência de requerimento a solicitar à câmara municipal o averbamento de substituição do requerente da «licença de construção» é punível como contra-ordenação.

A natureza real do jus aedificandi manifesta-se também em outras normas do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, designadamente: ao estabelecer que «[q]uando o interessado não seja o proprietário do prédio, o pedido de informação prévia inclui a identificação daquele bem como dos titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio, através de certidão emitida pela conservatória do registo predial» (n.º 3 do artigo 14.º), sendo que, neste caso, «a câmara municipal deve notificar o proprietário e os demais titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio da abertura do procedimento» (n.º 4 do artigo 14.º); e ao determinar que o alvará de licença ou autorização de operação de loteamento ou de obras de urbanização deve conter a identificação do prédio objecto da operação de loteamento ou das obras de urbanização (alínea b) do n.º 1 do artigo 77.º) e que o alvará de licença ou autorização para a realização das operações urbanísticas a que se referem as alíneas b) a g) e l) do artigo 2.º deve conter a identificação do lote ou do prédio onde se realizam as obras ou trabalhos (alínea b) do n.º 4 do artigo 77.º).

À luz de tudo o que vem de ser referido, há que concluir que o jus aedificandi é indissociável do prédio objecto do respectivo licenciamento ou autorização.

É certo que o artigo 140.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro) prevê, como variante do mecanismo de compensação do índice médio de utilização, a compra e venda do índice médio de utilização, figura jurídica que permite aos proprietários que possam construir acima da edificabilidade média, que adquiram o excesso a essa potencialidade àqueles que, igualmente nos termos do plano, disponham de um direito concreto de construção inferior à mesma.

Porém, no caso concreto, inexiste fundamento legal ou jurídico para aplicar esse mecanismo de perequação compensatória dos benefícios e encargos decorrentes de instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares.

Do mesmo passo, carece de fundamento legal ou jurídico a aplicação analógica do mecanismo de perequação previsto no citado artigo 140.º ao licenciamento da operação urbanística a realizar na Aldeia do Meco.

Conforme tem sido afirmado por este Conselho Consultivo em diversas ocasiões[123], uma lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio de um todo, na medida em que representa uma falta ou falha em algo que tende para a completude. Pode, assim, dizer-se, com a doutrina alemã[124], que uma lacuna é «uma incompletude do sistema normativo que contraria o plano deste» e, tratando-se de uma «lacuna jurídica», que ela consiste numa «imperfeição contrária ao plano do direito vigente, determinada segundo critérios extraídos da ordem jurídica global».

Nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, «há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei». Segundo BAPTISTA MACHADO[125], «dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses(-) paralelo, isomorfo ou semelhante e de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro». E, como diz OLIVEIRA ASCENSÃO[126], «o caso omisso tem de ter sempre alguma diversidade em relação ao caso previsto. É relativamente semelhante, mas é também relativamente diverso. O que a analogia supõe é que as semelhanças são mais fortes que as diferenças. Há um núcleo fundamental nos dois casos que exige a mesma estatuição. Se esse núcleo fundamental pesar mais que as diversidades, pode afirmar-se que há analogia».

Ora, nem todos os silêncios da lei são lacunas. Há, por um lado, silêncios que são significativos, traduzindo, por isso, uma resposta da lei a certa questão de direito. Há, por outro lado, ausências de tratamento legal que derivam da própria natureza do instrumento normativo em questão[127].

Neste contexto, a natureza (e o conteúdo) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, é disso um bom exemplo, uma vez que a transferência da «licença de construção» de um para outro terreno, atenta a sua natureza real, sempre se configuraria como inaceitável, já que é conferida em função das regras aplicáveis a cada terreno, a cada prédio.

Assim, no caso vertente, não se pode falar em lacuna.

Além disso, o mecanismo de perequação previsto no citado artigo 140.º tem uma aplicação legalmente restrita ao âmbito dos planos de pormenor ou das unidades de execução, segundo os critérios adoptados no plano director municipal, o que afasta, igualmente, qualquer analogia entre os casos enunciados.

Consequentemente, conclui-se que é ilegal, por falta de suporte normativo, a pretendida transferência dos direitos de urbanização e de edificação previstos no Alvará n.º 5/99 (empreendimento turístico da Aldeia do Meco) para terrenos localizados na Mata de Sesimbra.

De igual modo, falta o necessário enquadramento legal para excluir como benefício abrangido pela obrigação de perequação compensatória, o volume de construção que o plano de pormenor a elaborar para a Mata de Sesimbra viesse a acolher para assegurar a transferência dos direitos de urbanização e construção titulados pelo Alvará n.º 5/99, sendo certo que tal exclusão, consignada no n.º 2 da Cláusula 7.ª do «ACORDO» em apreço, afronta, ostensiva e flagrantemente, o direito dos proprietários à distribuição perequativa dos benefícios e encargos decorrentes do plano de pormenor a elaborar para a Mata de Sesimbra, direito consagrado no artigo 135.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.

VI

1. A função administrativa do Estado, segundo o critério do seu conteúdo, é realizada através de actos de conteúdo normativo, como é o caso dos regulamentos, e mediante actos administrativos e contratos administrativos.

Os regulamentos administrativos consubstanciam-se em normas jurídicas, ou seja, em regras de conduta social, genéricas e abstractas[128].

Por outro lado, o artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo define como actos administrativos «as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta».

Do conceito de acto administrativo sobressai o elemento «produção de efeitos numa situação individual e concreta», através do qual se opera a distinção face ao regulamento administrativo.

A par dos regulamentos e dos actos administrativos, o Código do Procedimento Administrativo reconhece os contratos administrativos, como instrumentos próprios do agir jurídico da Administração, definindo-o como «o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa».

O conceito de contrato administrativo evidencia, assim, dois elementos centrais para uma definição do contrato administrativo: a existência de um acordo de vontades e o facto desse acordo ter por objecto a constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa.

Quanto a ser um acordo de vontades, não se suscitam grandes dúvidas, mas o que deve entender-se por relação jurídica administrativa?

Para FREITAS DO AMARAL[129], «relação jurídica administrativa é aquela que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração».

SÉRVULO CORREIA[130], por sua vez, considera que o contrato administrativo «distingue-se pela criação, modificação ou extinção de relações jurídicas disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares».

MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM[131], entendem que «decisiva para este efeito é a simples ligação expressa do contrato à realização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria colectividade, isto é, de interesses que só têm protecção específica da lei quando são prosseguidos por entes públicos — as relações jurídicas constituídas nesses domínios são, salvo se o contrário resultar da lei, relações jurídico-administrativas».

Segundo PEDRO GONÇALVES[132], relação jurídica administrativa «é a relação jurídica regulada por normas jurídicas que se dirigem a uma entidade pública enquanto tal», defendendo que para a delimitação da figura do contrato administrativo importa ter bem presente o preceituado na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Ficais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro[133], que atribui aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal competência para dirimir os litígios emergentes de questões relativas à interpretação, validade e execução de três tipos de contratos: i) contratos de objecto passível de acto administrativo; ii) contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo; iii) contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. Na verdade, prossegue o mesmo AUTOR, «[t]odos os contratos aí visados são claramente administrativos, ou por força do objecto ou por força do regime substantivo (não procedimental) que os disciplina, que é um regime de direito público. Embora se trate de uma norma processual, que naturalmente não tem de servir de critério para a definição de contrato administrativo, não podemos no entanto desconhecer as implicações substantivas que, apesar da sua natureza, dela decorrem».

Para além das três formas em que tradicionalmente se desdobra o agir público administrativo, a mais recente doutrina do direito administrativo[134] refere a designada actividade administrativa informal, conceito que se reconduz a um leque variado de actuações da Administração a que não corresponde um modelo pré-‑definido, a uma forma estabelecida e regulada pelo ordenamento jurídico em termos abstractos.

«A actividade administrativa informal pode revestir um carácter unilateral (recomendações, conselhos, avisos, advertências) ou bilateral. Neste contexto, interessa-nos naturalmente a segunda, também designada por actuação informal de cooperação, onde se integram actos com designações múltiplas — v. g., protocolos, acordos, negociações prévias — que têm a nota comum de representar um qualquer “contacto” entre a Administração e os particulares ou entre entidades públicas expresso num acordo; o que distingue esse acordo de um contrato — e que ao mesmo tempo o remete para a categoria dos actos informais — é a ausência de vinculatividade ou obrigatoriedade jurídica. Assim, através destes acordos não se cria, nem se modifica, nem se extingue uma relação jurídica administrativa.[135]»

No que respeita ao «ACORDO» sobre que versa a consulta, a forma escrita adoptada, o contexto em que foi celebrado, as múltiplas referências às obrigações das partes subscritoras, a própria natureza dessas obrigações, e, bem assim, a estrutura do acto, a respectiva arquitectura processual e a previsão de responsabilidades decorrentes da celebração do mesmo, apontam no sentido de que o acordo de vontades ajustado é um contrato juridicamente vinculativo e não um mero acordo informal.

Mas tratar-se-á de um contrato administrativo?

