Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002563
Parecer: P001382004
Nº do Documento: PPA170220050013800
Descritores: PATRIMÓNIO CULTURAL
IMÓVEL DE INTERESSE PÚBLICO
ZONA DE PROTECÇÃO
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
CLASSIFICAÇÃO
INSTRUÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
IPPAR
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
PLANTA DE CONDICIONANTES
LOTEAMENTO URBANO
LICENCIAMENTO
EMBARGO ADMINISTRATIVO
ALTERAÇÃO DO PDM
Livro: 00
Numero Oficio: 4925
Data Oficio: 11/05/2004
Pedido: 11/09/2004
Data de Distribuição: 11/11/2004
Relator: FÁTIMA CARVALHO
Sessões: 01
Data da Votação: 02/17/2005
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MC
Entidades do Departamento 1: MIN DA CULTURA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 03/07/2005
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 02-05-2005
Nº do Jornal Oficial: 84
Nº da Página do Jornal Oficial: 6948
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR URB
Ref. Pareceres:P000871990Parecer: P000871990
P000181997Parecer: P000181997
P000372002Parecer: P000372002
P001152003Parecer: P001152003
Legislação:CRP76 ART9 ART78 ; D GOV 1/86 DE 1986/01/03 ; L 107/2001 DE 2001/09/08 ; ART112 ; DL 559/1999 DE 1999/12/16 ART119 ART68 ; L 15/2002 DE 2002/02/22 ; DL 177/2001 DE 2001/06/04 ; D 20985 DE 1932/03/07 ; D 46349 DE 1965/05/22 ; DL 1/78 DE 1978/01/07 ; CPA ART123 ; L 13/85 DE 1985/07/06 ART22 ART23 ART44 ART57 ; D 20985 DE 1932/03/07 ; L 2032 DE 1949/06/11 ; L 107/2001 DE 2001/09/08 ART43 ART47 ; L 165/2002 DE 2002/05/31 ; DL 181/70 DE 1970/04/28 ; DL 380/99 DE 09/22 ART103 ART143 ; L 48/98 DE 1998/09/22
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - Nos termos do artigo 43º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, tal como nos termos da anterior legislação sobre defesa e protecção do património cultural, a classificação de um imóvel como de interesse público determina a criação automática de uma zona geral de protecção de 50 metros a contar dos limites externos do imóvel classificado, caracterizada como servidão administrativa;
2ª - Os planos municipais de ordenamento territorial devem acolher normativamente e representar graficamente as condicionantes, assinalando as servidões administrativas e as restrições de utilidade pública que resultam do acto de classificação e da lei, as quais se sobrepõem à liberdade conformadora desses instrumentos de gestão territorial;
3ª - As dúvidas ou divergências entre a representação gráfica na planta de condicionantes que faz parte do plano director municipal e a definição resultante da lei e do acto de classificação do imóvel devem ser resolvidas no sentido que se mostrar conforme às exigências da lei com base na qual foi atribuída a classificação;
4ª - Correspondendo a representação gráfica da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena na planta de condicionantes do Plano Director Municipal de Caminha aos limites do imóvel, tal como consta no processo que culminou com a sua classificação, é a partir desses limites que se estabelece a zona geral de protecção;
5ª - O licenciamento de uma operação urbanística na zona de protecção do imóvel classificado, sem parecer prévio favorável do IPPAR, é nulo, nos termos do artigo 68º, alínea c), do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro;
- Nos termos do artigo 47º, nº 2, da Lei nº 107/2001, e dos artigos 4º, nº 2, e 11º, c) e d), do Decreto-Lei nº 120/97, de 16 de Maio, e mediante autorização ministerial, o IPPAR dispõe de competência para proceder ao embargo administrativo e à demolição das obras e trabalhos já efectuados;
7ª - Não estando expressamente assinalada naquela planta de condicionantes a zona geral de protecção do imóvel classificado deverá essa deficiência gráfica ser suprida através do procedimento simplificado de alteração, previsto no artigo 97º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro.

Texto Integral:

Senhora Ministra da Cultura,
Excelência:

I

1. Face a entendimentos divergentes entre a Câmara Municipal de Caminha (CMC) e o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) acerca da delimitação da zona de protecção da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena, dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer, com carácter de urgência, a este corpo consultivo[1].

Concretamente, pretende-se que este Conselho se pronuncie sobre se determinadas questões colocadas pela autarquia «importam alguma alteração» às conclusões formuladas em parecer emitido sobre a matéria pela Senhora Auditora Jurídica.

2. Em termos genéricos, a questão colocada pode resumir-se pela seguinte forma:

A Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena, situada na freguesia de Vilarelho, concelho de Caminha, foi classificada como imóvel de interesse público pelo Decreto do Governo nº 1/86, de 3 de Janeiro, classificação cujos efeitos foram mantidos pelo artigo 112º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, que estabelece as actuais bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.
A legislação então aplicável, tal como a actual, estabelecem, sem prejuízo da definição casuística de zonas especiais de protecção, a existência automática de uma zona geral de protecção de 50 metros, contados a partir dos limites exteriores dos imóveis classificados, que constitui uma servidão administrativa, e da qual decorrem condicionamentos e restrições de utilidade pública ao direito de propriedade privada e às intervenções no domínio do ordenamento do território e do planeamento urbanístico; assim, relativamente aos locais classificados e respectivas zonas de protecção, não podem as autarquias locais conceder licenças para obras de construção nem para a realização de trabalhos que produzam determinadas alterações, sem parecer prévio favorável da entidade administrativa competente, actualmente aquele instituto público.

Ora, segundo o IPPAR, terá sido licenciada pela CMC uma construção em plena zona geral de protecção, apesar de ter sido emitido parecer desfavorável do mesmo Instituto, conforme refere em parecer[2], no qual conclui pela seguinte forma:

«I. A construção licenciada pela Câmara Municipal de Caminha, em nome de António Augusto Lourenço do Chão, situa-se na zona de protecção da Estação Arqueológica do Alto Coto da Pena e não fora da mesma, como pretende e argumenta a Autarquia;
II. Nessa medida, a referida construção não pode prosseguir, devendo ser demolida e reposta, na medida do possível, a situação anterior à violação verificada;
III. A Câmara Municipal é responsável pelo ilegal licenciamento concedido, bem como por todos os prejuízos causados, quer ao património cultural português, quer ao próprio particular que, eventualmente, esteja de boa fé;
IV. O não acatamento do parecer do Instituto de não aprovação do projecto, constituirá o IPPAR na obrigação de participar a conduta da edilidade à Inspecção Geral da Administração do Território e ao Ministério Público, sem prejuízo de eventual embargo da obra se ela prosseguir – embora se tenha presente que ela se encontra, de momento, suspensa por ordem da Senhora Presidente da Câmara – o que não eliminará a responsabilidade pela emissão de uma licença nula à face da lei e dos referenciados prejuízos.»

Por seu turno, a CMC considera que a construção em causa se encontra fora da zona de protecção, argumentando em síntese[3]:

«1º - O Decreto nº 1/86, de 3 de Janeiro, não inclui qualquer planta de identificação específica que permita, com total segurança jurídica, afirmar quais são os limites da área de classificação e o limite a partir do qual se faz a contagem dos 50 metros correspondentes à zona de protecção;
2º - Na planta de condicionantes do P.D.M. de Caminha a Estação Arqueológica do Coto da Pena aparece identificada na legenda de “Monumentos Classificados (com zona de protecção)”;
3º - Este critério é seguido em relação a outros monumentos classificados do concelho;
4º - As manchas de implantação são diferentes em área, conforme a área de cada um dos monumentos a proteger;
5º - Na zona de protecção da ponte de Vilar dos Mouros evidencia-se claramente a mesma ponte e a respectiva zona de protecção, sem necessidade de uma zona suplementar de protecção;
6º - O IPPAR foi consultado no processo de elaboração do P.D.M.;
7º - A prática administrativa de licenciamento camarário foi desde a aprovação do P.D.M. a de considerar que a mancha de identificação de todos e de cada um de tais monumentos já incluía a zona de protecção prevista na Lei Geral e nunca o IPPAR, em casos anteriores se manifestou contra os licenciamentos.»

Solicitada a pronunciar-se sobre este diferendo, a Senhora Auditora Jurídica, após proceder ao enquadramento jurídico da matéria e considerando que «a posição do IPPAR, no sentido de que os actos alegadamente ilegais se reportam a património classificado e respectiva zona geral de protecção, vem afirmada em termos inequívocos e que a mesma é sustentada pelos elementos documentais remetidos», formulou as seguintes conclusões[4]:

«Assim sendo, será de concluir no sentido de que o licenciamento pela C.M. das operações de loteamento e de obras de urbanização em causa se reporta a área abrangida pela zona geral de protecção de imóvel classificado, pelo que, não tendo sido precedido de consulta e parecer favorável do IPPAR, tal licenciamento é nulo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 68º, alínea b) e 37º, nº 2, do D.L. nº 559/99, de 16/12, alterado pelo D.L. n.º 177/2001, de 4/6.
Está prevista, nos termos já acima descritos, a competência da administração do património cultural para determinar a demolição das obras realizadas em imóveis classificados e respectivas zonas de protecção em infracção às normas que impõem a emissão de parecer prévio vinculativo pelo IPPAR, não se vislumbrando obstáculos de ordem jurídica à necessária autorização pelo Órgão Tutelar.
De igual modo, poderá, salvo melhor opinião, autorizar-se o embargo das obras actualmente suspensas, caso venham a prosseguir.
E, indiciando igualmente os processos anexos a prática de actos susceptíveis de tipificarem a prática de actos lesivos para o património cultural (crimes de dano qualificado), deverão ser feitas as correspondentes participações ao Ministério Público, nos termos que vêm propostos pelo IPPAR.»

De acordo com informação elaborada pelo gabinete de Vossa Excelência, que culminou com a sugestão de que fosse solicitado o presente parecer, estas últimas conclusões não terão tomado em consideração as questões suscitadas pela autarquia, pelo que o objecto da consulta foi definido no sentido já exposto, que se reconduz às eventuais implicações da análise e procedência destas questões nas conclusões formuladas pela Senhora Auditora Jurídica.

É, pois, sobre esta matéria que cumpre emitir parecer.

II

1. Coloca-se, como questão prévia, a de saber se a planta de condicionantes que faz parte integrante do Plano Director Municipal (P.D.M.) de Caminha[5], na parte respeitante à representação daquela estação arqueológica, inclui já a zona geral de protecção ou se respeita apenas ao perímetro físico do imóvel classificado.

As leituras que ambas as entidades fazem de tal representação gráfica são divergentes, sendo apresentados em abono de cada uma das teses argumentos de ordem técnica, a análise de antecedentes ou o simples apelo às práticas adoptadas ou à comparação com outros locais classificados e representados na mesma planta de condicionantes.

