Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003130
Parecer: P000382010
Nº do Documento: PPA08052014003800
Descritores: ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
DIREITO DISCIPLINAR
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
ILÍCITO DISCIPLINAR
ILÍCITO PENAL
TESTEMUNHA FALTOSA
Área Temática:DIR ADMIN*DIR PENAL
Ref. Pareceres:P001132005Parecer: P001132005
Legislação:CRP ART27ART266 A ART272; L58/2008 DE 2008/09/09; DL 47/2013 DE 2013/04/05 RT1, ART2, ART3, ART7, ART8, ART33, ART34, ART36 ; DL 24/84 DE 1984/01/16; L 10/83 DE 1983/08/13; CPA ART2, N5 E N7; CPP ART111, ART112, ART116; CPC ART417, ART508 N4
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – O bem jurídico tutelado pelo direito disciplinar (público) é a capacidade funcional da Administração Pública;

2.ª – Os ilícitos disciplinar e penal são autónomos, correspondendo à autonomia dos ilícitos a autonomia dos respetivos processos;

3.ª – No domínio do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro), o instrutor do processo disciplinar não pode requerer ao juiz penal nem determinar a detenção de testemunha faltosa para assegurar a sua inquirição ou a aplicação de qualquer outra sanção (cfr. alínea f) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa e bem assim n.os 2 e 4 do artigo 116.º do Código de Processo Penal e n.º 4 do artigo 508.º do Código de Processo Civil);

4.ª – Porém, se a testemunha faltosa estiver sujeita ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas a sua falta injustificada pode constituir ilícito disciplinar por violação dos deveres gerais da função.

Texto Integral:






Senhor Ministro da Solidariedade,
Emprego e Segurança Social,
Excelência:




I


Foi suscitada a apreciação do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a seguinte questão:

«Pode o instrutor no âmbito do “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas” aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 54/2008, de 09.09 (adiante ED), perante a recusa de particular(s) na recolha de depoimento, solicitar ao tribunal competente em razão do território, ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 116.º do Código de Processo Penal, “a condenação do faltoso e a respetiva detenção por tempo indispensável à realização da diligência em causa”».

Cumpre emitir parecer[1].


II


Será pertinente referir, desde logo, que o Inspetor-Geral do Trabalho da Autoridade Para as Condições do Trabalho, que colocou a questão, invocou como fundamento para o pedido de parecer a este Conselho Consultivo: «[…] a verdade é que, frequentemente, essa recusa, se constitui, ou é suscetível de se constituir, como impedimento, praticamente inultrapassável da descoberta da verdade, pondo-se, desse modo, em causa a eficácia do procedimento disciplinar»[2].

Está, portanto, em causa a recusa da prestação de depoimento ou mais rigorosamente, tal como contextualizado, a falta injustificada para depor em procedimento disciplinar.

E não será, ainda, despiciendo sublinhar a referência à eficácia do procedimento disciplinar.


III


1. Ora, como escreve Ana Neves[3], «[t]odo o dever requer uma sanção, toda a organização requer uma disciplina (“técnica de funcionamento” […] da organização); os deveres e sanções ordenam-se à boa ordem – ao bom, que é também eficaz e eficiente, funcionamento; de igual modo a organização e a disciplina se ordenam; e na relação deveres-sanções e organização-disciplina, os pólos sanções e disciplina dependem (pressupõem) igualmente os primeiros: as sanções potenciam o cumprimento dos deveres, uma boa organização supõe e predispõe à disciplina».

Já Marcelo Caetano entendia que «o poder disciplinar tem, portanto, a sua origem e razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público»[4].

Para Ana Neves o fundamento do poder e direito disciplinar na função pública resultará da junção do justificativo da disciplina, qual seja a garantia da prestação laboral em certa forma e da não perturbação do funcionamento dos serviços e organismos administrativos, com o intuito, relativamente ao Direito, de condicionamento do exercício do poder disciplinar como forma de proteção do trabalhador e com o facto de ser uma manifestação do poder sancionatório público[5].


2. Cabe aqui recordar que a Constituição da República Portuguesa (CRP) dedica à Administração Pública o Título IX (artigos 266.º a 272.º) da Parte III (Organização do Poder Político).

E a primeira daquelas disposições estabelece:
«Artigo 266.º

(Princípios fundamentais)

1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.»

Conforme assinalam Gomes Canotilho/Vital Moreira[6] o n.º 1 estabelece «dois limites substanciais à atividade administrativa: (a) limite positivo, expresso na obrigatoriedade da prossecução do interesse público; (b) limite negativo, traduzido no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos».

