Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002187
Parecer: P001302002
Nº do Documento: PPA300420030013000
Descritores: HOSPITAL DO PROFESSOR DOUTOR FERNANDO FONSECA
SOCIEDADE ANÓNIMA
ARS
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
CONTRATO DE GESTÃO
ESTABELECIMENTO PÚBLICO
ACTO DE GESTÃO PÚBLICA
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
CONVENÇÃO
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
COMPROMISSO ARBITRAL
LITÍGIO DE DIREITO PRIVADO
PAGAMENTO INDEVIDO
RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA
LEI ESPECIAL
QUESTÃO PREJUDICIAL
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL DE CONTAS
FISCALIZAÇÃO PRÉVIA
FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA
CONTROLO FINANCEIRO
VISTO DO TRIBUNAL DE CONTAS
MINISTÉRIO PÚBLICO
Livro: 00
Pedido: 11/13/2002
Data de Distribuição: 11/21/2002
Relator: MÁRIO SERRANO
Sessões: R1
Data da Votação: 04/30/2003
Tipo de Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: DESPACHO DE S EXA O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Privacidade: [12]
Indicação 2: ASSESSOR:LUBÉLIA HENRIQUES
Conclusões: 1. Nos termos do nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto – Arbitragem Voluntária –, o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, quer cláusulas compromissórias, quer compromissos arbitrais, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se elas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado;

2. O nº 2 do artigo 2º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, ao dispor serem admissíveis tribunais arbitrais no domínio do contencioso dos contratos administrativos e da responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o contencioso das acções de regresso, constitui «lei especial» para os efeitos previstos no nº 4 do artigo 1º da Lei de Arbitragem Voluntária, não tendo sido por esta revogado;

3. O artigo 188º do Código do Procedimento Administrativo, ao estatuir sobre a admissibilidade de cláusulas compromissórias nos contratos administrativos, constitui nessa medida igualmente «lei especial» para os mesmos efeitos, não prejudicando a possibilidade de celebração de compromissos arbitrais concernentes ao contencioso de plena jurisdição dos mesmos contratos;

4. A cláusula compromissória 44ª do contrato administrativo de gestão do Hospital Amadora/Sintra Professor Fernando da Fonseca, mediante a qual as partes contratantes – a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a Sociedade Gestora, S.A. do mesmo Hospital – remeteram para tribunal arbitral a resolução das questões entre elas suscitadas, designadamente acerca da interpretação, validade ou execução do negócio jurídico, tem fundamento legal nas normas citadas nas anteriores conclusões 1., 2. e 3.;

5. A responsabilidade financeira tem pressupostos, finalidades e consequências diversas de outras formas de responsabilidade, e deve ser apurada e efectivada independentemente de outras formas de responsabilidade que possam derivar dos mesmos factos;

6. A competência material para a efectivação da responsabilidade financeira pertence ao Tribunal de Contas, devendo ser requerida pelo Ministério Público, no exercício de competência directamente prevista na lei, independentemente de eventuais responsabilidades de outra natureza, emergentes dos mesmos factos, que devam ser apuradas noutras jurisdições;

7. Mas se o conhecimento dessa responsabilidade financeira depender de determinada interpretação do contrato (e na medida em que dela dependa) – enquanto matéria da competência de tribunal arbitral, em substituição de tribunal administrativo, por força de convenção de arbitragem –, estará verificada uma situação de prejudicialidade, pelo que o Ministério Público deve ponderar a necessidade ou utilidade em sustar a instauração da respectiva acção e o Tribunal de Contas pode, caso seja instaurada essa acção, sobrestar no seu prosseguimento, atenta a iminência ou a pendência da acção arbitral, ao abrigo (consoante o respectivo condicionalismo) do artigo 97º ou do artigo 279º, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 80º, alínea a), da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas).

Texto Integral:
Senhor Conselheiro
Procurador-Geral da República,
Excelência:


I

1. Sua Excelência o Ministro da Saúde expôs em 24 de Outubro de 2002 a Sua Excelência o Presidente do Tribunal de Contas determinadas questões relacionadas com o contrato de gestão do Hospital Amadora/Sintra Professor Doutor Fernando da Fonseca – doravante designado simplesmente Hospital – assinado em 10 de Outubro de 1995.

Trata-se nuclearmente de divergências entre os outorgantes, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo – subsequentemente ARS apenas, por simplicidade –, por um lado, e a Sociedade Hospital Amadora/Sintra-Sociedade Gestora, S.A. – a partir de agora abreviadamente Sociedade –, por outro, que reciprocamente se reclamam créditos de avultado valor.

O diferendo atingiu uma dimensão pública nos meios de comunicação social cujos termos determinaram o Ministro da Saúde do XIV Governo a providenciar pela realização de inquérito à execução do contrato, no âmbito do qual veio a Inspecção- -Geral de Finanças a apurar indícios de ilícitos criminais e disciplinares.

Refere o membro do Governo exponente que o respectivo relatório foi remetido ao Tribunal de Contas e à Procuradoria-Geral da República, enquanto ele próprio ordenava a instauração dos competentes procedimentos aos funcionários identificados pela Inspecção-Geral.

Sucede, em todo o caso, que o contrato prevê a resolução das questões acerca da sua interpretação, validade e execução mediante acordo das partes outorgantes e, em derradeiro termo, por recurso à arbitragem segundo a equidade.

Na opinião do mesmo membro do Governo, a intervenção do tribunal arbitral não prejudica o apuramento das eventuais responsabilidades criminal e financeira de agentes do Estado – tais como os anteriores membros dos conselhos de administração da ARS –, estranhas ao objecto da arbitragem e excluídas da disponibilidade das partes contratuais, cuja decisão pertence autonomamente aos tribunais criminais e ao Tribunal de Contas.

Daí que Sua Excelência o Ministro tenha decidido instruir a ARS no sentido de «avançar com as diligências prévias conducentes à explicitação do compromisso arbitral necessário para resolver o impasse».


2. O Exmº Senhor Presidente do Tribunal de Contas despachou a exposição em 25 de Outubro de 2002, dando da mesma conhecimento aos Exmºs Conselheiros e Procurador-Geral Adjunto na 3ª Secção e informando o referido membro do Governo que «as implicações do compromisso arbitral no eventual processo de efectivação de responsabilidade financeira reintegratória contra os alegados autores dos pagamentos indevidos à Sociedade Gestora do Hospital Amadora-Sintra emergentes da auditoria da I.G.F., só podem ser tiradas desde logo pelo Ministério Público e depois por decisão do Senhor Conselheiro da 3ª Secção a quem esse processo venha a ser distribuído (cfr. art. 57, nº 1, 59, 61, 79 nº 2 e 89 da Lei nº 98/97)».


3. Neste conspecto, o Exmº Procurador-Geral Adjunto a quem o processo foi distribuído trouxe ao conhecimento de Vossa Excelência, em 5 de Novembro de 2002, os documentos mencionados, manifestando a sua preocupação pela interferência da jurisdição arbitral no exercício das competências do Tribunal de Contas mediante a acção de responsabilidade financeira por pagamentos indevidos que o Ministério Público ali pretende intentar.

Desde logo – observa –, «parece de difícil compreensão a possibilidade de um tribunal arbitral poder pronunciar-se, previamente, sobre a verificação da legitimidade desses mesmos pagamentos e, assim, sobre os danos por eles causados».

Assim é que a própria lei da arbitragem voluntária – Lei nº 31/86, de 29 de Agosto – contempla «no nº 1 do artigo 1º e 27º, nº 1, b) e e) algumas limitações ao âmbito de jurisdição dos tribunais arbitrais, cominando as respectivas sanções processuais».

E no tocante ao artigo 188º do Código do Procedimento Administrativo, «alguns comentadores vêm levantando dúvidas quanto à legalidade e mesmo constitucionalidade da constituição e âmbito de competências dos tribunais arbitrais», «designadamente, quando, subjacentemente, possam estar em causa ilícitos de natureza administrativa» ([1]).

Em segundo lugar, «o Tribunal arbitral pode julgar segundo a equidade, enquanto a análise pelo Tribunal de Contas da responsabilidade financeira se faz obrigatoriamente por critérios de legalidade».

Em terceiro lugar, figuram-se na informação em apreço possíveis contradições de julgados.

Por um lado, «da decisão do tribunal arbitral poderá resultar para o Estado a assunção de responsabilidades que depois o Tribunal de Contas venha a considerar não existirem».

Acresce que «o Tribunal de Contas poderá vir a condenar os responsáveis pelos pagamentos indevidos», podendo o tribunal arbitral entender, ao invés, «que aqueles pagamentos corresponderam a dívidas efectivamente contraídas pelo Estado».

O que, «além de ocasionar uma contradição de julgados sobre os mesmos factos», ainda que a relação jurídica seja diversa, poderia constituir fonte de «injustiça para os condenados e de enriquecimento sem causa para o Estado».
Ademais, qualquer «decisão prévia e transitada do tribunal arbitral, que negue a ilegalidade dos pagamentos realizados» «pode vir a determinar ou condicionar a apreciação pelo Tribunal de Contas relativamente à verificação ou inexistência de danos decorrente desses pagamentos, nos termos e para os efeitos do que se dispõe no nº 4 do artigo 59º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto».

Por fim, afigura-se ao Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto «pouco curial que a entidade auditada ou quem a superintende possa, por via de um Tribunal composto, mesmo que só em parte, por árbitros por si nomeados (os outros, de resto, são nomeados pela entidade que, supostamente, beneficiou dos pagamentos indevidos), vir a contribuir para definir e a fixar, de certa forma, uma parcela do objecto do litígio».


4. Em face da informação que vem de sumariar-se Vossa Excelência solicitou ao Gabinete «informação breve dada a urgência em tomar posição sobre o assunto».

Na Informação nº 114/2002, Proc. nº 521/2001, Lº H-17, de 8 de Novembro de 2002, adrede emitida, equaciona-se a problemática exposta pelo Ministério Público no Tribunal de Contas e sugere-se a audição deste corpo consultivo.

Anuindo à sugestão e «tendo em conta a eventualidade de decisões contraditórias que possam vir a lume, emanadas do Tribunal Arbitral constituído, do Tribunal de Contas e da jurisdição penal, já que também corre termos um inquérito- -crime, sobre o caso», dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer do Conselho Consultivo, dando-se do facto conhecimento ao Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal de Contas e a Sua Excelência o Ministro da Saúde ([2]).
5. Flui do exposto que o ditame desta instância consultiva tem assim por objecto o tema da admissibilidade do recurso à arbitragem prevista no contrato de gestão do Hospital para a resolução das divergências existentes entre as partes outorgantes, na perspectiva do exercício, desde logo, das competências do Tribunal de Contas e, outrossim da jurisdição criminal, porventura suscitado pelos mesmos factos.

Cumpre emitir parecer atendendo a preocupações de urgência que afloram em passos do processo.

II
1. Sem prejuízo da adução oportuna de factos com interesse na economia da consulta, importa antes de mais conhecer o contrato de gestão cuja interpretação e execução está na origem do dissídio.


1.1. O contrato foi celebrado perante oficial público de nomeação governamental em 10 de Outubro de 1995, entre os representantes da ARS como primeira outorgante e da Sociedade como segunda outorgante, compreendendo 50 cláusulas agrupadas em 8 capítulos que vamos passar em revista ([3]).

1.2. O Capítulo I, Disposições Gerais e Objecto, compreende as cláusulas 1ª a 13ª, cujas epígrafes são em geral elucidativas do respectivo conteúdo:

- Cláusula 1ª (Definição);
- Cláusula 2ª (Anexos) ([4]);
- Cláusula 3ª (Regras de interpretação e integração);
- Cláusula 4ª (Entidade Gestora);
- Cláusula 5ª (Objecto) ([5]);
- Cláusula 6ª (Acesso) ([6]);
- Cláusula 7ª (Faculdade de referenciação) ([7]);
- Cláusula 8ª (Continuidade de cuidados) ([8]).

As cláusulas 9ª, 10ª e 11ª regulam, por sua vez, em diversos aspectos, as prestações da ARS à Sociedade, convindo transcrevê-las na íntegra:

«CLÁUSULA 9ª
(Retribuição)

1. A SEGUNDA CONTRATANTE obriga-se a cumprir o presente contrato mediante retribuição nos termos seguintes:
a) pelo preço global anual de Esc. 7.808.567.000$00 (sete mil oitocentos e oito milhões quinhentos e sessenta e sete mil escudos), resultante da proposta apresentada a concurso.
b) o preço referido em a) é actualizado de acordo com o disposto no nº 14 do Caderno de Encargos e no Artigo 38º, nº 3 da Portaria 704/94, de 29 de Julho.
2. As partes acordam no escalonamento das retribuições nos termos seguintes:
a) a primeira anuidade será a resultante do valor indicado em 1. a) e 1. b) deduzido de Esc. 2.000.000.000$00 (dois mil milhões de escudos).
b) o valor da segunda, terceira, quarta e quinta anuidade será o resultante do determinado com base nos nºs 1. a) e 1. b) acrescido de Esc. 2.000.000.000$00 ¸ 4, isto é, Esc. 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos).
3. A actualização é calculada tendo em conta o aumento médio percentual ponderado do conjunto do preçário relativo aos actos integrados nas valências funcionais do Hospital, de acordo com o disposto na Portaria referida no art. 25º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, incluindo a actualização que decorre da Portaria vigente à data da entrada em vigor do presente Contrato.
4. No caso de, por qualquer motivo, tal actualização não ser feita com periodicidade anual, será estabelecido como factor de actualização o que resultar do aumento do índice de preços específicos para a saúde, ocorrido no decurso da última anuidade, publicado pelo INE.
5. Logo que fixada ou transitoriamente estabelecida a actualização, acrescerá a mesma, imediatamente, sem necessidade de interpelação, a cada prestação mensal da anuidade em curso, sendo os eventuais retroactivos pagos no primeiro duodécimo vincendo.
«CLÁUSULA 10ª
(Prestações mensais)

1. A retribuição é repartida em prestações mensais a pagar pela PRIMEIRA CONTRATANTE, a partir da data em que o contrato entra em vigor até ao oitavo dia de cada mês.
2. No primeiro ano as prestações mensais serão de Esc. 375.000.000$00 (trezentos e setenta e cinco milhões de escudos) em cada um dos primeiros seis meses e de Esc. 593.094.500$00 (quinhentos e noventa e três milhões, noventa e quatro mil e quinhentos escudos) nos seis meses subsequentes.
3. Nos anos seguintes as prestações mensais serão iguais (duodécimos).
«CLÁUSULA 11ª
(Mora)

Por cada dia de atraso no pagamento de todas e quaisquer quantias referidas neste contrato, pagará a PRIMEIRA CONTRATANTE à SEGUNDA CONTRATANTE a título de reparação da mora, juros à taxa legal em vigor.»

Seguem-se as restantes cláusulas do Capítulo I, a saber:

- Cláusula 12ª (Outros aspectos financeiros);
- Cláusula 13ª (Entrada em vigor. Duração) ([9]).


1.3. O Capítulo II, subordinado à epígrafe Gestão e Funcionamento, estrutura-se em 4 secções, integrando as cláusulas 14ª a 27ª:

Secção I – Competências da Segunda Outorgante
- Cláusula 14ª (Competências da Segunda Outorgante).

Secção II – (Recursos Humanos)
- Cláusula 15ª (Estrutura dos recursos humanos);
- Cláusula 16ª (Pessoal com relação jurídica de emprego público);
- Cláusula 17ª (Contratos de trabalho e prestação de serviços);
- Cláusula 18ª (Requisição e licença sem vencimento);
- Cláusula 19ª (Regime do pessoal com relação jurídica de emprego público);
- Cláusula 20ª (Formação);
Secção III – Condições de Prestação de Serviço
- Cláusula 21ª (Plano de actividades);
- Cláusula 22ª (Orçamento);
- Cláusula 23ª (Garantia de Qualidade).

Secção IV – Bens e Equipamentos ([10])
- Cláusula 24ª (Bens e equipamentos afectos à gestão);
- Cláusula 25ª (Manutenção);
- Cláusula 26ª (Renovação de equipamentos);
- Cláusula 27ª (Danos ou destruição).


1.4. O Capítulo III, com a epígrafe Responsabilidade e Fiscalização, integra, por seu turno, 2 secções compreendendo as cláusulas 28ª a 33ª:

Secção I - Responsabilidade
- Cláusula 28ª (Responsabilidade da Segunda Outorgante);
- Cláusula 29ª (Dívidas e responsabilidades).

Secção II - Fiscalização
- Cláusula 30ª (Poderes da Primeira Contratante);
- Cláusula 31ª (Contas);
- Cláusula 32ª (Inspecção);
- Cláusula 33ª (Informação).


1.5. O Capítulo IV, Garantias de Cumprimento, engloba as cláusulas 34ª a 36ª:
- Cláusula 34ª (Caução);
- Cláusula 35ª (Multas contratuais);
- Cláusula 36ª (Suspensão) ([11]).
1.6. O Capítulo V rege acerca da Modificação e Extinção do Contrato, contemplando os temas referenciados nas epígrafes das cláusulas 37ª a 42ª:

- Cláusula 37ª (Modificações subjectivas);
- Cláusula 38ª (Modificações objectivas);
- Cláusula 39ª (Alterações à actividade esperada);
- Cláusula 40ª (Não cumprimento por caso de força maior);
- Cláusula 41ª (Reposição do equilíbrio financeiro do contrato); ([12])
- Cláusula 42ª (Rescisão do contrato).