Argumenta o IPPAR, no essencial, que o procedimento que culminou com o acto de classificação daquele imóvel se baseou numa planta topográfica, datada de 1979 (cuja cópia foi junta à documentação enviada), considerando ser essa representação e respectiva área que definem os limites do imóvel classificado, a partir dos quais se deverá contar a sua zona geral de protecção.

Já a CMC invoca a inexistência de uma planta de localização que ilustre o decreto de classificação e atribui relevo à legenda inscrita na planta de condicionantes que faz parte integrante do P.D.M. - “Monumentos classificados (com zona de protecção)” - considerando que as representações correspondentes a essa legenda, quer no que concerne à estação arqueológica em referência, quer no que concerne aos demais imóveis classificados, incluem já as respectivas zonas de protecção.

Assim exposta, a questão parece convocar análises técnicas e reconduzir-se à dilucidação de uma questão factual, da qual hão-de emergir as soluções no plano jurídico; não vêm, aliás, mencionadas divergências de entendimento quanto à existência de uma zona geral de protecção contada a partir dos limites externos do imóvel, nem quanto ao respectivo regime aplicável, designadamente, no que respeita à concessão de licenças para realização de operações urbanísticas.

Não cabendo no âmbito de competências deste Conselho o esclarecimento de matéria de facto ou de questões de ordem técnica, há que ressalvar que, caso se constate que os procedimentos adoptados não permitem identificar devidamente o perímetro do imóvel classificado, deverão ser activados mecanismos específicos de delimitação que hão-se corporizar um novo acto que esclareça as dúvidas subsistentes.

Tudo dependerá de saber se o primitivo acto de classificação fornece já esse elemento.

2. Através do Decreto do Governo nº 1/86 foram objecto de classificação diversos imóveis incluídos em duas listagens – a primeira respeitante à classificação como monumentos nacionais e a segunda à classificação como imóveis de interesse público – inserindo-se a Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena na segunda listagem.

É o seguinte o texto daquele Decreto:

«Em conformidade com os artigos 2º, 24º e 30º do Decreto nº 20985, de 7 de Março de 1932, o nº 1 do parágrafo 1º do artigo 19º do Decreto nº 46349, de 22 de Maio de 1965, o nº 1 do artigo 1º e o nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 1/78, de 7 de Janeiro, a alínea a) do artigo 2º e a alínea a) do artigo 9º do Decreto-lei nº 59/80, de 3 de Abril, e o artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 34/80, de 2 de Agosto[6]:
O Governo decreta, nos termos do artigo 202º da Constituição o seguinte:
Artigo 1º-. São classificados como monumentos nacionais os seguintes imóveis:
(...).
Artigo 2º-. São classificados como imóveis de interesse público os seguintes imóveis:
(...)
Distrito de Viana do Castelo
Concelho de Caminha
Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena, na freguesia de Vilarelho.
(...).»

Através do decreto transcrito foi, pois, praticado um conjunto de actos administrativos[7] de classificação de outros tantos imóveis, identificados pela designação, pelo concelho e pela freguesia em que se localizam. Trata-se de actos contextuais que, embora incorporados no mesmo documento, mantêm autonomia, designadamente para efeitos de impugnação. A classificação de cada um daqueles imóveis constituiu o acto final dos respectivos processos instrutórios organizados para o efeito, nos termos previstos na lei, e que certamente conterão elementos que permitem completar a identificação de cada um dos imóveis, designadamente, no que respeita à sua delimitação e área.

Refira-se que a lei vigente na ocasião em que o acto foi praticado não impunha como seu elemento essencial a definição dos limites físicos do imóvel; por outro lado, e apesar de o acto ser anterior à entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, cujo artigo 123º, nº 1, alínea e), inclui entre as menções que devem constar do acto administrativo «o conteúdo ou o sentido da decisão e o respectivo objecto», tem-se entendido que, mesmo à luz desta norma, não se exige, no que respeita ao objecto, a sua completa descrição, sendo bastante «a remissão para o enunciado contido noutro documento do processo, como acontece quando o acto é praticado documentalmente sobre uma informação constante do processo ou sobre o requerimento em que se contém a pretensão decidendi» e que a falta de descrição completa só produzirá a invalidade do acto se inviabilizar a determinação inequívoca dos efeitos que se pretendem produzir[8].

No caso em apreço, embora não exista uma remissão expressa para a planta topográfica existente no processo instrutor, afigura-se razoável que, sendo este o documento daquele processo que contém a delimitação do perímetro do imóvel, constitua elemento relevante para efeito de completar a identificação do objecto imediato do acto de classificação quanto à definição dos seus limites físicos.

Refira-se aqui a seguinte síntese efectuada por FERNANDO CONDESSO[9], a propósito da instrução do processo classificatório:

«Quanto à fase de instrução do procedimento, ela visa preencher a necessidade de as decisões a tomar nos processos de classificação serem fundamentadas, isto é, devidamente enformadas com a factualidade pertinente, em ordem à verificação das condições legais, o que é feito, em princípio pelos seus promotores, com o apoio técnico do Estado, sem prejuízo deste dever confirmar os dados carreados para o processo ou mesmo investigar a factualidade em causa, suprindo a passividade, dificuldade ou incapacidade dos promotores».
Apesar de não possuirmos todos os elementos do processo que culminou com a prática do acto de classificação da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena - e com a necessária ressalva que tal falta sempre impõe - afigura-se-nos pertinente a tese de que, constando nesse processo uma planta topográfica do imóvel cuja classificação se visava, e que o pretendia identificar, e que foi nesta peça que se baseou o procedimento e o respectivo acto final, se deve entender que a classificação respeita ao imóvel com essa expressão gráfica, com as características e com a delimitação aí assinaladas.

3. Com as ressalvas que deixamos consignadas, este constitui o ponto de partida para o presente parecer.

Aceitamos ainda a circunstância (expressamente invocada pelo IPPAR e não contraditada pela CMC) de a representação da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena na planta de condicionantes do respectivo PDM corresponder à representação que constava já na planta topográfica de 1979 que instruiu o procedimento de classificação e que aceitámos ter sido acolhida pelo respectivo acto final.

Por fim cabe consignar que, embora o parecer do IPPAR faça referência a uma licença de construção, quer o parecer da Auditoria Jurídica quer a documentação enviada (que inclui cópia do acto de licenciamento, datado de 14 de Março de 2003, com assinatura da Presidente da Câmara Municipal) identificam uma operação de loteamento. Face à evidência dos elementos documentais, consideraremos que está em causa uma operação do segundo tipo.

Assentaremos, pois, nestes pressupostos, a análise a que vamos proceder em ordem a responder à questão colocada e que, recorde-se, respeita à concessão da licença de loteamento sem parecer prévio favorável do IPPAR[10], em local que, de acordo com a lei e o acto de classificação, poderá estar integrado na zona geral de protecção de imóvel classificado, mas que a legenda da planta de condicionantes que integra o respectivo P.D.M. poderá assinalar como estando fora dessa zona.

Assim, no âmbito mais geral da protecção do património cultural imobiliário, analisaremos o regime jurídico das zonas de protecção dos imóveis classificados, restrições e condicionamentos que implicam, bem como as competências legais atribuídas ao IPPAR no âmbito do procedimento de classificação e da salvaguarda daquele património cultural. Seguidamente, numa aproximação à problemática suscitada com a interpretação do PDM de Caminha, e tendo presente a necessária conjugação dos instrumentos de ordenamento do território com as normas de protecção do património cultural, abordaremos a disciplina jurídica e o conteúdo deste instrumento de gestão territorial tendo em vista as implicações no acto de licenciamento praticado.

III

1. Entre as “Tarefas fundamentais do Estado” enunciadas no artigo 9º da Constituição inclui-se, nos termos da alínea e), a de «proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território».

Ainda no âmbito dos direitos e deveres fundamentais, e em capítulo dedicado aos direitos e deveres culturais, dispõe o artigo 78º:
«Artigo 78º
Fruição e criação cultural
1- Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.
2- Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;
b) Apoiar as iniciativas que estimulam a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;
c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum;
d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;
e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais.»

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[11], o direito à fruição cultural concretiza o direito à cultura e constitui um direito individual e colectivo, cujas principais dimensões são: «(a) acesso a todos os bens, meios e instrumentos culturais e a todos os níveis; (b) participação na cultura, possibilitando aos cidadãos e comunidades o direito de conformação do processo de produção cultural, como titulares de participação democrática activa (criação) e não meramente passiva (fruição); (c) comparticipação na defesa e enriquecimento do património cultural comum».

Ainda segundo os mesmos Autores, «o direito à fruição e criação cultural pressupõe a defesa e valorização do património mediante a classificação, pelo Estado e autarquias locais, dos bens imóveis e móveis que o integram em monumentos (obras de arquitectura, composições importantes pelo seu interesse arqueológico, artístico, científico, técnico ou social), conjuntos (agrupamentos arquitectónicos urbanos ou rurais dotados de unidade ou integração na paisagem), sítios (espaços característicos e homogéneos, delimitados geograficamente, notáveis sob o ponto de vista histórico, arqueológico, artístico, científico e cultural). A defesa do património inclui ainda, entre outros instrumentos, a regulamentação e fiscalização da compra, venda e comércio de antiguidades, a adopção de medidas cautelares e de conservação relativamente a bens em perigo de deterioração ou extravio, a tomada em consideração dos bens integradores do património cultural pelos planos de ordenamento do território e planos urbanísticos».

Por seu turno, CARLA AMADO GOMES[12] refere o papel desempenhado pela Constituição no «influxo normativo determinante da disciplina jurídica que hoje envolve os bens culturais» e evidencia a revisão de 1982 por ter imprimido a evolução de uma atitude passiva, de mera defesa dos bens culturais, para uma postura dinâmica, que acentua a importância do «elemento cultural como factor de consolidação da democracia social e justifica a elevação do património cultural a elemento vivificador da identidade cultural comum». E esclarece:

«O âmbito de protecção do artigo 78.º da CRP compreende o direito de fruir os bens culturaisx1 e o dever de preservação dos mesmos. Apesar de sistematicamente inserido no Capítulo III do Título II da Constituição – dedicado aos direitos económicos, sociais e culturais -, este dispositivo não constitui apenas um apelo programático à intervenção do Estado e outras entidades públicas na conservação e dinamização do património cultural nacional (...).
Como contraponto desta estrutura positiva, este direito reveste também uma vertente negativa: o dever de abstenção, por parte de qualquer entidade, pública ou privada, da prática de actos lesivos do patrimóniox2. Ou seja, existe uma imediata co-
responsabilização de todos os cidadãos e entidades públicas e privadas na defesa e valorização dos bens culturais, materializada, quer na obrigação genérica de non facere – não provocar danos no património existente – quer no específico chamamento do Estado às suas responsabilidades de promoção cultural.»

