Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002742
Parecer: P000102006
Nº do Documento: PPA00000000001000
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
PRAIA
MARGEM
UTILIZAÇÃO PRIVATIVA
EDIFICAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
POSSE
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
DIREITOS ADQUIRIDOS
PLANO DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA
EXPROPRIAÇÃO
Conclusões: 1ª – O domínio público marítimo é integrado pelas águas dos mares e pelas águas interiores sujeitas à influência das marés, seus leitos e margens, de acordo com as definições introduzidas pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, e mantidas pela Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro;

2ª – Integram o domínio público as praias, constituídas pelas margens que apresentem uma tal natureza que, sendo contíguas ou sobranceiras às águas do mar, têm uma extensão mínima de 50 metros de largura contados a partir da linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais ou da crista do alcantil (artigo 11º da Lei nº 54/2005);

3ª – O reconhecimento dos direitos de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens tidos como públicos deve ser obtido pelos meios procedimentais e de prova estabelecidos pelo artigo 15º da mesma lei, impondo-se aos interessados que elidam a presunção juris tantum de dominialidade através de acção judicial a instaurar até ao ano de 2014;

4ª – Não havendo notícia do reconhecimento do direito de propriedade privada, nos termos da conclusão anterior, presume-se que pertence ao domínio público uma parcela de terreno inserida nos actuais limites dominiais, e na qual, em 1933, um particular edificou uma moradia;

5ª – Consequentemente, a invocada “cedência” dessa parcela, nesse ano, por determinada câmara municipal, não pode constituir título aquisitivo de propriedade ou de posse sobre o respectivo solo, visto os bens do domínio público serem, por natureza, indisponíveis, incomerciáveis e insusceptíveis de posse privatística ou de aquisição por usucapião;

6ª – O acto praticado nas condições referidas na conclusão anterior configura-se como um acto atípico de permissão de uso e construção, por tempo indeterminado, tendo o particular adquirido a propriedade da construção realizada que, aliás, de acordo com sentença proferida em acção de justificação judicial de posse, se manteve na sua posse, pacífica, pública e ininterruptamente, desde aquela data e, pelo menos, até 1971;

7ª – Nas mesmas condições, a realização e manutenção da construção no domínio público não constitui uma ocupação abusiva, mas está sujeita à utilização que a Administração, na prossecução do interesse público, designadamente em cumprimento das normas de ordenamento do território e de protecção da orla costeira, pretenda dar ao local onde se erige;

8ª – Se tal se mostrar adequado, pode o Estado recorrer à expropriação por utilidade pública da referida construção, com o dever de indemnizar o particular, nos termos dos artigos 62º, nº 2, e 65º, nº 4, da Constituição, do artigo 16º, nº 2, da Lei nº 54/2005, e do artigo 23º do Código das Expropriações.

Texto Integral:




Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades,
Excelência:


I

1. Na sequência do despacho de Sua Excelência o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de 8 de Novembro de 2005, dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer deste Conselho Consultivo acerca da «situação de uma propriedade familiar na Praia de Mira», envolvendo questões que relevam de «direitos patrimoniais», «domínio público marítimo», «pretensões edificatórias», e do «Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar - Marinha Grande»[1].

De acordo com informação elaborada no gabinete de Vossa Excelência[2], e que mereceu concordância, é a seguinte a “situação de facto” subjacente ao pedido de parecer:

«1. Existe uma propriedade composta por casa de habitação e logradouros no areal da praia de Mira e a menos de 50m do alcance das águas do mar;
2. Por despacho de 19 de Abril de 1966, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 288, em 13 de Dezembro de 1967, foi aprovado pelo Conselho de Ministros o auto de delimitação que classifica os terrenos a jusante da estrada contígua como integrados no domínio público marítimo e na qual se encontra o terreno em questão[3];
3. Em 1971, o Tribunal Judicial da Comarca de Vagos reconheceu o direito de posse para efeitos do registo do prédio inscrito na matriz da freguesia de Mira, sob o nº 2818, sito na praia de Mira que é composto por uma casa de habitação e logradouros;
4. Em Outubro de 2000 entra em vigor o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar-Marinha Grande, o qual apenas admite a possibilidade de manutenção dos equipamentos existentes no domínio hídrico localizados fora das áreas urbanas e urbanizáveis desde que se destinem a proporcionar o uso e fruição da orla costeira e que se relacionem com o interesse turístico, recreativo, desportivo ou cultural ou que satisfaçam as necessidades colectivas dos núcleos urbanos;
5. Em 2001, o interessado requereu o licenciamento de uma moradia turística o qual envolvia obras de reconstrução e ampliação que excediam o conceito de beneficiação;
6. Seguidamente foi ordenada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e na sequência de participações da autarquia e da capitania a demolição da casa em questão;
7. O interessado requereu, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a suspensão da eficácia do acto que ordena a demolição;
8. O Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra indeferiu o pedido mas o Tribunal Central Administrativo revogou a decisão e decretou a providência[4]

2. A informação que precedeu o pedido de parecer concluiu pela seguinte forma: «(...) torna-se necessário apurar se existem direitos subjectivos do interessado em relação à casa de habitação, caso existam quais são esses direitos e qual a relevância dos mesmos no âmbito do domínio público marítimo e na execução do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar - Marinha Grande, bem como as possibilidades de actuação das entidades do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional atendendo aos riscos associados à degradação da construção junto ao areal e ao avanço do mar».

Tendo esta informação merecido despacho de concordância são, pois, estas, as questões sobre as quais cumpre emitir parecer.

II

1. Para cabal esclarecimento da situação, indicam-se, ainda, outros elementos que se extraem do expediente que acompanhou o pedido de parecer e que completam a matéria de facto que atrás foi transcrita.

Assim:

1.1. Em 19 de Maio de 1933, António de Santos Júnior (de que os ora interessados são sucessores) dirigiu à Comissão Executiva da Câmara Municipal do Concelho de Mira um requerimento nos seguintes termos: «(...) desejando construir uma casa de habitação com 94,5 metros quadrados, na Praia de Mira, vem mui respeitosamente pedir a V.Exª licença para tal fim».

1.2. Em acta de reunião daquela Comissão, com data de 27 do mesmo mês e ano, consta, sobre esse “pedido de licença”, que a mesma «encarregou o “Visconde da Corujeira” de estudar o local onde deve ser construída a referida casa dando em seguida conhecimento à comissão do local escolhido».

1.3. Em 3 de Março de 1934, o requerente manifestou junto daquela Comissão a vontade de adquirir uma porção de terreno que contornava a vivenda, para embelezamento[5], solicitando «a rectificação da cedência, que em devido tempo me foi facilitada». Desconhece-se o teor da decisão proferida sobre essa pretensão.

1.4. Em 1971, o mesmo António dos Santos Júnior instaurou acção de justificação judicial de posse, com referência à casa de habitação já edificada no local e respectivo logradouro[6]; a sentença, proferida em 20 de Julho desse ano, declarou que este «tem possuído o prédio identificado na petição inicial, pacífica, pública e ininterruptamente, desde 1933, portanto, por tempo superior a cinco anos, posse essa que lhe foi cedida pela Câmara Municipal de Mira».

1.5. Em 18 de Outubro de 1971 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial, relativamente a esse imóvel, a «aquisição da posse a favor de António Santos Júnior (...) por cedência da Câmara Municipal de Mira»; com data de 5 de Novembro de 2002 foi inscrita uma aquisição provisória por dúvidas a favor de três legatárias mas, em 7 de Julho de 2003, foi recusada a respectiva conversão.

1.6. Em 9 de Março de 1998, a Direcção-Regional do Ambiente do Centro comunicou a uma das legatárias o indeferimento de um pedido para realização de obras nessa moradia, «atendendo à fragilidade do local em que se localiza a construção – sistema dunar» e invocando o disposto no Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro; através do mesmo ofício, foi a requerente informada de que, caso pretendesse obter o reconhecimento da propriedade sobre aquela parcela de terreno, deveria apresentar prova de posse da margem, nos termos do artigo 8º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro.

1.7. Contudo, em 1 de Junho do mesmo ano, foi concedida à requerente, pela mesma entidade, autorização para realização de obras de manutenção que não implicassem aumento da área ou volumetria; no entanto, advertia-se que a construção se situava no domínio público marítimo o que impunha diversos condicionalismos legais, bem como a necessidade de licenciamento da ocupação dos terrenos ou o reconhecimento da propriedade, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei nº 468/71, e a delimitação dos terrenos.

1.8. Tendo a interessada enviado certidão da sentença proferida em acção de justificação judicial de posse, foi-lhe respondido que a mesma não provava o alegado direito de propriedade, já que este se devia reportar a 31 de Dezembro de 1864 (nos termos do mesmo diploma legal), e que se mantinha a exigência de licenciamento (e pagamento de taxa) com vista à utilização do terreno.

1.9. Em 4 de Outubro de 2001, por ofício do Director Regional do Ambiente, foi comunicada à interessada a decisão de demolição da moradia com os seguintes fundamentos: inexistência de licença que permitisse a utilização privativa do terreno (situado no domínio público marítimo) nos termos previstos no Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro; inexistência de razões de interesse público enquadráveis no artigo 8º do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) aplicável para a manutenção da construção; razões de degradação e insalubridade referidas em auto de notícia levantado pela Polícia Marítima. Pelo mesmo ofício a interessada foi notificada para proceder à remoção integral do referido prédio e de todo o entulho, no prazo de 30 dias, «de forma a ser reposto o terreno na situação anterior à sua ocupação», dispondo do prazo de 15 dias para se pronunciar, nos termos do artigo 89º do mesmo Decreto-Lei nº 46/94.

1.10. Interposto recurso contencioso de anulação desse acto, foi o mesmo rejeitado pelo Tribunal Administrativo de Círculo com fundamento na sua falta de definitividade vertical, por se entender que do acto cabia ainda recurso hierárquico; esta decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Administrativo em recurso jurisdicional interposto pela interessada. Em data posterior à da prolação deste último acórdão (13 de Outubro de 2005), foi suspensa a instância com base na notícia do óbito da recorrente, sendo referido que, aquando da suspensão da instância recursal, ainda estava em curso o prazo para interposição de recurso para o Pleno daquele Supremo Tribunal (com fundamento em oposição de julgados).