1.7. Os Capítulos VI, Resolução Consensual de Conflitos, compreendendo tão-somente a cláusula 43ª, e VII, Arbitragem (cláusulas 44ª e 45ª), revestem-se de peculiar interesse ao âmbito da consulta, importando, por conseguinte, conhecer na íntegra as cláusulas referidas:
«CLÁUSULA 43ª
(Resolução consensual de conflitos)

1. No caso de divergência sobre a interpretação, validade ou execução do presente contrato, incluindo os Anexos que o integram, as outorgantes obrigam-se a procurar uma solução consensual, previamente ao recurso [à arbitragem], através de duas tentativas de acordo, nos termos definidos nos números seguintes.
2. Com a notificação da divergência a resolver, a parte requerente indicará as matérias objecto de análise, podendo as partes, quando possível, acordar na metodologia de análise e na sua subdivisão em questões susceptíveis de decisão autónoma.
3. As decisões das questões submetidas a tentativa de acordo serão consensuais e reduzidas a escrito.
4. Na primeira tentativa de acordo intervirão o representante da PRIMEIRA CONTRATANTE no Hospital e pessoa para o efeito designada pela Administração da SEGUNDA CONTRATANTE, podendo cada parte ser assessorada pelos especialistas que entender.

5. Não sendo possível chegar a acordo, por essa via, num prazo de 10 dias úteis, será o assunto ou a parte que não foi objecto de acordo, submetidas a uma nova tentativa de acordo, por intermédio dos presidente da PRIMEIRA CONTRATANTE e do presidente do Conselho de Administração da SEGUNDA CONTRATANTE, os quais dispõe[m] de prazo idêntico.

6. Para esta segunda tentativa de acordo poderão os representantes das partes, solicitar a colaboração dos especialistas que os assessoraram, nos termos do número 4.

7. O pagamento dos honorários devidos aos técnicos que assessoraram as partes serão suportados por aquela que os contrate.

«CLÁUSULA 44ª
(Cláusula compromissória de arbitragem)
1. Os litígios que tenham por objecto a interpretação, validade ou execução do presente contrato, e que não tenham sido resolvidos consensualmente, nos termos definidos na cláusula 43ª, serão dirimidos por recurso à arbitragem.

2. O Tribunal Arbitral será composto por três árbitros, constituído e funcionará de acordo com o disposto no artigo 188º do Código do Processo Administrativo, na Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, [e] com o estipulado na presente cláusula.

3. O objecto do litígio deverá ser definido no âmbito da tentativa de resolução amigável, sendo, em caso de dúvida, determinado pela conjugação da petição da parte requerente com a contestação, com ou sem reconvenção, da parte requerida.

4. O Tribunal julgará segundo as regras da equidade, não havendo recurso da sua decisão.

5. Durante o período de funcionamento do Tribunal Arbitral as partes continuam obrigadas ao estrito cumprimento das suas obrigações contratuais, sendo que, quando o litígio verse uma parte da retribuição, a PRIMEIRA CONTRATANTE, pagará desde logo a restante parte da retribuição sobre a qual exista consenso.

6. A arbitragem terá lugar nas instalações do Hospital.

7. Cada uma das CONTRATANTES assume individualmente o pagamento dos honorários do árbitro por si nomeado, de acordo com os critérios que com eles tenham sido acordados, sendo o pagamento dos honorários do árbitro presidente e dos encargos decorrentes da instalação e funcionamento do tribunal assegurados por ambas as partes, na proporção de metade para cada uma e em regime de solidariedade.

8. Os encargos com a instalação e funcionamento do tribunal serão apurados com base em conta apresentada pelo secretário do tribunal, podendo o tribunal arbitral fixar a obrigatoriedade do pagamento de preparos para garantia do pagamento desses encargos e dos honorários do árbitro presidente.

«CLÁUSULA 45ª
(Recursos hierárquicos)
1. As CONTRATANTES acordam na sujeição a arbitragem nos termos definidos na cláusula anterior, [d]os conflitos sobre questões técnicas que se venham a suscitar no âmbito de recurso hierárquico ou tutelar interposto pela SEGUNDA CONTRATANTE.

2. A arbitragem prevista no número anterior, apenas tem por objecto os pressupostos técnicos da questão ou questões objecto do recurso, não prejudicando o poder de decisão do órgão superior com competência para a decisão do recurso.

3. A arbitragem tem que ser realizada no prazo de 10 dias úteis, e de forma a permitir que o órgão superior respeite o prazo legal de decisão do recurso hierárquico, sob pena de o órgão superior ficar desobrigado de assumir os pressupostos nela fixados.»


1.8. Em remate, o derradeiro Capítulo VIII contém nas suas cláusulas 46ª a 50ª as Disposições Finais:

- Cláusula 46ª (Abertura de Valências);
- Cláusula 47ª (Cessação de funções da Comissão Instaladora) ([13]);
- Cláusula 48ª (Quadro da função pública);
- Cláusula 49ª (Planos de actividade e orçamento. Prorrogação de prazo);
- Cláusula 50ª (Urgência-Actividade esperada).

E no final do clausulado consta a menção: «O presente contrato foi precedido de minuta visada pelo Tribunal de Contas em sessão diária de Visto em 4 de Outubro de 1995.»


1.9. Em complemento ao texto do contrato que acaba de se examinar figuram, como se disse (supra, nota 4), um «Léxico» e 10 Anexos.

Entre estes aluda-se apenas ao Anexo VIII relativo aos «Accionistas da Sociedade», onde consta que esta terá um capital social de 200.000 contos, participado pelas seguintes sociedades: Companhia de Seguros Império, S.A. (30%); HLC – Engenharia e Gestão de Projectos, S.A. (25%); Générale de Santé International, plc (25%); Farmaccope-Coop. Nacional Farmácias, CRL (15%); ISU-Estab. Saúde e Assistência, S.A. (5%).

Quanto, por sua vez, ao «Léxico», este documento contém três números relativos à actualização das quantias mencionadas na cláusula 9ª e um nº 4 concernente ao IVA. Interessa por agora deixar registado tão-somente o teor do seu nº 3: «Fica esclarecido que sobre a quantia de 500.000.000$00 referida na alínea a) do nº 2 da cláusula 9ª não incide qualquer actualização.»

Por último, o contrato recebeu uma «Adenda I», que as outorgantes assinam em dia e mês não indicados de 1996, acordando «proceder a um reescalonamento de remunerações relativas às primeira e segunda anuidades», «nos termos do despacho de autorização da Senhora Ministra da Saúde com cópia anexa à presente adenda e do clausulado seguinte» - 7 cláusulas integram assim a «Adenda I», às quais se necessário se reverterá.


2. Conhecido o contrato e seus elementos complementares, sabemos que a entidade gestora do Hospital é uma sociedade anónima com uma maioria de accionistas também sociedades anónimas.

Por seu turno, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, segundo o regime vertido no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, tem a natureza de pessoa colectiva de direito público.

Diga-se efectivamente, em esboço necessariamente sumário, que o SNS se organiza em regiões de Saúde (artigo 3º, nº 1) – as regiões do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve (artigo 4º) - e estas em sub-regiões, correspondentes às áreas dos distritos do continente, integradas por áreas de saúde correspondentes, em princípio, às áreas dos municípios (artigos 3º, nº 2, e 5º).

Em cada região de saúde há uma administração regional de saúde (ARS), com «funções de planeamento, distribuição de recursos, orientação e coordenação de actividades, gestão de recursos humanos, apoio técnico e administrativo e ainda de avaliação do funcionamento das instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde» (artigo 6º, nºs 1 e 3).

E as ARS «têm personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio» (artigo 6º, nº 3), prevendo-se a sua regulamentação mediante Decreto-Lei (nº 4).

Trata-se, por conseguinte, de pessoas colectivas de direito público que têm como órgãos de administração os conselhos de administração e os coordenadores sub-regionais de saúde (artigos 7º, nº 1, 8º e 9º), e como órgãos consultivos os conselhos regionais de saúde e as comissões concelhias de saúde (artigos 7º, nº 2, 10º e 11º).

Os conselhos de administração – cujas competências fundamentais a própria Lei de Bases não prescindiu de enunciar nas alíneas a) a g) do nº 3 da Base XXVII – são compostos por um presidente e dois vogais, equiparados, respectivamente a director-geral e a subdirector-geral, salvo no tocante às ARS do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo, cujos conselhos de administração integram quatro vogais além do presidente (artigo 8º).

A natureza e a orgânica das ARS delineadas no Estatuto do SNS tal como vem de se sintetizar obtém, aliás, consonante densificação no «Regulamento das Administrações Regionais de Saúde» aprovado, conforme a previsão do nº 4 do artigo 6º daquele Estatuto, pelo Decreto-Lei nº 335/93, de 29 de Setembro.

Pois bem. Qual então a natureza do contrato sub iudicio, celebrado, nos termos expostos, entre esta pessoa colectiva de direito público e aquela sociedade comercial?

O tema foi estudado no parecer nº 137/01 (ponto 4.), concluindo-se num primeiro momento pela sua qualificação, seguramente, como contrato administrativo (ponto 4.1.).

Ponderando-se, porém, adicionalmente a sua aproximação a alguma das modalidades de contratos administrativos enunciadas exemplificativamente no artigo 178º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo, chegou a delinear-se uma similitude preferencial de regime com o tipo dos contratos de concessão de serviços públicos [alínea c) do citado normativo], mas o Conselho veio a optar, ultima ratio, pela conceitualização de um «novo tipo de contrato administrativo inscrito na nossa ordem jurídica», e, justamente, susceptível de qualificação autónoma como «contrato de gestão de estabelecimentos públicos» (pontos 4.2. a 4.8.).
III
1. É exactamente no conspecto de um semelhante contrato «em regime de direito administrativo» e da relação ou «relações jurídico-administrativas» por isso dele emergentes – conferindo estas «poderes de autoridade» ou impondo «restrições de interesse público» à Administração perante o particular, e atribuindo ou impondo a este «deveres públicos» em face da Administração Pública, que por seu lado «intervém prosseguindo o interesse público em termos tais de prevalência sobre o interesse privado da contraparte que legitima um regime específico de claro pendor juspublicista» ([14]) –, é nesta sede basicamente e em suas peculiares dimensões, inclusive, jurisdicional e processual-financeiras que vem posta em dúvida pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal de Contas a capacidade do compromisso em árbitros da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, mercê da cláusula 44ª do contrato de gestão do Hospital Amadora/Sintra.

E era na realidade por todos esses vectores que se discutia a arbitrabilidade de questões litigiosas jurídico-administrativas e a susceptibilidade de sujeição a arbitragem do Estados e dos entes públicos revestidos de seu ius imperii.

Contudo, a evolução legislativa, jurisprudencial e doutrinária entre nós – e no direito comparado – conduziu a modular uma visão puramente restritiva dessa capacidade.


2. Anteriormente ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril ([15]), a doutrina dominante tendia, numa fase recuada, a rejeitar a possibilidade de sujeição a tribunal arbitral dos litígios emergentes de contratos administrativos e de responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública ([16]), matéria própria do contencioso administrativo, que a lei declarava de ordem pública ([17]).
Todavia, a partir de meados da década de 50 a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo foi-se convertendo à validade das cláusulas arbitrais dos contratos de concessão, e a doutrina passou também a aceitar a possibilidade de as partes se comprometerem em árbitros «quanto às matérias que, embora da competência dos tribunais administrativos, sejam objecto de acção, desde que se trate de direitos e obrigações de que qualquer delas (Administração e particulares) possam dispor à sua vontade» ([18]).

Sequentemente, determinados textos acolheram de forma pontual o instituto da arbitragem em litígios compreendidos no contencioso administrativo ([19]).

E o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984 veio a consagrar de plano a admissibilidade de tribunais arbitrais no domínio dos contratos administrativos e da responsabilidade civil por actos de gestão pública, dispondo no seu artigo 2º, nº 2:
«Artigo 2º
(Órgãos da jurisdição)

1. São tribunais administrativos e fiscais:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
2. São admitidos tribunais arbitrais no domínio do contencioso dos contratos administrativos e da responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o contencioso das acções de regresso.
3. (...)» ([20])

Pouco depois, um novo instrumento legal de arbitragem voluntária consubstanciado na Lei nº 31/86, de 29 de Agosto – que pôs termo à experiência efémera e conturbada do Decreto-Lei nº 243/84, de 17 de Julho, revogando-o ([21]) – regulou o tema no artigo 1º, nº 4, do seguinte teor:
«Artigo 1º
(Convenção de arbitragem)

1- Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.
2- A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).
3- (...)
4- O Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se elas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado.»

Por seu turno, o artigo 3º da mesma Lei fulmina com a sanção da nulidade a convenção de arbitragem celebrada, além do mais, em violação do nº 4 do artigo 1º.

Quer dizer, os entes públicos apenas podem celebrar convenções de arbitragem – cláusulas compromissórias e compromissos arbitrais no sentido do nº 2 do artigo 1º - nas duas hipóteses configuradas no nº 4.

Primeiro, se as convenções tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado.

Segundo, fora dessa hipótese, se a convenção de arbitragem for autorizada por lei especial ([22]).

Será relativamente despiciendo discutir em tese qual a lei geral em relação à qual assume a lei autorizativa natureza especial – se a Lei nº 31/86, se a lei «que estabelece a regra da submissão daqueles litígios à jurisdição administrativa» ([23]).

Basta no plano prático-jurídico que, em matéria litigiosa não emergente de relação de direito privado, determinada lei especificamente autorize o ente público a celebrar uma convenção de arbitragem.

Por último, o Código do Procedimento Administrativo consignou no artigo 188º a seguinte norma afim:

«Artigo 188º
Cláusula compromissória

É válida a cláusula pela qual se disponha que devem ser decididas por árbitros as questões que venham a suscitar-se entre as partes num contrato administrativo.»

3. Considerados os normativos que balizam a evolução desenhada – o nº 2 do artigo 2º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984, o nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86 e o artigo 188º do Código do Procedimento Administrativo de 1991/96 –, a articulação dos três textos pode prestar-se a dificuldades.


3.1. Observam os comentadores no tocante ao artigo 2º, nº 2, do Estatuto ([24]) que a «disposição consagra a opinião dos que entendiam possível a cláusula compromissória e o compromisso arbitral no domínio das relações de direito público mas tão-só no contencioso dos contratos de direito público e administrativos, domínio em que a legislação avulsa, frequentemente, já os admitia. Na área da responsabilidade civil extracontratual a disposição é inovadora, enquanto admite o compromisso arbitral, encontrando legitimidade constitucional no artigo 212º, nº 2 da C.R.P.» ([25]).

E neste conspecto pondera a doutrina tratar-se, não apenas de uma «norma de remissão», ou de «uma norma vazia, carecida de preenchimento por normas especiais», mas verdadeiramente de preceito com «função de habilitação», no sentido de que do mesmo flui directamente a permissão da celebração de convenções de arbitragem (género em que se inclui a espécie das cláusulas compromissórias) respeitantes a litígios emergentes de contratos administrativos» ([26]).

Nesta directriz milita desde logo a letra do normativo mediante o sintagma «são admitidos tribunais arbitrais», em lugar de qualquer outra locução - «poderá a lei permitir», «poderão vir a ser permitidos» ([27]) – significativa daquele carácter remissivo ou da necessidade de preenchimento.

Aduz-se, em segundo lugar, a «história do instituto», uma vez que, no âmbito dos contratos administrativos, o nº 2 do artigo 2º do ETAF «mais não fez do que consagrar explicitamente uma solução já maioritariamente perfilhada como sendo a que decorria das coordenadas do nosso sistema jurídico».
Por fim, «não faria grande sentido que o ETAF tivesse assumido a este propósito» a «mera função de legislação habilitadora da futura legislação», tratando- -se, não de uma «lei de bases», mas de «um simples decreto-lei, emitido sob autorização legislativa da Assembleia da República».

E, em tais condições, por um lado, seria inconstitucional a interpretação do artigo 2º, nº 2, do ETAF «como norma de autorização de futura legislação sobre a matéria», posto que «a admissibilidade dos tribunais arbitrais representa uma derrogação da lei geral definidora da competência dos tribunais administrativos», «a competência dos tribunais é matéria de reserva relativa de competência legislativa» parlamentar [artigo 165º, nº 1, alínea p), da Constituição), e «as autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez» (artigo 165º, nº 3).

Ademais, «uma mera remissão – sem funções de habilitação directa de arbitragem – para leis especiais seria totalmente desprovida de utilidade porque estas sempre poderiam surgir no futuro desde que cobertas por autorizações próprias que o ETAF não tem condições para dispensar ou substituir».