Quando a lei ou as partes não qualifiquem a natureza jurídica do contrato, tem então o intérprete de a descobrir, constituindo, para tanto, elementos aferidores, quer o critério da relação jurídica administrativa (n.º 1 do artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo), quer os factores a que se refere a alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do citado Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Ora, numa análise global do aludido «ACORDO», considerando que visa resolver o diferendo relativo à realização de uma operação urbanística na Praia do Meco e garantir o respeito integral pelos valores ambientais merecedores de tutela naquela zona, implicando para o Estado e para o Município de Sesimbra obrigações atinentes à transferência de direitos de urbanização de um prédio para outro, à elaboração, aprovação, ratificação, registo e publicação de um plano de pormenor para a mata de Sesimbra, e, ainda para o Estado, a obrigação de proferir a declaração de impacte ambiental relativa ao projecto turístico da PELICANO, não sofrerá dúvida que se trata de um contrato com um objecto público, parcialmente passível de diversos actos administrativos, contendo «cláusulas que só são concebíveis numa relação jurídica em que pelo menos uma das partes seja a Administração intervindo nessa qualidade»[136], isto é, um acordo juridicamente vinculativo celebrado com vista à constituição, modificação e extinção de várias relações reguladas pelo direito administrativo e que, por isso mesmo, fica submetido a um regime substantivo de direito público.

Em suma: o «ACORDO» sobre que versa a consulta tem a natureza jurídica de contrato administrativo.

2. Os contratos administrativos podem assumir múltiplas configurações.

Considerando o número e a qualidade das partes envolvidas, o objecto e o fim do «ACORDO» sobre que versa a consulta, pode dizer-se que se trata de um contrato administrativo plurilateral, que gera obrigações recíprocas entre as partes, adquirindo as contrapartes o direito de exigir o respectivo cumprimento (contrato obrigacional, bilateral ou sinalagmático), e com objecto misto[137], que acolhe cláusulas que poderiam figurar num contrato de direito privado (contrato de transacção destinado, num caso, a prevenir um litígio e, noutro caso, a terminar um litígio, mediante recíprocas concessões — artigo 1248.º do Código Civil), ao lado de outras que se poderiam integrar num acto administrativo (transferência de direitos de urbanização de um prédio para outro, aprovação e ratificação de plano de pormenor e, ainda, prolação de declaração de impacte ambiental).

2.1. Este Conselho Consultivo teve já oportunidade de afirmar a admissibilidade da transacção administrativa no recente Parecer n.º 13/2003[138], admissibilidade essa que «radica, em última análise, no princípio da autonomia da vontade da Administração, no princípio da autonomia pública, entendida a autonomia pública como a permissão da criação, no âmbito de relações jurídicas administrativas, “de efeitos de direito não predeterminados por normas jurídicas e titularidade e exercício do correspondente poder”, isto é, como a “margem de livre decisão na criação de efeitos de direito nas situações concretas regidas pelo Direito Administrativo”»(x3).

Esta «margem de livre decisão» prende-se com a capacidade de disposição sobre o objecto da transacção, requisito essencial deste tipo de contrato (artigo 1249.º do Código Civil).

Assim, não existindo disponibilidade sobre o objecto, não pode haver transacção.

Também em recente estudo, JOÃO TABORDA DA GAMA[139] propugna, em síntese conclusiva, que «o conceito de litígio deve ser interpretado no sentido de abranger também situações de incerteza, pois estas são causas de eventuais litígios», inserindo-se a celebração de contratos de transacção (administrativa) entre a administração e particulares «num plano mais geral da crescente busca, em todos os campos jurídicos, de soluções compromissórias para situações dúbias e litigiosas», sendo que «a admissibilidade do poder de celebração de contratos de transacção é imposta pelos princípios da autonomia contratual pública e privada, da eficiência, da protecção jurídica e da igualdade», impondo os princípios da eficiência e da praticabilidade que, em casos de ineficiência e impraticabilidade aplicativas, a administração possa acordar com os particulares soluções negociadas».

2.2. O contrato sobre o exercício de poderes públicos aparece, nuns casos, como um modo de conclusão do procedimento em alternativa ao acto administrativo e, noutros, ele é celebrado no âmbito de um procedimento tendente à prática de um acto administrativo, os chamados contratos endoprocedimentais[140].

O contrato sobre o exercício de poderes públicos pode, assim, representar uma alternativa ao acto administrativo, sempre que uma relação que poderia ser regulada por um acto administrativo é objecto de um contrato, ou implicar uma combinação com um acto administrativo, quando a Administração, mediante a celebração de um contrato, se obriga a praticar ou a não praticar um acto administrativo.

No nosso ordenamento jurídico, o artigo 179.º do Código do Procedimento Administrativo acolhe o princípio da autonomia pública contratual da Administração, estatuindo que «[o]s órgãos administrativos, na prossecução das atribuições da pessoa colectiva em que se integram, podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer».

Significa isto que, no nosso ordenamento jurídico, a Administração Pública pode «usar a forma do contrato para produzir o efeito jurídico de um acto administrativo (contratos decisórios que substituem actos administrativos), assim como celebrar contratos em que se compromete a praticar ou a não praticar um acto administrativo com um certo conteúdo (contratos obrigacionais)»[141], apenas com as limitações decorrentes da lei ou da natureza das relações a estabelecer[142].

O princípio da legalidade administrativa reclama aqui uma exigência de conformidade do contrato com a lei, já que a Administração não pode servir-se dos contratos administrativos para se subtrair ao cumprimento da lei ou para produzir efeitos de direito administrativo que, quando conformados em acto administrativo, lhe estariam vedados.

«Mas o princípio da conformidade do conteúdo do contrato à lei, ou seja, a exigência de que o conteúdo inserido nas cláusulas contratuais encontre correspondência numa norma legal, não pode abranger todo o contrato [sic]; se for esse o caso, e, portanto, se à Administração não for reconhecido pelo legislador um poder próprio para desenhar certos aspectos do concreto conteúdo de uma relação jurídica (poder discricionário), não há espaço para negociação, e o contrato não é aí, em princípio, possível. A Administração pode, por conseguinte, usar o contrato administrativo no âmbito das relações jurídicas administrativas também conformáveis por acto administrativo quando for titular de um poder discricionário, em cujo exercício pode estipular o designado conteúdo administrativo extra-típico do contrato.»[143]

Por conseguinte, esse tipo de vinculação contratual é possível no quadro dos pressupostos da discricionaridade da decisão.

Sintetizando, dir-se-á que a permissibilidade geral da celebração de contratos administrativos obrigacionais mediante os quais a Administração Pública se compromete juridicamente a praticar ou a não praticar um acto administrativo com certo conteúdo apenas pode operar em espaços em que existam poderes discricionários e, como salienta SÉRVULO CORREIA[144], no contexto de um exercício antecipado do poder discricionário, que não se confunde com uma disposição do poder discricionário, de onde decorre que a Administração só pode assumir essa vinculação com efeitos externos, quando os pressupostos abstractos e concretos do acto que se obriga a praticar ou a não praticar estejam já verificados.

Relativamente aos contratos com objecto misto, que «se fosse susceptível de ser dividido, poderia figurar em parte num acto administrativo e noutra parte num contrato de direito privado, vigora, como seria de esperar um regime misto. Assim, quanto às cláusulas e aos efeitos típicos de direito administrativo, aplica-se o princípio da legalidade como exigência de conformidade (esses efeitos só são possíveis nos termos previstos na lei). Quanto ao conteúdo das restantes cláusulas, vale o princípio da legalidade como mera exigência de compatibilidade.[145]»

Por último, deve sublinhar-se que a regra geral da admissibilidade jurídica do contrato administrativo, como forma típica da actividade administrativa pública, suscita alguma perplexidade no âmbito do ordenamento do território e do urbanismo[146], domínio jurídico que prima, como se evidenciou supra, pela densidade e detalhe da regulamentação aplicável.

O certo é que o recurso a formas de concertação de interesses através da celebração de contratos entre a Administração e os particulares está expressamente previsto na Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (artigos 5.º, alínea h), 16.º, n.º 2).

Também o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que define o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de planificação territorial, o regime geral de uso do solo e a disciplina jurídica do procedimento de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial, faz referência à contratualização entre a Administração municipal e os particulares a propósito da execução dos instrumentos de gestão territorial (artigos 123.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 131.º, n.º 8).

A questão fundamental é a de saber como conciliar a contratualização do ordenamento do território e do urbanismo com o princípio da legalidade, sendo que a Administração Pública não pode renunciar aos seus poderes de planeamento por via contratual — «indisponibilidade, por via contratual, do poder de planeamento»[147] —, afirmando-se a este propósito que o poder de planeamento nunca pode estar condicionado para o futuro através da celebração de contratos administrativos e deve exercitar-se conforme as exigências do interesse público com independência daqueles.

3. A matéria da invalidade do contrato administrativo acha-se disciplinada no artigo 185.º do Código do Procedimento Administrativo.

Como se dispõe no n.º 1 daquele preceito, «[o]s contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração».

«É o princípio da identidade de desvalor jurídico entre o contrato e os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração»[148].

Por sua vez, os n.os 2 e 3 do citado artigo 185.º respeitam às invalidades originárias do contrato administrativo, determinando o primeiro que «[s]ão aplicáveis a todos os contratos administrativos as disposições do Código Civil relativas à falta e vícios da vontade» e o segundo que «à invalidade dos contratos administrativos aplicam-se os regimes seguintes: a) quanto aos contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo, o regime de invalidade do acto administrativo estabelecido no presente Código (artigos 133.º a 137.º); b) quanto aos contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no Código Civil.»