1.11. Em 2 de Novembro de 2001 veio uma outra legatária requerer autorização à Direcção-Geral do Ambiente (na sequência de idêntica pretensão apresentada à Câmara Municipal de Mira) para adaptação a uma moradia turística de 2ª classe e para realização das obras necessárias a esse fim, tendo sido considerado que tal pretensão violava o POOC, em três aspectos: a situação existente não estava licenciada; não se adequava ao conceito de fruição da orla costeira previsto naquele instrumento de gestão territorial; envolvia obras de reconstrução e ampliação que excediam o conceito de beneficiação.

1.12. Em data não determinada, foi interposto recurso hierárquico do despacho do Subdirector Regional do Ambiente, de 2 de Maio de 2002, que determinou o embargo da obra.

1.13. Mais recentemente, no ano de 2005, um outro interessado (sobrinho-neto de António Santos Júnior) enviou uma exposição ao gabinete do Secretário de Estado do Ordenamento do Território, solicitando a atenção para a situação – que reputava de “injusta”, “iníqua” e “arbitrária” – e invocando argumentos em sentido contrário às decisões da Administração.

1.14. Foi com fundamento na “natureza contraditória” dos argumentos jurídicos invocados pelo exponente e daqueles que, em esclarecimento da situação, foram apresentados pela Administração, que aquele membro do Governo entendeu ser oportuno solicitar «parecer jurídico aprofundado que habilite o Estado a decidir sobre esta matéria».

2. Convém conhecer, no essencial, os argumentos em confronto.

2.1. Pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro foi invocado, em síntese:

– O imóvel está actualmente situado no areal da Praia de Mira e a menos de 50 metros do alcance das águas do mar, logo, em terrenos do domínio público marítimo (artigo 1º e 3º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro); para além disso, insere-se nos limites assim classificados por auto de delimitação da Comissão do Domínio Público Marítimo, de 1966, devidamente aprovado e publicado em Diário da República;

– A decisão favorável obtida em acção de justificação judicial de posse limitou-se a reconhecer o direito de posse do autor para efeitos de registo com base na prova aí produzida, mas não lhe “deu a posse”, nem “desafectou terrenos”;

– Não foi provado documentalmente que o terreno em questão era, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864, nem foi accionado processo de delimitação, nos termos do artigo 8º daquele mesmo decreto-lei;

– Não foi apresentado pelos interessados título de utilização do domínio público marítimo, apesar de a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território, em data anterior à aprovação do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar-Marinha Grande os ter sensibilizado para tal;

– De acordo com este instrumento de gestão territorial, o local é exterior à zona urbana ou urbanizável e, embora o ponto 3 do artigo 3º do respectivo Regulamento admita a manutenção de equipamentos existentes no domínio hídrico fora das zonas urbanas ou urbanizáveis, exige que se destinem a proporcionar o uso e fruição da orla costeira, que se relacionem com o interesse turístico, recreativo, desportivo ou cultural ou que satisfaçam as necessidades colectivas dos núcleos urbanos, não se verificando, in casu, qualquer destas destinações;

– O pedido de licenciamento de uma moradia turística, apresentado em 2001, violava aquele POOC em três perspectivas: a situação existente não estava licenciada; não se adequava ao conceito de fruição da orla costeira acolhido no nº 3 do artigo 8º do Regulamento; envolvia obras de reconstrução e ampliação que excediam o conceito de beneficiação contido no nº 3 do artigo 32º do mesmo Regulamento;

– Para além disso, o desencadeamento do processo de demolição, que se seguiu, teve ainda por fundamento as participações da autarquia e da capitania devido a determinados riscos associados à ruína junto do areal (estas entidades referiam razões de segurança, salubridade e degradação suscitadas pelo estado em que a casa se encontrava, pela devassa a que estava sujeita e pelas utilizações marginais que permitia);

– A zona em questão insere-se num dos troços mais críticos de erosão costeira, que tem vindo a evoluir, com avanços do mar.

2.2. Contrapõe o exponente (em sede de “conclusões”):

«– O terreno em que se encontra a moradia em causa neste processo foi cedido pela Câmara Municipal de Mira, em 1933, a António dos Santos Júnior, pelo que, a partir desta data, como resulta aliás da respectiva inscrição na Conservatória do Registo Predial de Mira, aquele tornou-se propriedade privada deste;
– A alegada inclusão do terreno na margem da Praia de Mira, por força da extensão do conceito de margem operada pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro – já que à data da transmissão o terreno se encontrava a 125 metros da linha da máxima preia-mar e, bem assim para além da faixa de 50 metros de largura contada a partir da linha que limita o leito das águas e da área coberta e descoberta pelas águas do mar, não se encontrando assim, na margem – não determina ipso facto, a transmissão do respectivo direito de propriedade para o Estado;
– O auto de delimitação da Comissão do Domínio Público Marítimo, de 1967, ainda que inclua o terreno em análise no domínio público marítimo, não tem como efeito a respectiva transmissão para o domínio público, sob pena de violação dos artigos 62º e 83º da Constituição da República Portuguesa;
– Finalmente, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Ovar-Marinha Grande não constitui, ao contrário do invocado pela CCDR Centro, impedimento à realização das obras de recuperação da moradia em causa, na medida em que não coloca em causa os direitos adquiridos à data da sua entrada em vigor.»

3. Cabe referir, por fim, que o exponente, com base no artigo 7º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, invocou que a integração de um terreno privado em área definida como “margem”, devido ao avanço das águas do mar, não implicava a transmissão automática do direito de propriedade para o Estado, mas apenas restrições a esse direito, permitindo a expropriação dessas parcelas.

Também em ofício de que se encontra junta cópia, subscrito pelo Subdirector Regional do Ambiente, datado de 5 de Junho de 2002, este dirigente, tendo presente a pendência de processo judicial (de que poderia decorrer «demora na resolução do caso», bem como a «remota possibilidade de haver decisão favorável ao particular»), invocou a necessidade de serem feitas intervenções para protecção da zona, bem como a necessidade de serem evitados os riscos que a antiguidade da construção e sua utilização marginal provocavam para a saúde e segurança públicas, e solicitou autorização para se proceder à expropriação da parcela por utilidade pública (“figura prevista no Decreto-Lei nº 468/71”) e à imediata e urgente demolição.

Desconhece-se qual o despacho que recaiu sobre tal proposta, embora a solicitação deste parecer indicie que não terá sido proferida, ainda, decisão e que a tutela equaciona uma eventual reponderação da decisão tomada.

III

1. As questões colocadas relevam de uma situação factual que se tem prolongado por diversas décadas convocando a aplicação sucessiva de diferentes regimes jurídicos no âmbito do domínio público, em particular do domínio público marítimo, e seus reflexos na caracterização do direito de propriedade. Mais recentemente, suscita-se, ainda, a confrontação da situação de facto e de direito existente com as exigências decorrentes das normas e princípios do sistema de ordenamento do território.

Comecemos pela evolução do regime do domínio público, na parte que se mostra relevante no âmbito deste parecer.

2. É a seguinte a definição de domínio público que, numa acepção objectiva, nos é dada por JOSÉ PEDRO FERNANDES[7]: «conjunto das coisas que, pertencendo a uma pessoa colectiva de população e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela incomerciabilidade em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública».

No regime de incomerciabilidade pelos modos próprios do direito privado[8] estão implicadas a inalienabilidade, a impenhorabilidade e a “imprescritibilidade” (esta no sentido de não serem susceptíveis de usucapião), que constituem traços caracterizadores deste regime dominial e que decorrem da teleologia que lhe subjaz, ou seja, da afectação a fins de interesse público.

A doutrina divide-se quanto à natureza jurídica dos poderes que a Administração exerce sobre os bens do domínio público, sendo maioritária a corrente que considera tratar-se de um direito de propriedade (pública); neste sentido, MARCELLO CAETANO[9] apontava-lhe os seguintes traços caracterizadores:

«a) O sujeito de direito é sempre uma pessoa colectiva de direito público;
b) O direito de propriedade pública é exercido para produção do máximo de utilidade pública das coisas que formam o seu objecto, conforme a lei determinar;
c) O uso das coisas públicas traduz-se na utilização por todos ou em benefício de todos;
d) A fruição nuns casos confunde-se com o uso, noutros é independente dele e consiste na faculdade de cobrar taxas pela utilização dos bens, ou na colheita dos seus frutos naturais;
e) As coisas públicas são incomerciáveis como tais pelos processo de Direito Privado, mas comerciáveis segundo os processos de Direito Público;
f) Relativamente a terceiros, o proprietário exerce o jus excluendi alios por meio de actos administrativos definitivos e executórios, isto é, usando a sua própria autoridade e independentemente de recurso a tribunais».

Outros AUTORES consideram que está em causa um direito de propriedade privada modificado[10] ou que a dominialidade pública não é um verdadeiro direito de propriedade mas apenas um direito especial de índole administrativa «que permite à Administração assegurar a regularidade e a continuidade da afectação da coisa contra as acções dos particulares»[11] ou, ainda, que «os bens dominiais estão submetidos a um regime jurídico-público derrogatório da propriedade privada»[12]; noutro entendimento, o domínio público comporta dois “elementos fundamentais”: o direito de propriedade privada sobre as coisas públicas e uma «superestrutura jurídico-
-administrativa sui generis», de restrições e privilégios que condicionam o gozo e o exercício desse direito de propriedade»[13].

2.1. Contrariamente à Constituição de 1933[14], a actual Constituição não definia, na sua redacção originária, o âmbito do domínio público. Apenas com a revisão de 1989 essa definição foi introduzida nos seguintes termos[15]:
«Artigo 84º
(Domínio público)

1. Pertencem ao domínio público:
a) As águas territoriais[16]; com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;
b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário;
c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção;
d) As estradas;
e) As linhas férreas nacionais;
f) Outros bens como tal classificados por lei.
2. A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.»

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[17], a “liberdade conformadora” do legislador (através de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado) deve respeitar determinadas «dimensões essenciais à definição do conceito» avultando entre elas «a inalienabilidade, a imprescritibilidade (...), a impenhorabilidade, a insusceptibilidade de serem dados como garantia de obrigações (hipotecas) e de serem objecto de servidões reais, a exclusão da posse privatística e a impossibilidade de serem objecto de execução forçada ou de expropriação por utilidade pública (embora seja admissível a possibilidade de desapropriação de bens do domínio público regional ou local por acto do Estado)».