2. Na análise da matéria que constitui objecto deste parecer somos confrontados não só com a evolução legislativa registada ao nível interno[13] [14], mas também com a manutenção em vigor de diversos preceitos de diplomas anteriores, face à não regulamentação - ou à não completa regulamentação - dos novos diplomas legais aprovados. Assim é que, embora à data da classificação da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena estivesse em vigor a Lei nº 13/85, de 6 de Julho - Lei do Património Cultural - o respectivo decreto tenha invocado legislação anterior[15], a qual se mantinha em vigor na medida em que não contrariasse o novo diploma e na parte em que este, por falta de regulamentação, se mostrasse inexequível[16].
2.1. Nessa evolução legislativa - de que cumpre dar conta - distinguiremos:

a) Um primeiro bloco normativo - em que se inserem alguns dos preceitos invocados no decreto de classificação - no qual assumem preponderância o Decreto nº 20985, de 7 de Março de 1932, que alargou a classificação antes reservada aos monumentos nacionais aos imóveis de interesse público; a Lei nº 2032, de 11 de Junho de 1949, que criou a categoria de bens de valor concelhio; o Decreto nº 46349, de 22 de Maio de 1965, que atribuiu competências para os procedimentos de classificação e de inventariação e para a conservação do património à Junta Nacional da Educação, órgão técnico e consultivo que funcionava junto do Ministro da Educação Nacional.

b) A já referida Lei nº 13/85, de 6 de Julho, que veio consagrar o regime jurídico do património cultural português, antes disperso por diversos diplomas, mas que acabou por se revelar, pela razões já expostas, de reduzida aplicabilidade.

c) A Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, que contém as actuais bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural e que revogou a anterior; também este diploma exige a edição de legislação secundária e de desenvolvimento, prevendo expressamente que, entretanto, se continuem a aplicar determinadas normas do Decreto nº 20985, que não contrariem as suas disposições e princípios fundamentais.

2.2. Refira-se, desde já, que alguns aspectos gerais atravessam os sucessivos regimes legais. Assim: a relevância do acto de classificação, «peça essencial da realização protectiva»[17]; as competências atribuídas a entidades administrativas da área da Educação ou da Cultura (quer para o acto e procedimento de classificação, quer para a protecção e salvaguarda do património); a existência de zonas de protecção, designadamente, uma zona geral de protecção geral de 50 metros contados a partir dos limites exteriores, sempre que o acto de classificação tenha por objecto bens culturais imóveis; as restrições ao direito de propriedade privada e os condicionamentos à construção ou à realização de outros trabalhos incidentes sobre tais imóveis e respectivas zonas de protecção.

Fundamentos de ordem pública presidem a estas opções legislativas. Como assinala MARIA CELESTE CARDONA[18] a propósito do regime consagrado pela Lei nº 13/85, a defesa e conservação do património cultural constitui incumbência obrigatória das entidades públicas e concomitante dever dos particulares. Também as restrições e condicionamentos atrás referidos assentam em fundamentos de utilidade pública.

3. Impõe-se um breve recenseamento de preceitos fundamentais dos sucessivos regimes jurídicos, na perspectiva da presente consulta.

3.1. Da legislação invocada no decreto de classificação[19], merece destaque o artigo 19º, parágrafo 1º, nº 1, do Decreto nº 46349, que atribuía à Junta Nacional de Educação competência para «Propor a classificação ou emitir parecer sobre as propostas de classificação como monumentos nacionais, imóveis de interesse público ou valores concelhios, de elementos ou conjuntos de considerável valor artístico, histórico, arqueológico ou paisagístico», e os artigos 24º e 30º do Decreto nº 20985, que definiam as categorias monumento nacional e imóvel de interesse público[20]. Dispunha-se quanto a esta última categoria:

«Os imóveis que, sem merecerem a classificação de monumento nacional, ofereçam todavia considerável interesse público, sob o ponto de vista artístico, histórico ou turístico, serão, com essa designação, descritos em cadastro especial, e nenhuma obra de restauração poderá realizar-se neles sem que o respectivo projecto haja sido superiormente aprovado, ouvido o Conselho Superior de Belas Artes, sendo-lhe aplicáveis todas as outras disposições desta lei concernente à classificação, desclassificação, alienação, demolição e conservação dos monumentos nacionais.»

De referir que este diploma previa já a existência de zonas de protecção de 50 metros, nas quais os actos de alienação de terrenos e edifícios, bem como a realização de “quaisquer modificações ou construções”, carecia de parecer favorável do Conselho Superior de Belas Artes (artigo 26º) e que o artigo 19º, nº 2, alínea f), do Decreto nº 46349, incluiu no elenco de competências da 2ª Secção da Junta Nacional de Educação (“Antiguidades e Belas Artes”) «a definição de zonas especiais de protecção estética ou arqueológica, sempre que pelo valor e características deles ou por outra circunstância a zona normal de 50m se mostre insuficiente».

3.2. Vejamos agora alguns tópicos da Lei nº 13/85, em vigor na data da classificação do imóvel (com as limitações já referidas face à não regulamentação de diversos preceitos).

Nos termos do artigo 1º, o património cultural era constituído por «todos os bens materiais e imateriais que, pelo seu reconhecido valor próprio, devam ser considerados como de interesse relevante para a permanência e identidade da cultura portuguesa através do tempo». Esta noção representou uma evolução de uma anterior concepção estática (acolhida no diploma de 1932, que compreendia bens materiais de valor artístico, histórico e arqueológico) para uma concepção aberta de bem cultural, que passou a compreender bens materiais e bens imateriais[21].

O artigo 4º atribuía ao Governo, através do Ministério da Cultura, a competência para a protecção legal do património cultural, dispondo, no nº 4, que «os bens culturais, independentemente do tipo de propriedade, serão submetidos a regras especiais que estabelecerão, designadamente, a sua função social, alienação e forma de intervenção»; diversos preceitos aludiam às competências do Instituto Português do Património Cultural (IPPC)[22] em matéria de registo e inventário dos bens culturais, abertura e instrução de processos de classificação, fixação dos respectivos critérios, emissão de pareceres sobre pedidos de alteração, restauro, demolição e alienação dos imóveis classificados, etc.

O artigo 7º, nº 1, consagrava o princípio de que «a protecção legal dos bens materiais que integram o património cultural assenta na classificação dos imóveis e dos móveis» e o nº 2 estabelecia diversos critérios de classificação[23] relativamente aos imóveis, podendo, no que concerne à estrutura, ser classificados como monumentos, conjuntos e sítios[24] e, no que respeita ao grau de interesse, em imóveis de valor local, regional, nacional e internacional.

O artigo 9º e seguintes respeitava ao acto e procedimento de classificação. Este acto incidia sobre «bens, que pelo seu relevante valor cultural, devem merecer especial protecção», sendo para o mesmo competente o Ministro da Cultura, ressalvadas as competências das regiões autónomas e das assembleias municipais relativamente aos bens culturais imóveis de interesse regional e local; as decisões de classificação deviam ser fundamentadas segundo critérios genericamente definidos pelo IPPC. O acto de classificação era precedido por um processo próprio organizado pelo IPPC em que, para além da consulta obrigatória a diversas entidades, se procedia à audiência prévia do proprietário e da respectiva câmara municipal; a iniciativa do processo de classificação cabia ao Estado, às regiões autónomas, às autarquias locais (tendo estas um especial dever de promoção) bem como a quaisquer pessoas singulares ou colectivas.

Os preceitos seguintes impunham determinadas obrigações aos proprietários e estabeleciam diversas restrições à realização de obras de restauro ou de demolição, bem como à alienação dos bens classificados ou em vias de classificação.

No Capítulo II, dedicado ao “Regime específico dos bens imóveis”, merecem-nos particular destaque os seguintes preceitos, referentes a zonas de protecção, que transcrevemos:
«Artigo 22º
1 - Os imóveis classificados pelo Ministério da Cultura dispõem sempre de uma zona especial de protecção.
2 - Deverá ser fixada uma zona especial de protecção, em prazos a estabelecer pelo Ministério da Cultura, sob proposta do IPPC, com audição das autarquias, nela podendo incluir-se uma zona non aedificandi em todos os casos, salvo naqueles cujo enquadramento fique perfeitamente salvaguardado com a zona de protecção tipo.
3 - Enquanto não for fixada uma zona especial de protecção, os imóveis classificados beneficiarão de uma zona de protecção de 50 m, contados a partir dos limites exteriores do imóvel.»
«Artigo 23º
1 - As zonas de protecção dos imóveis classificados nos termos do artigo anterior são servidões administrativas, nas quais não podem ser autorizadas pelas câmaras municipais ou por outras entidades alienações ou quaisquer obras de demolição, instalação, construção, reconstrução, criação ou transformação de zonas verdes, bem como qualquer movimento de terras ou dragagens, nem alteração ou diferente utilização contrária à traça originária, sem prévia autorização do Ministro da Cultura.
2 - Todos os pedidos de licença de obras em bens classificados ou na área da respectiva zona de protecção devem ser elaborados e subscritos por técnicos especializados de qualificação reconhecida ou sob a sua directa responsabilidade.
3 - Aos proprietários de imóveis abrangidos pelas zonas non aedificandi é assegurado o direito de requerer ao Estado a sua expropriação, nos termos das leis e regulamentos em vigor sobre a expropriação por utilidade pública.»

Merece-nos ainda referência o disposto no nº 1 do artigo 44º: «A protecção, conservação, valorização e revitalização do património cultural deverão ser consideradas obrigatórias no ordenamento do território e na planificação a nível nacional, regional e local».

E, no capítulo referente a garantias e sanções, o artigo 57º, com o seguinte conteúdo:

«Sempre que as câmaras municipais, devidamente alertadas, não procedam ao embargo administrativo de obras realizadas contra o disposto no presente diploma, o Ministro da Cultura pode, nomeadamente através dos serviços regionais, promover o seu embargo judicial.»

3.3. O regime instituído pela Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, visou sobretudo um aperfeiçoamento da coerência interna, uma melhor concretização dos princípios afirmados pela Constituição, bem como a conjugação das soluções tradicionais com «novas fórmulas colhidas no direito internacional e comparado» e com as novas correntes doutrinais[25].

O artigo 2º, nº 1, deste diploma legal, dispõe que «Para os efeitos da presente lei integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização». E o artigo 14, nº 1, considera bens culturais «os bens móveis e imóveis que, de harmonia com o disposto nos nºs 1, 3 e 5 do artigo 2º, representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura».

A política do património cultural passou a obedecer aos seguintes princípios: inventariação, planeamento, coordenação, eficiência, inspecção e prevenção, informação, equidade, responsabilidade e cooperação internacional (artigo 6º).