Como adverte FREITAS DO AMARAL[149], «[a] finalidade da alínea a) é, manifestamente, a de inviabilizar à Administração o recurso à via contratual para obter efeitos que a lei proíbe que sejam atingidos por acto unilateral. Assume-se, deste modo, com todas as suas consequências, que o regime dos contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo “não poderá afastar-se do regime de legalidade do acto administrativo com o mesmo objecto e idêntica regulamentação da situação concreta”. Quanto à alínea b), o seu propósito é o de evitar, tendo em conta que a nulidade é o valor-regra da invalidade dos contratos privados (cfr. artigo 294.º do Código Civil) — diferentemente do que se passa no Direito Administrativo em que o valor-regra da invalidade é o da anulabilidade (cfr. artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo) —, que a Administração fosse “tentada a celebrar sob a forma administrativa contratos privados apenas para beneficiar de um regime de invalidade mais favorável(-)

No que concerne ao regime de invalidade aplicável aos contratos administrativos com objecto misto, terá de equacionar-se segundo a doutrina da combinação, ou seja, aplica-se o regime da invalidade do acto administrativo à parte pública do contrato e o regime de invalidade do Código Civil à outra parte. «Em caso de dúvida quanto à compatibilidade de dois regimes de legalidade diferentes num contrato misto, em que pelo menos um dos objectos seja passível de acto administrativo, parece que terá de se derivar para uma aplicação sui generis da doutrina da absorção, cumprindo globalmente o regime de legalidade mais exigente»[150].

3.1. Tendo em conta o objecto da consulta, importa considerar, ainda que sumariamente, os conceitos de validade e eficácia do contrato administrativo.

A propósito do negócio jurídico considerado no plano do seu valor positivo, a doutrina distingue os conceitos de validade e de eficácia.

O negócio será válido quando revele aptidão para subsistir na ordem jurídica e eficaz se puder produzir os seus efeitos próprios e queridos pelas partes[151].

No concernente aos actos administrativos, também a doutrina[152] procede à mesma distinção, consistindo a validade na sua «aptidão intrínseca para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica», e a sua eficácia na «efectiva produção de efeitos jurídicos».

3.2. Para ser válido, o contrato administrativo tem de cumprir certos requisitos de validade, sendo uns de natureza formal (legalidade formal) e outros de natureza substancial (legalidade material), além disso, há que ter em conta requisitos relativos à formulação e à formação da vontade das partes.

Para os fins da consulta interessa atentar nos requisitos relativos à capacidade e à competência das partes.

Quanto à capacidade dos particulares para a celebração do contrato regem as disposições do Código Civil; no caso da entidade pública, «a capacidade para celebrar contratos administrativos é inerente à personalidade jurídica pública»[153], havendo que atender às exigências relativas à competência, isto é, «o emprego do contrato tem de ser decidido por órgão com competência para decidir contratar, que terá ainda de estar investido das competências materiais que exerce por via contratual; além disso, o contrato tem de ser concluído ou outorgado por órgão ou agente com competência (própria ou delegada) para contratar.[154]»

3.3. Centremos agora a nossa atenção sobre a competência do Conselho de Ministros e dos Ministros individualmente considerados.

Na acepção restrita de Estado-Administração, o Estado é a pessoa colectiva que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa.

O Governo, nos termos da Constituição, «é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública» (artigo 182.º).

O Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Secretários de Estado (artigo 183.º, n.º 1).

A Constituição distribui a competência do Governo pelas áreas política, legislativa e administrativa (artigos 197.º, 198.º e 199.º).

No exercício de funções administrativas, compete, ao Governo, designadamente, dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma [artigo 199.º, alínea d)].

O exercício destas funções cabe aos diversos órgãos governativos, ou seja, ao Governo, ao Conselho de Ministros e aos membros do Governo (artigos 199.º a 201.º).

Neste contexto, assume particular relevância a distinção entre os conceitos de atribuições e competência, referindo-se o primeiro aos «interesses públicos cuja realização cabe a uma pessoa colectiva pública ou a um órgão dela»[155] e o segundo «diz-se do complexo dos poderes-deveres jurídicos públicos que uma norma de direito administrativo confere ao Estado ou a um ente público menor e distribui pelos seus vários órgãos»[156].

O quadro das competências e dos órgãos das pessoas colectivas de direito público, naturalmente incluindo o Estado, é envolvido, além do mais, pela vertente da hierarquia administrativa.

Esta hierarquia tem sido entendida pela doutrina como o «modelo de organização vertical da Administração Pública, através do qual se estabelece uma pluralidade de órgãos da mesma pessoa colectiva, conferindo-se a um deles competência para dispor da vontade decisória de todos os restantes órgãos, os quais se encontram adstritos a um dever legal de obediência»[157].

Ora, sem prejuízo da posição proeminente do Primeiro-Ministro, os membros do Governo posicionam-se em termos de equiordenação homogénea, à margem de qualquer vínculo hierárquico, incluindo o quadro de relações entre o Conselho de Ministros e cada um dos ministros[158].


VII

Aqui chegados, estamos em condições de empreender a resposta à consulta.

1. Recorde-se que o acordo examinado implica para o Estado Português as obrigações seguintes:

– Praticar todos os actos e tomar as medidas necessárias, nos termos do clausulado acordado, para que a sociedade ALDEIA DO MECO possa legalmente transferir os direitos de urbanização e de edificação titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99 para terrenos de que a sociedade PELICANO é proprietária numa zona contígua à área urbana de Santana, na Quinta do Vale Bom, na Mata de Sesimbra, concelho de Sesimbra (n.º 1 da cláusula 4.ª);
– Sem prejuízo do respeito pelas disposições legais imperativas aplicáveis e nos termos da lei, ratificar, registar e promover a publicação do plano de pormenor que os órgãos do Município de Sesimbra lhe submetam em execução do acordo celebrado (n.º 1 da cláusula 8.ª);
– Proferir a Declaração de Impacte Ambiental relativa ao projecto turístico da PELICANO, exigida pelo Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, no respeito pelos prazos previstos por este diploma (n.º 2 da cláusula 8.ª);
– Em caso de impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor referido, disponibilizar terrenos que viabilizem uma solução alternativa, equivalente em valor económico e comercial aos terrenos abrangidos pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99 (n.º 3 da cláusula 8.ª).

Ora, a explanação antecedente, logrou revelar que é ilegal, por falta de suporte normativo, a pretendida transferência dos direitos de urbanização e de edificação previstos no Alvará de Loteamento n.º 5/99 (empreendimento turístico da Aldeia do Meco) para terrenos localizados na Mata de Sesimbra.

De igual modo, falta o necessário enquadramento legal para excluir como benefício abrangido pela obrigação de perequação compensatória, o volume de construção que o plano de pormenor a elaborar para a Mata de Sesimbra viesse a acolher para assegurar a transferência dos direitos de urbanização e construção titulados pelo Alvará n.º 5/99, exclusão que afronta o direito à perequação previsto no artigo 135.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.

Afigura-se, assim, que em relação às correspondentes cláusulas, verifica-se o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, gerador de invalidade, na modalidade de anulabilidade, nos termos dos conjugados artigos 185.º, n.º 3, alínea a), e 135.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo.

Noutra óptica, poderá até entender-se que a pretendida transferência dos direitos de urbanização e de edificação previstos no Alvará de Loteamento n.º 5/99 para terrenos da Mata de Sesimbra, atenta a indissociabilidade do jus aedificandi relativamente ao prédio objecto do respectivo licenciamento, consubstanciará um objecto negocial jurídica ou fisicamente impossível, vício enquadrável na previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, ex vi da alínea a) do n.º 3 do artigo 185.º do mesmo Código, e susceptível de gerar a sanção mais grave da nulidade.

Constatada, pois, a verificação dos assinalados vícios, sempre se observará que não se descortinam outros, nomeadamente, o previsto no n.º 2 do artigo 29.º do Código do Procedimento Administrativo[159].

Na verdade, por via de tal «ACORDO», o Estado Português não renuncia às suas competências legais no âmbito do ordenamento do território, já que circunscreve o âmbito da vontade de contratar a espaços em que as normas legais concedem poderes discricionários sem reserva da forma unilateral para o seu exercício, salvaguardando o respeito pelas disposições legais imperativas aplicáveis (n.º 1 da cláusula 8.ª) e prevendo a modificação da respectiva contraprestação, no caso de impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor em causa (n.º 3 da cláusula 8.ª).

Por outro lado, a obrigação vertida no n.º 1 da cláusula 8.ª do contrato, no contexto em que este foi celebrado e considerando que as partes salvaguardaram o respeito pelas disposições legais imperativas aplicáveis e aceitaram a eventual impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor em causa (n.º 3 da cláusula 8.ª), deverá entender-se, no que concerne especificamente à ratificação do plano de pormenor para a Mata de Sesimbra, como a assunção pelo Ministro subscritor do compromisso de o submeter a ratificação pelo Governo, já que a ratificação dos planos municipais de ordenamento do território, em que se inclui o plano de pormenor, é feita através de resolução do Conselho de Ministros (artigo 80.º, n.os 1, 3 e 8, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro).

Acresce, que não pode entender-se o n.º 2 da cláusula 8.ª do «ACORDO» como uma autovinculação do Estado Português a proferir uma Declaração de Impacte Ambiental favorável relativamente ao projecto turístico da PELICANO, mas antes como estipulação da estrita observância dos prazos estabelecidos no Decreto-‑Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, para a decisão sobre o procedimento de avaliação de impacte ambiental.

2. À luz do entendimento precedentemente exposto, os vícios assinalados respeitam a cláusulas que poderiam figurar num acto administrativo, pelo que é aplicável o regime da invalidade do acto administrativo, nos termos dos conjugados artigos 185.º, n.º 3, alínea a), 186.º, n.º 1, e 133.º a 137.º, todos do Código do Procedimento Administrativo.