Referem os mesmos Autores que deverá também a lei definir as condições de utilização dos bens do domínio público, estabelecendo se os mesmos podem ser sujeitos: «a) a um uso geral, consentido a todos os cidadãos em virtude de uma autorização implícita no próprio destino do bem a um uso público (ex. praias, vias públicas); b) a um uso particular, que pressupõe um acto de admissão eventualmente sujeito ao pagamento de uma taxa ou de um preço (...); c) a um uso especial, que pressupõe um acto autorizativo valorativo, praticado pelas autoridades competentes, quanto aos requisitos subjectivos e objectivos exigidos por lei em relação a tal uso (...); d) a um uso excepcional, que, em regra, pressupõe um acto de concessão através do qual o bem é subtraído ao uso geral para se atribuir a um gozo exclusivo de determinados sujeitos (...).»

Estes princípios estão vertidos no Decreto-Lei nº 280/2007, de 7 de Agosto, que veio estabelecer normas sobre gestão patrimonial imobiliária, incluindo os bens imóveis do domínio público do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias (categoria em que se incluem os imóveis classificados como tal pela Constituição ou pela lei, individualmente ou por tipos) e os bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos.

Dispondo, quanto aos primeiros, que a sua titularidade inclui poderes de uso, administração, tutela, defesa e disposição, o legislador impôs à Administração a obrigação de «ordenar aos particulares que cessem a adopção de comportamentos abusivos, não titulados, ou, em geral, que lesem o interesse público a satisfazer pelo imóvel e reponham a situação no estado anterior, devendo impor coercivamente a sua decisão, nos termos do Código do Procedimento Administrativo e demais legislação aplicável» (artigo 21º, com a epígrafe “Autotutela”).

Quanto aos modos de utilização pelos particulares, o recente diploma enquadrou-os nas seguintes classificações: uso comum, que pode ser ordinário ou extraordinário (consoante seja gratuito ou sujeito a autorização e pagamento de taxa), e uso privativo, que pode ser titulado por licença ou concessão.

3. Embora o diploma atrás mencionado estabeleça, no artigo 114º e seguintes, um programa de inventariação do património imobiliário público, cujas organização e estrutura serão definidas por portaria, haverá que atender ao que ainda dispõe o Decreto-Lei nº 477/80, de 15 de Outubro, diploma que criou o inventário geral do património do Estado e que compreende o domínio público, o domínio privado e o domínio financeiro, definidos respectivamente nos artigos 4º, 5º e 6º do diploma[18].

Na parte que aqui releva, dispõe o artigo 4º que integram o domínio público do Estado, entre outros bens: os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis com os respectivos leitos e margens e, bem assim, os que por lei forem reconhecidos como aproveitáveis para produção de energia eléctrica ou para irrigação; outros bens do domínio público hídrico referidos no Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, e no Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro (diplomas a que faremos referência, mais adiante, neste parecer).

Segundo MARCELLO CAETANO[19], o domínio público hídrico é «constituído por várias categorias de águas públicas (...) mas inclui também, por conexão, um certo número de terrenos a elas intimamente ligados» e, tal como o domínio público aéreo e o domínio público mineiro, faz parte do domínio público natural, categoria à qual, na sua classificação, se contrapõe o domínio público artificial.
É no contexto do domínio público hídrico[20], mais concretamente, do domínio público marítimo – constituído, nos termos do artigo 3º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, pelas águas costeiras e territoriais, pelas águas interiores sujeitas à influência das marés, pelos fundos marinhos contíguos à plataforma continental, e pelos leitos e margens, com cuja definição e delimitação está implicado o conceito de “praia” – que se colocam as questões que constituem objecto deste parecer.

4. A “dominialização” das praias foi expressamente assumida em 1864, com a entrada em vigor do Decreto de 31 de Dezembro de 1864, que estabeleceu que eram do domínio público, “imprescritível”, para além das estradas e das ruas, «os portos de mar e praias, os rios navegáveis e flutuáveis com as suas margens, os canais e valas, portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam» (artigo 2º).

Discutiu-se, mais tarde, se o Código Civil de 1867 – cujo artigo 380º, nº 2, na sua versão originária, apenas mencionava entre as coisas públicas «as aguas salgadas das costas, enseadas, bahias, fozes, rias e esteiros, e o leito d´ellas» – tinha implicado a “desdominialização” das praias.

Entenderam os civilistas[21] que tal não tinha acontecido e que as praias se tinham mantido no domínio público, pelo menos num sentido restrito, ou seja, «a porção de terra que o mar cobre na enchente da maré, ou nas maiores marés, e que deixa descoberta na vazante, ou marés menores»[22].

Contudo, AFONSO QUEIRÓ defendia que integravam o domínio público, quer por força do diploma de 1864, quer por força do Código Civil, as praias em sentido amplo, ou seja, «os terrenos, ordinariamente arenosos e enxutos, deixados a descoberto pelo lento recuo das águas do mar ou resultantes de aluvião formado pelas mesmas águas»[23]. Referia o Autor que se verificavam em relação às praias, na parte não coberta pelas águas marítimas, todos os requisitos exigidos pelo Código Civil (de acordo com o conceito genericamente definido no corpo desse preceito[24]) para a qualificação como coisas públicas: eram geralmente propriedade do Estado, encontravam-se debaixo da sua administração e estavam afectas a vários tipos de usos públicos.

Retomando a sequência legislativa, cabe referir o Decreto nº 8, de 1 de Dezembro de 1892, que aprovou a organização dos serviços hidráulicos, e que considerou serem públicas «as águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos, docas, fozes, rios, esteiros e respectivos leitos, cais e praias, até onde se alcançasse o colo da máxima preia-mar de águas vivas». E o Decreto nº 952, de 15 de Outubro de 1914, pelo qual o legislador revelou o propósito de fixar um limite externo, determinando que a jurisdição marítima em terrenos do domínio público se estendia a uma «faixa de 50m de largura a contar da linha da máxima preia-mar de águas vivas».

O Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919 – designado por “lei das águas” e de que algumas normas se mantiveram em vigor até data recente – pretendeu “inserir” diversas disposições sobre recursos hídricos, que se encontravam dispersas. Dispunha o artigo 1º, nº 1:

«São do domínio público:
1 – As águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos artificiais, docas, fozes, rias, esteiros e seus respectivos leitos, cais e praias, até onde se alcançar o colo da máxima preia-mar de águas vivas.»

Por seu turno, o parágrafo 2º do artigo 124º previa que «a delimitação da largura das margens, variável segundo a importância e o destino das correntes, será feita quando se proceder à classificação e demarcação das bacias hidrográficas nos termos do regulamento».

Na falta de publicação desse regulamento, veio o Decreto nº 12445, de 29 de Setembro de 1926, estabelecer no artigo 14º:

«Enquanto não se proceder à demarcação das margens das correntes de água referida no parágrafo 2º do artigo 124º da lei das águas e a fim de definir a margem sujeita ao domínio público, como prescreve o nº 2 do artigo 1º da mesma lei, considera-se como margem sujeita à fiscalização dos Serviços Hidráulicos:
1º - (...);
2º - (....);
3º - Nas águas marítimas, uma faixa mínima com 50 metros de largura contada a partir da linha do máximo preamar.»

Com relevo no âmbito deste parecer, cabe também mencionar o Decreto-Lei nº 40172, de 26 de Maio de 1955, referente à Junta Autónoma do Porto de Aveiro[25] (com base no qual foi justificada a proposta de delimitação efectuada, cujo auto incluiu o terreno onde foi feita a construção[26]) e que determinou que, quando a praia fosse constituída por areias soltas, a jurisdição daquela Junta poderia ir até 300 metros a contar da linha da máxima preia-mar de águas vivas.

Terá havido assim uma aproximação expressa ao conceito qualitativo de praia, que vinha sendo defendido por AFONSO QUEIRÓ, segundo o qual, para além da distância mínima de 50 metros contados da linha da preia-mar se deveriam também considerar incluídos no domínio público marítimo os terrenos do Estado que tivessem uma «constituição claramente reveladora de haverem resultado de formações aluviais ou do recuo do mar», como era o caso dos terrenos constituídos por areias soltas.

Essa noção de praia, em sentido amplo, foi claramente acolhida pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Dezembro, que estabeleceu até muito recentemente o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico; o respectivo preâmbulo dava conta, a este propósito, que se pretendia eliminar as dúvidas de interpretação que as disposições antes vigentes suscitavam e que se acolhia «a solução que melhor salvaguarda os interesses do Estado e que corresponde, aliás, ao entendimento que sempre tem sido sustentado pela nossa administração dominial»[27].


Em síntese, podemos constatar que as praias passaram a ser expressamente classificadas como bens do domínio público a partir de 1864, sendo que, durante várias décadas, se discutiu se, para esse efeito, o conceito de praia devia ser entendido numa acepção restrita (compreendendo apenas a porção de terra que o mar cobre na altura da máxima preia-mar) ou em sentido amplo (compreendendo toda a extensão de terreno marginal que apresentasse uma tal natureza, designadamente os terrenos constituídos por areias soltas, e cuja largura mínima foi, a partir de 1926, fixada em 50 metros, a partir da linha da máxima preia-mar). Esta última acepção (em cuja defesa se destacava AFONSO QUEIRÓ e que era também acolhida por alguma jurisprudência e pela maioria dos membros da Comissão do Domínio Público) foi expressamente acolhida no diploma que, em 1971, estabeleceu o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público marítimo e manteve-se no diploma que, em 2005, aprovou o actual regime sobre titularidade dos recursos hídricos.

IV

1. O Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro[28], procedeu à revisão, actualização e unificação do regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico abrangendo, nos termos do artigo 1º, «Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes», segundo as definições constantes dos artigos seguintes.

Embora com diversas alterações, este diploma vigorou durante cerca de trinta e quatro anos, tendo sido revogado por dois diplomas que, em 2005, estabeleceram, respectivamente, a titularidade dos recursos hídricos (Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro) e as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas (Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro).