O artigo 9º reconhece expressamente aos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos sobre bens culturais ou de outros valores integrantes do património cultural, em caso de lesão por acto da Administração, as garantias gerais dos administrados, e reconhece ainda, nos termos da lei geral, o direito de participação procedimental e de acção popular para protecção desses bens e valores; o nº 3 atribui competência ao Ministério Público[26] para a defesa dos mesmos bens e valores, em caso de lesão, através dos meios processuais adequados.

O artigo 15º estabelece as categorias de bens mantendo, no que respeita aos bens imóveis, a mesma tipologia - monumento, conjunto ou sítio «nos termos em que tais categorias se mostram definidas no direito internacional»; em função do interesse os imóveis passam a classificar-se em imóveis de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, sendo o bem de interesse público quando «a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.»

A protecção legal dos bens culturais assenta na classificação e na inventariação, sendo o acto de classificação definido pelo artigo 18º, nº 1, como «acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural».

O artigo 25º e seguintes estabelecem as regras aplicáveis aos procedimentos de classificação e de inventariação; no que respeita ao primeiro mantém-se, no essencial, o anteriormente estabelecido, designadamente, quanto à iniciativa do procedimento, instrução do processo, audiência de interessados e consulta de entidades competentes. O artigo 28º, referente à forma dos actos, elege a forma de decreto do Governo em caso de classificação como bem de interesse nacional, de portaria em caso de bem de interesse público, remetendo quanto aos restantes para legislação especial. E o nº 4 dispõe que «Todo o acto final de um procedimento sobre uma determinada forma de protecção deverá ser devidamente fundamentado, identificando com rigor o bem ou as partes componentes da universalidade em questão».

Com particular incidência no âmbito deste parecer, no capítulo intitulado “Protecção dos bens culturais classificados”, e em secção especificamente respeitante a bens imóveis, inserem-se diversas normas que impõem exigências e restrições às intervenções, obras e projectos em bens classificados ou em vias de classificação[27]. Prevê-
-se que a abertura do procedimento de classificação de imóveis opera a suspensão de procedimentos de concessão de licença ou de autorização de operações de loteamento, de obras de urbanização e outras, bem como a suspensão das já concedidas, por determinado período de tempo, sendo ilegais as operações urbanísticas que se realizem em violação do que aqui se dispõe; prevê-se ainda que o acto de classificação opera a caducidade dos procedimentos, licenças e autorizações suspensos, sem prejuízo do direito a justa indemnização «pelos encargos e prejuízos anormais resultantes da extinção de direitos previamente constituídos pela Administração» (artigo 42º).


Retira-se desta norma a prevalência do interesse público que preside ao acto de classificação, face a interesses dos particulares titulados por actos administrativos constitutivos de direitos. A este assunto voltaremos mais adiante neste parecer.

Destacam-se ainda as seguintes normas, cujos textos integrais importa conhecer:
«Artigo 43º
Zonas de protecção
1 - Os bens imóveis, classificados nos termos do artigo 15º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, beneficiarão automaticamente de uma zona de protecção de 50 m, contados a partir dos seus limites externos, cujo regime é fixado por lei.
2 - Os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, devem dispor ainda de uma zona especial de protecção, a fixar por portaria do órgão competente da administração central ou da Região Autónoma quando o bem aí se situar.
3 - Nas zonas especiais de protecção podem incluir-se zonas non aedificandi.
4 - As zonas de protecção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes e coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente.
5 - Excluem-se do preceituado pelo número anterior as obras de mera alteração no interior de imóveis.»
«Artigo 47º
Embargos e medidas provisórias
1 - O organismo competente da administração do Estado, da administração regional autónoma ou da administração municipal deve determinar o embargo administrativo de quaisquer obras ou trabalhos em bens imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ou em vias de classificação como tal, cuja execução decorra ou se apreste a iniciar em desconformidade com a presente lei.
2 - O disposto no número anterior aplica-se também às obras ou trabalhos em zonas de protecção de bens imóveis classificados nos termos do artigo 15º da presente lei, ou em vias de classificação como tal.
3 - A lei determinará as demais medidas provisórias aplicáveis.»

Refira-se, por fim, que no Título VIII, intitulado “Regimes especiais de protecção e valorização de bens culturais”, inserem-se capítulos dedicados ao património arqueológico[28], arquivístico, audio-visual, bibliográfico, fonógrafo e fotográfico.

4. Para completar o enquadramento legal da protecção do património cultural convirá ainda conhecer as atribuições e competências atribuídas ao IPPAR, com as quais se prendem as questões que suscitaram este parecer.

O Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR)[29], pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e de património próprio, funciona sob tutela do Ministério da Cultura, e tem como missão a salvaguarda e a valorização de bens materiais imóveis que pelo seu interesse histórico, artístico, científico, social e técnico, integram o património arquitectónico do País.

As atribuições e competências do IPPAR estão previstas no artigo 2º da sua lei orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei nº 120/97, que dispõe:
«Artigo 2º
Atribuições e competências
1 - São atribuições do IPPAR a salvaguarda e a valorização de bens que, pelo seu interesse histórico, artístico, paisagístico, científico, social e técnico, integrem o património cultural arquitectónico do País.
2 - No desenvolvimento das suas atribuições, compete, em especial, aos órgãos e serviços do IPPAR:
a) A salvaguarda e a valorização de bens imóveis classificados e a salvaguarda das respectivas zonas de protecção;
b) A salvaguarda de bens imóveis em vias de classificação e respectivas zonas de protecção;
c) Propor a classificação e a desclassificação de bens imóveis e de bens móveis neles integrados, bem como a definição ou redefinição de zonas especiais de protecção dos mesmos, carecendo de proposta ou de parecer vinculativo do Instituto Português de Arqueologia, no caso específico dos bens arqueológicos;
d) O inventário e a promoção de acções de investigação, estudo e divulgação, relativas ao património cultural arquitectónico;
e) O apoio técnico e a promoção da execução de obras em bens imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como a elaboração de planos, programas e projectos para a execução de obras em imóveis classificados, em vias de classificação ou situados em zonas de protecção, em articulação com outros serviços da Administração Pública;
f) Pronunciar-se, nos termos da lei, em articulação com os serviços e organismos competentes e autarquias locais, sobre planos, projectos, trabalhos e acções de iniciativa de entidades públicas ou privadas, no âmbito do ordenamento do território, do ambiente, do planeamento urbanístico e do fomento turístico, das obras públicas e de equipamento social, levadas a efeito em imóveis classificados ou em vias de classificação e respectivas zonas de protecção, sem prejuízo do disposto no Decreto-lei nº 284/93, de 18 de Agosto;
g) (...);
(...)
l) (...).
3- (...).»

No que concerne às competências para o embargo e demolição de obras e trabalhos realizados com violação das normas de defesa do património cultural, dispõe o artigo 4º:
«Artigo 4º
Embargo
1 - Ao IPPAR compete determinar, precedendo autorização do Ministro da Cultura, o embargo administrativo de quaisquer obras ou trabalhos licenciados ou efectuados em desconformidade com legislação relativa ao património cultural, em imóveis classificados e nas zonas de protecção, bem como noutras áreas expressamente designadas na lei.
2 - Nos casos de obras licenciadas ou promovidas pelos serviços da administração central, dotados ou não de personalidade jurídica, a autorização prevista no artigo anterior consta de despacho conjunto do Ministro da Cultura e do membro do Governo que tutele esses serviços.»

E o artigo 11º, sobre competências da direcção, prevê a competência deste órgão para solicitar autorização ao Ministro da Cultura para o embargo administrativo a que se refere o artigo 4º, bem como para a demolição das obras ou trabalhos realizados nas mesmas condições.

IV
1. O percurso normativo efectuado permite-nos eleger, entre as figuras e princípios que constituem os alicerces do sistema de protecção do património cultural imobiliário, as limitações e restrições implicados no acto de classificação nos direitos de terceiros, designadamente, através da fixação de zonas de protecção dos imóveis classificados, que constituem um «vector limitativo» desses direitos[30].

Segundo ALVES CORREIA[31], o acto de classificação «está sujeito a fundamentação e tem efeitos imperativos, que se traduzem na submissão do bem – sobretudo tratando-se de um bem objecto de propriedade privada – a um regime publicístico, caracterizado por uma panóplia de restrições, proibições ou condicionamentos à sua utilização e disposição».

Como efeito automático do acto de classificação, o Autor evidencia a criação de uma zona geral de protecção, que subsiste apenas enquanto não for criada a zona especial, a fixar pelo membro do governo responsável pela área da cultura, sob proposta do IPPAR, ouvidas as autarquias locais. E esclarece:

«As zonas gerais e especiais de protecção dos imóveis classificados são caracterizadas pelo legislador (cfr. o artigo 23º, nº 1, da Lei nº 13/85) como servidões administrativas, sendo, por isso, encargos sobre determinados prédios (os existentes nessas zonas de protecção) em proveito do bem cultural imóvelx3, tendo por finalidade a salvaguarda e a tutela do bem classificado. As zonas gerais e especiais são servidões administrativas que resultam da lei, mas a sua constituição exige sempre a prática de um acto da Administração: o acto administrativo de classificação do imóvel, nas primeiras, e, nas segundas, para além deste, o acto administrativo que fixa o seu perímetro e define, sendo caso disso, a zona non aedificandi».

As servidões administrativas são, segundo MARCELLO CAETANO[32] encargos impostos pela lei sobre determinados prédios em benefício ou proveito de bens dominiais, que podem ou não corresponder à noção de prédio, com o objectivo de «a função de utilidade pública do domínio ser cumprida como deve ser». Das servidões administrativas distinguem-se as meras restrições de utilidade pública ao direito de propriedade que, ainda segundo o mesmo Autor, se traduzem em «limitações permanentemente impostas ao exercício do direito de propriedade ou em poderes conferidos à Administração para intervir, a fim de realizar os fins que lhe estão confiados».

Ou, como sintetiza ALVES CORREIA[33], com referência à doutrina mas também a noções acolhidas pelo legislador, as servidões administrativas são encargos impostos pela lei sobre o imóvel em proveito da utilidade pública de uma coisa, enquanto restrições de utilidade pública são limitações ao direito de propriedade que visam a realização de interesses abstractos, sem que haja qualquer relação com outros bens[34].

As servidões administrativas resultam sempre da lei, distinguindo-se, contudo, aquelas cuja constituição resulta directa e imediatamente da lei, que estabelece regras comuns a todos os prédios que se encontram em determinadas condições, daquelas outras cuja constituição exige a prática de um acto da Administração, que reconhece a utilidade pública que a justifica, que define aspectos específicos do seu regime, a sua área, etc.

Este critério distintivo é explicitado no preâmbulo do Decreto-
-Lei nº 181/70, de 28 de Abril
[35], que inclui as servidões ou zonas de protecção dos monumentos nacionais e dos imóveis de interesse público nas servidões do segundo tipo.