A invalidade do acto administrativo reveste a forma de nulidade ou anulabilidade, que têm regimes e consequências jurídicas distintas.

Nos seus traços essenciais, o acto administrativo nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos ab initio, independentemente da declaração de nulidade.

A nulidade é insanável, quer pelo decorrer do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão, sendo invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podendo ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

Por sua vez, o acto administrativo anulável, embora inválido, produz os seus efeitos como se válido fosse, enquanto não for anulado; pode ser revogado nos termos estabelecidos no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo e é susceptível de impugnação perante os tribunais administrativos dentro de um certo prazo, normalmente um prazo curto, actualmente previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos[160].

A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão.

«Embora o artigo 185.º, n.º 3, o não afirme abertamente, o regime da invalidade do acto administrativo aplica-se com adaptações [ao contrato administrativo]. Assim, não é aplicável em matéria de invalidade do contrato o princípio da nulidade dos actos consequentes, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo (por força do regime especial de invalidade derivada do contrato).»[161]

Também «ao contrário do que se dispõe no artigo 134.º, n.º 2, para a nulidade dos actos administrativos, os órgãos da Administração não podem declarar a nulidade do contrato administrativo, assim como não podem “revogá-lo” (rectius, anulá-lo), nos termos do artigo 136.º, n.º 1, nem ratificá-lo, reformá-lo ou convertê-‑lo, nos termos do artigo 137.º — é o que resulta do artigo 186.º, onde se estabelece que os actos que se pronunciem sobre a validade de contratos valem como declarações negociais e não como actos administrativos, o que significa que, se o contraente não concordar com o teor da declaração, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de uma acção judicial.»[162]

3. A invalidade do contrato administrativo pode ser total ou parcial consoante o vício que o afecta ponha em crise todo o contrato ou apenas algumas das suas cláusulas.

Tal distinção é expressamente acolhida no corpo do n.º 1 do artigo 40.º do actual Código de Processo nos Tribunais Administrativos [«Os pedidos relativos à validade, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos (...)»] e no n.º 2 do artigo 41.º do mesmo Código [«Os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos (...)»].

Precisamente, compete aos tribunais administrativos decretar a nulidade ou a anulação do contrato administrativo, sendo que a matéria da validade do contrato é uma das que está fora do espaço de intervenção autoritária da Administração, face ao prescrito no n.º 1 do artigo 186.º do Código do Procedimento Administrativo.

Ora, no caso de invalidade parcial, está consagrada a regra da redução do contrato[163], inspirada no princípio da conservação («utile per inutile non viciatur»), sendo expurgadas as cláusulas nulas ou feridas de vício anulatório e subsistindo a validade das restantes.

É o que prevê o artigo 292.º do Código Civil, subordinado à epígrafe Redução, segundo o qual «[a] nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada».

Presume-se, assim, a nulidade parcial do negócio jurídico, presunção que só cede mediante a prova de que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.

Significa isto, que o tribunal administrativo ao decretar a invalidade parcial do contrato, não o invalida na sua integralidade, operando-se a redução do contrato sempre que a vontade conjectural ou hipotética das partes for no sentido da sua conclusão sem a parte viciada.

Como adverte PEDRO GONÇALVES[164], «[e]sse princípio, que se aplica seguramente aos contratos [administrativos] com objecto passível de contrato de direito privado (nos termos do artigo 185.º, n.º 3, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo), quando e se aplicado aos contratos [administrativos] com objecto passível de acto administrativo, reclama algumas cautelas suplementares, pois que, nesse caso, a invalidação parcial pode determinar a necessidade de re-exercício do poder discricionário, coisa que só a Administração (e não o tribunal) está em condições de fazer — a questão põe-se aí em termos semelhantes aos que se colocam na situação de invalidação (judicial) parcial de actos administrativos (por exemplo, anulação isolada de cláusulas acessórias)».

4. Revertendo ao caso concreto, sobressai como uma das obrigações assumidas no contrato o reconhecimento, noutro local, de direitos de urbanização e de edificação equivalentes em área, localização e valor económico aos titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99.

De facto, segundo consta da respectiva cláusula 2.ª, constitui objectivo do contrato, «garantir o respeito integral pelos valores merecedores de tutela na zona do Meco, implicando a obrigação de o ESTADO e o MUNICÍPIO atribuírem à sociedade ALDEIA DO MECO, noutro local, direitos de urbanização e de edificação equivalentes em área, localização e valor económico aos titulados pelo referido alvará», sendo certo que, nos termos do n.º 3 da sua cláusula 8.ª, as partes aceitam que o Estado Português, em caso de impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor previsto para a Mata de Sesimbra, possa disponibilizar outros terrenos que viabilizem uma solução alternativa, equivalente em valor económico e comercial aos terrenos abrangidos pelo questionado alvará.

É de admitir, portanto, que a obrigação prevista no n.º 1 da cláusula 4.ª do contrato se possa reduzir à dimensão contemplada na cláusula 2.ª respectiva, o que implicará a viabilização, noutro local, de um projecto de urbanização equivalente ao titulado pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99 (empreendimento turístico da Aldeia do Meco).

Assim, não obstante os vícios assinalados, atento os fins do contrato firmado e a dimensão normativa vazada nas cláusulas referidas, afigura-se que nada impede a manutenção da sua parte não viciada, designadamente, a obrigação de reconhecer em terrenos localizados na Mata de Sesimbra ou noutro local, direitos de urbanização e de edificação equivalentes em área, localização e valor económico aos titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99.

De resto, no domínio contratual, há que considerar o particular relevo da vontade das partes, que poderão obter o suprimento dos vícios apontados, mediante o instrumento jurídico apropriado.

Refira-se, em derradeiro termo, que o contrato só não se manterá quanto à parte não viciada perante uma manifestação de vontade das partes contrária à sua conservação parcial, cabendo, neste caso, à Administração Pública ponderar sobre a conveniência de alterar o objecto do contrato firmado e de suprir os vícios apontados, no quadro das limitações à autonomia pública contratual oportunamente expostos e tendo em consideração que toda a actividade administrativa, incluindo a que se desenvolve através da celebração de contratos administrativos, deve ter como finalidade a prossecução do interesse público (n.º 1 do artigo 266.º da Constituição).

VIII

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª O «ACORDO» firmado, em 17 de Março de 2003, entre o Estado Português, o Município de Sesimbra, a sociedade Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, S.A., e a Pelicano – Investimento Imobiliário, S.A., para a resolução do diferendo sobre a realização de uma operação urbanística na zona da Praia do Meco, tem a natureza jurídica de contrato administrativo;

2.ª Trata-se de um contrato administrativo plurilateral, que gera obrigações recíprocas entre as partes e com objecto misto, acolhendo cláusulas que poderiam figurar num contrato de direito privado, ao lado de outras que se poderiam integrar num acto administrativo;

3.ª É admissível a celebração de contrato de transacção no ordenamento jurídico administrativo entre a Administração Pública e particulares, naturalmente condicionada à capacidade de disposição sobre o objecto da transacção, requisito essencial deste tipo de contrato (artigo 1249.º do Código Civil);

4.ª A Administração Pública pode usar a forma do contrato para produzir o efeito jurídico de um acto administrativo (contratos decisórios que substituem actos administrativos), assim como celebrar contratos em que se compromete a praticar ou a não praticar um acto administrativo com um certo conteúdo (contratos obrigacionais), apenas com as limitações decorrentes da lei ou da natureza das relações a estabelecer;

5.ª A permissibilidade geral da celebração de contratos administrativos obrigacionais mediante os quais a Administração Pública se compromete juridicamente a praticar ou a não praticar um acto administrativo com certo conteúdo só pode operar em espaços em que existam poderes discricionários e no contexto de um exercício antecipado do poder discricionário;

6.ª É ilegal, por falta de suporte normativo, a pretendida transferência dos direitos de urbanização e de edificação previstos no Alvará de Loteamento n.º 5/99 (empreendimento turístico da Aldeia do Meco) para terrenos localizados na Mata de Sesimbra;

7.ª De igual modo, falta o necessário enquadramento legal para excluir como benefício abrangido pela obrigação de perequação compensatória, o volume de construção que o plano de pormenor a elaborar para a Mata de Sesimbra viesse a acolher para assegurar a transferência dos direitos de urbanização e construção titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99, sendo certo que tal exclusão, consignada no n.º 2 da Cláusula 7.ª do «ACORDO» em apreço, afronta o direito à perequação previsto no artigo 135.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro;

8.ª Afigura-se, assim, que em relação às correspondentes cláusulas, verifica-se o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que gera invalidade, na modalidade de anulabilidade, nos termos dos conjugados artigos 185.º, n.º 3, alínea a), e 135.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo;

9.ª Noutra óptica, a pretendida transferência dos direitos de urbanização e de edificação previstos no Alvará de Loteamento n.º 5/99 para terrenos da Mata de Sesimbra, atenta a indissociabilidade do jus aedificandi relativamente ao prédio objecto do respectivo licenciamento, poderá mesmo consubstanciar um objecto negocial jurídica ou fisicamente impossível, vício enquadrável na previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, ex vi da alínea a) do n.º 3 do artigo 185.º do mesmo Código, gerador de nulidade;

10.ª Não obstante os vícios assinalados, atento os fins do contrato firmado e a dimensão normativa vazada nas respectivas cláusulas, afigura-se que nada impede a manutenção da sua parte não viciada, designadamente, a obrigação de reconhecer em terrenos localizados na Mata de Sesimbra ou noutro local, direitos de urbanização e de edificação equivalentes em área, localização e valor económico aos titulados pelo Alvará de Loteamento n.º 5/99.