O interesse público «é um momento teleológico necessário de qualquer atividade administrativa: as autoridades administrativas, mesmo no uso de poderes discricionários, não podem prosseguir uma qualquer finalidade, mas apenas a finalidade considerada pela lei ou pela Constituição, que será sempre uma finalidade de interesse público»[7].

O n.º 2 do artigo 266.º refere princípios gerais que regem a atividade administrativa, cujo conteúdo é objeto de explicitação na lei ordinária, designadamente no Código do Procedimento Administrativo[8].

No artigo 267.º[9], atinente à estrutura da Administração, podemos também notar as referências aos princípios da eficiência e da eficácia (cfr. n.os 2 e 5).

Por sua vez, o artigo 269.º[10], sobre o regime da função pública, volta a realçar o interesse público (cfr. n.º 1) e faz referência ao «processo disciplinar» constitucionalizando as garantias de audiência e defesa (cfr. n.º 3).

E apesar de o n.º 3 do artigo 269.º – bem como o n.º 10 do artigo 32.º[11] – se referir apenas às garantias de audiência e defesa, entende-se que o processo disciplinar «deve configurar-se como um “processo justo”, aplicando-se-lhe na medida do possível, as regras ou princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, designadamente as garantias de legalidade, o direito à assistência de defensor (CRP, art. 32.º-3), o princípio do contraditório (art. 32.º-5), o direito de consulta do processo»[12].

Refira-se ainda que o regime geral de punição das infrações disciplinares integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição[13]].


3. Como foi sublinhado no Parecer n.º 113/2005, de 16 de fevereiro de 2006[14], «[a] disciplina constitui uma exigência de harmonia e adequado funcionamento de um grupo ou organização, sendo essencial para manter a ordem e para alcançar os fins propostos. O poder disciplinar representa, assim, um pilar fundamental sobre que repousa a organização de qualquer instituição pública ou privada».

O direito disciplinar (público) é a parte do direito da função pública que regula a relação disciplinar. E esta é, nas palavras de Ana Neves, «a relação jurídica que, estando subjacente à relação de emprego público, a assessora, garantindo o cumprimento dos deveres e obrigações do trabalhador»[15].

Para esta Autora, não se trataria, pois, senão mediatamente e só nalguns casos, de “assegurar o bom e regular funcionamento dos serviços”[16].

Refira-se, porém, que se tem entendido que o bem jurídico tutelado pelo direito disciplinar é a capacidade funcional da Administração Pública[17].

Assim, o direito disciplinar integra-se no direito sancionatório, mas o bem jurídico que tutela é diferente do tutelado pelo direito criminal.

E não pode deixar-se de frisar ainda que o direito disciplinar, para além de tutelar a capacidade funcional da Administração, deve garantir os direitos dos trabalhadores, de acordo, aliás, com o consagrado constitucionalmente, como vimos.


4. Atentemos, agora, no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (doravante Estatuto ou ED), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro[18].

Este novo Estatuto, segundo José M. Damião da Cunha, justifica-se «mais pela necessidade de adaptar os conteúdos “disciplinares” às novas “modalidades” (ou designações) da prestação de trabalho à Administração (ou então de emprego público), e não tanto pela ideia de reforma ou de revisão, profundas, do próprio Estatuto Disciplinar, tanto no seu aspeto procedimental, como no seu aspeto substantivo»[19].

Já o anterior Estatuto – Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local[20] – não se tratava, na verdade, de um novo estatuto. Como recorda aquele Autor, «a Lei n.º 10/83, de 13 de agosto, que autorizou o Governo a proceder à Revisão do Estatuto Disciplinar, teve por fim sobretudo contribuir para que a Administração Pública ficasse dotada com instrumentos legais mais adequados ao combate à corrupção, numa perspetiva de moralização da própria Administração. Para tanto, como se afirma no respetivo preâmbulo, “preveem-se novas formas de conduta ilícita e agravam-se, em geral, as penas, bem como os respetivos efeitos”»[21].

Serve esta referência para compreender, como melhor adiante se verá, que as normas, que nos particularmente interessam, não sofreram alterações significativas.