Eis assim, conclui o autor que se vem seguindo, como os elementos literal, histórico e sistemático da interpretação depõem no sentido de que o artigo 2º, nº 2, daquele diploma visou «habilitar expressa e directamente a Administração a comprometer-se em árbitros em relação a litígios – actuais ou hipotéticos – emergentes de contratos administrativos», confirmando a existência de uma «genérica habilitação da Administração para a celebração de convenções de arbitragem no domínio do contencioso de plena jurisdição» daqueles contratos ([28]).


3.2. Em face da Lei nº 31/86 chegou, contudo, a aflorar a eventual revogação do nº 2 do artigo 2º do ETAF, escrevendo-se a propósito do nº 4 do artigo 1º daquele diploma ([29]):
«As disposições deixam algumas dúvidas de interpretação. Não julgamos ter sido revogada a disposição anotada, mas reafirmado o seu conteúdo prescritivo. Estará fora de causa a arbitragem no domínio do contencioso dos actos e normas pela natureza indisponível desse contencioso. Todavia já não será líquido se os recursos de decisões arbitrais em matérias de direito público e a execução das respectivas decisões não tenham sido excluídos da jurisdição administrativa e que a norma do artigo 19º, nº 1, alínea n) do ETAF não tenha ficado esvaziada de conteúdo.»

Neste passo se identificam com nitidez duas questões diferentes.

Por um lado, a de saber se o nº 4 do artigo 1º da Lei de arbitragem voluntária «exerceu algum efeito modificativo ou extintivo sobre a força habilitante do nº 2 do artigo 2º do ETAF».

Por outro, a questão da aplicabilidade integral à arbitragem, no domínio do contencioso administrativo em sentido material, dos preceitos da aludida Lei concernentes às «competências para nomeação do presidente do tribunal arbitral», «para apreciar a impugnação da decisão do tribunal arbitral» e para a execução desta.

Interessa-nos neste momento a primeira das enunciadas questões, que se traduz mais precisamente em averiguar se o nº 2 do artigo 2º do Estatuto será ou não uma «daquelas leis especiais a que alude o nº 4 do artigo 1º» da Lei de arbitragem, «ou se, pelo contrário, a entrada em vigor deste último esvaziou aquele outro da função habilitante que lhe era própria» ([30]).

Propendendo-se para a primeira alternativa, sustenta-se, com os argumentos seguidamente sumariados, que as duas disposições «se completam mutuamente e são plenamente passíveis de uma aplicação integrada».

Em primeiro lugar, o nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86, em vez de enunciar de forma negativa «um princípio geralmente adverso ao recurso das pessoas públicas a arbitragem», antes formula positivamente a regra da sua admissibilidade de plano – o «Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem (...) –, conquanto condicionando-a à autorização de leis especiais «que circunscrevam o alcance da permissão à luz da configuração própria dos interesses que regularem».

Neste sentido se compreende a ressalva.

O «princípio da legalidade» administrativa, por um lado – pressupondo determinada «base normativa» que não se reduza a uma lei de atribuições «desacompanhada de quaisquer parâmetros materiais» (principe de la base légale), mas se estenda à determinação suficientemente precisa das modalidades legais da actividade administrativa – e «a natureza de ordem pública da definição da competência dos tribunais administrativos» [artigo 3º da vigente lei de processo respectiva (LPTA)] – que seria desregulada na sede imprópria do processo civil em que a Lei de arbitragem voluntária se situa, se esta credenciasse desde logo a Administração Pública, genericamente, para a celebração de convenções arbitrais –, tudo isso justificará o recurso a arbitragem pelos entes públicos mediante autorização de «leis especiais, isto é, leis de âmbito material relativamente circunscrito».

E o nº 2 do artigo 2º do ETAF assume a natureza de uma lei especial nesta acepção, ao referir-se precisamente aos «tribunais arbitrais no domínio do contencioso dos contratos administrativos» – e da responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, incluindo o contencioso das acções de regresso, acrescentaríamos nós –, «uma realidade jurídica de contornos claramente definidos» que o próprio ETAF «define para efeitos de competência contenciosa, no seu artigo 9º, nº 1» ([31]).

O nº 2 do artigo 2º deste diploma entra, pois, em relação de especialidade com o nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86 «ao proceder à apreciação positiva, requerida por este último, da ‘arbitrabilidade’ das relações configuradas em contratos administrativos ou resultantes de responsabilidade extracontratual da Administração por actos de gestão pública».

Tanto mais que «a permissão assim concedida ([32]) não esgota por forma alguma o âmbito abstracto das possibilidades: outras matérias poderão ser objecto de outras leis especiais em domínios que irão – por exemplo – desde o tributário ao da legislação financeira».

Na perspectiva da relação figurada entre os dois preceitos, não poderia, por conseguinte, falar-se de revogação do nº 2 do artigo 2º do Estatuto.

Observa-se inclusivamente que o artigo 39º da Lei nº 31/86 enuncia a legislação por ela expressamente revogada, sendo muito difícil conceber a não inclusão nesse elenco de um normativo tão importante como aquele, se a intenção revogatória fosse a de almejar pôr fim à sua virtualidade habilitante.

E a questionada revogação contrariaria não apenas o sentido geral do nº 4 do artigo 1º, favorável ao recurso à arbitragem por parte da Administração Pública, mas a própria evolução histórica do instituto, onde o nº 2 do artigo 2º do ETAF se posiciona consagrando uma solução firmada ao longo das décadas anteriores no domínio dos contratos administrativos.

Ademais assiste-se na legislação infraconstitucional a uma tendência para a «consensualidade na acção administrativa».

O Código do Procedimento Administrativo «erige o contrato administrativo em forma de actuação alternativa do acto administrativo», «generaliza o princípio audi alteram partem no domínio da actividade administrativa preparatória» e inclui entre os princípios gerais que presidem a essa actividade o da «colaboração da Administração Pública com os particulares».

Ao «modelo autoritário» tende, pois, a sobrepor-se «um modelo crescentemente contratualizado do agir administrativo» ([33]).

E os sistemas de «decisão arbitral dos litígios jurídico-administrativos tendem, na evolução dos sistemas jurídicos, a conjugar-se com a linha geral de desenvolvimento da consensualidade na acção administrativa».

A melhor prova resulta do próprio Código do Procedimento Administrativo ao inserir, a par de soluções como as referidas, um artigo 188º, a que dentro de momentos regressaremos, admitindo a estipulação de cláusulas compromissórias.

Assim discorre o estudo que vem iluminando a presente exposição, passando seguidamente, em remate dos considerandos argumentativos, ao esboço de uma panorâmica jurisprudencial e doutrinária quanto ao específico aspecto da revogação sub iudicio.

No plano da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não lhe foi, todavia, possível detectar qualquer acórdão havendo admitido «que a função habilitante do nº 2 do artigo 2º do ETAF possa ter sido prejudicada pela nº 4 do artigo 1º» da Lei de arbitragem ([34]).

Já no domínio doutrinal o panorama se apresentava assaz diferente.

Se, por um lado, na inteligência jurídica portuguesa posterior à Lei nº 31/86 «tão-pouco se encontra qualquer defesa da tese revogatória», o certo, por outro lado, é que no mesmo período vêm recenseadas posições muito em sintonia com a tese de conciliação dos preceitos em apreço que vem de se expender.

Desde logo, alguns autores «afloraram a questão sem pôr em dúvida que o artigo 2º, nº 2, do ETAF tivesse continuado a produzir como efeito directo a licitude das convenções arbitrais no domínio dos contratos administrativos» ([35]).

Outros foram ulteriormente mais além, sustentando a admissibilidade da arbitragem em matéria de contencioso de contratos administrativos e de responsabilidade civil por actos de gestão pública com fundamento explícito no próprio nº 2 do artigo 2º do ETAF ([36]).

Tem, por conseguinte, beneficiado de largo consenso a tese segundo a qual a Lei de arbitragem voluntária não alterou minimamente a função do nº 2 do artigo 2º do Estatuto, qual seja, a de, «como lei especial» autorizar o Estado, bem como os demais entes públicos, «a celebrar convenções de arbitragem respeitantes a litígios sobre interpretação, validade e execução de contratos administrativos».

E partindo desta relação de especialidade entre as normas em confronto, persuadida pela tópica anteriormente desenhada, acrescentaríamos a terminar apenas o seguinte.

«Quando se não destine a ter vigência temporária – dispõe o nº 1 do artigo 7º do Código Civil –, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei».

E «a revogação pode resultar – conforme o nº 2 do mesmo artigo – de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior».

Em todo o caso, «a lei geral [posterior] não revoga a lei especial [anterior] – adverte o nº 3 do citado normativo –, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».

É o princípio expresso no adágio lex posterior generalis non derogat legi priori speciali, significando em derradeiro termo que a «norma cuja previsão compreende em abstracto a específica previsão de outra não revoga esta, que deve supor-se mais perfeitamente aderente aos caracteres das concretas situações de facto, tal como o fato por medida assenta melhor que o ‘pronto a vestir’, pelo sacrifício dos detalhes de cada constituição física imposto no segundo caso» ([37]).

Com efeito, um sistema de direito especial apresenta geralmente vantagens de precisão, clareza e certeza jurídica que não devem sem mais sacrificar-se.

Por isso, no relativo respeito, em regra, do princípio da especialidade, apenas se legitimará a sua desaplicação «quando a lei geral posterior não deixe lugar a dúvidas sobre a vontade legislativa de revogar a lei especial anterior».

Compreende-se por consequência a particular injunção endereçada ao intérprete pelo artigo 7º, nº 3, do Código Civil: para que a lei especial anterior se considere revogada pela lei geral posterior são necessárias inequívocas indicações da vontade legislativa nesse sentido.

O problema é, pois, «de interpretação da lei posterior, resumindo-se em apreciar se esta quer ou não revogar a lei especial anterior».

E na «fixação dessa intenção, dada a palavra ‘inequívoca’, deve o intérprete ser particularmente exigente, atendendo ao texto da lei, sua conexão, evolução histórica, à história da formação legislativa, e sobretudo nortear-se pelo fim da disposição questionada e o resultado de uma e outra interpretação» ([38]).

Ora, a indagação precedentemente desenvolvida – na medida das motivações de celeridade que afloram no processo – não logrou revelar, no grau de exigência assim requerido, a intenção revogatória do nº 4 do artigo 1º da Lei de arbitragem relativamente ao nº 2 do artigo 2º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Propendemos por todo o exposto a concluir que o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público – tal como a ARS de Lisboa e Vale do Tejo – podem, nos termos dos preceitos conjugados do artigo 2º, nº 2, do ETAF e do artigo 1º, nº 4, da Lei nº 31/86, celebrar convenções de arbitragem tendentes a submeter a tribunal arbitral as questões contenciosas relativas à interpretação, validade e execução dos contratos administrativos ([39]) – e, assim, do contrato de gestão do Hospital Amadora/Sintra que está na génese do presente parecer.

Convenções de arbitragem, repete-se, quer se trate de cláusulas compromissórias, quer de compromissos arbitrais, no sentido que lhes é conferido pelo nº 2 do artigo 1º da Lei de arbitragem voluntária – e, por conseguinte, tanto a cláusula 44ª do contrato de gestão, quanto o compromisso que em sua execução venha a ser gizado entre as partes contratantes, do qual, recorde-se, nos foi já tornada presente uma versão, ainda não definitiva, por sua Excelência o Ministro da Saúde (supra, nota 2).


3.3. No entanto, o artigo 188º do Código do Procedimento Administrativo aparentemente não compreende na sua estatuição a segunda modalidade de convenções arbitrais, referindo-se apenas às cláusulas compromissórias.

Relembre-se o seu teor:
«Artigo 188º
Cláusula compromissória

É válida a cláusula pela qual se disponha que devem ser decididas por árbitros as questões que venham a suscitar-se entre as partes num contrato administrativo.»

Parece, com efeito, evidente que o artigo 188º contempla tão-somente as cláusulas compromissórias, sendo omisso quanto aos compromissos arbitrais.

Mas, no tocante aquelas, pode bem dizer-se que o normativo «se veio sobrepor ao nº 2 do artigo 2º do ETAF na função de norma habilitante» ([40]).

Dito de outro modo, o artigo 188º assume a posição de ‘lei especial’ relativamente ao nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86, exercendo, por seu turno, «uma inequívoca função autorizatória da inclusão de cláusulas compromissórias nos contratos administrativos».

Quid iuris, porém, quanto aos compromissos arbitrais, ficando estes manifestamente fora da estatuição do artigo 188º?

Duas questões, em face de tal singularidade, se equacionam interrelacionadas.

Primeiro, a de saber se a permisão de cláusulas compromissórias significa que o nº 2 do artigo 2º do ETAF não bastaria para as legitimar.

Segundo, se na ausência de permissão de compromissos arbitrais deveria concluir-se que este tipo de convenções continua desprovido da ‘lei especial’ requerida pelo nº 4 do artigo 1º da Lei de arbitragem voluntária.

Ambas as interrogações merecem, no entanto, resposta negativa, que bem se compreenderá atentando na natureza e âmbito do artigo 188º e do diploma em que se insere.

O Código do Procedimento Administrativo tem efectivamente a natureza de um código, isto é de uma compilação «sistematizada em bases científicas» da «regulação básica de certos institutos do direito administrativo», compendiando inclusive «preceitos que já se encontravam dispersos por diplomas anteriores».

Por isso mesmo que tenha para ali sido importada do ETAF - «uma lei de contencioso administrativo» - certa norma de habilitação concernente «ao regime substantivo dos contratos administrativos» e, precisamente, «à autonomia de estipulação das partes no quadro desses contratos».

A inclusão, por consequência, nesse códice da permissão de cláusulas compromissórias – um domínio assim já ocupado normativamente pelo ordenamento – nem por isso implica «inovação», envolvendo tão-somente o reconhecimento da vocação do preceituado respectivo para figurar «entre as dezenas de preceitos aptos para delinear o perfil essencial dessa importante forma de conduta da Administração que é o contrato administrativo».

Por outro lado, o diploma em questão é, consequentemente, um código, mas um código de procedimento administrativo gracioso, mal vocacionado, em princípio, para acolher um regime de pendor contencioso do compromisso arbitral.

As cláusulas compromissórias «integram o contrato administrativo, constituindo a sua admissibilidade elemento substanciador da autonomia contratual», enquanto no tocante aos compromissos arbitrais se trata de «acordos supervenientes e exteriores ao contrato», inseridos justamente «na regulação de uma fase contenciosa ou quando muito pré-contenciosa».

Por isso se explica, quiçá, que a matéria da arbitragem, com relevo nuclear para o regime do compromisso arbitral, passe a ter assento no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que dentro em pouco entrará a vigorar (cfr. supra, nota 20).

Entretanto, porém – conclui o autor que temos acompanhado –, o nº 2 do artigo 2º do ETAF continua a desempenhar a «função específica sem paralelo», ao permitir a jurisdição arbitral de base voluntária do domínio dos contratos administrativos, de «habilitar a Administração a estipular compromissos arbitrais para a solução dos diferendos já nascidos de tais contratos».

Sem que, por conseguinte, o artigo 188º do Código do Procedimento Administrativo constitua obstáculo a tal entendimento, como aliás é opinião de alguns comentadores ([41]).

4. A articulação entre os preceitos sub iudicio do ETAF, da Lei de arbitragem voluntária e do Código do Procedimento Administrativo precedentemente estudada, conduz-nos, pois, tudo ponderado, a considerar jurídico-legalmente fundada a cláusula compromissória 44ª do contrato, e, bem assim, o compromisso arbitral que ao abrigo dessa cláusula venha a celebrar-se entre a ARS e a Sociedade com vista à solução mediante arbitragem dos litígios acerca da interpretação, validade e execução do contrato de gestão do Hospital.

Observa, no entanto, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal de Contas que a jurisdição arbitral a instituir interfere no exercício das competências do Tribunal de Contas mediante a acção de responsabilidade financeira por pagamentos indevidos que o Ministério Público ali se propõe intentar.

Interessa por isso conhecer e enquadrar o meio processual aludido na arquitectura de poderes funcionais da suprema instância de fiscalização financeira do Estado, prescindindo embora de desenvolvimentos decerto merecidos se não fora os condicionalismos que rodeiam a elaboração do parecer.

IV

1. As mais sobressalientes competências do Tribunal de Contas têm assento constitucional, dispondo ao respeito as alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 214º da lei básica:
«Artigo 214º
(Tribunal de Contas)

1. O Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe, competindo-lhe, nomeadamente:
a) Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social;
b) Dar parecer sobre as contas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
c) Efectivar a responsabilidade por infracções financeiras nos termos da lei;
d) Exercer as demais competências que lhe forem atribuídas por lei.
2. (...)
3. (...)
4. (...)»


2. A lei constitucionalmente credenciada em conformidade com as alíneas c) e d) no tocante à efectivação de responsabilidade por infracções financeiras e à outorga de novas competências é actualmente a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto – Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas ([42]).

Vamos compulsá-la rapidamente, privilegiando os aspectos que se relacionam de perto com o tema da consulta.