Convém, desde já, conhecer o modo como foram definidos pelo Decreto-Lei nº 468/71 os conceitos de leito e margem, definições que foram mantidas nas correspondentes normas do diploma de 2005.
«Artigo 2º[29]
Noção de leito; seus limites

1. Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial.
2. O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais. Essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo.
3. (...).»
«Artigo 3º.[30]
Noção de margem; sua largura
1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m.
3. (…).
4. (...).
5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da crista do alcantil[31]
2. De acordo com o entendimento que vinha sendo já aceite, o Decreto-Lei nº 468/71 reconheceu a incidência de propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicos.

De facto, já na vigência de diplomas anteriores se aceitava – e essa doutrina foi firmada por assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 1935 – que nem todos os terrenos inseridos nos limites considerados margens integravam o domínio público e reconhecia-se a propriedade privada dos terrenos que tivessem entrado por título legítimo no património dos particulares.

Também este Conselho Consultivo foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão e, após análise dos diplomas legais sucessivamente aplicáveis, concluiu, no parecer nº 57/59, de 23 de Julho de 1959, que, a partir do Decreto de 1926, as margens integram o domínio público «independentemente de actos concretos de afectação, ainda com ressalva das áreas no domínio privado, que, todavia, ficaram, desde aquela data, sujeitas a uma servidão de uso público no interesse geral da pessoa».

2.1. Era a seguinte a redacção do artigo 5º do Decreto-Lei nº 468/71, com a epígrafe “Condição jurídica dos leitos, margens e zonas adjacentes”:

«1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.
2. Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou reconhecidas como privadas nos termos deste diploma.
3. Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitas a restrições de utilidade pública, as zonas adjacentes.
4. (...).»

Os meios pelos quais os particulares poderiam, nos termos do nº 2 deste preceito, obter o reconhecimento desse direito de propriedade privada, foram previstos pelo artigo 8º; na linha já anteriormente preconizada pela Comissão do Domínio Público, foi estabelecida uma presunção juris tantum de propriedade pública relativamente aos terrenos que constituíam os leitos e margens das águas dominiais, permitindo-se aos particulares ilidirem essa presunção através de meios de prova especificamente determinados[32].


Era o seguinte o conteúdo do artigo 8º, preceito particularmente relevante no âmbito deste parecer:
«Artigo 8.º
(Reconhecimento da propriedade privada sobre
parcelas de leitos ou margens públicos)
1. As pessoas que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis devem provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868.
2. Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do n.º 1 deste artigo, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, naquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
3. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas.
4. Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação.»

Referia-se, no preâmbulo do diploma, que esta orientação, «baseada em princípios gerais firmemente assentes na nossa ordem jurídica – o princípio da não retroactividade das leis e o princípio do respeito dos direitos adquiridos» – não deveria, contudo, «prejudicar, na prática, os interesses gerais da colectividade, em razão dos quais, precisamente, se foi criando e se mantém na titularidade do Estado o domínio público hídrico».

Havia assim uma propensão para a dominialidade, para o que o legislador instituiu diversos mecanismos com vista à integração de parcelas privadas no domínio público, destacando-se o direito de preferência a favor do Estado nas transmissões, o recurso à expropriação por utilidade pública, e as operações de delimitação administrativa (artigos 9º, 10º e 11º).

3. O bloco normativo referente às questões relacionadas com os direitos de particulares sobre parcelas inseridas em leitos ou margens dominiais foi mantido, de um modo geral, em termos quase idênticos, nas correspondentes normas da Lei nº 54/2005; aliás, a exposição de motivos que antecedeu a respectiva proposta de lei[33] dava conta de que não se pretendia introduzir “modificações profundas” ao regime anterior e que a sua revisão havia sido ditada por razões de clarificação e de estabilização, face à dispersão de normas sobre titularidade de recursos hídricos por vários diplomas[34].

O nº 1 do artigo 12º (com a epígrafe “Leitos e margens privados de águas públicas”) manteve a regra de que «São particulares, sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens de águas do mar e de águas navegáveis e flutuáveis que forem objecto de desafectação e ulterior alienação, ou que tenham sido, ou venham a ser, reconhecidos como privados por força de direitos adquiridos anteriormente, ao abrigo de disposições expressas desta lei, presumindo-se públicos em todos os demais casos.»

Contudo, na parte referente ao reconhecimento dos direitos dos particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos, este diploma introduziu algumas alterações. Referindo o preâmbulo, nesta parte, que «a protecção dos direitos privados não deveria ir tão longe que pudesse gerar a instabilidade permanente na base dominial, continuando-se a permitir indefinidamente a invocação de direitos privados anteriores a 1864 ou 1868», foi fixado «um limite temporal razoável» (em 2014, ou seja, 150 anos após a dominialização das praias) para a revindicação de tais direitos privados.

Com esta explicitação, vejamos qual o conteúdo da norma aprovada em ordem a analisarmos, em seguida, os seus reflexos na solução da situação que nos é colocada:
«Artigo 15.º
Reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos

1 – Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento desde que intente a correspondente acção judicial até 1 de Janeiro de 2014, devendo provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868.
2 – Sem prejuízo do prazo fixado no número anterior, observar-se-ão as seguintes regras nas acções a instaurar nos termos desse número:


a) Presumem-se particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais, na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos mesmos nos termos do n.º 1, se prove que, antes daquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa;

b) Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas.
3 – Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação nem aqueles que hajam sido mantidos na posse pública pelo período necessário à formação de usucapião.»[35]
4. Os elementos disponíveis apontam para que, no ano de 1933, o terreno onde a moradia em causa neste parecer se encontra edificada foi “cedido” pela Câmara Municipal de Mira a um particular. Não se mostra suficientemente caracterizada essa “cedência”, desconhecendo-se, designadamente, se se tratou de um acto oneroso ou gratuito e, sobretudo, se com ela se operou a transmissão de um direito real ou da posse[36] ou se se tratou de uma mera permissão de utilização, tal como parecem indiciar os termos utilizados na época, quer pelo então requerente, quer pela comissão camarária requerida; recorde-se que o primeiro pediu licença para construir na praia e a segunda encarregou determinada entidade de estudar e escolher o local onde a moradia devia ser construída.

Por outro lado, também não está esclarecido se, nessa época, o terreno onde a moradia foi edificada estava inserido no domínio público.

Nessa ocasião, estava já em vigor o Decreto nº 12445, de 29 de Setembro de 1926, que fixava em 50 metros contados a partir da linha da máxima preia-mar a largura mínima da margem dominial. Apesar de os interessados referirem que o local distava, então, cerca de 125 metros dessa linha (estando assim para além daquele limite mínimo) e ainda que se dê por certa essa alegação, não fica necessariamente excluída a possibilidade de pertença ao domínio público; essa possibilidade pode ainda configurar-se segundo o entendimento de que o conceito de praia era já, então, utilizado pelo legislador em sentido amplo e caso as características do terreno tivessem uma tal natureza (o que igualmente se desconhece).

Subsiste, pois, a dúvida sobre a natureza e efeitos do acto que legitimou o particular a construir no local e, bem assim, sobre a eventual pertença desse terreno ao domínio público, na data em que tal ocorreu.

Na hipótese de a referida parcela pertencer já então ao domínio público, não poderia a Câmara transmitir qualquer direito de propriedade sobre ela, não só porque a mesma não lhe pertencia mas também porque, tratando-se de coisa pública, era insusceptível de apropriação individual[37]. Poderia, quanto muito, essa área estar sob administração municipal e, nessa medida, aquela entidade ter competência para autorizar ou licenciar a construção no local; nesse caso, não teria havido transmissão da posse – até porque os bens do domínio público são insusceptíveis de posse privatística – mas apenas permissão de utilização, o que se assimilaria, na lei civil, a uma situação de mera detenção para fins de uso e fruição.

Ora, esta questão, determinante, não se mostra devidamente esclarecida. Existem, porém, dois aspectos a ter em conta: por um lado, que por sentença judicial proferida em 1971 foi declarada a existência de uma posse pacífica, pública e ininterrupta sobre a casa de habitação e respectivo logradouro desde o ano de 1933, por cedência da câmara municipal; por outro, que, actualmente, a parcela em questão está inserida no perímetro do domínio público marítimo definido, quer por lei, quer por acto de delimitação homologado, de que não há notícia que tenha sido objecto de impugnação, quer por vícios próprios do acto administrativo, quer através de acção judicial por ofensa a direitos de posse ou de propriedade[38].

A circunstância de a moradia se situar nos actuais limites do domínio público, não obsta, como vimos, a que possam subsistir direitos de natureza privada já existentes. As dúvidas que frequentemente se suscitam quanto à existência e origem desses direitos devem ser resolvidas por aplicação do regime de reconhecimento que o legislador estabeleceu, quer no diploma de 1971 (artigo 8º), quer no diploma de 2005 (artigo 15º).

Basicamente, essas faixas de terreno, qualificadas como margens, estão sujeitas a uma presunção juris tantum de propriedade pública, cabendo aos particulares que invoquem direitos de natureza privada, elidirem essa presunção.

Na vigência do Decreto-Lei nº 468/71, os particulares deviam provar, documentalmente, que esses terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade privada ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 (ou de 22 de Março de 1868, em caso de arribas alcantiladas); na falta de documentos comprovativos da propriedade, deviam provar que, naquelas datas, tais terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa[39], numa alusão aos baldios municipais ou paroquiais considerados “coisas comuns” pelo artigo 381º do Código Civil de 1867[40].

Com a entrada em vigor da Lei nº 54/2005 foi determinado que o reconhecimento desses direitos seja feito através de acção judicial a instaurar pelos interessados até 2014.

Impõe-se, pois, aos interessados, em face do regime prescrito no artigo 15º da Lei nº 54/2005 e caso pretendam que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre a parcela em causa, que, através da competente acção e dos específicos meios de prova, elidam a presunção de dominialidade que sobre ela incide.