O atual Estatuto está também sistematizado em sete capítulos, nos seguintes moldes:

• Capítulo I – Âmbito de Aplicação (artigos 1.º e 2.º);
• Capítulo II – Princípios fundamentais (artigos 3.º a 8.º);
• Capítulo III – Penas disciplinares e seus efeitos (artigos 9.º a 12.º);
• Capítulo IV – Competência disciplinar (artigos 13.º e 14.º);
• Capítulo V – Factos a que são aplicáveis as penas (artigos 15.º a 26.º);
• Capítulo VI – Procedimento disciplinar (artigos 27.º a 78.º)[22]; e
• Capítulo VII – Multas (artigos 79.º a 82.º).

O Estatuto define o seu âmbito de aplicação subjetivo e objetivo, respetivamente, nos artigos 1.º e 2.º, nos seguintes termos:
«Artigo 1.º

Âmbito de aplicação subjetivo
1 O presente Estatuto é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções.
2 O presente Estatuto é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos atuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas coletivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objetivo.
3 Excetuam-se do disposto nos números anteriores os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial.
Artigo 2.º

Âmbito de aplicação objetivo
1 O presente Estatuto é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado.
2 O presente Estatuto é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas.
3 O presente Estatuto é ainda aplicável, com as adaptações impostas pela observância das correspondentes competências, aos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.
4 A aplicabilidade do presente Estatuto aos serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativamente aos trabalhadores recrutados para neles exercerem funções, inclusive os trabalhadores das residências oficiais do Estado, não prejudica a vigência:

a) Das normas e princípios de direito internacional que disponham em contrário;
b) Das normas imperativas de ordem pública local;
c) Dos normativos especiais previstos em diploma próprio.

5 Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, o presente Estatuto não é aplicável às entidades públicas empresariais nem ao gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos nos n.os 2 e 3.»[23]

E caracteriza a infração disciplinar no artigo 3.º:
«Artigo 3.º

Infração disciplinar
1 Considera-se infração disciplinar o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce.
2 São deveres gerais dos trabalhadores:

a) O dever de prossecução do interesse público;
b) O dever de isenção;
c) O dever de imparcialidade;
d) O dever de informação;
e) O dever de zelo;
f) O dever de obediência;
g) O dever de lealdade;
h) O dever de correção;
i) O dever de assiduidade;
j) O dever de pontualidade.

3 O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
4 O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.
5 O dever de imparcialidade consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
6 O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada.
7 O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.
8 O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal.
9 O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço.
10 O dever de correção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos.
11 Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas.»

Importará, ainda, na economia do parecer, fazer referência, no domínio do capítulo II, aos artigos 7.º e 8.º:
«Artigo 7.º

Efeitos da pronúncia e da condenação em processo penal
1 Quando o agente de um crime cujo julgamento seja da competência do tribunal de júri ou do tribunal coletivo seja um trabalhador a que o presente Estatuto é aplicável, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de vinte e quatro horas sobre o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente, entrega, por termo nos autos, cópia de tal despacho ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão ou serviço em que o trabalhador desempenha funções.
2 Quando um trabalhador a que o presente Estatuto é aplicável seja condenado pela prática de crime, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.
3 A condenação em processo penal não prejudica o exercício da ação disciplinar quando a infração penal constitua também infração disciplinar.
Artigo 8.º

Factos passíveis de ser considerados infração penal
Quando os factos sejam passíveis de ser considerados infração penal, dá-se obrigatoriamente notícia deles ao Ministério Público competente para promover o procedimento criminal, nos termos do artigo 242.º do Código de Processo Penal.»

No âmbito das disposições gerais relativas ao procedimento disciplinar (Secção I do Capítulo VI), estabelece-se no artigo 27.º que o processo disciplinar é comum e especial (n.º 1).

Curiosamente, apesar de na epígrafe do capítulo se apresentar a designação procedimento, manteve-se, porém, a qualificação de processo disciplinar (comum ou especial).

Em termos gerais, o processo disciplinar era caracterizado como o «conjunto de atos escritos que integra um processo em sentido jurídico, onde se contém as peças instrutórias e decisórias que visam a punição de condutas censuráveis praticadas por um funcionário, agente ou trabalhador, mediante regras estabelecidas em diploma legislativo ou estatuto próprio»[24].

De acordo com o prescrito no n.º 1 do artigo 33.º, «[o] processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao arguido, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste».

Refira-se que o n.º 5 daquele artigo 33.º estatui que «[a]o arguido que divulgue matéria de natureza secreta, nos termos do presente artigo, é instaurado, por esse facto, novo procedimento disciplinar».

Sobre a forma dos atos, o artigo 34.º dispõe que «[...], quando não seja regulada por lei, ajusta-se ao fim que se tem em vista e limita-se ao indispensável para atingir essa finalidade».