2.1. Em primeiro lugar, convém, todavia, possuir uma visão sistemática do diploma.

Compreende 9 capítulos, divididos, na sua maior parte, em secções, a saber:
- Capítulo I (Funções, jurisdição e competência; artigos 1º a 6º);

- Capítulo II (Estatuto e princípios fundamentais; artigos 7º a 13º);

- Capítulo III (Estrutura e organização do Tribunal de Contas; artigos 14º a 35º), integrado por 5 secções:

Secção I (Estrutura e organização; artigos 14º e 15º);

Secção II (Dos juízes do Tribunal de Contas; artigos 16º a 28º);

Secção III (Do Ministério Público; artigo 29º);

Secção IV (Dos serviços de apoio ao Tribunal de Contas; artigo 30º);

Secção V (Da gestão administrativa e financeira do Tribunal de Contas; artigos 31º a 35º).

- Capítulo IV (Das modalidades do controlo financeiro do Tribunal de Contas; artigos 36º a 56º), subdividido em 4 secções:

Secção I (Da programação; artigos 36º a 43º);

Secção II (Da fiscalização prévia; artigos 44º a 48º);

Secção III (Da fiscalização concomitante; artigo 49º);

Secção IV (Da fiscalização sucessiva; artigos 50º a 56º).

- Capítulo V (Da efectivação de responsabilidades financeiras; artigos 57º a 70º), incluindo, por seu turno, as 4 secções seguintes:

Secção I (Das espécies processuais; artigos 57º e 58º);

Secção II (Da responsabilidade financeira reintegratória; artigos 59º a 64º);

Secção III (Da responsabilidade sancionatória; artigos 65º a 68º);

Secção IV (Das causas de extinção de responsabilidades; artigos 69º e 70º).

- Capítulo VI (Do funcionamento do Tribunal de Contas; artigos 71º a 79º), que engloba 2 secções:

Secção I (Reuniões e deliberações; artigos 71º a 73º);

Secção II (Das competências; artigos 74º a 79º).

- Capítulo VII (Do processo no Tribunal de Contas; artigos 80º a 103º), sistematizado nas 5 secções subsequentemente enunciadas:

Secção I (Lei aplicável; artigo 80º);

Secção II (Fiscalização prévia; artigos 81º a 86º);

Secção III (Fiscalização sucessiva; artigos 87º e 88º);

Secção IV (Do processo jurisdicional; artigos 89º a 95º);

Secção V (Dos recursos; artigos 96º a 103º).

- Capítulo VIII (Secções regionais; artigos 104º a 109º);

- Capítulo IX (Disposições finais e transitórias; artigos 110º a 115º)


2.2. No frontispício do articulado descrito, o nº 1 do artigo 1º começa por enunciar tópicos normativos sintetizados do texto constitucional, ao consignar os princípios da fiscalização da «legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas», da apreciação da «boa gestão financeira» e da efectivação de «responsabilidades».

O nº 2 aflora, por seu turno, a ideia da extraterritorialidade da jurisdição e poderes do Tribunal, e o nº 3 previne a ocorrência de conflitos de jurisdição entre o Tribunal de Contas e o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a intervenção do Tribunal dos Conflitos.

O artigo 2º, por seu lado, define o domínio subjectivo da jurisdição e poderes de controlo financeiro do Tribunal, enumerando, além do «Estado e seus serviços», toda uma série de entes públicos, organismos e sujeitos privados que àqueles ficam submetidos.

Entre estes destaquem-se os «institutos públicos» [artigo 2º, nº 1, alínea d)] – qualificação, na espécie dos serviços públicos personalizados, quiçá aplicável às Administrações Regionais de Saúde – e as «empresas concessionárias ou gestoras de serviços públicos» [nº 2, alínea f)] – categoria em que porventura se enquadra a Sociedade gestora do Hospital Amadora/Sintra.

Todavia, ao controlo financeiro concernente, entre outras sociedades análogas, a estas últimas sociedades concessionárias ou gestoras de serviços públicos aplica-se, por força do nº 4 do artigo 2º da Lei nº 98/97, o disposto na Lei nº 14/96, de 20 de Abril – Alarga a fiscalização financeira do Tribunal de Contas.

E esta Lei é muito clara no sentido de que a fiscalização sucessiva das mesmas pessoas jurídicas «só pode ser exercida mediante decisão do Tribunal, ou a requerimento de um décimo dos deputados à Assembleia da República ou do Governo» [artigo 1º, nºs 1, alínea e), e 2], desideratos cujo cumprimento se ignora ter ou não ocorrido ([43]).

O artigo 5º enuncia nas alíneas a) a i) do nº 1 um vasto elenco de competências do Tribunal de Contas, realçando-se: a de «fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos actos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa ou representativos de quaisquer encargos e responsabilidades, directos ou indirectos, para as entidades referidas no nº 1 do artigo 2º» [alínea c)] – entre as quais, portanto, as aludidas há instantes; «julgar a efectivação de responsabilidades financeiras» das mesmas entidades [alínea e)], cumprindo, evidentemente, quanto às sociedades gestoras de serviços públicos os pressupostos e trâmites ainda há pouco referidos; e «verificar as contas dos organismos, serviços ou entidades sujeitos à sua prestação» [alínea d)].


2.3. No Capítulo II relativo ao Estatuto e princípios fundamentais interessará tão-somente sublinhar as notas da independência do Tribunal, garantida pelo «autogoverno, a inamovibilidade e irresponsabilidade dos seus juízes e a exclusiva sujeição destes à lei» (artigo 7º), e da obrigatoriedade, «para todas as entidades públicas e privadas», das «decisões jurisdicionais do Tribunal de Contas» (artigo 8º, nº 2).

Aliás, no exercício das suas funções assiste a este Tribunal o «direito à coadjuvação de todas as entidades públicas e privadas, nos mesmos termos dos tribunais judiciais» (artigo 10º, nº 1).

Peculiar expressão de semelhante colaboração é o dever de os «serviços de controlo interno, nomeadamente as inspecções-gerais ou quaisquer outras entidades de controlo ou auditoria dos serviços e organismos da Administração Pública, bem como das entidades que integram o sector empresarial do Estado», procederem ao «envio dos relatórios das suas acções, por decisão, nos termos do artigo 10º, do ministro ou do órgão competente para os apreciar, sempre que contenham matéria de interesse geral para a acção do Tribunal, concretizando as situações de facto e de direito integradoras de eventuais infracções financeiras» [artigo 12º, nºs 1, e 2, alínea b)].


2.4. No plano da Estrutura e organização do Tribunal de Contas (Capítulo III), convirá talvez aludir brevemente às secções da sede ([44]), à intervenção do Ministério Público e aos serviços de apoio.

Na sede do Tribunal há, efectivamente, três secções especializadas (artigo 15º, nº 1, alíneas a) a c)]: a 1ª Secção «encarregada da fiscalização prévia, podendo, em certos casos, exercer fiscalização concomitante»; a 2ª Secção, «encarregada da fiscalização concomitante e sucessiva de verificação, controlo e auditoria»; e a 3ª Secção, «encarregada do julgamento dos processos de efectivação de responsabilidades e de multa».

As três secções aludidas pode verdadeiramente dizer-se que constituem o cerne orgânico-funcional do Tribunal de Contas, em razão das competências que lhes estão adstringidas, a que dentro em pouco ainda regressaremos.

Em quanto, por sua vez, ao Ministério Público concerne, sublinhar-se-ia incumbir a sua representação junto da sede ao Procurador-Geral da República, podendo este delegar funções nos procuradores-gerais adjuntos (artigo 29º, nº 1).

Por outro lado, dispõe a Lei de Organização que o Ministério Público «intervém oficiosamente e de acordo com as normas de processo nas 1ª e 3ª secções, devendo ser-lhe entregues todos os relatórios e pareceres aprovados na sequência de acções de verificação, controlo e auditoria aquando da respectiva notificação, podendo solicitar a entrega de todos os documentos ou processos que entenda necessários» (artigo 29º, nº 4).

Finalmente, no tocante aos serviços de apoio técnico e administrativo refiram-se apenas o Gabinete do Presidente e a Direcção-Geral, cuja estrutura, natureza, incumbências e organização constam de legislação especial (artigo 30º).


2.5. Interessa agora considerar As modalidades do controlo financeiro do Tribunal, a que vai dedicado o Capítulo IV.

A Secção I enuncia no artigo 36º, nº 1, o princípio da «fiscalização orçamental», segundo o qual o «Tribunal de Contas fiscaliza a execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social», dedicando os artigos seguintes à programação: programa trienal das acções de fiscalização e controlo elaborado pela comissão permanente com base nos programas sectoriais trienais das 1ª e 2ª Secções e aprovado pelo plenário geral do Tribunal (artigo 39º); programa anual da 1ª Secção (artigo 38º); constituição das áreas de responsabilidade de cada juiz da 2ª Secção (artigo 39º); programa anual da 2ª Secção (artigo 39º).

E as disposições dos artigos 41º a 43º são consagradas aos relatórios e pareceres sobre a Conta Geral do Estado, as contas das Regiões Autónomas, e ao relatório anual do próprio Tribunal de Contas.

As Secções II, III e IV concernem respectivamente às modalidades de fiscalização prévia, concomitante e sucessiva.

A fiscalização prévia, instrumentada mediante o mecanismo do «visto», tem nomeadamente por fim «verificar se os actos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras directas ou indirectas estão conforme às leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria» (artigo 44º, nº 1).

Em caso de desconformidade pode, nas condições definidas nos nºs 3 e 4 do artigo 44º, haver lugar à recusa do visto.

Tenha-se, todavia, presente que «os actos, contratos e demais instrumentos sujeitos à fiscalização prévia» podem, em princípio, «produzir todos os seus efeitos antes do visto ou da declaração de conformidade», implicando a recusa de visto, em regra, «apenas ineficácia jurídica dos respectivos actos, contratos e demais instrumentos após a data da notificação da respectiva decisão aos serviços ou organismos interessados» [artigo 45º ([45])].

Os actos e contratos susceptíveis de fiscalização prévia vêm detalhadas no artigo 46º, prevendo-se ademais isenções (artigo 47º) e dispensas (artigo 48º) da mesma fiscalização ([46]).

Tratando-se, aliás, de uma forma de fiscalização muito lateral à problemática da consulta seria menos pertinente pretender desenvolver neste momento qualquer das importantes questões que emergem nesta sede ([47]).

Recordar-se-á apenas a menção, exarada pelo oficial público no final do clausulado do contrato de gestão do Hospital, de este haver sido visado pelo Tribunal de Contas em 4 de Outubro de 1995 (supra, II, 1.8.).

Além da fiscalização prévia e passando pela possibilidade de controlo «anterior ao encerramento das contas» ([48]), em que se traduz a denominada «fiscalização concomitante» gizada no artigo 49º ([49]), a modalidade de inspecção financeira do Tribunal porventura mais relevante é a que consiste na fiscalização sucessiva.

Na verdade, como este corpo consultivo teve já o ensejo de mostrar, a reforma mais recente do Tribunal de Contas levada a efeito mediante a Lei nº 98/97 prossegue as tendências, assumidas pela evolução legislativa imediatamente anterior: de «redução da fiscalização prévia e do seu instituto típico o ‘visto’» ([50]); e de «nítido privilégio pelo controlo sucessivo sobre o controlo a priori» ([51]).

Brevitatis causa, observe-se tão-somente que, no âmbito da fiscalização sucessiva, o Tribunal «verifica as contas das entidades previstas no artigo 2º, avalia os respectivos sistemas de controlo interno, aprecia a legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão financeira e assegura a fiscalização da comparticipação nacional nos recursos próprios comunitários e da aplicação dos recursos financeiros oriundos da União Europeia» (nº 1 do artigo 50º).

O artigo 51º enumera as entidades e serviços sujeitos à elaboração e prestação de contas, entre os quais, «os serviços do Estado», «personalizados ou não, qualquer que seja a sua natureza jurídica, dotados de autonomia administrativa ou de autonomia administrativa e financeira, incluindo os fundos autónomos e organismos em regime de instalação» [nº 1, alínea f)] – categorizações que abrangem decerto as Administrações Regionais de Saúde –, bem como as «entidades previstas no nº 2 do artigo 2º [alínea o)] – entre as quais, como sabemos, as empresas gestoras de serviços públicos, nos termos e pressupostos oportunamente aludidos (supra, 2.2.).

Todavia, o plenário geral da 2ª Secção pode fixar «o montante anual de receita ou de despesa» abaixo do qual ficam as entidades referidas «dispensadas de remeter as contas a Tribunal» (artigo 51º, nº 3).

A prestação de contas, em princípio por anos económicos, está regulada no artigo 52º, enquanto os artigos 53º e 54º se ocupam, respectivamente, da «verificação interna» – efectuada pelos serviços de apoio (artigo 53º, nº 3) – e da «verificação externa» – a que se procede «com recurso aos métodos e técnicas de auditoria decididos, em cada caso, pelo Tribunal» (artigo 54º, nº 2), que conclui pela «elaboração e aprovação de um relatório» contendo os elementos enunciados nas alíneas a) a j) do nº 3 do mesmo artigo; o Ministério Público, observe-se, é apenas notificado do relatório final, sem prejuízo do disposto nos artigos 29º, nº 4, já mencionado (supra, 2.4.), e 57º, nº 1, que dentro em pouco se referenciará.

O artigo 55º rege acerca das «auditorias» em geral, regulando o artigo 56º, por sua vez, o «recurso a empresas de auditoria e consultores técnicos» estranhos à Administração Pública.


2.6. É neste momento oportuno que nos debrucemos sobre a «efectivação de responsabilidades financeiras», regulada no Capítulo V.

Na Secção I, concernente às «espécies processuais», o artigo 57º, nº 1, começa por enunciar a regra segundo a qual, sempre que «os relatórios de verificação externa de contas ou de auditoria relativos às entidades referidas no artigo 2º, nº 1 – entre as quais (supra, 2.2.) o «Estado e seus serviços» [alínea a)] e os «institutos públicos» [alínea d)] –, evidenciem factos constitutivos de responsabilidade financeira, deverão os respectivos processos ser remetidos ao Ministério Público, a fim de serem desencadeados eventuais procedimentos jurisdicionais» ([52]).

E o nº 1 do artigo 58º elenca as «espécies processuais» propriamente ditas, mediante as quais se efectivam as responsabilidades financeiras, enumerando os seguintes tipos de processos: a) de julgamento de contas; b) de julgamento de responsabilidades financeiras; c) de fixação de débito aos responsáveis ou de declaração de impossibilidade de julgamento; d) de multa.

Por seu turno, os nºs 2, 3, 4 e 5 definem o campo de aplicação dessas espécies.

Devemos concentrar-nos fundamentalmente no processo de julgamento de responsabilidades financeiras, o qual, segundo o nº 3, «visa tornar efectivas as responsabilidades financeiras emergentes de factos evidenciados em relatórios de auditoria elaborados fora do processo de verificação externa de contas» – de contrário, tratando-se de relatórios de verificação externa de contas, a espécie adequada, nos termos do nº 2, é o processo de julgamento de contas.

As Secções II e III referem-se às duas modalidades fundamentais de responsabilidade financeira previstas na Lei de Organização: a responsabilidade financeira reintegratória (Secção II) e a responsabilidade financeira sancionatória (Secção III).

No tocante à primeira, a que mais parece relevar no âmbito da consulta, está essencialmente em causa a reposição de importâncias relacionadas com determinadas infracções financeiras.

Estatui neste sentido o nº 1 do artigo 59º que «nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer».

A situação hipoteticamente verificada nas relações entre a ARS e a Sociedade será apenas a de ter havido eventualmente lugar a «pagamentos indevidos».

Ora, diz-nos a propósito o nº 2 do artigo 59º que se consideram «pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem contraprestação efectiva».

A reposição inclui, ademais, «os juros de mora» respectivos segundo «o regime das dívidas fiscais» (nº 3).

Não há, todavia, lugar a reposição, «sem prejuízo da aplicação de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos» (nº 4).

O universo das pessoas sobre as quais impende em abstracto a responsabilidade financeira reintegratória vem definido em via principal no artigo 61º: o agente ou agentes da acção; membros do Governo; gerentes, dirigentes ou membros dos órgãos de gestão administrativa e financeira ou equiparados e exactores dos serviços, organismos e outras entidades sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas; demais funcionários ou agentes autores de informações adrede àqueles apresentadas.

As responsabilidades pessoais acaso radicadas nas titularidades aludidas podem ser directas ou subsidiárias, nas condições definidas no artigo 62º, e, no caso de pluralidade de responsáveis, ainda solidárias, nos termos do artigo 63º.

Por fim, a responsabilidade em apreço apenas existe «se a acção for praticada com culpa» (artigos 61º, nº 4), e o Tribunal avalia «o grau de culpa de harmonia com as circunstâncias do caso», tendo em consideração os factores enunciados no nº 1 do artigo 64º.

De modo que, inclusivamente, «quando se verifique negligência», pode o tribunal «reduzir ou relevar a responsabilidade em que houver incorrido o infractor» (artigo 64º, nº 2).

A Secção III regula, por sua vez, a responsabilidade sancionatória, definindo os artigos 65º e 66º as infracções que podem ocasionar a aplicação de multas, suas respectivas molduras e critérios de graduação (cfr. também neste sentido os nºs 2 e 3 do artigo 67º).