Afigura-se-nos, contudo, que, na racionalidade da norma, a exigência de prova reportada ao ano de 1864 (ou de 1868) respeitará apenas aos terrenos ou parcelas que se inseriam, nessas datas, nos limites físicos da dominialização que teve lugar; de facto, apenas nessas hipóteses se justifica que os particulares demonstrem que na data da dominialização existiam já direitos de natureza privada que permaneceram até à actualidade e que devem ser reconhecidos, elidindo assim a presunção de dominialidade. As mesmas razões não se aplicam já relativamente aos terrenos ou parcelas que estivessem, então, fora desses limites e que, apenas mais tarde, designadamente em virtude da ocorrência de fenómenos naturais, tivessem ficado inseridos nos limites dominiais.
Assim, na hipótese de se demonstrar que a parcela a que nos reportamos se encontrava na data em que foi efectuada a edificação (1933) em solo não caracterizável como praia e que, apenas devido ao avanço das águas, se encontra actualmente em plena praia, cremos que não fará sentido exigir aos interessados a prova de propriedade ou posse privada ou comum com referência a datas tão remotas; nesse caso, a demonstração de pertença ao domínio privado ou comum deve reportar-se à data em que foi obtido o título de aquisição que invocam, ou seja, ao ano de 1933.

De qualquer modo, não havendo notícia de que tenha sido elidida a presunção de dominialidade, nos termos estabelecidos pelo artigo 15º da Lei nº 54/2005, a análise das questões suscitadas, a que se irá proceder, terá, pois, pressuposta a presunção de que a parcela em que a moradia está edificada pertence ao domínio público.

Neste contexto normativo, nem a sentença que declarou a existência de uma posse pacífica, pública e ininterrupta durante cerca de quarenta anos, nem o respectivo registo lavrado, produzem os efeitos que os interessados reclamam.

Para além de o artigo 15º do Decreto-Lei nº 54/2005 exigir meios de prova específicos, deve entender-se que a posse que foi objecto de justificação judicial e sequente registo respeitam à edificação existente e não ao terreno em que foi erigida; ainda que se entendesse que a posse incidia também sobre o solo (designadamente, sobre o logradouro) a mesma não permitiria a aquisição do respectivo direito de propriedade, visto os bens dominiais (e até prova em contrário, assim deve ser considerado o terreno em causa) serem insusceptíveis de aquisição por usucapião. Como refere GARCIA DE ENTERRIA[41], «qualquer posse de um particular sobre bens do domínio público é improdutiva para efeitos de usucapião em homenagem aos fins públicos a que estão afectos».




V

1. O regime de gestão urbanística do litoral foi estabelecido pelo Decreto-Lei nº 302/90, de 26 de Setembro, que definiu a disciplina e os princípios a que devia obedecer a ocupação, uso e transformação da faixa costeira.

Expressos, na nota preambular, a preocupação pelas situações de desequilíbrio que se vinham observando e o desiderato de evitar maior degradação[42], o citado diploma estabeleceu os princípios a observar, quer pelas entidades responsáveis pela elaboração de instrumentos de planeamento, quer pelas entidades com competência para licenciar obras ou empreendimentos que implicassem a ocupação, uso ou transformação dos solos integrados na faixa costeira (definida como «a banda ao longo da costa marítima, cuja largura é limitada pela linha de máxima preia-mar das marés vivas equinociais e pela linha situada a 2 Km daquela para o interior»).

Tais princípios – definidos em anexo, e que constituem, segundo ALVES CORREIA[43], verdadeiros standards urbanísticos – respeitam a “Ocupação do solo”, “Acesso ao litoral”, “Infra-estruturas”, “Construções e espaços verdes”, e “Estaleiros”. Na parte referente à ocupação do solo estabelece-se, além do mais, o afastamento das edificações da linha da costa, e interdita-se a construção em zonas de elevados riscos naturais, tais como, «zonas de drenagem natural», «zonas com risco de erosão intensa», «zonas sujeitas a abatimento, escorregamento, avalanches ou outras situações de instabilidade».

O artigo 3º impõe que os planos de ordenamento que abranjam a faixa costeira observem aqueles princípios, sem o que não deverão ser aprovados ou ratificados (salvo se a respectiva câmara municipal ou a autoridade marítima justifiquem que a situação urbanística existente já não o permite).

2. A figura dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) surgiu com o Decreto-Lei nº 309/93, de 2 de Setembro[44], que regulamentou a sua elaboração e aprovação. Visava-se, conforme proclamava o preâmbulo, a protecção de zonas particularmente sensíveis, como são o litoral e a orla costeira, caracterizadas por «uma grande sensibilidade ambiental e por uma grande diversidade de usos, constituindo simultaneamente suporte de actividades económicas, em particular o turismo e actividades conexas, como o recreio e o lazer».

Definidos como «planos sectoriais que definem os condicionamentos, vocações e usos dominantes e a localização de infra-estruturas de apoio a esses usos e orientam o desenvolvimento das actividades conexas», os POOC têm por objectivo: a) o ordenamento dos diferentes usos e actividades específicas da orla costeira; b) a classificação das praias e a regulamentação do uso balnear; c) a orientação do desenvolvimento de actividades específicas da orla costeira; d) a defesa e a conservação a natureza (artigo 2º).

Constituem objecto destes instrumentos de gestão territorial, as águas marítimas costeiras exteriores e interiores e respectivos leitos e margens, com faixas de protecção a definir em cada plano, incluindo uma “faixa marítima de protecção” e uma “faixa terrestre de protecção”. Nesta última (que se desenvolve entre a linha que limita a margem das águas do mar e uma largura máxima de 500 metros e da qual ficam excluídas as áreas sob jurisdição portuária) devem ser observados os standards urbanísticos já referidos (reproduzidos no anexo II deste diploma).

O conteúdo material dos planos de ordenamento da orla costeira consiste, pois, na definição dos regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais, condicionado aos standards urbanísticos a que já fizemos referência, ou seja, aos princípios gerais a que a ocupação, uso e transformação da zona terrestre de protecção devem obedecer.

3. De acordo com o sistema de gestão territorial em que assenta a política do ordenamento do território e do urbanismo (cujas bases foram entretanto aprovadas pela Lei nº 48/98, de 11 de Agosto, e desenvolvidas pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro[45], que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial - RJIGT), os POOC inserem-se na tipologia de panos especiais de ordenamento do território, prevalecem sobre os planos municipais e intermunicipais e vinculam, não só as entidades públicas, como também os particulares (artigos 10º, nº 4, e 11º, nº 2, daquela Lei).

Nos termos do artigo 42º e seguintes do RJIGT, os planos especiais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar, elaborados pela administração central e aprovados por resolução do Conselho de Ministros, constituindo «um meio supletivo de intervenção do Governo, tendo em vista a prossecução de objectivos de interesse nacional com repercussão espacial». Documentalmente, são constituídos por um regulamento e por peças gráficas e são acompanhados (para além de outros elementos) por um relatório justificativo e pela planta de condicionantes, que indica as servidões e restrições de utilidade pública em vigor.

4. Entre os instrumentos de gestão territorial desta natureza que foram entretanto aprovados salienta-se, por incidir sobre a zona que releva para este parecer, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar-Marinha Grande, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 142/2000[46].

O troço abrangido estende-se por 140 Km de costa, distribuído por diversos concelhos (entre os quais o de Mira) e caracteriza-se, de acordo com a nota introdutória, por uma “elevada fragilidade geológica”, aliada a um “clima de agitação marítima” e a uma “diminuição da adução de sedimentos à costa”, o que «origina um processo erosivo de grande intensidade, conducente a elevadas taxas de recuo (...) com frequentes avanços do mar que chegam mesmo a pôr em risco aglomerados urbanos existentes»; por outro lado, são destacadas “a notável riqueza em termos de biodiversidade” e “as elevadas potencialidades em termos paisagísticos e de utilização balnear”, bem como o “desenvolvimento dos aglomerados existentes”, aspectos que tornam a zona «objecto de uma procura nem sempre compatível com a segurança de pessoas e bens e com a preservação dos valores ecológicos existentes». Conclui a mesma nota introdutória que «a conciliação entre a conservação dos valores económicos, o uso público e o aproveitamento económico dos recursos exige uma abordagem integrada das limitações e potencialidades deste troço, com vista à definição dos princípios de uso e ocupação que possibilite a integração de soluções estruturais para os problemas existentes».

O Título III dispõe sobre os usos da orla costeira e começa por dividir a área de intervenção, para efeitos de uso e ocupação, em quatro classes de espaços: praias marítimas; áreas urbanas, áreas urbanizáveis, e áreas de equipamentos. Por seu turno, a planta de síntese delimita áreas de uso e restrições específicas (designadamente, áreas de actividades específicas; áreas ameaçadas pelo mar; intervenções de defesa costeira; outras infra-estruturas).

Os artigos seguintes dispõem, sucessivamente, sobre “actividades interditas”, “actividades condicionadas” e “actividades de interesse público”.

Entre as actividades genericamente interditas na área de intervenção deste POOC, a alínea m) do artigo 7º refere a «construção ou ampliação de qualquer obra», ressalvando, porém, as excepções contempladas relativamente a cada classe de espaços, nos correspondentes capítulos. Assim, relativamente às praias marítimas, é permitida a existência de instalações associadas a apoios e equipamentos de praia, sujeitas a determinados condicionalismos.

O artigo 8º, sobre “Actividades condicionadas”, dispõe:

«1 – (...).
2 – No domínio público hídrico não são admitidos equipamentos que não tenham por função o apoio de praia, salvo quando se localizem em áreas urbanas e urbanizáveis e cumpram com o disposto no POOC.
3 – Podem ser mantidos os equipamentos existentes no domínio público hídrico localizados fora das áreas urbanas e urbanizáveis desde que se destinem a proporcionar o uso e a fruição da orla costeira, que se relacionem com o interesse turístico, recreativo, desportivo ou cultural ou que satisfaçam necessidades colectivas dos núcleos urbanos.
4 – Os equipamentos mencionados no número anterior poderão ser objecto de obras de beneficiação desde que estas cumpram cumulativamente as seguintes condições:
a) Se destinem a melhorar as condições de funcionamento e não existam alternativas viáveis para essa melhoria;
b) O respectivo projecto tenha sido aprovado pela DRAOT-Centro, após consulta às entidades competentes.»

5. Revertendo à situação a que nos reportamos, e tendo em conta que, de acordo com as informações de que dispomos, a moradia não se situa em zona urbana ou urbanizável, e está erigida na praia, em pleno domínio público hídrico, resulta que, nos termos das normas atrás transcritas, apenas se poderia manter caso constituísse apoio de praia (no condicionalismo exigido para o efeito) ou se se destinasse a um dos usos e servisse os interesses mencionados no nº 3 do artigo 8º, o que, segundo vem também referido, não se verificará.