Por sua vez, o artigo 36.º, sob a epígrafe “Atos oficiosos”, dispõe que «[n]os casos omissos, o instrutor pode adotar as providências que se afigurem convenientes para a descoberta da verdade, em conformidade com os princípios gerais do processo penal».

Convirá referir que o artigo 34.º do Estatuto corresponde ao n.º 1 do artigo 36.º do anterior Estatuto (1984)[25].

E o artigo 36.º corresponde ao n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto de 1984[26], aglutinando de alguma forma também o disposto no n.º 2 do artigo 36.º deste Estatuto[27].

Justamente, a propósito do novo artigo 36.º, Paulo Veiga e Moura entende que o «preceito surge verdadeiramente descontextualizado, não se percebendo bem qual a razão de não se ter mantido o local onde estava inserido na esquematização do anterior estatuto. Com efeito, julgamos que teria toda a lógica que este preceito surgisse na sequência do atual art.º 27.º, pois só assim se poderia perceber a referência aos casos omissos a que alude a presente norma e a possibilidade por ela concedida ao instrutor para adotar as providências necessárias à descoberta da verdade material»[28].

E logo a seguir escreve aquele Autor:

«Deste modo, deverá entender-se o presente artigo no sentido de onde o processo comum ou os processos especiais forem omissos, caberá ao instrutor ordenar as diligências que sejam indispensáveis para o apuramento da verdade.
A referência aos princípios gerais do processo penal não tem outro significado que não seja reforçar as garantias de defesa do arguido [...]»[29].

Já no domínio da secção respeitante ao procedimento disciplinar comum, não será despiciendo mencionar que nos termos do n.º 5 do artigo 46.º, atinente à instrução do processo, «[a]s diligências que tenham de ser feitas fora do lugar onde corra o processo disciplinar podem ser requisitadas à respetiva autoridade administrativa ou policial».

Por fim, deve referir-se que o artigo 53.º[30], relativo à produção de prova oferecida pelo arguido, dispõe no n.º 6 que se aplica à inquirição referida na parte final do n.º 2, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 111.º e seguintes do Código de Processo Penal.

Portanto, quando o arguido não se comprometa a apresentar as testemunhas que não residam no lugar onde corre o processo, estas devem ser ouvidas por solicitação a qualquer autoridade administrativa, obedecendo a sua notificação ao disposto nos artigos 111.º e ss. do Código de Processo Penal[31].


5. Do que vimos de dizer, resulta, como, hoje, é, aliás, reconhecida, a autonomia do direito disciplinar relativamente ao criminal, mas aquele não se esgota no ED, havendo, para além das remissões expressas, que tratar dos casos omissos[32].

No que concerne aos casos omissos, ou melhor aos verdadeiros casos omissos, no domínio do ED de 1984, em anotação ao artigo 9.º, completada a propósito do n.º 4 do artigo 35, Leal-Henriques[33] preconizava que os caminhos a utilizar para resolver as lacunas existentes deveriam ser, por ordem de hierarquia:

• analogia dentro do sistema disciplinar;
• princípios gerais da atividade administrativa e normas do procedimento administrativo em geral, por força do disposto no artigo 2.º, n.os 5 e 7 do Código do Procedimento Administrativo;
• normas e princípios do direito processual penal;
• normas do direito processual civil.

Este entendimento parece ser transponível para a esfera do atual ED.

Mas, na presente consulta, interessa-nos especialmente o artigo 36.º (que, como vimos, corresponde ao n.º 4 do artigo 35.º do anterior Estatuto) e bem assim o n.º 6 do artigo 53.º

O artigo 36.º remete-nos para os princípios gerais do direito processual penal.

Já o n.º 6 do artigo 53.º remete-nos, com as necessárias adaptações, para o disposto nos artigos 111.º e ss. do Código de Processo Penal.

Destarte, face ao estabelecido no artigo 36.º, o instrutor pode lançar mão de todas as providências, desde que essas providências respeitem os princípios gerais do processo penal[34].

O artigo 53.º, no seu n.º 6, apresenta uma remissão cirúrgica para os artigos 111.º e ss. do Código de Processo Penal, que deverão consequentemente merecer a nossa atenção.

Não pode, contudo, deixar-se, desde já, de registar alguma perplexidade pela solução ali consagrada não ter um campo de aplicação mais amplo. Não se vê razão para não se aplicar a toda e qualquer inquirição, salvo, obviamente, nos casos em que o arguido se tenha comprometido a apresentar testemunha.