Mas as infracções respectivas apenas são objecto de processo autónomo de multa, da espécie a que alude o artigo 58º, nº 1, alínea d), «se não forem conhecidas nos processos de efectivação de responsabilidades financeiras» a que se referem as demais espécies das alíneas a) a c).

O artigo 68º tipifica, aliás, como crime de desobediência qualificada a falta de apresentação de contas ou de documentos, no caso de incumprimento do prazo razoável fixado na sentença para que o responsável proceda à sua apresentação.

Por último, a Secção IV rege acerca das «causas de extinção de responsabilidades» financeiras.

O procedimento por responsabilidade reintegratória – dispõe o nº 1 do artigo 69º - extingue-se «pela prescrição e pelo pagamento da quantia a repor em qualquer momento».

Enquanto no caso da responsabilidade sancionatória prevista nos artigos 65º e 66º se extingue pelas causas enumeradas as alíneas a) a d) do nº 2 daquele mesmo normativo: prescrição; morte do responsável; amnistia; pagamento na fase jurisdicional.

Os prazos de prescrição são de 10 anos no primeiro caso e de 5 no segundo (artigo 70º, nº 1).


2.7. Do Capítulo VI dedicado ao «funcionamento do Tribunal de Contas», interessa-nos, atento o anteriormente exposto, o funcionamento e competência das Secções, nos aspectos estritamente pertinentes à temática que nos ocupa.

Assim, segundo a regra geral formulada no nº 1 do artigo 71º, o Tribunal de Contas, na sede, reúne em plenário geral, em plenário de secção, em subsecção e em sessão diária do visto.

Do plenário geral fazem parte todos os juízes, incluindo os das secções regionais (nº 2).

O plenário de cada secção compreende os juízes que a integram (nº 2).

As subsecções integram-se no funcionamento normal das 1ª e 2ª Secções e são constituídas por 3 juízes, relator e adjuntos (nº 4).

Quanto ao funcionamento da 1ª Secção, em sessão diária de visto, em subsecção e em plenário, rege o artigo 77º, enunciando as competências dos três níveis, aspectos nos quais não nos deteremos.

A 2ª Secção, por seu lado, funciona, nos termos do artigo 78º, em subsecção e em plenário, com as competências detalhadas nas diferentes alíneas dos nºs 2 e 1, respectivamente.

Compete, assim, ao plenário, v.g., «ordenar a verificação externa de contas ou a realização de auditorias que não tenham sido incluídas no programa de acção» [alínea a) do nº 1] e aprovar em certas condições os respectivos relatórios [nº 1, alínea f)] ([53]).

E incumbe à 2ª Secção, em subsecção, v.g., «aprovar os relatórios de verificação externa de contas ou de auditorias que não devam ser aprovados pelo plenário» [artigo 78º, nº 2, alínea a)].

Com efeito, adentro da «tipologia das deliberações» do plenário e das subsecções da 2ª Secção o respectivo Regulamento (cfr. supra, nota 52) prevê, no seu artigo 36º, entre outros actos, justamente os «relatórios de auditoria», definidos como «deliberações do plenário da Secção ou das subsecções sobre os resultados finais das auditorias, nelas se incluindo as verificações externas de contas» (nº 1).

A sua elaboração obedece aos trâmites procedimentais gerais delineados nos artigos 39º e segs., e à tramitação especial definida nos artigos 59º e segs. do Regulamento da 2ª Secção.

O Ministério Público é notificado dos relatórios aprovados (artigo 69º, nº 1). E sempre que «os relatórios de auditoria relativos às entidades referidas no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, evidenciem factos constitutivos de responsabilidade financeira, devem os mesmos ser remetidos ao Ministério Público juntamente com os anexos relativos às infracções financeiras e outros documentos pertinentes» (nº 2) – à semelhança do que se dispõe no artigo 76º, nº 2, também do Regulamento, quanto aos relatórios nele aludidos (supra, nota 52).


2.8. Resta a 3ª Secção, cujo funcionamento e competências interessam em particular à problemática submetida à nossa apreciação.

Nos termos do artigo 79º da Lei nº 98/97, a 3ª Secção funciona em 1ª instância e em plenário.

Em 1ª instância – estatui o nº 2 do citado artigo –, compete aos respectivos juízes «a preparação e julgamento» «dos processos previstos no artigo 58º». Especificando o nº 3 do mesmo normativo que esses processos «são decididos em 1ª instância por um só juiz».

É, por conseguinte, da competência da 3ª Secção, em 1ª instância, nestas condições, o processo de julgamento de responsabilidade financeira reintegratória emergente, nomeadamente, de pagamentos indevidos, com vista à reposição das importâncias abrangidas pela infracção, que mais interessa no âmbito da consulta, como há momentos se viu (supra, 2.6.).

Ao plenário da 3ª Secção competirá, por sua vez, o julgamento dos recursos das decisões adrede proferidas [artigo 79º, nº 1, alínea a)].

E quais as normas processuais aplicáveis ao processo em apreço?

Rege a este respeito o Capítulo VII (Do processo no Tribunal de Contas).

Nos termos do artigo 80º (Lei aplicável), disposição única da Secção I, recorde-se, o processo regula-se «pelo disposto na presente lei e, supletivamente», «no que respeita à 3ª Secção, pelo Código de Processo Civil» [alínea a)] ([54]).

Os preceitos processuais da Lei nº 98/97 aplicáveis constam justamente da Secção IV, subordinada à epígrafe Do processo jurisdicional, compreendendo os artigos 89º a 95º, como sabemos ([55]).

Convém naturalmente deixar sucinto registo dessa especial tramitação processual.

Desde logo, a 3ª Secção não intervém oficiosamente, dependendo o exercício dos seus poderes jurisdicionais do impulso processual do Ministério Público.

O princípio flui do artigo 89º, do seguinte teor:
«Artigo 89º
Competência para requerer julgamento

Ao Ministério Público compete requerer o julgamento dos processos a que alude o artigo 58º, independentemente das qualificações jurídicas dos factos constantes dos respectivos relatórios.»

A petição inicial/requerimento do Ministério Público deve conter os elementos enunciados nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 90º – v.g., a identificação do demandado, com outras especificações; o pedido, a causa de pedir e os fundamentos de direito; montantes que o demandado deve ser condenado a repor, quiçá o montante da multa a aplicar –, apresentar ou requerer todas as provas, indicar os factos a provar, sendo limitado a três por cada facto o número de testemunhas admissíveis (nº 3).

Não havendo razão para indeferimento liminar, «o demandado é citado para contestar ou pagar voluntariamente no prazo de 30 dias» – citação pessoal, com possibilidade de prorrogação razoável deste prazo, aplicando-se ainda à citação e notificações as regras do processo civil (artigo 91º, nºs 1, 2, 3 e 4) – e o pagamento voluntário nesse prazo fica «isento de emolumentos» (nº 5).

A contestação é apresentada por escrito sem sujeição a formalidades especiais, devendo com ela ser apresentados todos os meios de prova «com a regra e a limitação do nº 3 do artigo 90º», sem prejuízo de alteração ou aditamento até 8 dias antes do julgamento; mesmo que não deduza contestação – cuja falta, aliás, não produz «efeitos cominatórios» –, pode o demandado apresentar provas, com indicação dos factos a que se destinam, dentro deste último prazo; e assiste-lhe, obviamente, o direito a ser patrocinado por advogado (artigo 92º).

À «audiência de discussão e julgamento aplica-se o regime do processo sumário – de declaração, assim se interpreta – do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações» (artigo 93º).

No tocante à sentença, «o juiz não está vinculado ao montante indicado no requerimento do Ministério Público, podendo condenar em maior ou menor quantia», e no caso de «condenação em reposição de quantias por efectivação de responsabilidade financeira, a sentença fixará a data a partir da qual são devidos os juros de mora respectivos» (artigo 94º, nºs 1 e 2) ([56]).

A sentença condenatória em reposição ou multa «fixará os emolumentos devidos pelo demandado» (artigo 94º, nº 5), podendo o pagamento do montante da condenação ser autorizado em prestações, nos termos do artigo 95º.

Em sede de recursos anotam-se as seguintes especialidades.

Nos processos da 3ª Secção «só cabe recurso das decisões finais proferidas em 1ª instância» (artigo 96º, nº 3), sendo obrigatória a constituição de advogado (artigo 97º, nº 6, a contrario).

Por outro lado, o recurso das decisões de condenação por responsabilidade sancionatória tem efeito suspensivo (artigo 97º, nº 4), mas, tratando-se de responsabilidade reintegratória, só tem efeito suspensivo se for prestada caução (nº 5).

O regime processual da acção de responsabilidade financeira em apreço consignado na Lei nº 98/97 que vem de se descrever permite determinar as normas do Código de Processo Civil supletivamente aplicáveis.

Todo o sistema de pressupostos processuais e de excepções dilatórias deste Código se apresenta, em princípio, aplicável à espécie sub iudicio.

Se fosse possível reconduzir aquele complexo normativo a um conceito superestrutural transponível para situações práticas, dir-se-ia, em suma, que se configuram – pelo menos na tónica da responsabilidade reintegratória, que não tem necessariamente de cumular-se com uma responsabilidade sancionatória – as grandes linhas do processo contraditório de partes, sujeito aos poderes de cognição de um órgão jurisdicional imparcial e isento exercidos segundo critérios de estrita legalidade, e subordinado nuclearmente ao princípio dispositivo, nada transparecendo em termos decisivos do sistema assim definido que exclua a disponibilidade da relação jurídico-processual pelos meios previstos no Código de Processo Civil.

V

1. Torna-se mister nesta fase da nossa investigação introduzir um compasso de síntese e indicação de sequência.

Como se referiu introdutoriamente, o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal de Contas expôs a Vossa Excelência os problemas que lhe suscitou a comunicação do Exmº Senhor Ministro da Saúde do XIV Governo ao Exmº Senhor Presidente daquele Tribunal, que este transmitiu, por seu turno, ao exponente, problemas relacionados, assim o vimos, com a interferência da jurisdição arbitral no exercício das competências do Tribunal de Contas mediante a acção de responsabilidade financeira por pagamentos indevidos que o Ministério Público se propõe instaurar (supra, I, 3).


2. Retomando neste momento a mesma exposição, pondera, aliás, o Exmº Procurador-Geral Adjunto que a questão da constituição do tribunal arbitral, «se, aparentemente e como decorre da exposição do Sr. Ministro», «não afecta a intervenção do Ministério Público nesta jurisdição no que respeita à propositura de uma acção de responsabilidade financeira, a verdade é que, mesmo assim, ficam por resolver algumas dúvidas quanto ao âmbito de actuação daquele tribunal» – as dúvidas, precisamente, de que demos conta no início.

«O Relatório da IGF – prossegue o Exmº Procurador-Geral Adjunto –, que nos foi enviado por despachos dos Srs. Conselheiros da 2ª Secção do Tribunal de Contas, aponta para a evidência de pagamentos indevidos por parte de responsáveis da ARS de Lisboa e até de alguns titulares de cargos governamentais.»

«Este Relatório foi, ainda, previamente, aprovado pelo Ministério das Finanças.»

«Os Conselheiros da 2ª Secção da área da saúde e do sector público empresarial, consideraram, como se referiu, ‘claramente’ evidenciadas essas infracções e remeteram o Relatório ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 76º do Regulamento da 2ª Secção» – preceito de cujo sentido em momento próprio nos inteirámos (supra, nota 52) –, um normativo, em síntese, destinado a «preencher o pressuposto processual que permite ao Ministério Público nesta jurisdição» «intentar as acções competentes para a efectivação da responsabilidade financeira».

Sublinha-se ainda na exposição em apreço competir ao Tribunal de Contas, «como decorre no artigo 214º, nº 1, a), da Constituição», «a efectivação da responsabilidade financeira».

«Daí que, no que diz respeito a pagamentos indevidos (artigo 59º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto), infracção financeira que determina responsabilidade sancionatória e reintegratória, deva este Tribunal apurar, além do mais, a ocorrência de danos que tenham resultado de pagamentos ilegais.»

«Isto é, compete ao Tribunal de Contas e só a este, no âmbito da responsabilidade financeira, apreciar a ilicitude dos pagamentos e a verificação de danos que advierem para o Estado por via deles.»


3. Em face do exposto interessa, pois, adquirir uma noção dos «pagamentos indevidos» que presidem à intenção de instaurar a acção de responsabilidade financeira em causa.


3.1. Não dispõe, todavia, o Conselho Consultivo do Relatório da Inspecção-–Geral de Finanças aludido na exposição do Exm.º Procurador-Geral Adjunto, pelo qual possa aceder a essa noção.

O documento tem, no entanto, a sua génese na seguinte factualidade.

Em 9 de Novembro de 2001 o Conselho de Administração da ARS então em funções submeteu a Sua Excelência o Ministro da Saúde do XIV Governo um Relatório subscrito pela sua presidente – doravante Relatório/ARS – acerca do contrato de gestão do Hospital, no qual se apontavam graves irregularidades na execução do convénio – em síntese, faltas reiteradas de documentação de arquivo, interpretações de cláusulas contratuais para os quais se não encontrou também suporte documental, conducentes a pagamentos da ARS à Sociedade que de contrário não teriam lugar.

O teor deste documento determinou aquele membro do Governo, através de despacho de 16 de Novembro seguinte, além do mais, a solicitar ao Ministro das Finanças a abertura do inquérito pela Inspecção-Geral de Finanças, em conjugação com a Inspecção-Geral de Saúde, às situações denunciadas, e a enviar também o Relatório/ARS e outros documentos à Procuradoria-Geral da República, aludindo à «oportunidade de se abrir inquérito criminal no processo de execução do contrato de gestão do Hospital Fernando da Fonseca» ([57]).

Mediante despacho de 7 de Dezembro subsequente, Vossa Excelência ordenou a remessa do Relatório ARS e documentação anexa ao DIAP de Lisboa para instauração de inquérito – registado sob o n.º 321/02.8TDLSB, da 9ª Secção –, devendo ser «ponderada a necessidade ou utilidade, dada a natureza eminentemente técnica da matéria, em sobrestar no início da investigação até à obtenção do resultado das auditorias das Inspecções Gerais das Finanças e da Saúde» ([58]).


3.2. Desconhecendo-se, por conseguinte, o Relatório da IGF respeitante a estas auditorias, ou inquéritos, está, todavia, junto ao processo o Relatório/ARS, de 9 de Novembro de 2001.

Trata-se de um extenso documento, revestindo elevado grau de tecnicidade contabilístico-financeira, quando não apresentando deficiências que mereceram severa crítica no citado despacho ministerial de 16 de Novembro de 2001, pelo que dele apenas recolhemos um ou dois exemplos tendentes a ilustrar a ideia dos «pagamentos indevidos».

Assim, em primeiro lugar, a questão da actualização da 1ª anuidade do contrato, que decorria entre 1 de Novembro de 1995 e 31 de Outubro de 1996 (nº 3, pág. 3), ao abrigo da cláusula 9ª.

A Sociedade procedeu à actualização «à cabeça», isto é, «desde o primeiro dia de vigência do contrato de gestão, e não no final da primeira anuidade como é normal neste tipo de contratos».

Verificou-se, pois, «uma interpretação diferente das normas do contrato relativas à actualização da anuidade».

«De acordo com a interpretação da sociedade gestora – continua o Relatório no ponto 4., pág. 5 – a 1ª anuidade deve ser actualizada a partir do 1º dia da sua vigência», enquanto o autor do documento «entende que a anuidade deve ser actualizada apenas no final da sua vigência».

E prevalecendo nesta dicotomia a primeira das duas interpretações, tal veio a traduzir-se numa diferença pecuniária para mais em favor da Sociedade, afinal imputável à «falta de clareza e precisão das normas relativas à actualização das anuidades» (ponto 5., págs. 7/8).

Uma segunda questão tem a ver, não propriamente com a forma, mas com o valor base da actualização, em face, uma vez mais, da cláusula 9.ª (ponto 6., págs. 8/9).

Nos termos da alínea b) do n.º 1 dessa cláusula, a actualização incide sobre o valor da anuidade, referido na alínea a), de 7.808.567.000$00.

Mas por força da alínea a) do n.º 2 e da «Adenda I» ao contrato a 1ª anuidade foi fixada em 4.608.567.000$00.

Ora, não obstante esta redução, a actualização proposta pela Sociedade tinha como base o valor global inicialmente fixado, traduzindo uma diferença para mais a seu favor.

Quando, na verdade, o ponto 3 do «Léxico» anexo ao contrato estipulava: «fica esclarecido que sobre a quantia de 500.000.000$00 referida na alínea a) do n.º 2 da cláusula 9.ª não incide qualquer actualização» – normativo, todavia, não isento de equivocidade, observe-se, posto que a citada alínea a) alude à verba de 2.000.000.000$00, e não de 500.000.000$00, a qual, por sua vez, repartida em 4 prestações idênticas, acresce, por força da alínea b) do n.º 2, às 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª anuidades.

Objecta-se, ademais, no Relatório que a mesma regra da base de actualização não foi seguida no caso paralelo da determinação do valor da caução prevista no n.º 1 da cláusula 34.ª: 1% do valor da 1.ª anuidade, feito incidir, não sobre a soma global de 7.808.567.000$00, mas sobre esta verba deduzida dos aludidos 2.000.000.000$00 (5.808.567.000$00).