Assim, quer por força da norma do instrumento de gestão territorial directamente aplicável, quer, eventualmente, em consequência da aplicabilidade do regime sobre áreas ameaçadas pelo mar, quer, ainda, por razões de salubridade e segurança públicas, tudo aponta para a conjugação de razões de interesse público que, prevalecendo sobre os interesses particulares, exigem a remoção da construção.

Vejamos, porém, como se conjuga uma tal consequência com as normas que salvaguardam os direitos adquiridos, designadamente com o artigo 67º do Regulamento do mesmo POOC, nos termos do qual, as suas disposições «não põem em causa direitos adquiridos à data da sua entrada em vigor».


VI

1. A utilização privativa de bens do domínio público deve ser titulada por licença ou por concessão; no regime vigente antes de 1971, era ainda admitido, em certos caso, a atribuição do uso privativo por arrendamento[47].

As condições de atribuição de licenças e concessões no âmbito do domínio público hídrico foram reguladas no artigo 17º e seguintes do Decreto-Lei nº 468/71, nos termos dos quais seriam objecto de contrato de concessão «os usos privativos que exijam a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis que sejam consideradas de utilidade pública»[48], sendo os demais usos objecto de licença.

As concessões e as licenças permitiam aos seus titulares o direito de utilização exclusiva da parcela e, se o uso implicasse a realização de obras de construção, envolvia esses poderes de construção – com observância dos condicionalismos aplicáveis e com sujeição à fiscalização pelas entidades competentes. Tanto as construções realizadas como as instalações desmontáveis eram consideradas propriedade dos detentores dos títulos durante o respectivo prazo de duração; no seu termo, as instalações desmontáveis deviam ser removidas pelo proprietário e as obras de construção revertiam gratuitamente para o Estado, em caso de concessão, e deviam ser demolidas pelo proprietário, em caso de licença (salvo se o Estado optasse pela reversão ou pela prorrogação da licença).

O artigo 30º, sobre “Utilização abusiva”, previa que se fosse abusivamente ocupada qualquer parcela dominial ou nela fossem indevidamente executadas obras, a entidade competente intimaria o contraventor para desocupar ou demolir, em prazo a fixar e, em caso de inércia, podia assegurar o destino normal da parcela recorrendo à força pública ou mandando demolir a expensas daquele.

Os mesmos poderes de promoção directa da demolição e de embargo eram conferidos à Direcção-Geral do Ordenamento do Território e à Direcção-Geral dos Recursos Naturais pelo artigo 33º, em caso de acções realizadas com violação das normas aplicáveis às zonas adjacentes e às zonas ameaçadas pelas cheias, sujeitas a diversas restrições de utilidade pública.

1.1. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, este bloco normativo foi derrogado relativamente ao licenciamento da utilização do domínio hídrico, sob jurisdição do Instituto da Água. De acordo com o novo regime (que se baseava no mesmo princípio de que as utilizações privativas deviam ser tituladas por licença ou concessão), a realização de construções carecia, em geral, de obtenção de licença (embora, em certos casos expressamente previstos, fosse exigível a concessão[49]), estava sujeita à verificação de diversos condicionalismos e requisitos, tendo sido mantido o regime anteriormente estabelecido quanto ao seu destino, findo o prazo da licença ou concessão.

A execução de obras com prejuízo da conservação e equilíbrio das praias, sem licença ou por forma diferente das condições previstas no título de utilização era qualificada como contra-ordenação (artigo 86º), permitindo que a Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais ordenasse a reposição da situação anterior e, caso a ordem não fosse cumprida, procedesse aos trabalhos necessários por conta do infractor (artigo 89º).

1.2. Com a revogação deste diploma, passou a matéria a ser objecto de regulação na Lei nº 58/2005, com os desenvolvimentos introduzidos pelo Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio.

Assentando no princípio de que os recursos hídricos do domínio público são de uso e fruição comum, manteve-se a exigência de que a sua utilização privativa seja titulada por licença (cujo prazo máximo é de 10 anos) ou por concessão (cujo prazo máximo é de 75 anos). A licença é exigida, entre outros casos, para a «ocupação temporária» do domínio público para construção ou alteração de instalações, fixas ou desmontáveis; já a realização de construções em leitos, margens e águas particulares está sujeita a autorização prévia de utilização de recursos hídricos. Manteve-se, mais uma vez, o regime de reversão para o Estado das obras e instalações, findo o prazo da concessão, e da demolição e remoção, findo o prazo da licença.

O Decreto-Lei nº 226-A/2007 veio completar a reformulação do regime de utilização dos recursos hídricos empreendida pela Lei nº 58/2005.

Deste normativo, cabe destacar o nº 1 do artigo 1º, nos termos do qual, «Se for abusivamente ocupada qualquer parcela do domínio público hídrico, ou nela se executar indevidamente quaisquer obras, a autoridade competente intimará o infractor a desocupá-la ou a demolir as obras feitas, fixando para o efeito um prazo».

Os números seguintes prevêem que, em caso de omissão do responsável, a entidade competente poderá ordenar a demolição por conta daquele; caso este invoque a titularidade de um direito sobre a parcela ocupada deverá provar tal condição e solicitar a delimitação, podendo, nesse caso, a autoridade competente autorizar a continuação provisória da utilização.

No final do diploma, prevê-se a possibilidade de regularização de situações não tituladas. Para esse efeito, o artigo 89º permite que os utilizadores de recursos hídricos que, à data da sua entrada em vigor, não dispunham do necessário título, requeiram, no prazo de dois anos, a sua emissão.

2. Vejamos se estes dispositivos são susceptíveis de aplicação ao caso em análise.

Em diversas informações e comunicações emitidas pelos serviços competentes alude-se à necessidade de obtenção de título que legitime a utilização do domínio público que vem sendo efectuada; na comunicação efectuada para efeitos de demolição foi invocado o disposto no artigo 89º do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro (então vigente), norma que sancionava uma infracção que consistia na utilização do domínio hídrico, através de uma construção não titulada e «com prejuízo da conservação e equilíbrio das praias».

2.1. Ora, os elementos disponíveis apontam para que a realização da construção tenha sido precedida de um acto de permissão da câmara municipal, praticado em 1933, o que torna difícil falar em ocupação abusiva.

É certo que não terá sido emitida uma licença ou outorgada uma concessão para utilização do domínio público por determinado período de tempo. Contudo, já MARQUES GUEDES[50] aludia às “falsas concessões dominiais” (por contraposição às autênticas), a propósito de certos actos que se limitavam a «simples transferências precárias, a prazo ou perpétuas de direitos de uso e fruição, os quais consubstanciavam licenças, arrendamentos ou actos de constituição de direitos de superfície». Também, na época, a doutrina italiana debruçou-se sobre a natureza do direito de construir sobre parcelas do domínio público e considerou que se tratava de um direito subjectivo público, análogo, em alguns aspectos, ao direito de superfície, mas sujeito noutros aspectos (formas de constituição, subordinação da coisa ao interesse público, etc.) a regras especiais[51].

Cremos que é neste quadro, algo atípico, e reportado a uma época em que aqueles conceitos revelavam uma menor precisão que deve ser ponderada a situação em apreço.

O particular terá sido autorizado, em 1933, a construir em terreno público através de uma “cedência” do direito de uso e fruição dessa parcela, sem limite de tempo. A construção que aí implantou pertence-lhe mas já não lhe pertence o terreno em que se erige, que, enquanto bem que se presume do domínio público, é insusceptível de ser adquirido por usucapião ou mesmo por acessão imobiliária; de facto, face à indisponibilidade e incomerciabilidade pelos modos próprios do direito privado a que tais bens estão sujeitos, não se mostra aplicável o critério do maior valor para determinação da aquisição de propriedade pelo autor da incorporação, nos termos do artigo 1340º do Código Civil.

A situação aparenta alguma analogia com a constituição de um direito de superfície na esfera jurídica do particular. Porém, esta figura, enquanto direito real autónomo e distinto da acessão apenas foi introduzida pela Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948[52], tendo sido depois consagrada no artigo 1524º e seguintes do Código Civil de 1966, como direito que consiste «na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio ou de nele fazer ou manter plantações». De qualquer modo, mais uma vez, os traços caracterizadores do regime do domínio público, desde logo a indisponibilidade e a incomerciabilidade, obstam à constituição de um direito de superfície sobre solo dominial[53].

A aplicabilidade da lei civil ao domínio das coisas pertencentes ao Estado encontra-se prevista no artigo 1304º do Código Civil, mas apenas em termos subsidiários e na medida em que não contrarie a natureza própria desta figura. Ora, os poderes de construir em solos do domínio público, enquanto utilizações privativas, são conferidos por modos próprios e através de títulos ou contratos administrativos.

3. Embora esteja pressuposta a inexistência do direito do particular sobre a parcela de terreno em que a construção se implanta (por força da presunção estabelecida pelo artigo 15º da Lei nº 54/2005, ainda não elidida), já sobre essa construção – realizada de boa-fé e com permissão da competente comissão camarária – se constituiu um direito de propriedade privada.

E se é certo que à manutenção da construção no local obstam, hoje, exigências de ordem legal e regulamentar que decorrem do planeamento e do ordenamento do território e relevam de interesses de ordem pública que se prendem com a protecção da orla costeira e com a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, que apontam para a sua remoção, há que ter em conta, também, os direitos dos particulares que incidem sobre essa construção e que reclamam tutela jurídica.

Face à impossibilidade de manutenção da moradia no local, ditada por norma de plano especial que vincula directamente os particulares, carecem de espaço de ponderação determinadas questões que foram colocadas no âmbito do procedimento administrativo, tais como, a necessidade de obtenção de licença de utilização, o pagamento da respectiva taxa, eventuais possibilidades edificatórias, etc. A vinculação situacional do imóvel, em área em que prevalecem razões de protecção ambiental e de segurança de pessoas e bens, obsta ao deferimento de tais pretensões, sob pena de nulidade dos respectivos actos; ainda que existissem títulos validamente emitidos ao abrigo de normas de planos anteriores, a supremacia dos objectivos colectivos definidos naquele plano especial ditaria a sua caducidade, sem prejuízo, do direito a indemnização, nos termos do artigo 143º do Decreto-Lei nº 380/99[54].