Se no caso das zonas especiais de protecção existe total autonomia entre o acto de classificação do imóvel e o acto de constituição daquela servidão especial, obedecendo cada um a procedimentos e a formalidades próprias, já a constituição das zonas gerais de protecção resulta automaticamente do acto de classificação; contudo, o objecto e a função de uma e outra não se confundem, tendo a constituição da zona de protecção uma função algo instrumental do acto de classificação e sendo também diferentes os bens sobre que incidem.

2. O quadro exposto permite constatar, desde já, que desde a data da classificação da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena como imóvel de interesse público, se impunha a fixação de uma zona de protecção, contada, por definição, a partir dos seus limites externos. Constituindo uma servidão que incide sobre outro ou outros prédios em benefício daquele, a zona de protecção será sempre algo que está para além dos limites do imóvel protegido, que lhe é envolvente e exterior, não se mostrando compatível com a sua ratio que possa estar incluída nos limites do imóvel qua tale foi objecto de classificação.

Ora, tal como consignámos no início deste parecer, os elementos de que dispomos levam-nos a aceitar que, correspondendo a mancha que na planta de condicionantes do PDM de Caminha assinala a Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena à mesma representação gráfica que instruiu o processo de classificação e que identificava o imóvel a classificar, há que concluir que nessa mancha se contêm apenas os limites físicos do imóvel que constituiu objecto do acto de classificação, sem qualquer zona de protecção.

A esses limites deve acrescer uma zona especial de protecção que carece ainda de definição através da prática de um outro acto administrativo[36]; na falta desse acto definidor impõe-se, automaticamente e por força do acto de classificação, uma zona geral de protecção prevista na lei e que corresponde a uma área envolvente de 50 metros, contados a partir daqueles limites.

3. Na ocasião em que foi licenciada a operação de loteamento referida no expediente que deu origem à presente consulta, estava em vigor o actual regime jurídico da urbanização e edificação, estabelecido pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro[37].

Nos termos do artigo 4º, nº 2, alíneas a) e d), deste diploma, estão sujeitas a licença administrativa (a conceder pela câmara municipal) as operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor ou abrangida por plano de pormenor que não contenha determinadas menções (ficando nos restantes casos sujeitas a autorização administrativa a conceder pelo presidente da câmara) e «as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de edifícios situados em zona de protecção de imóvel classificado ou em vias de classificação ou em áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública».

No âmbito do procedimento destinado à obtenção de licença para as referidas operações urbanísticas, o artigo 18º, nº 2, prevê a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação, e o artigo 19º, nº 11, dispõe que «os pareceres de entidades exteriores ao município só têm carácter vinculativo quando tal resulte da lei, desde que se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares e sejam recebidos dentro do prazo fixado no nº 8, sem prejuízo do disposto em legislação específica».

Por seu turno, o artigo 24º, nº 1, alínea a), estabelece que o pedido de licenciamento é indeferido (entre outras hipóteses) quando violar servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis, e a alínea c) impõe também o indeferimento no caso de o pedido «ter sido objecto de parecer negativo, ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade consultada nos termos do presente diploma cuja decisão seja vinculativa para os órgãos municipais».

Sob a epígrafe “Operações urbanísticas cujo projecto carece de aprovação da administração central”, o artigo 37º inclui nessa previsão as operações referidas no artigo 4º, cujo projecto, nos termos de legislação especial careça de aprovação da administração central (aí incluindo, entre outras, as que tenham lugar em imóveis classificados), cuja licença ou autorização administrativa, a que estão sujeitos, não deverão ser deferidas, salvo disposição de lei especial, sem que o requerente apresente documento comprovativo dessa aprovação.

O artigo 68º, alíneas b) e c), comina com nulidade as licenças ou autorizações que, respectivamente, «violem o disposto no artigo 37º, nº 2» e «não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações».

Refira-se, por fim, que o o artigo 69º, nº 1, impõe a comunicação ao Ministério Público dos actos geradores das nulidades previstas no artigo 68º e de outros factos geradores de invalidade, tendo em vista o recurso contencioso. E o artigo 70º atribui responsabilidade civil ao município pelos prejuízos causados em caso de revogação, anulação ou declaração de nulidade das licenças ou autorizações, sempre que a respectiva causa resulte de conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários e agentes.

4. A concessão de licença para a realização de operações urbanísticas na área de protecção da Estação Arqueológica em referência carecia, face à legislação em vigor - designadamente, o artigo 43º, nº 4, da Lei nº 107/2001, o artigo 2º, f), do Decreto-Lei nº 120/97, e os artigos 4º, nº 2, 18º, nº 2, e 24º, nº 1, do Decreto-Lei nº 555/99 - de parecer prévio favorável do IPPAR, sob pena de nulidade, sanção esta cominada pelo artigo 68º, alínea c), do diploma que contém o regime jurídico da urbanização e edificação. Por outro lado, o artigo 4º da lei orgânica do IPPAR atribui-lhe competência para, mediante autorização ministerial, proceder ao embargo administrativo das obras licenciadas ou efectuadas em desconformidade com as exigências legais referentes ao património cultural, aos imóveis classificados e às zonas de protecção, e o artigo 11º, nº 1, alínea d), atribui competência à direcção daquele Instituto para solicitar ao Ministro da Cultura autorização para a demolição das mesmas obras ou trabalhos e para a sua execução.

Esta resenha permite, desde já, avançar com a constatação de que a análise e as conclusões do parecer da Auditoria Jurídica, na parte em que evidencia a nulidade do licenciamento e a admissibilidade do embargo e demolição, se mostram conformes ao normativo aplicável à situação, tal como foi configurada nesse parecer. Resta porém enfrentar as implicações que advêm da circunstância de a planta de condicionantes do PDM de Caminha em vigor à data do licenciamento não assinalar - ou não assinalar de forma expressa ou inequívoca - como zona de protecção o local de realização da operação urbanística licenciada.

V

1. As implicações do conteúdo material daquele instrumento de gestão territorial na apreciação do acto de licenciamento, eventuais vícios que este contenha e sanções aplicáveis, convocam o tema da correlação entre o direito do património cultural e o direito do urbanismo e do ordenamento do território.

Diversos princípios afirmados pelo legislador demonstram que não estamos perante ordenamentos jurídicos estanques mas que interesses comuns de ordem pública os permitem conceber como instrumentos que confluem nos fins que prosseguem.

ALVES CORREIA[38] evidencia a tendência, que se regista no nosso e em outros ordenamentos jurídicos, para incluir a tutela dos bens culturais imóveis nos objectivos dos planos urbanísticos, constituindo um dos «múltiplos interesses públicos tomados em consideração no procedimento de elaboração dos planos de ordenamento do território, sendo objecto de justa ponderação com outros interesses (públicos e privados) coenvolvidos nos planos(...)». E conclui:

«O interesse público da salvaguarda e valorização do património cultural, sobretudo dos bens culturais imóveis, percorre hoje, transversalmente, o Direito do Urbanismo e está presente, como se assinalou, em múltiplos institutos, tais como, os planos urbanísticos, as restrições de utilidade pública, as servidões administrativas, incluindo as servidões non aedificandi, o direito de preferência da Administração na alienação de terrenos e os actos de gestão urbanística (v.g. expropriações por utilidade pública, loteamentos e obras de urbanização, reparcelamentos urbanos e licenciamentos de obras)».

Conforme refere SUSANA TAVARES DA SILVA[39], a doutrina tem-se pronunciado no sentido de reconhecer a planificação territorial e o urbanismo como meio de tutela do património cultural, princípio expresso na actual Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo e no diploma que densificou os princípios nela consagrados, sendo ao nível dos planos municipais que «a eficácia destes instrumentos na tutela dos bens culturais é mais visível».

O percurso pelos normativos pertinentes, que empreenderemos, permitirá confirmar que «os planos urbanísticos constituem instrumentos de tutela de bens culturais com suporte material».

2. O P.D.M. de Caminha define as linhas gerais de política de ordenamento físico e de gestão urbanística do território municipal e estabelece as principais regras a que devem obedecer a ocupação, uso e transformação do solo.

Deste plano municipal de ordenamento do território fazem parte, nos termos do artigo 7º do Regulamento, e na categoria de “elementos fundamentais”, o próprio regulamento, a planta de ordenamento e a planta de condicionantes, dispondo o artigo 1º, nº 3, que aquele é “indissociável” destas plantas; integram-no ainda elementos complementares (planta de enquadramento e relatório final) e anexos (planta de situação existente, planta de reserva agrícola nacional, planta de reserva ecológica nacional, análise de espaço florestal, e relatório de caracterização e diagnóstico).

O Regulamento contém um capítulo dedicado a “Espaços culturais” que inclui o respectivo elenco, integrado por quatro categorias, figurando a Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena na categoria “Imóveis classificados ou em vias de classificação”, à qual se aplicam «os condicionalismos previstos na legislação em vigor».

Dispondo o artigo 35º, nº 2, que «O regime de protecção dos espaços culturais visa a preservação e a conservação dos aspectos homogéneos da imagem e do perfil de paisagens e núcleos antigos», especifica o artigo 36º:
«Artigo 36º
Condições de uso e edificabilidade
1 - Nestes espaços tem de ser privilegiada a protecção, conservação e a recuperação dos valores culturais, arqueológicos, arquitectónicos e urbanísticos.
2 - A edificabilidade nesta classe de espaços fica condicionada à legislação e regulamentação específica, para além dos condicionalismos à edificabilidade que o uso obriga.
3 - Sem prejuízo de zona de protecção expressamente delimitada, todos os elementos classificados e ou em vias de classificação como património cultural dispõem de uma área de protecção de 50m, para além dos seus limites físicos.»

3. Na ocasião em que o PDM de Caminha foi aprovado estava em vigor o Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, que continha o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território[40].

A tipologia dos planos municipais, compreendia, nos termos do artigo 2º, os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor.

Como linhas gerais, destacam-se, no âmbito deste parecer, a «aplicação das disposições gerais e regulamentares vigentes e dos princípios gerais de disciplina urbanística e de ordenamento do território e salvaguarda e valorização do património cultural» enquanto princípio geral a que a elaboração, aprovação e execução destes planos devia obedecer.

Nos termos do artigo 10º - com a epígrafe “Elementos fundamentais dos planos” - o regime dos planos constava de um regulamento e era traduzido graficamente em plantas, que compreendiam as plantas de síntese (no caso dos planos directores municipais, a planta de ordenamento) e a planta actualizada de condicionantes; a planta actualizada de condicionantes assinalava as servidões administrativas e restrições de utilidade pública, incluindo entre outras, as áreas de protecção a imóveis classificados.