VOTO


(Manuel Pereira Augusto de Matos) - Voto o parecer com a seguinte declaração, suscitada pelas conclusões 6ª, 9ª e 10ª:

1 - Afigura-se-me que o clausulado do ACORDO apreciado não se encontra inquinado por vício que o atinja na sua essência, assumindo-
-se, portanto, como um instrumento com aptidão jurídica para vincular o Estado Português e os demais outorgantes ao cumprimento das obrigações dele decorrentes.


A viabilidade do ACORDO resulta da determinação do conteúdo declaracional que corporiza, da análise daquilo que entre as partes foi convencionado.

«O contrato, como a lei, precisa ser interpretado», escreve INOCÊNCIO GALVÃO TELLES [165], sendo necessário conhecer o sentido das declarações que o formam, para determinar os direitos e obrigações nascidos do contrato, o seu conteúdo, os seus limites [166] .

Os critérios fundamentais em matéria de interpretação do negócio jurídico estão expostos no artigo 236º do Código Civil.

O nº 1 daquele preceito estabelece «o grande princípio da interpretação negocial, consagrando a conhecida doutrina da impressão do destinatário: o sentido decisivo é aquele que se obtenha do ponto de vista de um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante» [167].

De entre os vários elementos atendíveis para a fixação do sentido normal da declaração negocial sobressaem, segundo JOÃO CALVÃO DA SILVA, os termos do negócio, os interesses nele em jogo e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento, a finalidade prosseguida, as negociações prévias, etc [168].

No caso presente, deparando-se-nos um negócio de natureza formal – como é regra nos contratos administrativos (cfr. artigo 184º do Código do Procedimento Administrativo) -, com o ACORDO corporizado num escrito, interessará referir que as declarações não valerão com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, em conformidade com o princípio que se retira do artigo 238º, nº 1, do Código Civil, princípio esse que se identifica com a regra da interpretação da lei expressa no nº 2 do artigo 9º do mesmo Código [169] e no artigo 2187º, nº 2, do mesmo Código, em matéria de interpretação do testamento.

Tendo, como se vê, a interpretação dos contratos indiscutíveis semelhanças com a interpretação das leis [170], interessará que se ponderem os elementos sistemático e teleológico que, assumindo aí especial relevo, revestem também indiscutível importância em sede de interpretação do contrato [171].

O elemento sistemático compreende, escreve J. BAPTISTA MACHADO, «a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei) [172].

À semelhança do que sucede com a norma legal, o resultado da interpretação literal das estipulações contratuais deverá ser confirmado pelos atinentes factores lógicos, ponderando-se, designadamente, no seu enquadramento sistemático e na finalidade que as partes contratantes visam prosseguir.

2 - No caso em apreço, os considerandos do ACORDO e o texto das cláusulas ajustadas permitem que, com alguma facilidade, se descortine o objecto acordado, quer sob a perspectiva do conjunto dos efeitos que se visam produzir, quer sob o prisma da realidade sobre a qual tais efeitos vão recair [173].

Assim, através da adopção de um contrato, juridicamente qualificado como de transacção, as Administrações Públicas outorgantes (Estado-
-Administração e Município de Sesimbra) acordaram com a sociedade Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, S.A. na resolução do diferendo que as opõe «relativamente à realização de uma operação urbanística na zona da Praia do Meco», suficientemente caracterizado na parte introdutória do ACORDO e, bem assim, no texto do parecer.


As Cláusulas Segunda e Terceira acolhem a matéria que se crê constituir o verdadeiro objecto mediato do ACORDO celebrado. O Estado e o Município de Sesimbra assumem o compromisso de «atribuírem à sociedade ALDEIA DO MECO, noutro local, direitos de urbanização e de edificação equivalentes em área, localização e valor económico aos titulados pelo [...] alvará [de loteamento nº 5/99 para a realização do empreendimento identificado na Cláusula Primeira]». Como contrapartida, a sociedade Aldeia do Meco, titular desse alvará, obriga-se a não realizar a operação urbanística aí prevista e titulada e a entregar para afectação ao domínio público do Estado, libertos de ónus, encargos ou responsabilidades, os terrenos abrangidos pelo mesmo instrumento, entrega que ocorrerá com a emissão, a favor da sociedade Pelicano – Investimento Imobiliário, S.A., de um alvará de loteamento urbano que lhe conceda direitos de urbanização e de edificação em dimensão equivalente aos direitos titulados pelo alvará nº 5/99, direitos que, através de negócio jurídico próprio e autónomo, serão transferidos de uma sociedade para outra (da sociedade Aldeia do Meco, para a Pelicano).

Na tarefa de análise das estipulações negociais empreendida no parecer, o acento tónico foi colocado na questão da transferência dos direitos de urbanização e de edificação titulados pelo alvará nº 5/99 para os terrenos de que a sociedade Pelicano é proprietária numa zona contígua à área urbana de Sesimbra, na Quinta do Vale Bom, na Mata de Sesimbra, a que se reporta a Cláusula Quarta.

No entanto, afigura-se-me que deverá ser realçado e enfatizado o precípuo objecto contratual apontado, contido nas duas cláusulas imediatamente anteriores, sendo que a Cláusula Segunda se assume, ademais, como uma estipulação que decisivamente vem clarificar o que, no âmbito deste ACORDO, se deve entender por transferência de direitos de urbanização e de edificação titulados pelo alvará de loteamento nº 5/99 para outros terrenos.

Essa transferência de direitos jamais poderá operar de forma linear, como parece resultar de uma leitura isolada ou descontextualizada da Cláusula Quarta. Evidentemente que seria juridicamente impossível a transferência de direitos de edificação e de urbanização, talhados para um concreto local e concedidos em função das respectivas e próprias características e envolventes, para um outro local. Um tal objecto negocial seria patentemente inidóneo, juridicamente impossível e, consequentemente nulo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 185º, nº 3, alínea a), e 133º, nº 2, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo, em coerência, aliás, com o princípio geral do ordenamento jurídico inscrito no artigo 280º, nº 1, do Código Civil.

A dita Cláusula deverá ser interpretada no quadro das regras da interpretação já expostas, tendo-se em devida conta as circunstâncias que rodearam a sua estipulação e, bem assim, a respectiva finalidade. Principalmente, deverá ser examinada, em termos sistemáticos, em coerência com as demais estipulações ajustadas. Nesta tarefa, deverão ser tidas em devida consideração as estipulações contratuais contidas na citada Cláusula Segunda, no nº 2 da Cláusula Terceira, na Cláusula Sexta, na medida em que se previne a compatibilização, no futuro plano de pormenor, da ocupação decorrente da transferência dos direitos de urbanização e de edificação com a necessidade da manutenção da floresta e do equilíbrio ecológico da Mata de Sesimbra, nos termos estabelecidos nos instrumentos de ordenamento aí mencionados. Deverá ponderar-se, enfim, nas obrigações assumidas na Cláusula Oitava assumindo particular significado a que se prevê no nº 3: «Em caso de impossibilidade legal objectiva de ratificação do plano de pormenor referido no nº 1, o ESTADO obriga-se a disponibilizar terrenos que viabilizem uma solução alternativa, equivalente em valor económico e comercial aos terrenos abrangidos pelo Alvará de Loteamento nº 5/99».

Não consideraria, portanto, o vício detectado no parecer relativamente ao nº 1 da Cláusula Quarta porquanto interpretaria a equívoca referência à transferência dos direitos de urbanização e de edificação, não em termos de ela se processar «de um para outro terreno», em simétrica deslocalização, mas sim, de acordo com o que se depreende da Cláusula Segunda e das demais cláusulas que foram destacadas supra, de modo a que a transferência opere em termos «equivalentes em área, localização e valor económico».

Resolveria, portanto, a questão suscitada pelo texto do nº 1 da Cláusula Quarta em sede de interpretação jurídica do ACORDO concluindo pela sua conformidade legal e, consequentemente, pela sua manutenção.

3 - A solução do parecer quanto à redução do ACORDO à parte não viciada poderia suscitar algumas dificuldades práticas se se implementasse.

A redução supõe, como parece decorrer do artigo 292º do Código Civil, a divisibilidade do negócio jurídico. Como ensina INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, esta figura traduz-se «na divisão desse negócio em duas partes – a que se mantém nula e a que se salva, sob as vestes de negócio válido, se bem que de dimensão mais restrita» [174]. Pode acontecer, porém, lembra o mesmo autor, «que o negócio em causa seja indivisível, e então é que a questão da divisibilidade ou indivisibilidade importa verdadeiramente. A indivisibilidade obsta, por natureza, à redução» [175]. Para este autor, «o negócio é indivisível quando não se mostra reconduzível a uma parte nula, em razão do vício que a afecta, e a uma parte que em si seria válida, por esse vício não a atingir directamente, mas cuja existência autónoma não faria sentido, dado haver entre as duas uma ligação incindível» [176].

Pois bem, afigura-se-me que, neste caso, não se ponderou no carácter unitário das estipulações ajustadas, na sua integralidade, antes se considerou a divisibilidade do ACORDO, natureza que, neste ponto, os contraentes claramente não visaram conferir-lhe. Nesta perspectiva, a solução encontrada, a pretexto da invalidade detectada na questionada Cláusula Quarta, pode determinar a desarticulação do ACORDO, provocando, nomeadamente, a ilegitimidade negocial de um dos outorgantes – a sociedade PELICANO – já que se me afigura que o nº 1 daquela Cláusula Quarta contém, precisamente, a base factual que, essencialmente, justifica (fundamenta) a presença de tal sociedade neste instrumento contratual.