IV


Atente-se então no Código de Processo Penal.

Os artigos 111.º a 117.º integram o Título IV (“Da comunicação dos atos e da convocação para eles”), do Livro II (“Dos atos processuais”), da Parte I, assim:

. artigo 111.º – Comunicação dos atos processuais;
. artigo 112.º – Convocação para ato processual;
. artigo 113.º – Regras gerais sobre notificação;
. artigo 114.º – Casos especiais;
. artigo 115.º – Dificuldades em efetuar notificação ou cumprir mandado;
. artigo 116.º – Falta injustificada de comparecimento; e
. artigo 117.º – Justificação da falta de comparecimento.

Recorde-se o teor dos artigos 111.º e 112.º:
«Artigo 111.º

Comunicação dos atos processuais
1 A comunicação dos atos processuais destina-se a transmitir:

a) Uma ordem de comparência perante os serviços de justiça;
b) Uma convocação para participar em diligência processual;
c) O conteúdo de ato realizado ou de despacho proferido no processo.

2 A comunicação é feita pela secretaria, oficiosamente ou precedendo despacho da autoridade judiciária ou de polícia criminal competente, e é executada pelo funcionário de justiça que tiver o processo a seu cargo, ou por agente policial, administrativo ou pertencente ao serviço postal que for designado para o efeito e se encontrar devidamente credenciado.
3 A comunicação entre serviços de justiça e entre as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal efetua-se mediante:

a) Mandado: quando se determinar a prática de ato processual a entidade com um âmbito de funções situado dentro dos limites da competência territorial da entidade que proferir a ordem;
b) Carta: quando se tratar de ato a praticar fora daqueles limites, denominando-se precatória quando a prática do ato em causa se contiver dentro dos limites do território nacional e rogatória havendo que concretizar-se no estrangeiro;
c) Ofício, aviso, carta, telegrama, telex, telecópia, comunicação telefónica, correio eletrónico ou qualquer outro meio de telecomunicações: quando estiver em causa um pedido de notificação ou qualquer outro tipo de transmissão de mensagens.

4 A comunicação telefónica é sempre seguida de confirmação por qualquer meio escrito.

Artigo 112.º

Convocação para ato processual
1 A convocação de uma pessoa para comparecer a ato processual pode ser feita por qualquer meio destinado a dar-lhe conhecimento do facto, inclusivamente por via telefónica, lavrando-se cota no auto quanto ao meio utilizado.
2 Quando for utilizada a via telefónica a entidade que efetuar a convocação identifica-se e dá conta do cargo que desempenha, bem como dos elementos que permitam ao chamado inteirar-se do ato para que é convocado e efetuar, caso queira, a contraprova de que se trata de telefonema oficial e verdadeiro.
3 Revestem a forma de notificação, que indique a finalidade da convocação ou comunicação, por transcrição, cópia ou resumo do despacho ou mandado que a tiver ordenado, para além de outros casos que a lei determinar:

a) A comunicação do termo inicial ou final de um prazo legalmente estipulado sob pena de caducidade;
b) A convocação para interrogatório ou para declarações ou para participar em debate instrutório ou em audiência;
c) A convocação de pessoa que haja já sido chamada, sem efeito cominatório, e tenha faltado;
d) A convocação para aplicação de uma medida de coação ou de garantia patrimonial.»

E parece dever merecer a nossa especial atenção o artigo 116.º, aliás, referido no pedido de consulta e cujo texto é o seguinte:
«Artigo 116.º
Falta injustificada de comparecimento
1 – Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
3 – Se a falta for cometida pelo Ministério Público ou por advogado constituído ou nomeado no processo, dela é dado conhecimento, respetivamente, ao superior hierárquico ou à Ordem dos Advogados.
4 – É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 68.º»

Em face do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 116.º, a falta injustificada de qualquer “pessoa regularmente convocada”, isto é, de qualquer participante processual, incluindo, no que agora nos interessa, as testemunhas, é obrigatoriamente sancionada com condenação em multa e pode determinar a detenção do faltoso.

Consagra-se, pois, a detenção com vista à concretização da diligência.

Lembre-se, aliás, que também o Código de Processo Civil[35] estipula a possibilidade de apresentação de testemunha sob custódia.