Sendo a elaboração e aprovação destes planos da competência dos órgãos municipais, previa-se o acompanhamento pela Administração Central e a ratificação[41] governamental (que podia ser total ou parcial) destinada a verificar a conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes (nomeadamente a Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e áreas protegidas), com outros planos municipais e com outros planos, programas e projectos de interesse para outro município ou supramunicipal.

O artigo 24º qualificava como “ilegalidade grave”, para efeitos de perda de mandato ou de dissolução do órgão autárquico, o licenciamento de obras em violação de plano municipal plenamente eficaz[42], e o artigo 23º determinava que a IGAT comunicasse ao Ministério Público os actos praticados pelos órgãos municipais que violassem as suas disposições. O artigo 26º permitia que o Ministério do Planeamento e da Administração do Território, em casos de relevante interesse público, determinasse o embargo de trabalhos ou a demolição de obras que infringissem o plano municipal.

4. O Decreto-Lei nº 69/90, foi revogado pelo Decreto-Lei nº 380/99[43], de 22 de Setembro, que estabeleceu o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, em desenvolvimento das bases aprovadas pela Lei nº 48/98, de 22 de Setembro.

Estes diplomas assumem expressamente a defesa e valorização do património cultural e natural como um dos fins da política de ordenamento do território e de urbanismo, constituindo a promoção da reabilitação e da revitalização dos centros históricos e dos elementos de património cultural classificados um dos seus objectivos específicos (artigos 3º, alínea d), e 6º, nº1, alínea h), da Lei nº 48/98).

O sistema de gestão territorial organiza-se no âmbito nacional, regional e municipal, concretizando-se, neste último nível, através dos planos intermunicipais e dos planos municipais de ordenamento do território, nestes se incluindo os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor. No âmbito dos interesse públicos com expressão territorial inclui-se o património arquitectónico e arqueológico, ao qual está dedicado o artigo 15º do Decreto-Lei nº 380/99, que se transcreve:
«Artigo 15º
Património arquitectónico e arqueológico
1 - Os elementos e conjuntos construídos que representam testemunhos da história da ocupação e do uso do território e assumem interesse relevante para a memória e a identidade das comunidades são identificados nos instrumentos de gestão territorial.
2 - Os instrumentos de gestão territorial, designadamente através do programa nacional da política de ordenamento do território, dos planos regionais e planos intermunicipais de ordenamento do território e dos planos sectoriais relevantes, estabelecem as medidas indispensáveis à protecção e valorização daquele património, acautelando o uso dos espaços envolventes.
3 - No quadro definido por lei e pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respectivo conteúdo, os planos municipais de ordenamento do território estabelecerão os parâmetros urbanísticos aplicáveis e a delimitação de zonas de protecção.»

Os planos municipais do ordenamento do território têm natureza regulamentar, são aprovados pela assembleia municipal e estão sujeitos a ratificação governamental, através da qual se reconhece a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes bem como com outros instrumentos de gestão territorial eficazes. Entre os objectivos que visam prosseguir incluem-se a garantia da qualidade ambiental e a preservação do património cultural.

Na parte dedicada ao plano director municipal (de elaboração obrigatória), o artigo 84º - “Objecto” - dispõe que este «estabelece o modelo de estrutura espacial do território municipal, constituindo uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local prosseguida, integrando as opções de âmbito nacional e regional com incidência na respectiva área de intervenção».

No conteúdo material destes planos, definido no artigo seguinte, inclui-se a identificação de condicionantes, abrangendo as reservas e zonas de protecção; entre os elementos que o integram, nos termos do artigo 86º, contam-se o regulamento, o plano de ordenamento e a planta de condicionantes, sendo que esta identifica as servidões e restrições de utilidade pública em vigor, que possam constituir limitações ou impedimentos a qualquer forma específica de aproveitamento.
Na análise deste diploma, merece-nos ainda referência o capítulo III, sobre “Violação dos instrumentos de gestão territorial”, que estabelece como princípio geral, no artigo 101º, a compatibilidade entre os diversos instrumentos de gestão territorial, bem como a conformidade dos actos praticados com os instrumentos de gestão territorial, como condição da respectiva validade.

Dispõe o artigo 102º:
«Artigo 102º
Invalidade dos planos
1 - São nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial com o qual devessem ser compatíveis.
2 - Salvo menção expressa em contrário, acompanhada da necessária comunicação do dever de indemnizar, a declaração de nulidade não prejudica os efeitos dos actos administrativos entretanto praticados com base no plano.»

Também o artigo 103º comina com nulidade os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável.

E o artigo 105º prevê os casos[44] em que pode ser determinado o embargo de trabalhos ou a demolição de obras; embora não estejam previstos neste elenco os casos de embargo e demolição por violação das normas a que se refere este parecer, afigura-se que nada obsta a que se mantenham os poderes para tal conferidos ao IPPAR por lei especial.

Noutra perspectiva, cabe referir que os instrumentos de gestão territorial podem ser objecto de alteração, revisão e suspensão. Num equilíbrio entre a mutabilidade (associada à necessária actualização e à «dimensão realizadora») e a estabilidade (emergente dos factores de programação e previsibilidade das decisões e de segurança dos particulares)[45] prevê-se um período de três anos em que, em princípio, o plano municipal não deve ser alterado, estabelecendo-se, em contrapartida, que o mesmo deverá ser revisto ao fim de 10 anos.

Às causas normais de alteração acrescem correcções de erros materiais nas disposições regulamentares ou nas representações cartográficas, bem como ajustamentos ou acertos de incongruências ou discrepâncias nas plantas, incluindo os que decorrem de delimitações de limites físicos identificáveis no terreno, aplicando-se nestes casos um “regime simplificado” de alteração estabelecido pelo artigo 97º do Decreto-Lei nº 380/99[46].

O nº 2 do artigo 143º, referente ao “Dever de indemnização”, estabelece o princípio de que «São indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação», dispondo o nº 3 que tais restrições, quando resultam de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares[47], «apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.»

O segmento final deste último dispositivo consagra pois a possibilidade de extinção de efeitos de licenças e autorizações, validamente concedidas, em consequência da revisão do plano[48]. A possibilidade de extinção dos efeitos daqueles actos administrativos constitutivos de direitos, pode suscitar algumas reservas face ao regime de irrevogabilidade que lhes é inerente e face ao princípio da protecção da confiança ínsita na ideia de Estado de Direito democrático; porém, em situação algo similar, o Tribunal Constitucional e este Conselho aceitaram o efeito retrospectivo dos planos territoriais e a sua prevalência sobre actos administrativos validamente praticados à luz de planos anteriores, que se revelavam desconformes com as novas disposições, salvaguardado o dever de indemnizar[49] [50].
VI

1. A questão a dilucidar situa-se no confronto entre as exigências que decorrem directamente da lei e do acto definidor da servidão, e a aplicação de um plano de ordenamento do território segundo uma interpretação que contende com as primeiras.

Tenha-se presente que os actos administrativos de gestão urbanística devem observar as disposições dos planos em vigor, sob pena de nulidade, e que o PDM de Caminha se mostra válido e eficaz até decisão em contrário.

É desta concorrência normativa que emergem as dúvidas que suscitaram o presente parecer.

2. A planta de condicionantes - peça determinante na resolução desta questão - é um dos elementos gráficos que integram o conteúdo dos planos.

No caso do PDM, verificámos que este compreende uma parte escrita e uma parte gráfica. Na parte escrita, incluem-se o regulamento (que define um modelo de organização municipal do território), estudos de caracterização do território municipal, o relatório (que fundamenta as soluções adoptadas) e um programa (que menciona as intervenções municipais previstas e respectivo financiamento). Na parte desenhada, incluem-se a planta de ordenamento (que representa o modelo de estrutura espacial do território municipal, de acordo com a classificação e a qualificação dos solos, bem como as unidades operativas de planeamento e gestão definidas) e a planta de condicionantes.

Sob a designação “planta de condicionantes” «reúnem-se acontecimentos ou simples factores que, à partida, têm um estatuto de permanência e que se sobrepõem à capacidade operativa de uma figura de plano ou mesmo de um projecto»[51]. E esclarece-se: «É técnica usual e correcta que o processo de elaboração de um plano englobe, nas suas peças iniciais de análise, uma planta com a espacialização dos solos, de algum modo cativos para funções, ou limitados por razões previstas em matéria de lei, ou devido a características físicas preponderantes».

As servidões administrativas e as restrições de utilidade pública já existentes na data da aprovação dos planos de ordenamento do território impõem-se à vontade dos órgãos do poder local, constituindo, nas palavras de ALVES CORREIA[52], «uma limitação à liberdade de conformação daqueles instrumentos de planeamento territorial, devendo os mesmos respeitá-las e assinalá-las na denominada “planta de condicionantes”». Deste modo, considera o Autor que, embora a planta de condicionantes esteja dotada de força jurídica vinculativa, «a sua força normativa não advém dos próprios planos, mas sim de factores que lhe são estranhos e que se sobrepõem à própria voluntas ordenadora dos planos» e, consequentemente, não a inclui entre os elementos que considera relevantes para a criação ex novo de disposições dotadas de força normativa (que, no caso do PDM seria o conjunto formado pelo regulamento e pela planta representativa das regras jurídicas que o compõem - a planta de ordenamento).

Na mesma linha, mas excluindo mesmo o carácter vinculativo da planta de condicionantes, PERESTRELO DE OLIVEIRA[53] manifestava já a sua discordância quanto à qualificação como elemento fundamental dos planos de ordenamento territorial que lhe era atribuída pelo Decreto-Lei nº 69/90, por considerar que aquela peça gráfica se destinava apenas a «assinalar as servidões administrativas e as restrições de utilidade pública previamente estabelecidas através ou ao abrigo dos diplomas específicos sectoriais» e que «não traduz graficamente o regime do plano de ordenamento em que se integra, possui apenas valor informativo».

O conteúdo das condicionantes é algo que se impõe e condiciona os poderes de planificação das autoridades municipais, as quais se limitam a «reproduzir técnica ou materialmente a parte da carta de condicionantes que interfira com o respectivo território»[54].

Da natureza informativa da planta de condicionantes, que se limita a assinalar a existência e a expressão gráfica daquelas servidões e restrições, resulta que a mesma não tem qualquer virtualidade ou autonomia para criar, definir ou, de algum modo, alterar aquilo que deve apenas reproduzir com exactidão. A representação de determinados elementos nesta planta não tem efeito constitutivo, mas apenas informativo ou reprodutivo; as representações efectuadas têm de respeitar a lei ou o acto que estabelece as servidões ou restrições assinaladas, reproduzindo-as com exactidão, não sobrando nesta actividade qualquer espaço de autonomia. É mister que se observe o disposto nas normas ou nos actos que as criaram e definiram.