(Paulo Armínio de Oliveira e Sá) - Com declaração de voto idêntica à do meu Exmo Colega Dr. Manuel Matos.

(João Manuel da Silva Miguel) -Com declaração de voto idêntica à do meu Exmo Colega Dr. Manuel Matos.

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) -Com declaração de voto idêntica à do meu Exmo Colega Dr. Manuel Matos.




[1] Nomeado para o cargo de Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente pelo Decreto do Presidente da República n.º 24-C/2002, de 6 de Abril, e exonerado do mesmo cargo pelo Decreto do Presidente da República n.º 23-A/2003, de 5 de Abril.
[2] Parecer datado de 31 de Maio de 2002, elaborado por DIOGO FREITAS DO AMARAL, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e CLÁUDIO MONTEIRO, Mestre em Direito e Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
[3] Ofício n.º 10530, MCOTA, de 22 de Outubro de 2003, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República, em 24 de Outubro seguinte.
[4] Ofícios da Procuradoria-Geral da República n.º 43401/2003, Proc.º 115/2003, L.º CC, de 24 de Outubro de 2003, e n.º 49168/2003, Proc.º 115/2003, L.º CC, de 27 de Novembro de 2003.
[5] Ofício n.º 12282, MCOTA, de 4 de Dezembro de 2003, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República, em 5 de Dezembro seguinte.
[6] Ofícios n.º 1389, MCOTA, de 16 de Fevereiro de 2004, e n.º 1403, MCOTA, de 17 de Fevereiro de 2004, que deram entrada na Procuradoria-Geral da República, em 18 de Fevereiro seguinte.
[7] Ofício da Procuradoria-Geral da República n.º 7053/2004, Proc.º 115/2003, de 13 de Fevereiro de 2004.
[8] Ofício n.º 1703, MCOTA, de 1 de Março de 2004, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República, em 2 de Março seguinte.
[9] Os factos que se passam a enunciar constam da publicação O Caso Meco (Pareceres Jurídicos e Peças Processuais), edição do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, Lisboa, 2002, e do Processo n.º 349/99, Livro H, da Procuradoria-Geral da República.
[10] Cf. Memória Descritiva e Justificativa (Parte Arquitectónica) do Projecto de Urbanização Aldeia do Meco, apresentada em 14 de Outubro de 1974 (registo de entrada n.º 5758), anexa ao Alvará de Loteamento n.º 5/99 emitido pela Câmara Municipal de Sesimbra.
[11] Data constante na matéria de facto dada como provada no Acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Junho de 1991, embora outros documentos consultados refiram que esse pedido de licença de loteamento foi apresentado no dia 31 de Março de 1974.
[12] O Acórdão está datado, por lapso, de 23 de Junho de 1991, que foi um domingo, resultando da respectiva acta de julgamento (designado, termo de sessão e julgamento) que foi proferido em 25 de Junho de 1991.
[13] A Câmara Municipal de Sesimbra arguiu a nulidade do citado acórdão, que foi julgada improcedente por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Março de 1999.
[14] «Recorda-se, a este propósito, que do Alvará de Loteamento constava um erro de escrita: ao aludir a um prédio rústico inscrito sob o artigo 102.º da Secção J, fazia-se referência a um prédio rústico inscrito sob o artigo 108.º O lapso em causa já se mostra, actualmente, rectificado, não havendo dúvidas quanto a esta questão. O prédio rústico inscrito no artigo matricial sob o [artigo] 102.º da Secção J localiza-se dentro do perímetro do loteamento, ao passo que o prédio inscrito sob o artigo 108.º se encontra fora do perímetro do mesmo.» — Cf. O Caso Meco (Pareceres Jurídicos e Peças Processuais), ob. cit., p. 11, nota 1.

[15] Aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 84/81, de 8 de Julho, e em vigor desde 23 de Abril de 1982, segundo Aviso publicado no Diário da República, I Série, n.º 87, de 15 de Abril de 1982.

[16] Cf. O Caso Meco (Pareceres Jurídicos e Peças Processuais), ob. cit., pp. 295-297.
[17] Cf. Aviso n.º 6698/2003 (2.ª série) e Aviso n.º 6699/2003 (2.ª série), ambos da Câmara Municipal de Sesimbra, publicados no Diário da República, II Série, n.º 195, Apêndice n.º 127/2003, de 25 de Agosto de 2003.
[18] Cf. FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, colecção teses, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 64-88, e Manual de Direito de Urbanismo, volume I, Almedina, Coimbra, 2001, p. 100.
[19] Cf. JORGE MIRANDA, «Ordenamento do território e Constituição», Revista do Ministério Público, Ano 16.º, n.º 61, Janeiro – Março 1995, p. 86.
[20] Ob. cit., p. 86.
[21] Cf. JORGE MIRANDA, ob. cit., p. 87.
[22] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 347.
[23] Ibidem, p. 348.
[24] Sobre o direito do ambiente, cf., entre outros: JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais, tomo IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1993; Direito do Ambiente, coordenação de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MARTA TAVARES DE ALMEIDA, Instituto Nacional de Administração, Oeiras, 1994; J.J.GOMES CANOTILHO, Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade, Coimbra, 1995, e «O caso da Quinta do Taipal», Revista de Legislação e de Jurisprudência, 128.º Ano, 1995-1996, n.os 3850-3861, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, pp. 25-57; VASCO PEREIRA DA SILVA, «Os Denominados Embargos Administrativos em Matéria de Ambiente», Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 7, Junho de 1997, Almedina, Coimbra, pp. 209-227, e Verdes são também os Direitos do Homem – Responsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente, Principia, Cascais, 2000, separata de Portugal-Brasil Ano 2000 – Tema Direito, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 127 e seguintes; JOSÉ EDUARDO DE OLIVEIRA FIGUEIREDO DIAS, «Tutela Ambiental e Contencioso Administrativo (Da legitimidade processual e das suas consequências)», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp. 80 e seguintes; JOSÉ DE SOUSA CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos (Da reparação do dano através de restauração natural), Coimbra Editora, 1998, pp. 41-61 e 104-124; CLÁUDIA MARIA CRUZ SANTOS, JOSÉ EDUARDO DE OLIVEIRA FIGUEIREDO DIAS, MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO, Introdução ao Direito do Ambiente, coordenação científica de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Universidade Aberta, Lisboa, 1998; LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, A Tutela dos Interesses Difusos em Direito Administrativo: para uma legitimação procedimental, Almedina, Coimbra, 1989, pp. 45-48.
[25] Alterada pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro (alínea g) do n.º 2 do artigo 3.º), e pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (artigo 6.º).
[26] Sobre esta problemática, cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 59/2003, de 12 de Fevereiro de 2004, publicado no Diário da República, II Série, n.º 106, de 6 de Maio de 2004.
[27] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 278/97, de 8 de Outubro, e regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 38/90, de 27 de Novembro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 42/97, de 10 de Outubro.
[28] Objecto da Declaração de Rectificação n.º 7-D/2000, de 30 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 74/2001, de 26 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril, e pela Lei n.º 12/2004, de 30 de Março; regulamentado pelas Portarias n.º 1182/2000, de 18 de Dezembro, e n.º 330/2001, de 2 de Abril, esta última objecto da Declaração de Rectificação n.º 13-H/2001, de 31 de Maio.
[29] Actualmente, o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território.
À data da celebração do questionado «ACORDO», em conformidade com o disposto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 97/2003, de 7 de Maio, que aprovou a orgânica do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, «[t]odas as referências feitas na lei ao Ministro do Planeamento ou ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território em matéria de ambiente, de ordenamento do território, de instrumentos de gestão territorial e de administração local autárquica consideram-se feitas ao Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente».
[30] Neste sentido, MÁRIO DE MELO ROCHA, «O Princípio da Avaliação de Impacte Ambiental», Estudos de Direito do Ambiente, Colecção Actas, Universidade Católica, Porto, 2003, pp. 135-147.
[31] Cf. MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e MARIA ANA BARRADAS, «O Novo Regime da AIA: avaliação de previsíveis impactes legislativos», Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente (CEDOUA), Ano III (2000), n.º 1, pp. 71-91.
[32] Neste ponto, segue-se de perto o Parecer do Conselho Consultivo n.º 59/2003, citado na nota 26.
[33] Cf. MÁRIO DE MELO ROCHA, ob. cit., pp. 135 e 146.
[34] Idem, p. 137.