A terceira questão ilustrativa dos «pagamentos indevidos» tem a ver com a obrigação de pagamentos de juros de mora estipulada na cláusula 11.ª, cujo teor se recorda:

«Cláusula 11.ª
(Mora)

Por cada dia de atraso no pagamento de todas e quaisquer quantias referidas neste contrato, pagará a Primeira Outorgante à Segunda Contratante a título de reparação da mora, juros à taxa legal em vigor.»

Pois bem. A Sociedade reclama o pagamento de 1,4 milhões de contos de juros de mora relativos aos anos de 1999 e 2000, por atraso no pagamento das remunerações devidas, quer por alteração anual da actividade esperada ([59]), quer por actualização da remuneração base do contrato, e especificamente por atraso no pagamento integral da remuneração de 1999.

Refere o Relatório que «também aqui se está na presença de um problema de interpretação das cláusulas contratuais».

Aliás, «sabendo-se da restrição orçamental existente e da tradicional dificuldade de pagamentos na Administração Pública, não se afigura razoável – à subscritora do documento sub indicio – que o contrato possa incluir uma cláusula de pagamento de juros de mora» (ponto II, 3., pág. 21).

E chega a questionar-se, se bem se interpreta, a validade da cláusula 11.ª, na medida em que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, o Estado e as outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública estão isentos do pagamento de juros de mora (ponto 4., pág. 21).

Além dos exemplos recenseados, não deixa o Relatório de sublinhar, noutros casos mais, «diferenças que resultam claramente da diferente interpretação das cláusulas do contrato» (ponto 7., in fine, pág. 18).

E «tratando-se de assegurar o rigor na utilização de recursos públicos, afirma-se determinante que se encontrem explicações para tais diferenças e, acima de tudo, que se assegure uma interpretação correcta e estável das cláusulas do contrato».


4. Mas se é certo que a qualificação de «pagamentos indevidos» pode depender de determinada interpretação do contrato, também não se deve olvidar o juízo, devidamente fundado, que este Conselho Consultivo já emitiu no parecer nº 14/2000, de 31 de Maio de 2001, sobre a questão da autonomia da responsabilidade financeira, a apreciar pelo Tribunal de Contas, face a outras formas de responsabilidade, a apurar noutras jurisdições.

No parecer em causa foi equacionada a «prática desde sempre seguida de sobrestar a marcha dos processos no Tribunal de Contas quando os mesmos ou idênticos factos estejam em averiguação em sede penal», com vista a determinar as condições em que o Ministério Público deveria actuar em ordem à efectivação da responsabilidade financeira junto do Tribunal de Contas.

A este propósito formularam-se as seguintes conclusões:

«1ª. A responsabilidade financeira, qualificada na Lei nº 98/97, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas) como reintegratória e sancionatória, constitui a forma de responsabilidade específica dos «contáveis», isto é, dos agentes sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas directamente definidos na lei;

«2ª. A responsabilidade financeira tem como fonte a prática de factos financeiros directamente previstos na lei (alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos, pagamentos indevidos ou não arrecadação de receitas);

«3ª. A responsabilidade financeira tem pressupostos, finalidades e consequências diversas de outras formas de responsabilidade, e deve ser apurada e efectivada independentemente de outras formas de responsabilidade que possam derivar dos mesmos factos;

«4ª. A responsabilidade financeira reintegratória constitui os responsáveis na obrigação de repor os montantes determinados na lei, apurados objectivamente em função dos factos que constituem os pressupostos da responsabilidade;

«5ª. A competência material para a efectivação da responsabilidade financeira pertence ao Tribunal de Contas, devendo ser requerida pelo Ministério Público, no exercício de competência directamente prevista na lei, independentemente de eventuais responsabilidades de outra natureza, emergentes dos mesmos factos, que devam ser apuradas nas jurisdições competentes: responsabilidade civil nas relações externas; responsabilidade penal; responsabilidade disciplinar.»

Entre as considerações então expendidas, merecem destaque, enquanto relevantes para a presente consulta, os seguintes trechos:

«A autonomia e a natureza própria da responsabilidade financeira – reintegratória, com a dupla função preventiva e de reparação e reintegração patrimonial e financeira (e, nesta medida, assumindo uma função substitutiva da responsabilidade civil nas relações internas), ou sancionatória – impõe, como necessária consequência, que a respectiva efectivação seja promovida no lugar de competência próprio, através do processo directamente regulado na lei.

«A efectivação desta forma de responsabilidade é, por isso, independente do apuramento e determinação no âmbito das valorações próprias de outras formas de responsabilidade que possam ser, ou sejam cumuláveis – penal, contra-ordenacional, disciplinar e, eventualmente, civil nas relações externas.

«A natureza da responsabilidade financeira é, como se salientou, específica ou especial; desta natureza hão-de derivar as necessárias consequências: enquanto for, e nos termos em que seja reparatória e reintegradora, a responsabilidade financeira substitui (sobrepõe-se) a responsabilidade civil nas relações internas, com todas as respectivas consequências, nomeadamente no plano da relevação ou da substituição por responsabilidade sancionatória.

«(…) Deste modo, logo que na sequência dos procedimentos de controlo externo (relatórios de verificação externa de contas ou de auditoria – artigos 54º e 55º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto), se apurem factos susceptíveis de constituir os ‘contáveis’ em responsabilidade financeira (alcance, desvio de dinheiros ou valores público, pagamentos indevidos ou não arrecadação de receitas – artigos 59º e 60º da referida Lei), o Ministério Público deve promover o processo junto da 3ª Secção do Tribunal de Contas, no uso da competência que a lei lhe confere (-).

«A competência do Ministério Público para requerer no Tribunal de Contas a efectivação da responsabilidade financeira, ditada pela natureza desta forma de responsabilidade, definida em função de pressupostos autónomos, objectiva e tipicamente estabelecidos na lei, é independente de outras formas de responsabilidade que possam ser cumuláveis, a apurar e efectivar nas jurisdições competentes.»

Recuperando agora esta orientação e adaptando-a à problemática sub iudicio, podemos afirmar que se situam em planos diferentes a intervenção do tribunal arbitral, com legitimidade para ajuizar acerca do litígio entre a ARS e a Sociedade, quanto à estrita matéria de «interpretação, validade e execução» do contrato de gestão do Hospital, e a intervenção do Tribunal de Contas, com competência para julgar a responsabilidade financeira, independentemente de qualquer outra forma de responsabilidade ([60]). Ou seja, nada impede que – como se afirmou no citado parecer nº 14/2000 – apurados factos susceptíveis de integrar responsabilidade financeira, o Ministério Público promova desde logo o competente processo e a 3ª Secção do Tribunal de Contas efective a mesma.

Mas se o conhecimento dessa responsabilidade financeira depender de determinada interpretação do contrato (e na medida em que dela dependa), estará verificada uma situação de prejudicialidade ([61]), que pode levar o Tribunal de Contas, depois de instaurada aquela acção, a desencadear um ou outro dos mecanismos processuais previstos nos artigos 97º e 279º do Código de Processo Civil – consoante a questão prejudicial não seja ainda objecto de uma acção pendente ou esta tenha já sido proposta, respectivamente ([62]) –, aplicáveis ex vi do artigo 80º, alínea a), da Lei nº 98/97, enquanto este preceito considera aquele diploma como lei supletiva em tema de processo no Tribunal de Contas.

Cabendo ao tribunal arbitral dirimir divergências entre a ARS e a Sociedade no domínio das relações contratuais, concretamente no âmbito da «interpretação, validade e execução» do contrato, verifica-se que essa entidade surge, pois, nesse domínio, em substituição do tribunal administrativo, o qual, na falta de convenção de arbitragem, teria a competência para conhecer «das acções sobre contratos administrativos e sobre responsabilidades das partes pelo seu incumprimento» [artigo 51º, nº 1, alínea g), do ETAF].

Sendo a questão da «interpretação, validade e execução» do contrato matéria da competência de tribunal administrativo (e que, por força de convenção de arbitragem, pode ser submetida à intervenção de tribunal arbitral), mostra-se verificado o condicionalismo previsto no artigo 97º do Código de Processo Civil (mais exigente quanto ao objecto que o do artigo 279º, que logicamente também estará verificado), que permite ao tribunal da futura causa (neste caso, o Tribunal de Contas) sobrestar na respectiva decisão.

Por sua vez, e perante a eventualidade de suspensão de uma futura acção de responsabilidade financeira, deve o Ministério Público ponderar a necessidade ou utilidade em sustar a instauração dessa mesma acção durante a pendência da acção arbitral.

VI

Do exposto se conclui:

1. Nos termos do nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto – Arbitragem Voluntária –, o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, quer cláusulas compromissórias, quer compromissos arbitrais, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se elas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado;

2. O nº 2 do artigo 2º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, ao dispor serem admissíveis tribunais arbitrais no domínio do contencioso dos contratos administrativos e da responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o contencioso das acções de regresso, constitui «lei especial» para os efeitos previstos no nº 4 do artigo 1º da Lei de Arbitragem Voluntária, não tendo sido por esta revogado;

3. O artigo 188º do Código do Procedimento Administrativo, ao estatuir sobre a admissibilidade de cláusulas compromissórias nos contratos administrativos, constitui nessa medida igualmente «lei especial» para os mesmos efeitos, não prejudicando a possibilidade de celebração de compromissos arbitrais concernentes ao contencioso de plena jurisdição dos mesmos contratos;

4. A cláusula compromissória 44ª do contrato administrativo de gestão do Hospital Amadora/Sintra Professor Fernando da Fonseca, mediante a qual as partes contratantes – a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a Sociedade Gestora, S.A. do mesmo Hospital – remeteram para tribunal arbitral a resolução das questões entre elas suscitadas, designadamente acerca da interpretação, validade ou execução do negócio jurídico, tem fundamento legal nas normas citadas nas anteriores conclusões 1., 2. e 3.;

5. A responsabilidade financeira tem pressupostos, finalidades e consequências diversas de outras formas de responsabilidade, e deve ser apurada e efectivada independentemente de outras formas de responsabilidade que possam derivar dos mesmos factos;

6. A competência material para a efectivação da responsabilidade financeira pertence ao Tribunal de Contas, devendo ser requerida pelo Ministério Público, no exercício de competência directamente prevista na lei, independentemente de eventuais responsabilidades de outra natureza, emergentes dos mesmos factos, que devam ser apuradas noutras jurisdições;

7. Mas se o conhecimento dessa responsabilidade financeira depender de determinada interpretação do contrato (e na medida em que dela dependa) – enquanto matéria da competência de tribunal arbitral, em substituição de tribunal administrativo, por força de convenção de arbitragem –, estará verificada uma situação de prejudicialidade, pelo que o Ministério Público deve ponderar a necessidade ou utilidade em sustar a instauração da respectiva acção e o Tribunal de Contas pode, caso seja instaurada essa acção, sobrestar no seu prosseguimento, atenta a iminência ou a pendência da acção arbitral, ao abrigo (consoante o respectivo condicionalismo) do artigo 97º ou do artigo 279º, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 80º, alínea a), da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas).



VOTO

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)


Votei vencido quanto à 7.ª conclusão com os seguintes fundamentos:

1. Nos termos constitucionalmente previstos, o Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, competindo-lhe nomeadamente a efectivação da responsabilidade por infracções financeiras (artigo 214º, n.º 1, da CRP).

Trata-se, ademais, de uma competência exclusiva e de ordem pública, e que, no que concerne àquelas vertentes, corresponde a uma função jurisdicionalizada ([63]).

A fiscalização da legalidade das despesas públicas abrange, em princípio, todas as despesas públicas realizadas por toda e qualquer entidade pública e consiste na verificação da conformidade legal do acto gerador de despesa, quer no aspecto estritamente jurídico, quer no aspecto financeiro ([64]).

A efectivação da responsabilidade financeira, a que se reporta o artigo 59º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, é uma consequência lógica das demais competências do Tribunal de Contas, e verifica-se nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, podendo implicar a condenação do responsável na reposição das importâncias envolvidas.

Competindo ao Tribunal de Contas “fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos actos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa” (artigo 5º, n. 1, alínea c), da Lei n.º 98/97), é de concluir que a responsabilidade financeira reintegratória abrange também os pagamentos que tenham sido indevidamente efectuados no âmbito da execução de um contrato. Isso porque qualquer despesa contratual se encontra coberta pelo juízo de legalidade formulado no âmbito da fiscalização prévia ([65]).

Por outro lado, e como se ponderou no Parecer deste Conselho n.º 14/2000, de 31 de Maio, a responsabilidade financeira assenta em fundamentos e finalidades próprias e poderá ter consequências diversas de quaisquer outras formas de responsabilidade, tanto externa como interna, ainda que possam basear-se na mesma factualidade.

2. À luz do artigo 2º, n.º 2, do ETAF, a cláusula compromissória inserida no contrato de gestão relativo ao Hospital Amadora-Sintra apenas pode ter-se como legalmente admissível, se tiver em vista dirimir, por via do recurso à arbitragem – como aliás resulta do seu contexto verbal –, os litígios que eventualmente se suscitem entre as partes contratantes no tocante à interpretação, validade e execução do contrato.

A decisão do tribunal arbitral, que deverá ser adoptada segunda as regras da equidade – como determina o n.º 4 da mesma cláusula –, tem pois o valor de uma sentença de um tribunal administrativo, mas apenas no que estritamente respeita ao objecto do litígio e com efeitos de caso julgado circunscritos às partes contratantes.

O tribunal arbitral não pode ter a pretensão de avocar a julgamento relativo à responsabilidade financeira reintegratória dos agentes ou órgãos do contraente público, que, como se anotou, constitui competência exclusiva e indisponível do Tribunal de Contas. E mesmo o juízo de legalidade que permite qualificar certas despesas como pagamentos indevidos – mesmo que dependa de uma certa interpretação das cláusulas do contrato -, continua a integrar a competência própria do Tribunal de Contas, enquanto pressuposto da decisão condenatória a emitir por este tribunal, em sede de responsabilidade financeira reintegratória.

Neste aspecto, aliás, a questão sub iudicio apresenta inteira analogia com a que foi analisada no Parecer n.º 14/2000. Neste último caso, a possível interconexão era estabelecida com o processo penal, quando os factos que integrem os pressupostos da responsabilidade financeira sejam também passíveis de qualificação penal e constituam objecto de um processo penal ([66]).

Nesse parecer escreveu-se, a propósito, o seguinte:

“As considerações desenvolvidas sobre a natureza, pressupostos e efeitos da responsabilidade financeira permitem já a conclusão de que a existência de um processo penal para apuramento da responsabilidade criminal dos agentes de factos, penalmente típicos, que cumulativamente possam ser considerados e qualificados no âmbito dos pressupostos da responsabilidade financeira, constitui uma contingência processual estranha ao domínio e ao apuramento e efectivação desta forma de responsabilidade.

Com efeito, sendo indiscutida a autonomia da qualificação penal e suas consequências (a autonomia e cumulabilidade da responsabilidade penal), a apurar em processo penal, a questão apenas se suscita na medida da determinação da reparação civil em processo penal.

Mas, assim sendo, o problema não apresenta elementos de novidade por referência à matéria e à ponderação efectuada em redor da autonomia das noções 'responsabilidade financeira' e 'responsabilidade civil', sendo o princípio da adesão estranho à discussão da questão suscitada.”

E concluiu-se:

“Valem, por isso, as considerações feitas a propósito da relação responsabilidade financeira-responsabilidade civil. A efectivação da responsabilidade financeira, autónoma em relação à responsabilidade civil, não está dependente do processo penal quando os factos também constituam crime, é estranha ao princípio da adesão e deve ser promovida no lugar da competência própria do Tribunal de Contas através do processo adequado directamente previsto na lei.”

No caso versado no parecer n.º 14/2000 estava em causa uma das situações de prejudicialidade a que se refere o artigo 97º do Código de Processo Civil – verificação da existência ou inexistência de um facto criminoso, da competência do tribunal penal; no caso presente, equaciona-se a outra das situações elencadas nesse preceito – averiguação de matéria que, em geral, é da competência dos tribunais administrativos. Desta feita, porém, o Conselho Consultivo, partindo das mesmas premissas em que se baseou o seu anterior parecer – do qual transcreveu largos excertos -, acabou por adoptar, incompreensivelmente, uma solução diametralmente oposta à que naquele ficou exarada.

3. A suspensão da instância com fundamento na existência de uma questão prejudicial pode ocorrer em duas eventualidades: no caso previsto no artigo 97º do Código de Processo Civil, a questão prejudicial é de natureza criminal ou administrativa, pelo que o verdadeiro fundamento da suspensão traduz-se no reconhecimento, pelo juiz, da sua incompetência para conhecer dessa questão, apesar de ser essencial para a apreciação da matéria da causa; na hipótese considerada no artigo 279º, a questão prejudicial constitui o objecto próprio de uma causa distinta que está pendente no mesmo ou noutro tribunal e que, por outro lado, poderá consistir numa circunstância diversa de qualquer daquelas que se encontram enunciadas no artigo 97º. Assim, como esclarece ALBERTO DOS REIS , neste último caso, a suspensão da instância pode ocorrer, não por uma razão de incompetência, mas por uma razão de conveniência ([67]).