Neste caso, mesmo a “garantia do existente”[55] – princípio segundo o qual devem ser mantidas as edificações já existentes na data da entrada em vigor das normas dos planos de ordenamento, desde que realizadas legalmente – mostra-se inaplicável face à preponderância dos referidos valores colectivos. A sua prossecução impõe, no local, uma total e definitiva privação do direito de propriedade, em todas as suas vertentes; ora, não se tratando de uma construção abusiva, antes tendo sido erigida com permissão das autoridades municipais e mantida durante longo período de tempo sem oposição e com boa fé, deve o proprietário ser compensado por essa desapropriação[56].

Refira-se, aliás, que o artigo 16º da Lei nº 54/2005, com a epígrafe “Constituição de propriedade pública sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas”, dispõe, no nº 2, que «O Estado pode proceder à expropriação por utilidade pública de quaisquer parcelas privadas de leitos ou margens públicos sempre que isso se mostre necessário para submeter ao regime da dominialidade pública todas as parcelas privadas existentes em certa zona».

Assim, caso a construção se erigisse em terreno privado inserido no perímetro dominial, poderia o Estado expropriar todo o prédio, incluindo o terreno (pertencente ao particular) com direito à correspondente indemnização. Essa será, aliás, a solução adequada caso os interessados logrem elidir a presunção de dominialidade que incide sobre o terreno e obtenham o reconhecimento do respectivo direito de propriedade privada.

Nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos, poderá o Estado proceder à expropriação, apenas, da construção, caso, como se presume, o terreno tenha natureza dominial.

Deste modo, se esgotadas outras vias, se recorrer ao procedimento de expropriação por utilidade pública (tal como foi já sugerido no âmbito do processo administrativo), esta deverá incidir apenas sobre a construção, e deverá dar lugar ao pagamento de indemnização, nos termos dos artigos 61º, nº 2, e 65º, nº 4, da Constituição, conjugados com o artigo 23º do Código das Expropriações[57] [58]; porém, de acordo com os princípios que enformam o conceito de justa indemnização a que alude este último preceito, designadamente com a tutela da boa fé, no respectivo valor não deverão ser tomadas em conta eventuais obras e benfeitorias realizadas pelos interessados em desrespeito de determinações das autoridades municipais ou em momento em que tinham já conhecimento de que a moradia não poderia manter-se no local.

VII
Termos em que se extraem as seguintes conclusões:
1ª – O domínio público marítimo é integrado pelas águas dos mares e pelas águas interiores sujeitas à influência das marés, seus leitos e margens, de acordo com as definições introduzidas pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, e mantidas pela Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro;

2ª – Integram o domínio público as praias, constituídas pelas margens que apresentem uma tal natureza que, sendo contíguas ou sobranceiras às águas do mar, têm uma extensão mínima de 50 metros de largura contados a partir da linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais ou da crista do alcantil (artigo 11º da Lei nº 54/2005);

3ª – O reconhecimento dos direitos de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens tidos como públicos deve ser obtido pelos meios procedimentais e de prova estabelecidos pelo artigo 15º da mesma lei, impondo-se aos interessados que elidam a presunção juris tantum de dominialidade através de acção judicial a instaurar até ao ano de 2014;

4ª – Não havendo notícia do reconhecimento do direito de propriedade privada, nos termos da conclusão anterior, presume-se que pertence ao domínio público uma parcela de terreno inserida nos actuais limites dominiais, e na qual, em 1933, um particular edificou uma moradia;

5ª – Consequentemente, a invocada “cedência” dessa parcela, nesse ano, por determinada câmara municipal, não pode constituir título aquisitivo de propriedade ou de posse sobre o respectivo solo, visto os bens do domínio público serem, por natureza, indisponíveis, incomerciáveis e insusceptíveis de posse privatística ou de aquisição por usucapião;

6ª – O acto praticado nas condições referidas na conclusão anterior configura-se como um acto atípico de permissão de uso e construção, por tempo indeterminado, tendo o particular adquirido a propriedade da construção realizada que, aliás, de acordo com sentença proferida em acção de justificação judicial de posse, se manteve na sua posse, pacífica, pública e ininterruptamente, desde aquela data e, pelo menos, até 1971;

7ª – Nas mesmas condições, a realização e manutenção da construção no domínio público não constitui uma ocupação abusiva, mas está sujeita à utilização que a Administração, na prossecução do interesse público, designadamente em cumprimento das normas de ordenamento do território e de protecção da orla costeira, pretenda dar ao local onde se erige;

8ª – Se tal se mostrar adequado, pode o Estado recorrer à expropriação por utilidade pública da referida construção, com o dever de indemnizar o particular, nos termos dos artigos 62º, nº 2, e 65º, nº 4, da Constituição, do artigo 16º, nº 2, da Lei nº 54/2005, e do artigo 23º do Código das Expropriações.