[35] Cf. MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e MARIA ANA BARRADAS, ob. cit., p. 77.
[36] Cf. nota 29.
[37] Nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, são «Autoridades de AIA», a «Direcção-Geral do Ambiente» ou as «Direcções Regionais do Ambiente»; na vigência do anterior regime orgânico do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Decreto-Lei n.º 120/2000, de 4 de Julho, objecto da Declaração de Rectificação n.º 7-R/2000, de 31 de Agosto, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 8/2002, de 9 de Janeiro), a «Direcção-Geral do Ambiente» deu lugar ao «Instituto do Ambiente» e às «Direcções Regionais do Ambiente» sucederam as «Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território» (DRAOT). Com a nova orgânica do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Decreto-‑Lei n.º 97/2003, de 7 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 316/2003, de 17 de Dezembro), o «Instituto do Ambiente» manteve a respectiva designação e as «Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional» (CCDR) substituíram as DRAOT.
[38] Cf. MARIA ALEXANDRA ARAGÃO, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e MARIA ANA BARRADAS, ob. cit., p. 76.
[39] Cf. nota 29.
[40] O regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 305/99, de 6 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de Março.
[41] O símbolo > pode também ser representado pelos símbolos >= (maior ou igual).
[42] Cf. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 55.
[43] Idem, pp. 51-52, citando A. DE LAUBADÈRE, J. C. VENEZIA, Y. GAUDEMET, Manuel de Droit Administratif, 14.ª edição, Paris, L.G.D.J., 1992, pp. 421-422.
[44] Texto integral disponível no endereço: www.dgotdu.pt/concurso_escolar/mainBibliografia.html; cf. NUNO DA SILVA SALGADO, «O Ordenamento do Território e o Cumprimento da Lei», Boletim da Inspecção-Geral da Administração do Território, Ano 4, n.º 1, Março de 1991, pp. 4-5.
[45] «Estado de Direito, Ordenamento do Território e Direito da Propriedade», Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 3, Junho de 1995, Almedina, Coimbra, p. 89.
[46] Sumários de Direito do Urbanismo, edição policopiada, Lisboa, 1993, pp. 13-16. Sobre o conceito de urbanismo, consultar, igualmente, FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 53, JOÃO CAUPERS, ob. cit., p. 90, e M. COSTA LOBO, «Noções Fundamentais. Conceitos Técnicos. Habitação e seus Espaços de Vivência», Direito do Urbanismo, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1989, pp. 18-21; para uma perspectiva histórica do Direito do Urbanismo, cf. FERNANDO GONÇALVES, «Evolução Histórica do Direito do Urbanismo em Portugal (1851-1988)», Direito do Urbanismo, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1989, pp. 225-268.
[47] Cf. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 407; também, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo. Curso de Especialização em Gestão Urbanística, 2.ª Edição, Reimpressão, Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 2002, p. 11.
[48] FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., pp. 76-77.
[49] Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 482.

[50] Idem, p. 185.
[51] FERNANDO ALVES CORREIA, «O Contencioso dos Planos Municipais de Ordenamento do Território», Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1, Junho de 1994, Almedina, Coimbra, p. 28.
[52] Para maiores desenvolvimentos sobre esta temática, FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., pp. 187-230.
[53] Objecto da Declaração de Rectificação de 31 de Agosto de 1989, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 274/92, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25 de Outubro.

[54] Actualmente, por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas, conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 215-A/2004, de 3 de Setembro, que aprovou a orgânica do XVI Governo Constitucional.
[55] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 316/90, de 13 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 213/92, de 12 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 79/95, de 20 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 203/2002, de 1 de Outubro.
[56] Cf. o respectivo preâmbulo.
[57] FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 211.
[58] Objecto da Declaração de Rectificação n.º 10-AH/99, de 31 de Maio.
[59] A Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto, aprovou a 1.ª fase da lista nacional de sítios e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2000, de 5 de Julho, aprovou a 2.ª fase da lista nacional de sítios.
[60] A Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2001, de 6 de Junho, determina a elaboração do plano sectorial relativo à implementação da Rede Natura 2000 e constitui a respectiva comissão mista de coordenação.
[61] Cf. nota 29.
[62] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro.
[63] Cf., sobre este tema, FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., pp. 309-318, que se acompanha de perto; também, FERNANDA PAULA DE OLIVEIRA, «Os Princípios da Nova Lei do Ordenamento do Território: da Hierarquia à Coordenação», Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento do Urbanismo e do Ambiente (CEDOUA), Ano III, N.º 1, 2000, pp. 21 e ss., e Direito do Urbanismo. Curso de Especialização em Gestão Urbanística, ob. cit., pp. 46-52.
[64] Cf. nota 29.
[65] A Resolução do Conselho de Ministros n.º 76/2002, de 11 de Abril, objecto da Declaração de Rectificação n.º 23-G/2002, de 29 de Junho, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 380/99, determinou a elaboração do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, indicando os princípios orientadores da sua elaboração.
[66] Ob. cit., p. 27.
[67] Publicada no Diário da República, I Série‑B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002.
[68] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, p. 3297.
[69] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, p. 3301.
[70] Vegetação arbustiva densa, constituída por uma associação muito fechada de arbustos e matagal – cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, II volume, Editorial Verbo, 2001, p. 2375, e Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, volume 18, Edição Século XXI, Editorial Verbo, Lisboa, São Paulo, Fevereiro de 2001, p. 1202.
[71] Tipo de vegetação arbustiva tipicamente mediterrânea, que se desenvolve nos solos calcários numa das etapas de degradação da floresta; em Espanha, denomina-se «garriga» – cf. Le Petit Larousse Illustré, Larousse, 1994, p. 472, e JOSÉ ANTÓNIO ARENAS MUÑOZ, Diccionario Técnico y Jurídico del Medio Ambiente, Mc Graw Hill, Madrid, 2000, p. 435
[72] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, p. 3301.
[73] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, pp. 3304-3305.
[74] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, pp. 3316-3317.
[75] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, pp. 3318, 3319 e 3322.

[76] Cf. Diário da República, I Série-B, n.º 82, de 8 de Abril de 2002, p. 3326.
[77] Cf. nota 29.
[78] A Portaria n.º 290/2003, de 5 de Abril, define a composição, competências e funcionamento da comissão mista de coordenação prevista no n.º 6 do artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
[79] FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 274.
[80] Idem, pp. 272-273.
[81] Cf., entre os mais recentes, os Acórdãos de 30 de Janeiro de 2003, 1.ª Subsecção do CA (Processo n.º 042181), e de 7 de Outubro de 2003, 2.ª Subsecção do CA (Processo n.º 01031/03), disponíveis em www.dgsi.pt/jsta.
[82] Publicado no Apêndice ao Diário da Republica, de 17 de Fevereiro de 2003, pp. 516-518.
[83] O Plano Director Municipal de Sesimbra foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/98, de 2 de Fevereiro.
[84] Esta referência ao então Ministério do Ambiente e Recursos Naturais deve considerar-se feita ao actual Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.
[85] Cf. nota 40 sobre o regime jurídico dos empreendimentos turísticos.
[86] O n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Sesimbra define superfície total de pavimento como a soma das superfícies brutas de todos os pisos, acima e abaixo do solo, excluindo espaços de uso público cobertos pela edificação, terraços, zonas de sótão sem pé-direito regulamentar e caves destinadas a serviços técnicos, a arrecadações ou a estacionamento, desde que não constituam fracções autónomas.
[87] Sobre esta problemática, cf. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 345-370, e JOÃO MIRANDA, A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial. A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos, Coimbra Editora, 2002.
[88] Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., pp. 349-350.
[89] FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 438.
[90] Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 322.
[91] FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «Sistemas e Instrumentos de Execução dos Planos», Cadernos CEDOUA (Centro de Estudos de Direito do Ordenamento do Urbanismo e do Ambiente), Almedina, 2003, p. 22.
[92] Cf. Dicionário da Língua Portuguesa, Dicionários Editora, Porto Editora.
[93] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, volume XXI, Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa, Rio de Janeiro, p. 234.
[94] JORGE CARVALHO e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Perequação, Taxas e Cedências (Administração Urbanística em Portugal), Almedina, Coimbra, 2003, p. 31.
[95] Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., pp. 488-490.
[96] Ob. cit., pp. 44-45.
[97] Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 493.
(x) Segundo o artigo citado no texto do Code de l’Urbanisme, “nas zonas a proteger em razão da qualidade da sua paisagem, o plano local de urbanismo pode determinar as condições nas quais as possibilidades de construir resultantes do coeficiente de ocupação dos solos fixado para o conjunto da zona poderão ser transferidas com vista a favorecer uma concentração das construções em outros terrenos situados num ou em vários sectores da mesma zona”. Cf. B. LAMORLETTE e D. MORENO, Code de l’Urbanisme, cit., p. 68.
[98] Cf., para mais desenvolvimentos sobre a figura jurídica da «transfert de COS»: FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, colecção teses, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 611-617; HENRI JACQUOT, «Coefficient d’Occupation du Sol», Dalloz Immobilier, Urbanisme, Dalloz , 1992, pp. 124-132; HENRI JACQUOT e FRANÇOIS PRIET, Droit de l’Urbanisme, 3.e édition, Dalloz, 1998, pp. 195-203.
[99] Sobre a temática da discricionaridade administrativa, elaborada com objectivos pedagógicos, cf. JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «Discricionaridade Administrativa», Scientia Juridica, N.os 280/282 (Julho/Dezembro de 1999), pp. 371-386.
[100] Para uma enunciação dos princípios que devem reger a actuação dos órgãos da Administração, cf. os artigos 3.º a 12.º do Código do Procedimento Administrativo.
[101] Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., pp. 922-923.

[102] DIOGO FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, PEDRO SIZA VIEIRA, VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, p. 40.
[103] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 90.
[104] Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 924.
[105] Cf. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., pp. 402-437, que, neste ponto, seguiremos de perto, por vezes, textualmente.