O mesmo autor descreve a differentia specifica entre a duas modalidades de suspensão judicial nos seguintes termos: “no caso do artigo 97º, o juiz sente a necessidade de suscitar a questão prejudicial, porque se certifica que não pode conhecer do mérito da causa sem primeiro se resolver a questão criminal ou administrativa para a qual se acha incompetente; no caso do artigo 284º (que corresponde agora ao artigo 279º), o juiz não sentiu ou não sente essa necessidade e unicamente é posto perante o facto de se achar pendente uma causa prejudicial em relação àquela que lhe está afecta.”

No caso em apreço, o parecer, ao admitir, nos termos da sua conclusão 7ª, a existência de uma situação de prejudicialidade, quando a efectivação da responsabilidade financeira dependa da interpretação do contrato, e ao propor a sustação da instauração da respectiva acção pelo Ministério Público, por referência ao princípio instituído no artigo 97º do CPC, está, pois, a reconhecer implicitamente que o Tribunal de Contas é incompetente para formular um juízo de legalidade quanto aos pagamentos que tenham sido efectuados no âmbito da execução do contrato, tornando a verificação desse pressuposto da responsabilidade financeira integratória dependente do julgamento que venha a ser feito pelo tribunal arbitral.

Deste modo, o parecer põe em causa a competência material do Tribunal de Contas para conhecer da responsabilidade financeira dos “contáveis” e, do mesmo passo, contradita os princípios da plena autonomia da jurisdição do tribunal e da suficiência do processo – que tinha entretanto aceite, por remissão para os fundamentos do parecer n.º 14/2000 (cfr. conclusões 5.ª e 6.ª).

Certo é que, na pendência de uma acção para efectivação de responsabilidade financeira, o Tribunal de Contas poderá adoptar o mecanismo previsto no artigo 279º do Código de Processo Civil, se entretanto for desencadeado também o processo arbitral. Todavia, aí estamos perante uma mera faculdade que o tribunal fará actuar no exercício de um poder discricionário ([68]) e que tem por base, não o reconhecimento da sua incompetência para conhecer de qualquer das questões que integram o objecto da acção de responsabilidade financeira, mas apenas a conveniência de se conhecer antecipadamente o resultado da acção arbitral (que poderá implicar a inutilidade da lide na acção de responsabilidade financeira se vier a concluir-se pela existência de pagamentos indevidos e a obrigação por parte do contratante particular de repetir o indevido).

4. Resta referir que a solução adoptada no parecer poderá conduzir à completa postergação do princípio da legalidade na fiscalização das despesa públicas, princípio que constitui justamente o fundamento da intervenção do Tribunal de Contas.

Com efeito, nos termos da cláusula compromissória, o tribunal arbitral “julgará segundo as regras da equidade, não havendo recurso da sua decisão”, o que significa que a posição a adoptar quanto à resolução do litígio poderá resultar, não da aplicação rigorosa do jus strictum, mas de considerações atinentes à justiça do caso concreto, que já ao juiz está vedado invocar. Na apreciação da questão tida como prejudicial, a decisão arbitral poderá, por isso, não preencher os critérios de legalidade que, necessariamente, deverão pautar o exercício da competência jurisdicional do Tribunal de Contas.

5. Como se impõe concluir, a iminência ou a pendência de uma acção arbitral destinada a dirimir o litígio suscitado no âmbito da execução do contrato não determina a necessidade de sustação da instauração da acção para efectivação da responsabilidade financeira, nem interfere no juízo de legalidade relativo à fiscalização de despesas que ao Tribunal de Contas cabe realizar. Mesmo que se encontrem simultaneamente pendentes as duas acções, a decisão de suspender a instância na acção a correr termos perante o Tribunal de Contas constitui um mero poder discricionário, que poderá fundar-se em razões de conveniência, mas não na pretensa incompetência do tribunal para conhecer qualquer dos aspectos atinentes ao julgamento de legalidade.

(José Adriano Machado Souto de Moura) - Vencido, nos termos do voto do Sr. Dr. Fernandes Cadilha.


(Carlos Alberto Fernandes Cadilha) - Votei vencido quanto à 7.ª conclusão com os seguintes fundamentos:

1. Nos termos constitucionalmente previstos, o Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, competindo-lhe nomeadamente a efectivação da responsabilidade por infracções financeiras (artigo 214º, n.º 1, da CRP).

Trata-se, ademais, de uma competência exclusiva e de ordem pública, e que, no que concerne àquelas vertentes, corresponde a uma função jurisdicionalizada ([1]).

A fiscalização da legalidade das despesas públicas abrange, em princípio, todas as despesas públicas realizadas por toda e qualquer entidade pública e consiste na verificação da conformidade legal do acto gerador de despesa, quer no aspecto estritamente jurídico, quer no aspecto financeiro ([2]).

A efectivação da responsabilidade financeira, a que se reporta o artigo 59º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, é uma consequência lógica das demais competências do Tribunal de Contas, e verifica-se nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, podendo implicar a condenação do responsável na reposição das importâncias envolvidas.

Competindo ao Tribunal de Contas “fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos actos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa” (artigo 5º, n. 1, alínea c), da Lei n.º 98/97), é de concluir que a responsabilidade financeira reintegratória abrange também os pagamentos que tenham sido indevidamente efectuados no âmbito da execução de um contrato. Isso porque qualquer despesa contratual se encontra coberta pelo juízo de legalidade formulado no âmbito da fiscalização prévia ([3]).

Por outro lado, e como se ponderou no Parecer deste Conselho n.º 14/2000, de 31 de Maio, a responsabilidade financeira assenta em fundamentos e finalidades próprias e poderá ter consequências diversas de quaisquer outras formas de responsabilidade, tanto externa como interna, ainda que possam basear-se na mesma factualidade.

2. À luz do artigo 2º, n.º 2, do ETAF, a cláusula compromissória inserida no contrato de gestão relativo ao Hospital Amadora-Sintra apenas pode ter-se como legalmente admissível, se tiver em vista dirimir, por via do recurso à arbitragem – como aliás resulta do seu contexto verbal –, os litígios que eventualmente se suscitem entre as partes contratantes no tocante à interpretação, validade e execução do contrato.

A decisão do tribunal arbitral, que deverá ser adoptada segunda as regras da equidade – como determina o n.º 4 da mesma cláusula –, tem pois o valor de uma sentença de um tribunal administrativo, mas apenas no que estritamente respeita ao objecto do litígio e com efeitos de caso julgado circunscritos às partes contratantes.

O tribunal arbitral não pode ter a pretensão de avocar a julgamento relativo à responsabilidade financeira reintegratória dos agentes ou órgãos do contraente público, que, como se anotou, constitui competência exclusiva e indisponível do Tribunal de Contas. E mesmo o juízo de legalidade que permite qualificar certas despesas como pagamentos indevidos – mesmo que dependa de uma certa interpretação das cláusulas do contrato -, continua a integrar a competência própria do Tribunal de Contas, enquanto pressuposto da decisão condenatória a emitir por este tribunal, em sede de responsabilidade financeira reintegratória.

Neste aspecto, aliás, a questão sub iudicio apresenta inteira analogia com a que foi analisada no Parecer n.º 14/2000. Neste último caso, a possível interconexão era estabelecida com o processo penal, quando os factos que integrem os pressupostos da responsabilidade financeira sejam também passíveis de qualificação penal e constituam objecto de um processo penal ([4]).

Nesse parecer escreveu-se, a propósito, o seguinte:

“As considerações desenvolvidas sobre a natureza, pressupostos e efeitos da responsabilidade financeira permitem já a conclusão de que a existência de um processo penal para apuramento da responsabilidade criminal dos agentes de factos, penalmente típicos, que cumulativamente possam ser considerados e qualificados no âmbito dos pressupostos da responsabilidade financeira, constitui uma contingência processual estranha ao domínio e ao apuramento e efectivação desta forma de responsabilidade.

Com efeito, sendo indiscutida a autonomia da qualificação penal e suas consequências (a autonomia e cumulabilidade da responsabilidade penal), a apurar em processo penal, a questão apenas se suscita na medida da determinação da reparação civil em processo penal.

Mas, assim sendo, o problema não apresenta elementos de novidade por referência à matéria e à ponderação efectuada em redor da autonomia das noções 'responsabilidade financeira' e 'responsabilidade civil', sendo o princípio da adesão estranho à discussão da questão suscitada.”

E concluiu-se:

“Valem, por isso, as considerações feitas a propósito da relação responsabilidade financeira-responsabilidade civil. A efectivação da responsabilidade financeira, autónoma em relação à responsabilidade civil, não está dependente do processo penal quando os factos também constituam crime, é estranha ao princípio da adesão e deve ser promovida no lugar da competência própria do Tribunal de Contas através do processo adequado directamente previsto na lei.”

No caso versado no parecer n.º 14/2000 estava em causa uma das situações de prejudicialidade a que se refere o artigo 97º do Código de Processo Civil – verificação da existência ou inexistência de um facto criminoso, da competência do tribunal penal; no caso presente, equaciona-se a outra das situações elencadas nesse preceito – averiguação de matéria que, em geral, é da competência dos tribunais administrativos. Desta feita, porém, o Conselho Consultivo, partindo das mesmas premissas em que se baseou o seu anterior parecer – do qual transcreveu largos excertos -, acabou por adoptar, incompreensivelmente, uma solução diametralmente oposta à que naquele ficou exarada.

3. A suspensão da instância com fundamento na existência de uma questão prejudicial pode ocorrer em duas eventualidades: no caso previsto no artigo 97º do Código de Processo Civil, a questão prejudicial é de natureza criminal ou administrativa, pelo que o verdadeiro fundamento da suspensão traduz-se no reconhecimento, pelo juiz, da sua incompetência para conhecer dessa questão, apesar de ser essencial para a apreciação da matéria da causa; na hipótese considerada no artigo 279º, a questão prejudicial constitui o objecto próprio de uma causa distinta que está pendente no mesmo ou noutro tribunal e que, por outro lado, poderá consistir numa circunstância diversa de qualquer daquelas que se encontram enunciadas no artigo 97º. Assim, como esclarece ALBERTO DOS REIS , neste último caso, a suspensão da instância pode ocorrer, não por uma razão de incompetência, mas por uma razão de conveniência ([5]).

O mesmo autor descreve a differentia specifica entre a duas modalidades de suspensão judicial nos seguintes termos: “no caso do artigo 97º, o juiz sente a necessidade de suscitar a questão prejudicial, porque se certifica que não pode conhecer do mérito da causa sem primeiro se resolver a questão criminal ou administrativa para a qual se acha incompetente; no caso do artigo 284º (que corresponde agora ao artigo 279º), o juiz não sentiu ou não sente essa necessidade e unicamente é posto perante o facto de se achar pendente uma causa prejudicial em relação àquela que lhe está afecta.”

No caso em apreço, o parecer, ao admitir, nos termos da sua conclusão 7ª, a existência de uma situação de prejudicialidade, quando a efectivação da responsabilidade financeira dependa da interpretação do contrato, e ao propor a sustação da instauração da respectiva acção pelo Ministério Público, por referência ao princípio instituído no artigo 97º do CPC, está, pois, a reconhecer implicitamente que o Tribunal de Contas é incompetente para formular um juízo de legalidade quanto aos pagamentos que tenham sido efectuados no âmbito da execução do contrato, tornando a verificação desse pressuposto da responsabilidade financeira integratória dependente do julgamento que venha a ser feito pelo tribunal arbitral.

Deste modo, o parecer põe em causa a competência material do Tribunal de Contas para conhecer da responsabilidade financeira dos “contáveis” e, do mesmo passo, contradita os princípios da plena autonomia da jurisdição do tribunal e da suficiência do processo – que tinha entretanto aceite, por remissão para os fundamentos do parecer n.º 14/2000 (cfr. conclusões 5.ª e 6.ª).

Certo é que, na pendência de uma acção para efectivação de responsabilidade financeira, o Tribunal de Contas poderá adoptar o mecanismo previsto no artigo 279º do Código de Processo Civil, se entretanto for desencadeado também o processo arbitral. Todavia, aí estamos perante uma mera faculdade que o tribunal fará actuar no exercício de um poder discricionário ([6]) e que tem por base, não o reconhecimento da sua incompetência para conhecer de qualquer das questões que integram o objecto da acção de responsabilidade financeira, mas apenas a conveniência de se conhecer antecipadamente o resultado da acção arbitral (que poderá implicar a inutilidade da lide na acção de responsabilidade financeira se vier a concluir-se pela existência de pagamentos indevidos e a obrigação por parte do contratante particular de repetir o indevido).

4. Resta referir que a solução adoptada no parecer poderá conduzir à completa postergação do princípio da legalidade na fiscalização das despesa públicas, princípio que constitui justamente o fundamento da intervenção do Tribunal de Contas.

Com efeito, nos termos da cláusula compromissória, o tribunal arbitral “julgará segundo as regras da equidade, não havendo recurso da sua decisão”, o que significa que a posição a adoptar quanto à resolução do litígio poderá resultar, não da aplicação rigorosa do jus strictum, mas de considerações atinentes à justiça do caso concreto, que já ao juiz está vedado invocar. Na apreciação da questão tida como prejudicial, a decisão arbitral poderá, por isso, não preencher os critérios de legalidade que, necessariamente, deverão pautar o exercício da competência jurisdicional do Tribunal de Contas.

5. Como se impõe concluir, a iminência ou a pendência de uma acção arbitral destinada a dirimir o litígio suscitado no âmbito da execução do contrato não determina a necessidade de sustação da instauração da acção para efectivação da responsabilidade financeira, nem interfere no juízo de legalidade relativo à fiscalização de despesas que ao Tribunal de Contas cabe realizar. Mesmo que se encontrem simultaneamente pendentes as duas acções, a decisão de suspender a instância na acção a correr termos perante o Tribunal de Contas constitui um mero poder discricionário, que poderá fundar-se em razões de conveniência, mas não na pretensa incompetência do tribunal para conhecer qualquer dos aspectos atinentes ao julgamento de legalidade.




[1]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3.ª edição, pág. 818; SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª edição (6.ª reimpressão), Coimbra, pág. 482.
[2]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. e loc. cit.
[3]) Assim se compreende que também os contratos adicionais ou suplementares, relativamente a outros contratos já visados, quando impliquem a realização de novas despesas fiquem sujeitos a novo visto do Tribunal de Contas (artigo do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio).
[4]) Recorde-se que, no parecer n.º 14/2000, a questão foi suscitada, precisamente, em face da prática, seguida pelos magistrados do Ministério Público no Tribunal de Contas, de sobrestar a marcha dos processos relativos à efectivação da responsabilidade financeira, para aguardar a decisão do processo penal e a efectivação de responsabilidade civil que aí possa ter, ou tenha tido, lugar.
[5]) Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra, 1946, pág. 268.
[6]) Assim, ALBERTO DOS REIS, Comentário, citado, pág.269. De notar que o acórdão do STJ de 1 de Outubro de 1991, citado na nota 61 do parecer, ao contrário do que se afirma nesse local, não descaracteriza o poder do tribunal para suspender a instância por prejudicialidade como poder discricionário, antes considera que esse poder, sendo discricionário, é vinculado quanto a um dos elementos de decisão – a efectiva existência de uma questão prejudicial –, como, aliás, é próprio de todo o poder discricionário (cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10º edição, Coimbra, pág.485).