Com efeito, o artigo 417.º, relativo ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, estabelece no seu n.º 2:

«2 – Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.»[36]

E, subsequentemente, o n.º 4 do artigo 508.º (“Consequências do não comparecimento da testemunha”) estabelece:

«4 – O juiz ordena que a testemunha que sem justificação tenha faltado compareça sob custódia, sem prejuízo da multa aplicável, que é logo fixada em ata.»[37]

Mas regressemos ao artigo 116.º do Código de Processo Penal.

No âmbito do Código do Processo Penal, as sanções para a testemunha pela falta injustificada de comparência a ato processual são sanções pecuniárias (multa e eventualmente pagamento das despesas ocasionadas pela não comparência, v.g. relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas) e de natureza detentiva (detenção temporária pelo tempo indispensável à realização da diligência a que faltou)[38].

Estas são, pois, as sanções em que incorre o faltoso.

E, dada a regulação exaustiva do artigo 116.º sobre o modo de sancionar a falta injustificada, não será de considerar que a testemunha faltosa possa incorrer na prática de um crime de desobediência[39].

No que concerne à detenção, como é referido no Parecer n.º 35/99[40], não é fácil defini-la. A lei não o faz, cumprindo ao intérprete caracterizá-la[41].

«Numa definição preliminar, poderá caracterizar-se a detenção como uma medida de privação da liberdade de movimentos que constitui uma limitação aos direitos fundamentais da pessoa, e cuja finalidade essencial é a colocação do sujeito à disposição da autoridade judicial»[42].

E, no caso, como vimos, o artigo 116.º do Código de Processo Penal permite ao juiz ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção pelo tempo indispensável à realização da diligência da testemunha que tiver faltado injustificadamente a ato processual.

Ora, há que ter presente que a liberdade individual é, a seguir à vida, um dos mais relevantes bens do homem.

Tal é, aliás, espelhado em textos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 5.º).

E a Constituição da República Portuguesa consagra no n.º 1 do artigo 27.º o direito à liberdade e o direito à segurança.

O direito à liberdade não é um direito absoluto, admitindo restrições.

Mas, como escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira, «[a]s restrições ao direito à liberdade, que se traduzem em medidas de privação total ou parcial dela, só podem ser as previstas nos n.os 2 e 3 (entre as quais avulta a pena de prisão), não podendo a lei criar outras – princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade»[43].

E no n.º 3 estabelece-se:

«3. Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.»

A segunda parte da alínea f) do n.º 3 corresponde à chamada condução sob custódia.

«[T]em amplo âmbito de aplicação, na medida em que se trata de assegurar a realização coativa de um dever de comparência perante autoridades judiciárias, pelo que se pode estender a todas as pessoas que tenham um tal dever de comparência (aí incluídas as testemunhas, os peritos, etc.).
A revisão de 1997 permitiu expressamente que a detenção se fizesse para comparência perante uma autoridade judiciária (e não necessariamente judicial), o que, nos termos da terminologia da lei ordinária, inclui o Ministério Público [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal]. Embora se possa admitir que outra solução interferiria na problemática da competência para atos processuais (mormente no que respeita à fase de inquérito), não pode deixar de se reconhecer que a solução adotada acaba por esboroar a garantia da jurisdicionalidade. De qualquer forma, excluída fica a detenção para apresentação perante órgãos ou mesmo autoridades de polícia criminal, nas quais tenha sido delegada a realização de atos em qualquer fase do processo penal»[44]

Recorrendo, de novo, às palavras de Gomes Canotilho/Vital Moreira, o conceito de autoridade judiciária «pode abranger outras autoridades que não apenas o juiz mas, em princípio, não mais do que o MP»[45].


V


Aqui chegados, temos, pois, que os ilícitos disciplinar e penal são autónomos, correspondendo à autonomia dos ilícitos a autonomia dos respetivos processos.

E apesar de pontos de contacto entre o processo disciplinar e o processo crime, como resulta do supra explanado, obviamente, não é possível ao instrutor do processo disciplinar solicitar ao juiz penal (haja ou não processo crime a correr) a detenção de uma testemunha para prestar depoimento.

Mas também não pode o instrutor determinar a condução sob custódia da testemunha.

Isto é assim, mesmo que se entenda que a remissão do n.º 6 do artigo 53.º do ED para o disposto nos artigos 111 e ss. do Código de Processo Penal pudesse, à partida, abranger o disposto no artigo 116.º, o que não parece ser o caso, pois a remissão terá tão-somente em vista a realização da diligência.

De todo o modo, a remissão daquela norma do ED, frise-se, “com as devidas adaptações”, não poderá, face ao estatuído na alínea f) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, permitir ao instrutor de um processo disciplinar que determine a detenção de uma testemunha faltosa para assegurar a sua inquirição.