[106] Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 493.
[107] A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial. A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos, ob. cit., p. 101.
[108] Idem, pp. 101-102.
(x1) Cf. Guido Alpa, Aspetti e problemi della partecipazione nel Diritto Urbanistico. Appunti per una discussione, in RTDP, 1979, n.º 1, pp. 254 e ss.
(x2) Nas sugestivas palavras de BAPTISTA MACHADO, «uma vez associadas as populações à elaboração desses programas e à tomada dessas providências, estaria mais assegurada a cooperação dessas populações na implementação e execução desses programas e dessas providências, não só por existir uma mais nítida consciência do seu conteúdo, da sua necessidade e dos seus objectivos, mas também porque desapareceria a resistência e má vontade que os administrados manifestam relativamente à medidas unilaterais de autoridade» (cf. Participação ..., cit., pp. 37-38).
[109] Tal proposição refere-se aos planos que vinculam directa e imediatamente os particulares, isto é, aos chamados planos dotados de eficácia plurisubjectiva.
[110] FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito de Urbanismo, ob. cit., p. 434.
[111] Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 332.
[112] Idem. Cf., igualmente, sobre esta temática, entre muitos outros, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil (Reais), 5.ª edição, Coimbra Editora, 2000, pp. 443-449, e A. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, Lex, Lisboa, 1993, pp. 616-706.
[113] Neste ponto, acompanha-se, de perto, FERNANDO ALVES CORREIA, Estudos de Direito do Urbanismo, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 51-52.

[114] Neste ponto, acompanha-se, de perto, MARCELO REBELO DE SOUSA, «Parecer sobre a constitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro (Regime de Caducidade dos Actos de Licenciamento de Obras, Loteamentos e Empreendimentos Turísticos)», Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, N.º 1, Junho de 1994, Instituto de Direito do Urbanismo e do Ambiente, L.da, Almedina, Coimbra, p. 144.
[115] Cf., por todos, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, «O Urbanismo e o Direito de Propriedade», Direito do Urbanismo, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1989, pp. 322 e ss., e DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia (O plano urbanístico e o princípio da igualdade)», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XXXII, 1991, pp. 91-105.
[116] Cf., por todos, ROGÉRIO EHRHART SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pp. 116-‑117, FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, colecção teses, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 348-383, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, «O Direito de Propriedade e o Jus Aedificandi no Direito Português», Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, N.º 3, Junho de 1995, Instituto de Direito do Urbanismo e do Ambiente, L.da, Almedina, Coimbra, pp. 187-197.

[117] Neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 197.
[118] Cf. FERNANDO ALVES CORREIA, As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português, Almedina, Coimbra, 2001, p. 126, nota 74.
[119] ANTONIO CARCELLER FERNANDEZ, Instituciones de Derecho Urbanistico, 5.ª edición, Editorial Montecorvo, S.A, Madrid, 1992, p. 535.
[120] JACQUELINE MORAND-DEVILLER, Droit de l’Urbanisme, 3.eédition, 1996, Dalloz, p. 130.
[121] Cf. FERNANDO ALVES CORREIA, As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português, ob. cit., p. 126, nota 74, e JACQUELINE MORAND-DEVILLER, ob. cit., p. 130.

[122] Objecto da Declaração de Rectificação n.º 5-B/2000, de 29 de Fevereiro, e que revogou, entre outros, os Decretos-Leis n.os 448/91, de 21 de Novembro (regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento urbano e das obras de urbanização) e 445/91, de 20 de Novembro (disciplina jurídica do licenciamento das obras particulares), tendo sido alterado pelas Leis n.os 13/2000, de 20 de Julho, e 30-A/2000, de 20 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, objecto da Declaração de Rectificação n.º 13-T/2001, de 30 de Junho, e pela Lei n.º 15/2002 de 22 de Fevereiro, objecto da Declaração de Rectificação n.º 17/2002, de 6 de Abril.
[123] Cf., por todos, os Pareceres n.º 40/86, de 9 de Outubro de 1986, Diário da República, II Série, de 4 de Maio de 1987, n.º 10/91, de 21 de Março de 1991, Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1992, n.º 64/94, de 12 de Janeiro de 1995, n.º 65/97, de 14 de Maio de 1998, e n.º 79/2003, de 1 de Abril de 2004, Diário da República, II Série, de 14 de Maio de 2004.
[124] Para uma incursão nessa doutrina alemã, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1978, pp. 427 e ss., e KARL ENGISCH, Introdução ao Pensamento Jurídico, 5ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1979, pp. 222 e ss.
[125] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 202.
[126] Direito. Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, p. 435.
[127] Neste ponto segue-se, de perto, o citado Parecer do Conselho Consultivo n.º 10/91.
[128] DIOGO FREITAS DO AMARAL, com a colaboração de LINO TORGAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, p. 154.

[129] Curso de Direito Administrativo, ob. cit., p. 518.
[130] Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, p. 397.
[131] Código do Procedimento Administrativo Comentado, ob. cit., p. 811.
[132] O Contrato Administrativo (Uma Instituição do Direito Administratvo do Nosso Tempo), Almedina, 2003, pp. 27 e 55-57.
[133] Objecto das Declarações de Rectificação n.os 14/2002, de 20 de Março, e 18/2002, de 12 de Abril, e alterado pelas Leis n.os 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
[134] Cf. PEDRO GONÇALVES, O Contrato Administrativo (...), ob. cit., pp. 50-53, que, neste ponto, se acompanha. Também, MARIA FERNANDA MAÇÃS, «Os Acordos Sectoriais como um Instrumento da Política Ambiental», CEDOUA (Doutrina), Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento do Urbanismo e do Ambiente), Ano III, N.º 1, 2000, pp. 38-40.
[135] PEDRO GONÇALVES, ob. cit., p. 51.
[136] SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, ob. cit., p. 403.
[137] Sobre a noção e o regime jurídico dos contratos mistos, cf. VAZ SERRA, «União de Contratos. Contratos Mistos», Boletim do Ministério da Justiça, N.º 91, Dezembro de 1959, pp. 11-143, e ANTUNES VARELA, Contratos Mistos, separata do vol. XLIV (1968) do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 5-30.
[138] De 15 de Maio de 2003, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 2003.

(x3) José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, p. 470.
[139] «Contrato de Transacção no Direito Administrativo e Fiscal», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles, vol. V, Direito Público e Vária, separata, Almedina, 2003, pp. 607-694.
[140] Cf. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., pp. 76-78, que, neste ponto, se volta a acompanhar.
[141] Idem, p. 78.
[142] Sobre as condições de admissibilidade destes contratos, cf. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, ob. cit., pp. 739 e ss.
[143] Cf. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., p. 97.
[144] Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, ob. cit., pp. 748 e ss.
[145] Cf. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., p. 100.
[146] Em Espanha, os acordos celebrados entre a Administração e os particulares no quadro do direito do urbanismo designam-se por «convénios urbanísticos», figura que tem sido amplamente tratada pela doutrina e jurisprudência espanholas — cf., por todos, ALEJANDRO HUERGO LORA, Los Convenios Urbanisticos, Estudios de Derecho Urbanistico, Editorial Civitas, S.A., 1998.
[147] Cf. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «Sistemas e Instrumentos de Execução dos Planos», Cadernos CEDOUA (Centro de Estudos de Direito do Ordenamento do Urbanismo e do Ambiente), Almedina, 2003, pp. 47-51.
[148] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, ob. cit., p. 604.
[149] Idem, p. 607.

[150] SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, ob. cit., p. 642; cf., também, PEDRO GONÇALVES, ob. cit., p. 100.
[151] Cf., por todos, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Lisboa, 1983, p. 476.
[152] Cf. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, p. 249.
[153] Cf. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., p. 137.
[154] Idem.

[155] AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, «Atribuições», Dicionário Jurídico da Administração Pública, Atlântida Editora, Coimbra 1965, pp. 587- 591.
[156] AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, «Competência», Dicionário Jurídico da Administração Pública, FASCÍCULO n.º 17, Atlântida Editora, Coimbra, pp. 524-530.
[157] PAULO OTERO, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra Editora, 1992, p. 76.
[158] PAULO OTERO, ob. cit., pp. 235-237, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª Secção, de 3 de Novembro de 1977, Apêndice ao Diário da República de 11 de Dezembro de 1980, p. 1825.

[159] O n.º 2 do artigo 29.º do Código do Procedimento Administrativo dispõe:

«Artigo 29.º
Irrenunciabilidade e inalienabilidade
1 – .............................................................................................................................................
2 – É nulo todo o acto ou contrato que tenha por objecto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins.»
[160] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que foi objecto da Declaração de Rectificação n.º 17/2002, de 6 de Abril, e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
[161] Cf. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., p. 145.
[162] Idem.
[163] Sobre a redução do contrato, cf., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pp. 267-268, e INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2002, pp. 370-373.
[164] Ob. cit., p. 143.
[165] Manual dos Contratos em Geral, Refundido e actualizado, Coimbra Editora, 2002, p. 443.
[166] Idem, ibidem.
[167] JOÃO CALVÃO DA SILVA, Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Almedina, Coimbra, 1996, p. 124. Os itálicos pertencem ao texto.
[168] Idem, p. 125. Cf., do mesmo Autor, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Almedina, Coimbra, 1996, p. 41.
[169] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição revista e actualizada, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Coimbra Editora, Limitada, p. 209.
[170] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ob. cit., p. 444.
[171] Sobre este tema, v. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1999, p. 181 e segs.
[172] Ob. cit., p. 183.
[173] Sobre o objecto negocial, cf. LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª edição revista e actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2000, pp. 111 e segs.
[174] Ob. cit., p. 373. Os itálicos pertencem ao texto. Em sentido discordante, cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Livraria Almedina, 1999, pp. 585 a 587. Para este autor, a lei não permite que a prestação seja realizada por partes tendo em atenção o princípio da integralidade do cumprimento (artigo 763º do Código Civil). Ter-se-á de, pela interpretação e em momento logicamente anterior, determinar o alcance de qualquer invalidade. Sobre o tema da redução do negócio jurídico, cf. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1976, p. 480.
[175] Ob. cit., p. 373.
[176] Idem, ibidem.