[1] Através de ofício do gabinete do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, nº 175, de 18 de Janeiro de 2006, processo 31.002.
[2] Informação nº 1/2006, de 6 de Janeiro de 2006, processo 52.045.
[3] O auto de delimitação refere que não está só em causa a salvaguarda da faixa mínima de 50 metros contados a partir da linha do máximo preia-mar de águas vivas, «visto tratar-se de areias soltas».
[4] O Tribunal Central Administrativo entendeu que o acto recorrido era verticalmente definitivo e como tal recorrível. Diferentemente, o Tribunal Administrativo de Círculo havia entendido que do acto administrativo praticado cabia ainda recurso hierárquico e por isso indeferiu a providência; este último entendimento veio a ser acolhido nos acórdãos – quer do Tribunal Central Administrativo, quer do Supremo Tribunal Administrativo – que apreciaram o respectivo recurso contencioso de anulação.
[5] Com as dimensões de 40 metros a sul, poente e nascente, e de 30 metros a norte.
[6] É o seguinte o prédio identificado na petição inicial: «casa de habitação com 8 divisões no rés-do-chão e mais 8 no 1º andar, com superfície coberta de 233 metros quadrados e um logradouro com a superfície de 400 metros quadrados e que confronta de todos os lados com dunas marítimas».
[7] “Domínio público”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra Editora, volume IV, página 166 e seguintes.
Cfr., ainda, entre outros: MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1994, volume II, página 896 e seguintes; FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentário à Lei do Domínio Hídrico, Coimbra Editora, 1978; ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público – O critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Coimbra, Almedina, 2005.
Sobre a matéria cfr., entre outros, os seguintes pareceres deste Conselho: nº 16/91, de 11 de Fevereiro de 1993, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Setembro de 1996; nº 38/91, de 2 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Setembro de 1995; nº 33/92, de 27 de Junho de 2002, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 1993; nº 134/2001, de 13 de Janeiro de 2005; nº 4/2002, de 27 de Junho de 2002, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Setembro de 2001; nº 27/2004, de 13 de Janeiro de 2005; nº 126/2005, de 11 de Maio de 2006, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Março de 2007; e nº 52/2007, de 8 de Novembro de 2007, inédito.
[8] Cfr. a disposição do nº 2 do artigo 202º do Código Civil.
[9] Manual..., obra citada, tomo II, página 894 e seguintes.
[10] Cfr., sobre esta tese e com referência à doutrina alemã, BERNARDO AZEVEDO, Servidão de Direito Público, Coimbra Editora, 2005.
[11] Jacques Dembour, Droit Administratif, Liége, 1978, página 398 e seguintes (citado por JOSÉ PEDRO FERNANDES, “Domínio público”, estudo citado, página 172).
[12] JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, tomo I, página 73.
[13] JOSÉ PEDRO FERNANDES, “Domínio público e mitologia”, Revista de Direitos e de Estudos Sociais, Janeiro/Março de 1973, ano XX, nº 1, página 25 e seguintes.
[14] A Constituição de 1933 incluía expressamente no domínio público do Estado as águas marítimas, com os seus leitos (artigo 49º); com a revisão de 1971 passou a referir também a plataforma continental.
[15] Segue-se, nesta parte, o parecer deste Conselho nº 126/2005.
[16] Cfr. sobre a matéria a Convenção de Bay, de 19 de Novembro de 1982, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 60-B/97 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67-A/97.
[17] Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, volume I, páginas 1005 e 1006.
[18] Nos termos do artigo 5º, integram o domínio privado do Estado: os imóveis (nomeadamente os prédios rústicos e urbanos do Estado, e os direitos a ele inerentes); os direitos de arrendamento de que o Estado é titular como arrendatário; os bens móveis corpóreos (com excepção das coisas consumíveis e daquelas que sem se destruírem imediatamente se depreciam muito rapidamente); quaisquer outros direitos reais.
[19] Obra citada, volume II, página 898.
O domínio público artificial incluía, segundo o Autor, o domínio da circulação, o domínio monumental, cultural e artístico, e o domínio militar.
[20] Segundo MARCELLO CAETANO, obra e local citados, o domínio público hídrico compreende os bens do domínio público marítimo, fluvial e lacustre, bem como nascentes e águas subterrâneas e águas das fontes públicas.
[21] DIAS FERREIRA, Código Civil Anotado, I, 1870, página 375; CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, III, página 123 e seguintes; GUILHERME MOREIRA, As Águas no Direito Civil Português, I, 1920, página 254 e seguintes.
[22] AFONSO QUEIRÓ, “As praias e o domínio público”, Estudos de Direito Público, Universidade de Coimbra, II volume, obra dispersa, tomo I, página 366.
Sobre a matéria, cfr., entre outros, JOSÉ MIGUEL SARDINHA, Estudos de Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, SPB, Editores e Livreiros, 1997, página 297 e seguintes; MÁRIO TAVARELA LOBO, Manual do Direito de Águas, 2ª edição revista e actualizada, 1999, volume I, página 212 e seguintes; FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Público Hídrico, Coimbra Editora, Limitada, 1978.
[23] Sobre as diversas acepções em que o conceito praia tem sido considerado, cfr. MÁRIO TAVARELA LOBO, obra citada, página 213.
[24] Dispunha o corpo do artigo 380º (com a epígrafe “Enumeração das coisas públicas”):
«São públicas as coisas naturais ou artificiais, apropriadas ou produzidas pelo estado e corporações públicas e mantidas debaixo da sua administração, das quais é lícito a todos individual ou colectivamente utilizar-se, com as restrições impostas pela lei, ou pelos regulamentos administrativos. Pertencem a esta categoria: (...).»
[25] O Decreto-Lei nº 339/98, de 3 de Novembro, transformou a Junta Autónoma do Porto de Aveiro em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se APA – Administração do Porto de Aveiro SA, cujos Estatutos foram publicados em anexo. Pelo artigo 2º, nº 2, mantiveram-se integrados no domínio público do Estado afectos à APA SA, além de outros bens, os terrenos do domínio público marítimo situados na área de jurisdição daquela Junta, tendo ficado prevista a redefinição dessa área.
[26] Cfr. nota 3.
[27] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 1974 (Boletim do Ministério da Justiça, nº 242, página 286 e seguintes) considerou que este diploma teve, nesta parte, natureza interpretativa e eficácia retroactiva.
[28] Alterado pelos Decretos-Leis nºs 53/74, de 15 de Fevereiro, e nº 89/87, de 26 de Fevereiro, e pela Lei nº 16/2003, de 4 de Junho. Os capítulos I e II (sobre “Princípios gerais” e “Servidões administrativas e restrições de utilidade pública”, respectivamente) foram revogados pela Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, que estabeleceu a titularidade dos recursos hídricos; os capítulos III e IV (sobre “Usos privativos” e “Fiscalização e sanções”, respectivamente) foram revogados pela Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água).
Este diploma não continha o regime das águas públicas, cingindo-se aos terrenos públicos conexos com aquelas águas.
[29] Corresponde ao artigo 10º da Lei nº 54/2005.
[30] Corresponde ao artigo 11º da Lei nº 54/2005; o nº 7 deste preceito contém, inovadoramente, a seguinte norma: «Nas Regiões Autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estende até essa via.»
[31] Cfr. FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES (obra citada, página 90) sobre definições de arriba («margem elevada»), alcantil («margem a pique») e arriba alcantilada («margem que, pelo seu declive, não permite praticamente qualquer das utilidades de que as margens normais são susceptíveis»).
[32] Com referências a esta questão, cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional nº 131/2003, de 11 de Março de 2003.
[33] Proposta de lei nº 19/X/I, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, de 24 de Junho de 2005.
[34] O Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, continha o regime aplicável às áreas sob jurisdição do INAG e mantinham-se em vigor diversas normas da Lei das Águas, de 1919.
[35] Apesar de a expressão utilizada – “posse pública” – não ser de sentido unívoco, cremos que o legislador se quis referir à prática, por um ente público, de actos que revelam que a coisa sobre que incidem está consagrada ao uso público.
[36] A cedência é uma das causas da perda da posse, previstas no artigo 1267º do Código Civil de 1966 (e que era igualmente prevista no nº 2 do artigo 480º do anterior Código), considerando os AUTORES que, para que dela decorra a transmissão da posse para outrem é necessário que haja uma tradição material ou simbólica da coisa (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora Limitada, 1987, volume III, página 33).
[37] Existem indicações de que algumas câmaras dispuseram, “indevidamente”, de terrenos inseridos no domínio público e chegaram mesmo a efectuar vendas. O Decreto nº 19928, de 22 de Junho de 1931, anulou a arrematação de terrenos componentes do domínio público marítimo levada a cabo por determinada câmara municipal, referindo que tais terrenos não podiam ser vendidos nem considerados terrenos baldios (relativamente aos quais, em determinadas condições estabelecidas no Decreto nº 13663, podia ser autorizada a venda).
Também TAVARELA LOBO, considerando que as praias sempre foram “parte componente” do domínio público, e que sempre foram consideradas «pelo direito do reino» bens nacionais, dá conta de que, «erradamente, algumas câmaras municipais tinham disposto ou feito aforamento de parcelas de praias, como se lhes pertencessem ou sobre as mesmas exercessem o direito de jurisdição, já que o domínio público não podia revestir natureza de baldio municipal» (obra citada, página 212).
FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES (obra citada, página 135 e seguintes) analisam também esses casos de alienação de bens do domínio público que, pese embora o rigor da solução, consideram que não podem deixar de constituir actos nulos. Ressalvam, contudo, os casos – “dezenas senão centenas ou milhares” – de alienações de parcelas de margens pela Administração, no pressuposto (errado) de que integravam o domínio privado do Estado; nesses casos, em que os bens não pertenciam “incontroversamente” ao domínio público, sendo discutível tal qualificação e tendo a entidade alienante praticado um acto que, no seu entender, era legítimo e constitutivo de direitos, entendem aqueles Autores que não se adequa a mesma solução de declaração de nulidade e apontam a possibilidade de regularização da alienação através de um acto de desafectação.
Por seu turno, a Comissão do Domínio Público vinha já entendendo que tais alienações se equiparavam a actos de desafectação material e, nessa base, admitia o seu ingresso na esfera privada.
[38] A delimitação é um acto administrativo de natureza declarativa, que não implica quaisquer efeitos translativos de propriedade e que assume uma força e uma estabilidade relativas, já que, por um lado, o acto pode ser sempre impugnado por vícios próprios, nos termos do contencioso administrativo e, por outro, «não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da demarcação das propriedades ou da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas, nos termos da lei processual civil» (cfr. FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, obra citada, página 144 e seguintes).
Recentemente, a matéria sobre delimitação foi objecto de regulamentação pelo Decreto-
-Lei nº 353/2007, de 26 de Outubro. O procedimento de delimitação é definido como «procedimento administrativo pelo qual é fixada a linha que define a estrema dos leitos e margens do domínio público hídrico confinantes com terrenos de outra natureza», cuja abertura ocorre «quando haja fundadas dúvidas na aplicação dos critérios legais à definição no terreno dos limites do domínio público hídrico». O artigo 10º, sobre “Efeito vinculativo” mantém os traços que já anteriormente caracterizavam esta figura, e que são a sua vinculatividade, após a homologação, para todas as autoridades públicas, sem prejuízo de decisão judicial que venha a ser proferida ou de anulação do acto na jurisdição administrativa.
[39] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 1974, Boletim do Ministério da Justiça, nº 242, página 286.
[40] Cfr. FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, obra citada, página 129.
[41] Citado por BERNARDO AZEVEDO, obra citada, página 215.
[42] Em consonância com a Carta Europeia do Litoral, aprovada em Creta, na Conferência das Regiões Periféricas Marítimas das Comunidades Europeias, em 1981.
[43] Manual de Direito do Urbanismo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, volume I, página 244. O Autor – seguindo a doutrina italiana – classifica-os como standards urbanísticos especiais ou de eficácia deferida, na medida em que se traduzem em «determinações materiais de ordenamento fixadas pela lei, com a finalidade específica de estabelecer critérios de fundo a observar obrigatoriamente pelos planos», e como standards urbanísticos ope legis, gerais ou de eficácia imediata, já que «encerram prescrições oponíveis directamente aos particulares que apresentem na câmara municipal um pedido de licenciamento de uma operação de loteamento ou de uma obra de construção civil, localizada numa área incluída na faixa costeira, no caso de inexistir um plano municipal de ordenamento do território que tenha adoptado os princípios condensados no referido diploma legal».
Cfr., também, ISABEL ABALADA MATOS, “POOC e PMOT: Notas sobre a relação entre os seus conteúdos materiais”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Instituto de Direito do Urbanismo e do Ambiente Lda, Almedina, nºs 18 e 19, Dezembro/2002, Junho/2003, página 41 e seguintes.
[44] Alterado pelos Decretos-Leis nºs 218/94, de 20 de Agosto, nº 151/95, de 24 de Junho, nº 113/97, de 10 de Maio.

[45] Alterado pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei nº 53/2000, de 7 de Abril; Decreto-Lei nº 310/2003, de 10 de Dezembro; Lei nº 5/2005, de 29 de Dezembro; Lei nº 56/2007, de 31 de Agosto; e Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de Setembro.
[46] Publicado no Diário da República, I Série B, de 20 de Outubro de 2000.
[47] Cfr. FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, obra citada, página 182.
[48] O artigo 19º continha o elenco de usos de utilidade pública, destacando-se, no que respeita a edificações, as edificações de estabelecimentos hoteleiros ou similares declarados de interesse público para o turismo e os conjuntos turísticos.
[49] A concessão era exigida se a construção se destinasse à instalação de serviços de apoio à navegação, de postos de venda para combustíveis ou estações de serviço de apoio à circulação rodoviária, bem como à edificação de estabelecimentos turísticos ou similares e de conjuntos turísticos de declarado interesse para o turismo.
[50] A Concessão, Coimbra Editora, 1954, Parte I, página 158.
[51] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra citada, página 594.
[52] Dispunha o artigo 1º desta lei: «O direito real que consiste na faculdade de implantar e manter edifício próprio em chão alheio, sem aplicação das regras da acessão imobiliária, chama-se direito de superfície».
[53] O artigo 67º do Decreto-Lei nº 280/2007 permite a constituição de direitos de superfície sobre imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos.
[54] Cfr., sobre a questão e entre outros, o parecer deste Conselho nº 77/2005, de 19 de Abril de 2007, doutrina e jurisprudência aí citada, designadamente ALVES CORREIA, Manual..., obra citada, página 567 e seguintes.
[55] Cfr. JOÃO MIRANDA, A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial, Coimbra Editora, 2002, página 330.
[56] Por decisão de 18 de Junho de 2002 (requête 48939/99, contra a Turquia), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou ter sido violado o artigo 1º do Protocolo nº 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (que consagra o respeito pelos bens e a não privação do direito de propriedade salvo por motivos de utilidade pública e de acordo com as condições previstas na lei e os princípios gerais do direito internacional) e reconheceu ao requerente o direito a indemnização numa situação em que, a casa em que este habitava – construída em domínio público, sem autorização ou outro título legítimo e contrariando as prescrições urbanísticas – foi destruída por uma explosão de metano, ocorrência cujo risco considerou não ter sido evitado pelas autoridades através de medidas adequadas; o Tribunal teve em consideração a circunstância de o requerente e sua família terem utilizado essa casa de habitação durante um significativo período de tempo, sem que tivesse havido qualquer intervenção das autoridades, aparentando uma “tolerância implícita”, e concluiu que a referida casa de habitação representava um “interesse económico substancial” e era analisável como um “bem”, nos termos e para os efeitos da citada norma.
[57] Aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro; alterado pelas Leis nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
[58] Cfr., sobre o tema, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, página 839.