E a idêntico tratamento se deverá chegar se se considerar ter de resolver as lacunas existentes no ED sobre as consequências das faltas injustificadas das testemunhas.

Com efeito, como se disse, a designada condução sob custódia apenas pode ser determinada nos termos acima descritos por decisão judicial com vista a assegurar a comparência perante autoridade judiciária (o juiz e, sendo caso disso, o Ministério Público).

Em síntese, não são portanto de aplicar no processo disciplinar as sanções previstas no artigo 116.º do Código de Processo Penal.

Assim sendo, permanece a questão da eficácia do procedimento disciplinar, importando hipotetizar eventuais consequências para a testemunha faltosa.

Ora, se a testemunha faltosa for um trabalhador que exerce funções públicas, sujeito ao Estatuto Disciplinar, a sua falta injustificada pode constituir ilícito disciplinar por ofensa de deveres gerais da função, desde logo, o dever de prossecução do interesse público.

Todavia, se se tratar de pessoa a quem não é aplicável o ED tal obviamente não pode ocorrer e não resultam do ordenamento jurídico outras consequências para a falta injustificada.


VI


Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – O bem jurídico tutelado pelo direito disciplinar (público) é a capacidade funcional da Administração Pública;

2.ª – Os ilícitos disciplinar e penal são autónomos, correspondendo à autonomia dos ilícitos a autonomia dos respetivos processos;

3.ª – No domínio do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro), o instrutor do processo disciplinar não pode requerer ao juiz penal nem determinar a detenção de testemunha faltosa para assegurar a sua inquirição ou a aplicação de qualquer outra sanção (cfr. alínea f) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa e bem assim n.os 2 e 4 do artigo 116.º do Código de Processo Penal e n.º 4 do artigo 508.º do Código de Processo Civil);

4.ª – Porém, se a testemunha faltosa estiver sujeita ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas a sua falta injustificada pode constituir ilícito disciplinar por violação dos deveres gerais da função.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 08 DE MAIO 2014.


Maria Joana Raposo Marques Vidal – Maria Manuela Flores Ferreira (Relatora) – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento.








[1] O presente parecer foi redistribuído em 16 de setembro de 2011, em virtude de cessação de funções do Relator originário.
[2] Excerto reproduzido no Parecer da Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso que acompanhou o pedido de consulta.
[3] Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, pág. 299.
[4] Do Poder Disciplinar no Direito Administrativo Português, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1932, pág. 25.
[5] Ibidem, págs. 301 e 302.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, agosto 2010, pág. 795.
[7] Idem, ibidem.
[8] Cfr. artigos 3.º a 12.º Vide, a propósito, por todos, Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Almedina, 1997, págs. 83 e ss.
[9] O artigo 267.º – originariamente artigo 268.º – tem atualmente a seguinte redação:
«Artigo 267.º

(Estrutura da Administração)
1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.
2. Para efeito do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes.
3. A lei pode criar entidades administrativas independentes.
4. As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos.
5. O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.
6. As entidades privadas que exerçam poderes públicos podem ser sujeitas, nos termos da lei, a fiscalização administrativa.»
[10] Cuja redação atual é a seguinte:
«Artigo 269.º

(Regime da função pública)
1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.
2. Os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas não podem ser prejudicados ou beneficiados em virtude do exercício de quaisquer direitos políticos previstos na Constituição, nomeadamente por opção partidária.
3. Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras atividades.»
[11] A redação atual do n.º 10 do artigo 32.º, fixada na 4.ª revisão constitucional, é a seguinte:

«10. Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.»
[12] Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 841.
[13] Veja-se Diogo Freitas do Amaral, “O Poder Sancionatório da Administração Pública”, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Volume I, pág. 228.
[14] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 128, de 5 de julho de 2006.
[15] “O Direito da Função Pública”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, volume IV, Coordenadores Paulo Otero/Pedro Gonçalves, pág. 523.
[16] Ibidem, nota de rodapé 571.
[17] Ver, por todos, Luis Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Livraria Almedina, Coimbra 1993, especialmente págs. 18 e 32.
[18] E alterado, a partir de 1 de maio de 2013, pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril.
[19] “Ilícito Criminal/Ilícito Disciplinar – Incongruências e contradições”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, volume II, 2009, Coimbra Editora, pág. 299.
[20] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, e retificado no Diário da República, I série, n.º 100 (3.º Suplemento), de 30 de abril de 1984.
[21] Ob. cit., pág. 298. Onde, além do mais, se escreve que «pelo menos desde 1975 que não foi realizada, ou sequer ensaiada, uma qualquer reforma global e séria do regime disciplinar da função pública».
[22] O Capítulo VI compreende 4 secções, a saber:
– Secção I – Disposições gerais (artigos 27.º a 38.º);
– Secção II – Procedimento Disciplinar comum (artigos 39.º a 65.º);
– Secção lll – Procedimento Disciplinar especial (artigos 66.º a 77.º); e
– Secção IV – Reabilitação (artigo 78.º).
[23] A redação do artigo 2.º é a decorrente da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 47/2013.
[24] António Esteves Fermiano Rato, entrada «Processo disciplinar», em Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume VI, Lisboa, 1994, págs. 536/537.
[25] Cuja redação era a seguinte:
«1 – A forma dos atos, quando não esteja expressamente regulada na lei, ajustar-se-á que se tem em vista e limitar-se-á ao indispensável para atingir essa finalidade.»
[26] «4 – Nos casos omissos, pode o instrutor adotar as providências que se afigurarem convenientes para descoberta da verdade, em conformidade com os princípios gerais de direito processual penal.»
[27] «2 – O instrutor poderá ordenar, oficiosamente, as diligências e os atos necessários à descoberta da verdade material.»
[28] Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, fevereiro 2011, pág. 203.
[29] Ob. cit., pág.204.
[30]
«Artigo 53.º

Produção da prova oferecida pelo arguido
1 – As diligências requeridas pelo arguido podem ser recusadas em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias.
2 – Não podem ser ouvidas mais de três testemunhas por cada facto, podendo as que não residam no lugar onde corre o processo, quando o arguido não se comprometa a apresentá-las, ser ouvidas por solicitação a qualquer autoridade administrativa.
3 – O instrutor pode recusar a inquirição das testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido.
4 – A autoridade a quem seja solicitada a inquirição, nos termos da parte final do n.º 2, pode designar instrutor ad hoc para o ato requerido.
5 – As diligências para a inquirição de testemunhas são sempre notificadas ao arguido.
6 – Aplica-se à inquirição referida na parte final do n.º 2, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 111.º e seguintes do Código de Processo Penal.
7 – O advogado do arguido pode estar presente e intervir na inquirição das testemunhas.
8 – O instrutor inquire as testemunhas e reúne os demais elementos de prova oferecidos pelo arguido no prazo de 20 dias, o qual pode ser prorrogado, por despacho, até 40 dias quando o exijam as diligências referidas na parte final do n.º 2.
9 – Finda a produção da prova oferecida pelo arguido, podem ainda ordenar-se, em despacho, novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade.»
[31] Vide Paulo Veiga e Moura, ob. cit., pág. 251.
[32] Vide Luís Vasconcelos Abreu, ob. cit., págs. 75 e 79 e ss.; Leal-Henriques, Procedimento Disciplinar, 4.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2002, págs. 111 e 237; Alberto Augusto Oliveira/Alberto Esteves Remédio, “Sobre o Direito Disciplinar da Função Pública”, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Volume II, págs. 628/629; Pareceres n.os 136/82, publicado no Diário da República, II série, de 29 de junho de 1983, 160/2003, publicado no Diário da República, II série, de 2 de abril de 2004, 113/2005, publicado no Diário da República, II série, de 5 de julho de 2006, e 72/2007, de 31 de janeiro de 2008.
[33] Ibidem.
[34] Veja-se, também, Manuela Blanc/Domingas Rodrigues/Alberto Peliz/M. Cármen de la Fuente, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas Anotado, 2009, Rei dos Livros, pág. 94.
[35] Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
[36] Norma igual à constante do n.º 2 do artigo 519.º do anterior Código de Processo Civil.
[37] Norma idêntica ao n.º 4 do artigo 629.º do anterior Código de Processo Civil.
[38] Para mais desenvolvimento, ver Simas Santos/Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 3.ª edição, I volume, Editora Rei dos Livros, 2008, págs. 716 e ss.
[39] Neste sentido, veja-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pág. 294.
[40] Publicado no Diário da República, II série, de 24 de janeiro de 2001.
[41] Cfr., por exemplo, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, 1999, pág. 208.
[42] Cfr. o citado Parecer n.º 35/99.
[43] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 479.
[44] Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo l (colaboração de José Lobo Moutinho – artigo 27.º), Coimbra Editora, 2005, pág. 311/312.
[45] Ob. cit., volume I, pág. 483.