Acresce que o artigo 119º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 555/99, impõe às câmaras municipais o dever de manterem actualizados os instrumentos de gestão territorial e as restrições de utilidade pública, nomeadamente, as zonas de protecção de imóveis classificados. Resulta também deste imperativo que as plantas de condicionantes que as assinalam não constituem um elemento rígido e fixo incorporado no plano desde a sua entrada em vigor, mas antes um elemento informativo que o integra, numa dimensão dinâmica, e com uma função de delimitação do poder decisório face a condicionamentos e restrições de interesse público que a cada momento se lhe impõem e lhe prevalecem.

No mesmo sentido, o nº 3 do artigo 25º da Lei nº 48/98 (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo) dispõe que «São directamente aplicáveis aos instrumentos de gestão territorial referidos no número anterior[55] as novas leis e regulamentos que colidam com as suas disposições ou estabeleçam servidões administrativas ou restrições de utilidade pública que afectem as suas prescrições», sendo esta uma das hipóteses que determina a alteração obrigatória dos planos.

Deste modo, a análise desta peça não deve olvidar o instrumento jurídico que visa expressar graficamente. Do mesmo modo, em caso de representação duvidosa ou ambígua mostra-se adequada uma leitura que se mostre conforme à respectiva fonte.

Refere DIAS MARQUES[56], a propósito da interpretação correctiva da lei em função do elemento sistemático, que «tratando-se de textos de nível hierárquico diferente que hajam de ser objecto de interpretação, deve o texto de nível inferior ser interpretado, sempre que possível, em termos de conformidade com o texto de nível superior».

No caso em apreço, cremos ter todo o cabimento uma interpretação secundo legem do documento em causa, numa perspectiva integrada que tenha em conta o complexo normativo aplicável. Esta via adequar-se-á ainda mais num quadro cuja tipicidade é descrito por PERESTRELO DE OLIVEIRA[57] nos seguintes termos:

«A variedade dos tipos das servidões administrativas e das restrições de utilidade pública ao direito de propriedade, a sua dispersão por numerosos diplomas de natureza distinta, publicados em momentos diversos, ausência, em muitos casos, de concretização gráfica das respectivas áreas de incidência ou de rigor das delimitações, são factores, entre outros, que dificultam a identificação física dos imóveis a elas sujeitos e transformam esta matéria num verdadeiro labirinto».

Constatámos já que a representação gráfica da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena que consta na planta de condicionantes do PDM de Caminha corresponde apenas ao perímetro físico do imóvel classificado, não incluindo qualquer zona de protecção.

Na configuração gráfica deve haver uma separação nítida entre imóvel classificado e zona de protecção, até porque são diferentes, em cada um dos casos, os condicionamentos e restrições a ter em conta; a zona de protecção deve ser expressamente definida e delimitada por referência exterior ao imóvel e não o inverso, passando este a ser definido para o interior, a partir do limite extremo da zona de protecção.

Na ausência de expressão gráfica da zona de protecção haverá que interpretar a legenda da respectiva planta, na parte em que, com referência à mancha representativa do imóvel classificado menciona, em parêntesis, “com zona de protecção”, no sentido de significar que o imóvel tem uma zona de protecção.

Dessa leitura resulta que àquela mancha acrescerá a zona geral de protecção de 50 metros, em conformidade com as normas que, no âmbito da defesa do património cultural imobiliário a impõem e definem, e com o decreto de classificação que, no caso concreto, a instituiu de forma automática. A mesma leitura mostra-se também conforme à seguinte disposição normativa contida no nº 3 do artigo 36º do Regulamento daquele PDM: «Sem prejuízo de zona de protecção expressamente delimitada, todos os elementos classificados e ou em vias de classificação como património cultural dispõem de uma área de protecção de 50m, para além dos seus limites físicos».

Resulta deste entendimento que, respeitando o loteamento licenciado a local abrangido pela zona geral de protecção do imóvel, carecia por isso de parecer prévio favorável do IPPAR, sob pena de nulidade, nos termos da alínea c) do artigo 68º do Decreto-Lei nº 555/99, e com as consequências no plano jurídico-administrativo referidas nas conclusões do parecer da Senhora Auditora Jurídica, a saber, a admissibilidade de o IPPAR, precedendo autorização ministerial, proceder a embargo administrativo e à demolição de obras ou trabalhos já efectuados.

Já no que concerne a eventuais responsabilidades criminais pela prática de crimes de dano qualificado - matéria a que se refere a parte final daquele parecer, com base em elementos constantes em “processos anexos”, de que não dispomos - abstemos-nos, por falta de elementos de suporte, de tomar posição, sem prejuízo de considerarmos que, em caso de existência de indícios da prática de tais crimes, deverão os factos ser participados ao Ministério Público, nos termos previstos no artigo 242º do Código de Processo Penal.

Finalmente, face à constatação de que a planta de condicionantes do PDM de Caminha, na parte que respeita à Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena – e, eventualmente, também em relação a outros imóveis classificados – não assinala expressamente a respectiva zona geral de protecção, e apesar dessa delimitação resultar directamente da lei, afigura-se-nos que subsiste uma deficiência na expressão gráfica que deve ser suprida através do procedimento de alteração, sob a forma simplificada, previsto no artigo 97º do Decreto-Lei nº 380/99.

VII

Face ao exposto formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - Nos termos do artigo 43º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, tal como nos termos da anterior legislação sobre defesa e protecção do património cultural, a classificação de um imóvel como de interesse público determina a criação automática de uma zona geral de protecção de 50 metros a contar dos limites externos do imóvel classificado, caracterizada como servidão administrativa;
2ª - Os planos municipais de ordenamento territorial devem acolher normativamente e representar graficamente as condicionantes, assinalando as servidões administrativas e as restrições de utilidade pública que resultam do acto de classificação e da lei, as quais se sobrepõem à liberdade conformadora desses instrumentos de gestão territorial;

3ª - As dúvidas ou divergências entre a representação gráfica na planta de condicionantes que faz parte do plano director municipal e a definição resultante da lei e do acto de classificação do imóvel devem ser resolvidas no sentido que se mostrar conforme às exigências da lei com base na qual foi atribuída a classificação;

4ª - Correspondendo a representação gráfica da Estação Arqueológica do Alto do Coto da Pena na planta de condicionantes do Plano Director Municipal de Caminha aos limites do imóvel, tal como consta no processo que culminou com a sua classificação, é a partir desses limites que se estabelece a zona geral de protecção;

5ª - O licenciamento de uma operação urbanística na zona de protecção do imóvel classificado, sem parecer prévio favorável do IPPAR, é nulo, nos termos do artigo 68º, alínea c), do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro;

- Nos termos do artigo 47º, nº 2, da Lei nº 107/2001, e dos artigos 4º, nº 2, e 11º, c) e d), do Decreto-Lei nº 120/97, de 16 de Maio, e mediante autorização ministerial, o IPPAR dispõe de competência para proceder ao embargo administrativo e à demolição das obras e trabalhos já efectuados;

7ª - Não estando expressamente assinalada naquela planta de condicionantes a zona geral de protecção do imóvel classificado deverá essa deficiência gráfica ser suprida através do procedimento simplificado de alteração, previsto no artigo 97º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro.








[1] Através de ofício nº 4925, de 5 de Novembro de 2004, com referência ao processo 04.50.149.
[2] Parecer nº 41/DC/04, de 27 de Maio de 2004.
[3] Conforme menção constante do parecer da Auditoria Jurídica.
[4] Parecer AJMC – 71/04–P.
[5] Aprovado pela Assembleia Municipal em 23 de Janeiro de 1995, ratificado por Resolução do Conselho de Ministros de 21 de Setembro de 1995, publicado no Diário da República, 1ª Série B, de 29 de Novembro de 1995.
[6] As normas do Decreto-Lei nº 1/78 citadas referiam-se às atribuições da Secretaria de Estado da Cultura em matéria de protecção do património cultural e natural, e as normas dos Decretos-Leis nº 34/80 e nº 59/80 referiam-se a competências do Instituto Português do Património Cultural (IPPC).
[7] Cfr. ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, página 565.
[8] Autores e obra citada na nota anterior, página 586.
[9] Direito do Urbanismo, Lisboa, Quid Juris?, 1999, página 358.
[10] De acordo com informação junta terá sido emitido, em data posterior ao acto de licenciamento, parecer expresso em sentido desfavorável.
[11] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, página 377 e seguintes.
[12] “O património cultural na Constituição”, Perspectivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976, Coimbra Editora, 1996, Separata do I volume, página 340 e seguintes.
x1 O nº 1 do artigo 78º refere, a par destes direitos, o direito de criação cultural, o que constitui uma duplicação em face do disposto no artigo 42º, justificada porém pela vontade do legislador constitucional de inserir a protecção do património de pleno no objectivo mais vasto de promoção da cultura.
x2 Este direito, à semelhança do direito à protecção ambiental, surge com uma dupla natureza: de direito (económico, social e cultural) e de direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, beneficiando, a este título, do regime dos artigos 18º e seguintes, da CRP, ex vi do artigo 17º da CRP e, na segunda qualidade (de direito económico, social e cultural) do princípio da proibição do retrocesso – que impõe a manutenção do status quo legislativo já adquirido – cfr. JORGE MIRANDA, «A Constituição e o Direito do Ambiente», in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 353 segs., max. 363 segs.
[13] No plano internacional a preservação do património imobiliário tem sido objecto de diversos instrumentos jurídicos, destacando-se a Carta de Atenas do Restauro de 1933, a Carta Europeia do Património Arquitectónico, de 1975, a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural adoptada pela UNESCO em 1972, e a Convenção para a Salvaguarda do património Arquitectónico da Europa, aprovada em 1985 pelo Conselho da Europa, constando destas últimas convenções as definições de monumentos, conjuntos e sítios, categorias que viriam a ser adoptadas pelo legislador interno.
[14] Sobre os instrumentos de direito internacional e o direito interno em matéria de defesa do património cultural, cfr. o parecer deste Conselho, nº 87/90, de 9 de Novembro de 1990.
[15] Cfr. MARIA CELESTE CARDONA, “Defesa e conservação do património imobiliário”, in Direito do Urbanismo, INA, 1989, página 451. A Autora apresenta um elenco de diplomas e disposições legais que considera em vigor, aplicando-se aos respectivos efeitos a Lei do Património Cultural na parte exequível por si mesma.
[16] Embora o artigo 61º fixasse em 180 dias o prazo para a publicação dos indispensáveis decretos-leis de desenvolvimento, esta nunca teve lugar, sendo mesmo referido que «no próprio ano em que foi publicada a Lei nº 13/85 concluiu-se pela inviabilidade da sua regulamentação, passando mesmo a pensar-se desde logo na alteração do diploma», reconhecendo os Autores a reduzida ou quase nula exequibilidade, ou mesmo a sua eventual inconstitucionalidade por omissão consubstanciada na não emissão da legislação de desenvolvimento. Cfr., entre outros, MARIA CELESTE CARDONA, obra e local citados; MIGUEL NOGUEIRA PINTO, “Sobre a legislação do Património Cultural”, in Revista Jurídica, nº 11 e 12, Janeiro/Junho de 1989, página 161 e seguintes.
[17] FERNANDO CONDESSO, obra citada, página 357.
[18] Local citado.
[19] Cfr. nota 6.
[20] Cfr. ANTONIO CORDEIRO, “Património Cultural”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Lisboa, Coimbra Editora, 1994, volume VI, página 279 e seguintes. O Autor critica a prática de, após a aprovação da Lei nº 13/85, se continuar a adoptar a tipologia anterior.
[21] Acerca da evolução do conceito de bem cultural cfr. CARLA AMADO GOMES, local citado, página 345.
[22] O IPPC foi criado pelo Decreto-Lei nº 59/80, de 3 de Abril. A sua lei orgânica foi aprovada pelo Decreto-Lei nº 34/80, de 2 de Agosto; o Decreto-Lei nº 216/90, de 3 de Julho, revogou a lei anterior e aprovou o estatuto orgânico deste instituto público; este último diploma foi revogado pelo Decreto-Lei nº 106-A/92, de 1 de Julho.
[23] Cfr., sobre este ponto, MIGUEL NOGUEIRA PINTO, local citado, página 175.
[24] Nos termos do artigo 8º, nº 1, estas categorias eram definidas pela seguinte forma:
Monumentos: obras de arquitectura, composições importantes ou criações mais modestas, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, técnico ou social, incluindo as instalações ou elementos decorativos que fazem parte integrante destas obras, bem como as obras de escultura ou de pintura monumental;
Conjuntos: agrupamentos arquitectónicos urbanos ou rurais de suficiente coesão, de modo a poderem ser delimitados geograficamente, e notáveis, simultaneamente, pela sua unidade ou integração na paisagem e pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico ou cultural;
Sítios: obras do homem ou obras conjuntas do homem e da natureza, espaços suficientemente característicos e homogéneos, de maneira a poderem ser delimitados geograficamente, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico ou social.
[25] Cfr. “Exposição de motivos” da proposta de lei nº 39/VIII e actas de discussão na generalidade, publicadas no Diário da Assembleia da República, II Série, de 15 de Julho de 2000, e I Série, de 6 de Janeiro de 2001, respectivamente.
[26] Também o artigo 26º-A do Código de Processo Civil reconhece legitimidade ao Ministério Público para propôr e intervir em acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa do património cultural.
[27] Destacam-se o dever de comunicação à administração do património em caso de risco de destruição ou deterioração, a obrigatoriedade de os projectos e estudos serem subscritos por técnicos especialmente qualificados, a autorização expressa e o acompanhamento pelos órgãos competentes da Administração Central, Regional ou Local, a obrigatoriedade de realização de obras de conservação que forem determinadas, as restrições à demolição, a possibilidade de expropriação em determinadas circunstâncias, etc.
[28] O Decreto-Lei nº 131/2002, de 11 de Maio, estabelece a forma de criação e gestão de parques arqueológicos, bem como os objectivos, conteúdo material e documental do plano de ordenamento de parque arqueológico.
[29] Este instituto emergiu do desdobramento do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (anterior IPPAR), de que resultou também a criação do Instituto Português de Arqueologia (IPA), estando actualmente os dois institutos públicos em processo de fusão, nos termos determinados pela Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio.
[30] CASALTA NABAIS, “Ideia sobre o quadro jurídico do património cultural”, I Curso de Gestão do Património Cultural, 14 a 18 de Setembro de 1992, Comunicações, Centro de Estudos e Formação Autárquica, página 145 e seguintes.
[31] “Propriedade de bens culturais – restrições de utilidade pública, expropriações e servidões administrativas”, in Direito do Património Cultural (obra citada), página 393 e seguintes.
x3 Sobre o conceito de “servidão administrativa”, cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, 9ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 1980, p.1052,1062; J. Oliveira Ascensão, O Urbanismo e o Direito de Propriedade, in “Direito do Urbanismo, coord. D. Freitas do Amaral, Lisboa, INA, 1989,página 326; A. Pereira da Costa, Servidões Administrativas e Outras Restrições de Utilidade Pública, Ecla, 1992,página 21 e 22; e o exórdio do Decreto-Lei nº 181/70, de 28 de Abril.
[32] Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1997, página 371.
Cfr. ainda NUNES BARATA, “Servidão Administrativa”, Dicionário Jurídico da Administração Pública (obra citada), volume VII, página 399.
[33] Manual de Direito do Urbanismo, Coimbra, Almedina, 2001, volume I, página 213.
[34] Sobre o tema, cfr., entre outros, os pareceres deste Conselho, nº 18/97, de.9 de Julho de 1997,.e nº 37/2002, de 23 de Outubro de 2003.
[35] Este diploma determina que a constituição de uma servidão administrativa, desde que exija a prática de um acto da Administração, deve ser precedida de aviso público e ser facultada audiência aos interessados e estabelece o respectivo procedimento.
[36] Segundo refere o expediente junto terá chegado a ser emitido um acto de definição de zona especial de protecção, mas foi dado sem efeito antes de ser publicado, não tendo adquirido eficácia.
[37] Alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, e pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro.
[38] ALVES CORREIA, Manual citado, página 413
[39] “Da contemplação da Ruína ao património Sustentável”, Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, nº 10, ano V, 2002, página 69 e seguintes.
[40] Alterado pelos Decretos-Leis nº 211/92, de 8 de Outubro e nº 155/97, de 24 de Junho. Revogado pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro.
Cfr., entre outros, e com referência ao regime jurídico instituído por este diploma, o parecer deste Conselho nº 71/93, de 14 de Janeiro de 1994, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Setembro de 1994.
[41] Sobre a natureza jurídica do acto de ratificação governamental dos planos directores municipais cfr. ALVES CORREIA, Manual citado, página 273 e jurisprudência aí citada.
[42] Sobre o vício que afecta o acto administrativo que viole os planos municipais de ordenamento do território, no período de tempo que mediou entre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 69/90 e a entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 445/91, de 20 de Novembro, e nº 448/91 de 29 de Novembro, referentes aos licenciamentos de obras e de loteamentos, respectivamente, cfr. parecer deste Conselho nº 82/92, de 10 de Março de 1993, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Maio de 1994.
[43] Alterado pelos Decretos-Leis nº 53/2000, de 7 de Abril, e nº 310/2003, de 10 de Dezembro.
Para um amplo desenvolvimento no âmbito deste diploma, cfr. parecer deste Conselho nº 115/2003, de 23 de Setembro de 2004.
[44] O artigo 105º prevê as seguintes hipóteses de demolição:
a) Pelo presidente da câmara municipal, quando violem plano municipal de ordenamento do território;
b) Pelo Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, quando violem plano especial de ordenamento do território;
c) Pelo Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, quando esteja em causa a prossecução de objectivos de interesse nacional ou regional.
[45] Cfr. ALVES CORREIA, Manual citado, página 345.
[46] Dispõe este preceito:
«Artigo 97º
Alterações sujeitas a regime simplificado
1-Estão sujeitas a um regime procedimental simplificado:
(...)
e) As alterações de natureza técnica que traduzam meros ajustamentos do plano.
2- As alterações referidas na alínea e) do nº 1, consistem, designadamente, em:
a) Correcções de erros materiais nas disposições regulamentares ou na representação cartográfica;
b) Acertos de cartografia determinados por incorrecções de cadastro, de transposição de escalas, de definição de limites físicos identificáveis no terreno, bem como por discrepâncias entre plantas de condicionantes e plantas de ordenamento;
c) Correcções de regulamentos ou de plantas determinadas por incongruência entre os mesmos;
d) Alterações até 3% da área de construção em planos de urbanização e plano de pormenor:
3- As alterações referidas no nº 1 devem ser elaboradas pela entidade responsável pela elaboração do plano, no prazo de 90 dias, através da reformulação dos elementos na parte afectada.
4- Às alterações dos planos municipais referidas no nº 1 aplica-se o disposto no nº 1 do artigo 79º, após o que são comunicadas à comissão de coordenação e desenvolvimento regional, encontrando-se ainda sujeitas ao previsto nos artigos 148º a 151º do presente diploma.»
[47] Incluem-se no conceito de instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares, os planos municipais de ordenamento do território e os planos especiais de ordenamento do território (artigo 3º do Decreto-Lei nº 380/99).
[48] ALVES CORREIA, Manual citado, página 503 e seguintes, considera este princípio também aplicável aos casos de alteração e de suspensão dos planos.
[49] Sobre o tema: JOAO MIRANDA, A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial (a Alteração, a Revisão e a Suspensão dos planos), Coimbra Editora,2002, página 311 e seguintes; ALVES CORREIA, Manual citado, página 503 e seguintes.
[50] Parecer deste Conselho nº 68/94, de 7 de Fevereiro de 1996.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se, em sede de fiscalização abstracta, na sequência da arguição de inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 351/93, de 7 de Outubro. Este Tribunal não julgou inconstitucionais as respectivas normas, que permitiam a ablação do direito a licenças e autorizações anteriormente concedidas face a um juízo de desconformidade com os novos planos, salvaguardando o dever de indemnização dos particulares lesados (Acórdão nº 517/99, de 22 de Setembro, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Novembro de 1999). Também o mesmo Tribunal considerou, em outro acórdão, que o princípio da irrectroactividade dos planos não pode ser entendido em termos absolutos e que só uma rectroactividade intolerável, que afectasse de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundadas, violaria o princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de Direito democrático (Acórdão nº 11/83, de 12 de Outubro de 1982).
[51] MANUEL COSTA LOBO, PAULO CORREIA; SIDÓNIO PARDAL; MARGARIDA SOUSA LOBO, Normas Urbanísticas (princípios e conceitos fundamentais), Lisboa, Direcção Geral do Ordenamento do Território e Universidade Técnica de Lisboa, 1990, volume I, página 220.
[52] Manual citado, página 219.
[53] Planos Municipais de Ordenamento do Território, Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, Anotado, Coimbra, Almedina, 1991, página 51 e seguintes.
[54] Cfr. JOÃO PACHECO DE AMORIM, “Das relações entre a condicionante da RAN e os diversos instrumentos de planeamento urbanístico e ordenamento do território” (parecer jurídico), in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº 14, Dezembro, 2000, página 237 e seguintes.
[55] O número anterior referia-se aos planos vinculativos dos particulares, nos quais se incluem, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 380/99, os planos municipais de ordenamento do território.
[56] Introdução ao Estudo do Direito, 4ª edição, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1972, página 286.
[57] Obra e local citados.