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[1]) Citam-se neste sentido ESTEVES DE OLIVEIRA/COSTA GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, actualizada, revista e aumentada, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, anotação II ao artigo 188º, pág. 856.
[2]) Na sequência da comunicação a este endereçada veio o mesmo reafirmar a Vossa Excelência, por ofício nº 7224, de 19 de Novembro de 2002, o ponto de vista que já exprimira ao Exmº Senhor Presidente do Tribunal de Contas: em síntese, que as questões a dirimir pelo tribunal arbitral «são distintas das questões de responsabilidade financeira, disciplinar e penal que estão a ser apuradas em simultâneo». «Como decorre do objecto do litígio – esclarece – constante do projecto da convenção arbitral que concretiza a cláusula compromissória», trata-se de temas tais como «os incumprimentos das cláusulas contratuais» que a ARS invoca e «o reembolso de pagamentos que consideramos indevidos bem como dos pagamentos que, por sua vez, a Sociedade Gestora do Hospital considera serem devidos». A cláusula compromissória – prossegue – refere que o tribunal «deve ser constituído por três árbitros, remetendo o seu funcionamento para o disposto no Código do Procedimento Administrativo e para a Lei nº 31/86, de 29 de Agosto. Os árbitros já foram escolhidos e a Convenção Arbitral – que densifica a cláusula compromissória – está em vias de ser aprovada pelas partes. Por outro lado, considero que o Tribunal Arbitral é a consequência normal do que as partes contratualizaram livremente e ao que mutuamente se obrigaram, com o aval do Tribunal de Contas. De acordo com a Lei, e nos termos do contratualizado por ambas as partes, o Tribunal Arbitral tem valor e dignidade idêntica à de um normal Tribunal Administrativo». Sua Excelência o Ministro solicita que o parecer seja considerado urgente e encerra a sua missiva exprimindo o desejo de que o Conselho Consultivo tenha acesso à convenção arbitral, advertindo, porém, que «o respectivo texto ainda não está definitivamente acordado mas já permite determinar as matérias a dirimir». Por isso envia «a última versão» entregue no seu gabinete, propondo-se remeter «oportunamente a versão final». Não tendo esta, no entanto, sido recebida até ao momento, tomar-se-á eventualmente em conta, sendo caso disso, a versão provisória que nos é presente.
[3]) No tocante à génese do contrato registar-se-á sumariamente o seguinte. O nº 1 da Base XXXVI da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto – Lei de Bases da Saúde – dispõe que «a gestão das unidades de saúde deve obedecer na medida do possível, a regras de gestão empressarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão, submetidas a regras por ela fixadas». Em consonância, preceitua o nº 2 da mesma Base poder, nos termos a estabelecer em lei, «ser autorizada a entrega, através de contratos de gestão, de hospitais ou centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde a outras entidades ou, em regime de convenção, a grupos de médicos». E o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde – que o Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, em desenvolvimento do regime jurídico consignado na Lei de Bases, e prevendo-o especialmente no nº 2 da Base XII, aprovou em anexo – regulou no seu artigo 29º as grandes linhas dos aludidos contratos, estipulando, nomeadamente, a necessidade de a sua celebração ser precedida de concurso público (nº 1), e deferindo a portaria do Ministro da Saúde a aprovação do programa do concurso e do caderno de encargos tipo. Neste sentido foi justamente editada a Portaria nº 704/94, de 29 de Julho, ao abrigo da qual veio a ser aberto o Concurso Público nº 8/94 para a gestão do Hospital que conduziu à celebração do contrato sub iudicio. O programa do concurso e o caderno de encargos não se encontram no dossier do presente parecer, estando, porém, disponíveis no processo do parecer nº 137/01, de 25 de Outubro de 2001, «Diário da República», II Série, nº 4, de 5 de Janeiro de 2002, onde há algum tempo se deparou ao Conselho o ensejo de estudar a viabilidade legal de um negócio modificativo, sob certas condições, do contrato de gestão em apreço.
[4]) Enunciam-se nesta cláusula os Anexos I a X, que figuram no processo de forma incompleta. A sua utilidade é, todavia, verdadeiramente despicienda na tónica da consulta. Faltavam inclusive o Anexo X e um complemento específico denominado «Léxico», que se obtiveram no processo do parecer nº 137/01 citado na nota 3.
[5]) O contrato tem por objecto, na síntese do nº 1 da cláusula 5ª, «a gestão integral do Hospital».
[6]) A cláusula 6ª regula em várias vertentes as formas de acesso aos cuidados de saúde prestados pelo Hospital a utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que a contraente Sociedade se obriga a assegurar.
[7]) À ARS é conferida por esta cláusula a faculdade de enviar para o Hospital doentes referenciados por outras instituições e serviços do SNS, nos termos e segundo o procedimento regulado nos diversos números da cláusula 7ª.
[8]) Conforme a cláusula 8ª, a Sociedade deve igualmente assegurar a continuidade dos cuidados de saúde para os quais o Hospital não esteja habilitado em termos de diferenciação e capacidade técnica, podendo inclusivamente referenciar os doentes para outras instituições ou serviços do SNS.
[9]) O contrato entra em vigor no primeiro dia do mês subsequente à data da sua assinatura, ou seja, no 1º dia de Novembro de 1995 (nº 1), perdurando durante o prazo de um ano renovável por iguais períodos (nº 2), a menos que seja denunciado nas condições previstas na mesma cláusula (nºs 2 e 3).
[10]) Decerto por lapsus calami, as Secções III e IV vêm grafadas no texto do contrato como Secções II e III.
[11]) Esta cláusula prevê a possibilidade de a ARS «tomar conta da exploração do Hospital quando se der ou estiver iminente a interrupção total ou parcial da exploração ou se verifiquem graves deficiências na respectiva organização e funcionamento ou no estado geral das instalações e dos equipamentos, susceptíveis de comprometer a regularidade e continuidade das prestações a realizar».
[12]) Nos termos da cláusula 41ª, nº 1, haverá lugar «à reposição do equilíbrio financeiro global do contrato, sempre que a prestação da Segunda Outorgante se torne excessivamente onerosa, por facto que lhe não seja imputável» - cfr. v.g. os factos enunciados exemplificativamente nas alíneas a) a c): acontecimentos supervenientes razoavelmente imprevisíveis; alterações da iniciativa da Primeira Outorgante (cfr. a cláusula 38ª); alterações normativas com impacto directo e significativo sobre os custos ou receitas. Os restantes nºs 2 a 6 prevêem um procedimento tendente à consecução do equilíbrio visado, que privilegia «o encontro de uma solução consensual», na falta da qual «deverão as partes conjunta ou separadamente, conforme entenderem, submeter os pontos em divergência ao Tribunal Arbitral a que se refere a Cláusula 44ª» (nº 7).
[13]) A Comissão Instaladora do Hospital cessa funções, nos termos da cláusula 47ª, «no prazo máximo de dois messes após a data da entrada em vigor deste contrato».
[14]) Notas prototípicas do contrato administrativo e da relação jurídica administrativa apud parecer nº 137/01 (ponto 4.1.), citando-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, págs. 429, 439/440 – cfr. agora Curso de Direito Administrativo, vol. II, com a colaboração de LINO TORGAL, Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, págs. 514 e segs – e MARCELO REBELO DE SOUSA, Parecer junto àquele processo (ponto 3) e Lições de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1999, págs. 55 e 77.
[15]) JOÃO LUÍS LOPES DOS REIS, A Arbitragem Hemofílicos c/Estado Português, separata da «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 60, 1, Lisboa, Janeiro de 2000, págs. 167 e segs., que vamos por momentos seguir de perto. Acerca da evolução a seguir descrita cfr., também com outro detalhe, SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no domínio dos contratos administrativos, «Estudos em Memória do Professor Doutor JOÃO DE CASTRO MENDES», sem data [1995], págs. 231 e segs. (pontos 2., 3., 4. e 5.).
[16]) Citam-se representativamente, JOÃO MARIA TELLO DE MAGALHÃES COLAÇO, Concessões de Serviços Públicos – Sua Natureza Jurídica, Coimbra, 1914, págs. 21 e segs., pronunciando-se especificamente (págs. 23 e segs.) pela ilegalidade da prática de inclusão de cláusulas compromissórias em contratos de concessão, salvo quando autorizadas por lei – cfr. também, do mesmo autor, Anotação a sentença, de 30 de Maio de 1911, «Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra», I (1914-15), págs. 281 e segs., e Contencioso Administrativo, I, Coimbra, págs. 157/158; na mesma linha, ARMANDO MARQUES GUEDES, A Concessão (Estudo de Direito, Ciência e Política Administrativa), Coimbra, 1954, págs. 49/51, e Tribunais arbitrais administrativos, «Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa», XIV (1960), págs. 141 e seguintes.
[17]) Assim, o artigo 13º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, aprovada pelo Decreto--Lei nº 40768, de 8 de Setembro de 1956 – refere o autor que estamos a acompanhar -, estatuía, justamente, «A competência contenciosa é de ordem pública», enquanto o artigo 818º do Código Administrativo preceituava que a competência administrativa «não se altera nem se modifica por arbítrio das partes».
[18]) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª edição, Coimbra, 1980, págs. 1285 e seg., e, sobre esta doutrina, SÉRVULO CORREIA, op. cit., maxime págs. 233 e segs., apud LOPES DOS REIS, op. cit., pág. 169, nota 7.
[19]) Exemplifiquem-se, com LOPES DOS REIS, op. cit., nota 8: o artigo 217º, nº 3, do Decreto-Lei nº 48871, de 19 de Fevereiro de 1969 (empreitadas de obras públicas); artigo 12º do Decreto Regulamentar nº 54/77, de 24 de Agosto (contratos administrativos de investimento estrangeiro); a Convenção de Washington/CIRDI de 1965 (diferendos relativos a investimentos entre Estados e nacionais de outros Estados), aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo nº 15/84, de 3 de Abril, em vigor para o nosso País desde 1 de Agosto de 1984.
[20]) O novo Estatuto aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e ainda não em vigor, é omisso quanto à arbitragem, mas o Código de Processo nos Tribunais Administrativos aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 do mesmo mês, cujo início de vigência também ainda não ocorreu, dedica-lhe o Título IX (Tribunal arbitral e centros de arbitragem; artigos 180º a 187º).
[21]) O diploma – noticia RAUL VENTURA, Convenção de Arbitragem e Cláusulas Contratuais Gerais, separata da «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 46, Lisboa, Abril 1986, pág. 6 – suscitara «questões graves», «como a da sua inconstitucionalidade e a das suas relações com o Livro IV do Código de Processo Civil».
[22]) Escreve na verdade RAUL VENTURA, noutro estudo, Convenção de Arbitragem, separata da «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 46, Lisboa, Setembro 1986, pág. 314, comentando o inciso: «Desdobra-se a norma em dois condicionamentos: ou autorização por lei especial, ou respeitar o objecto do litígio a relações de direito privado. Talvez bastasse o segundo requisito – acrescenta –, pois as leis especiais não necessitam de antecipações noutras leis, mas a redacção adoptada tem – além da vantagem de tornar claro que o objecto privado do litígio não esgota a capacidade daquelas entidades para a celebração destas convenções – a consequência de submeter ao mesmo regime todas as convenções de arbitragem autorizadas por lei especial ou por este preceito geral.»
[23]) No segundo sentido, LOPES DOS REIS, op. cit., pág. 170.
[24]) ARTUR MAURÍCIO/DIMAS DE LACERDA/SIMÕES REDINHA, Contencioso Administrativo, reimpressão da 2ª edição de 1988, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 1997, pág. 63.
[25]) Artigo 209º, nº 2, segundo a 5ª Revisão, operada mediante a Lei Constitucional nº 1/01, de 12 de Dezembro.
[26]) SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 237 e segs., estudo que pelo seu inédito interesse acompanharemos detidamente, sem prejuízo de outras incursões.
[27]) SÉRVULO CORREIA, ibidem.
[28]) SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 237 e 238, nota 16. Não se esqueça ser efectivamente a arbitrabilidade no domínio dos contratos administrativos que constitui o cerne do estudo sobre que nos debruçamos – tal como nuclearmente o tema da presente consulta. Não será, porém, inoportuno observar que, por parte substancial da argumentação expendida, sob o signo de uma unitária intencionalidade normativa, se deve igualmente incluir na tese em presença a responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública.
[29]) ARTUR MAURÍCIO/DIMAS DE LACERDA/SIMÕES REDINHA, op. cit., pág. 63, anotando ainda o artigo 2º, nº 2, do Estatuto.
[30]) Nos termos descritos equaciona a problemática suscitada SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 238 e segs., cuja exposição retomamos.
[31]) Contra, LOPES DOS REIS, op. cit., pág. 170, citando, além do mais, determinado passo de um acórdão inédito do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Novembro de 1989, no recurso nº 5856, de sentido difuso, que aliás nem alude explicitamente ao nº 2 do artigo 2º do ETAF. Para uma mais desenvolvida densificação da «relação de especialidade» em apreço no plano metodológico veja-se ainda SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 240/241, citando BYDLINSKI, OLIVEIRA ASCENSÃO e SANTIAGO NINO.
[32]) Permissão inquestionavelmente de celebração de convenções de arbitragem – precisa SÉRVULO CORREIA, idem, nota 20 – apesar de o nº 2 do artigo 2º não as referir expressamente. Na verdade, não pode duvidar-se de que este normativo se refere à arbitragem voluntária – e não à arbitragem necessária, cuja imposição sempre deveria resultar de lei própria – , a qual «envolve por natureza a admissão da celebração de convenções de arbitragem».
[33]) Neste sentido, RUI MACHETE, Código do Procedimento Administrativo, Lisboa, 1992, págs. 13/14, apud SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 242 e nota 21.
[34]) Por nosso lado deparámos com o aresto aludido por LOPES DOS REIS, nas insuficiências que transparecem do extracto citado (supra, nota 31).
[35]) RAUL VENTURA, Convenção de Arbitragem, 1986, estudo em que se debruça já sobre vários aspectos da Lei de arbitragem, pág. 314; MARCELO REBELO DE SOUSA, As indemnizações por nacionalizações e as comissões arbitrais em Portugal, 1989, págs. 371/393, apud SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 242/244, notas 23 e 24.
[36]) Assim, BARBOSA DE MELO, Direito Administrativo II (A protecção jurisdicional dos cidadãos perante a Administração Pública), 1987, policopiado, págs. 22/23; VIEIRA DE ANDRADE, Direito Administrativo e Fiscal, Lições ao 3º ano do Curso de 1992/93 (policopiadas), Faculdade de Direito de Coimbra, pág. 61.
[37]) ROLANDO QUADRI, Dell’Applicazione della Lege in Generale, «Commentario del Codice Civile a cura di ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA», págs. 326 e segs., citado no parecer do Conselho nº 35/92 (ponto III, 2.7.), de 9 de Junho de 1994 (inédito), que por instantes se segue.
[38]) Parecer nº 35/92, ibidem, citando QUADRI, ANDRADE, VAZ SERRA, V. TUHR, OLIVEIRA ASCENSÃO, e outros pareceres desta instância consultiva.
[39]) No sentido de que as questões de validade do contrato administrativo estão irrecusavelmente abrangidas na credencial específica do nº 2 do artigo 2º do ETAF, SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 248/250. Quanto à execução, pondera, por seu turno, que «execução e incumprimento não são dois planos claramente separados», porquanto o «incumprimento é um modo de inexecução, total ou parcial», sendo, por outro lado, «frequentes as situações em que a discussão sobre o alegado incumprimento não é separável de questões de validade ou interpretação do contrato».
[40]) SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs 252/253, cujo pensamento nesta outra tónica retomamos.
[41]) Assim, ESTEVES DE OLIVEIRA, et allii, op. cit., págs. 855/886, citando no mesmo sentido o entendimento de VIEIRA DE ANDRADE, quando escrevem: «São aqui admitidas, em consonância com o que se dispõe no artigo 2º, nº 2, do ETAF, as cláusulas compromissórias e também (não obstante a epígrafe e a letra do preceito) os compromissos arbitrais. Na verdade, parece não existir nenhuma razão para que, admitida em geral a cláusula compromissória, não o seja igualmente o compromisso arbitral, tese favorecida ainda pela citada disposição do artigo 2º do ETAF.»
[42]) Alterada pelas Leis nº 87-B/98, de 31 de Outubro – Orçamento do Estado para 1999 – e nº 1/2001, de 4 de Janeiro. Sobre o sentido da reforma operada pela Lei nº 98/97 à luz dos trabalhos preparatórios, veja-se, por exemplo, o parecer do Conselho nº 65/98, de 11 de Fevereiro de 1999 (ponto 5., em especial).
[43]) Ademais satisfeitos esses pressupostos, pode o Tribunal, no exercício da sua função de fiscalização, realizar a todo o tempo, ao abrigo da Lei nº 14/96, «inquéritos, auditorias e outras acções de controlo sobre a legalidade, incluindo a boa gestão financeira e o sistema de controlo interno» (artigo 2º, nº 1), devendo os «resultados das acções de fiscalização empreendidas» «constar de relatórios a remeter à Assembleia da República, ao Governo e aos órgãos da empresa», cumprindo a estes últimos «promover a sua publicação em termos idênticos aos demais documentos de prestação anual de contas» (artigo 2º, nº 4) – uma tramitação toda ela que igualmente desconhecemos haver sido ou não desencadeada alguma vez.
[44]) Como se sabe o Tribunal de Contas tem a sua sede em Lisboa, existindo, porém, secções regionais nos Açores e na Madeira (artigo 3º), das quais em geral abstrairemos.
[45]) Na redacção do nº 2 do artigo 82º da Lei nº 87-B/89 citada supra, nota 42.
[46]) Os artigos 46º e 48º vigoram actualmente com a redacção emergente do normativo da Lei do Orçamento para 1999 citado supra, nota 45, tendo em conta a rectificação introduzida pela Declaração nº 1/99, de 16 de Janeiro de 1999 («Diário da República», I-Série-A, nº 13/99, desta data, pág. 298).
[47]) Acerca destas, com actualidade jurídico-positiva e ampla recensão bibliográfica nacional e no direito comparado, veja-se JOSÉ F. F. TAVARES, O Tribunal de Contas. Do Visto em especial -conceito, natureza e enquadramento na actividade de administração, Almedina, Coimbra, 1998, passim, assumindo relevo na dissertação a vexata quaestio da natureza jurídica do visto (págs. 117 e segs.), que constitui seu tema nuclear.
[48]) Na síntese de JOSÉ TAVARES, Tribunal de Contas, «Dicionário Jurídico da Administração Pública», vol. VII, acolhida no parecer nº 65/98, ponto 4.2.
[49]) Com nova redacção resultante do mesmo preceito da Lei do Orçamento do Estado citado supra nota 45.
[50]) Com «substituição pela declaração de conformidade», esta «da competência da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, destinada a aliviar, nos casos que não ofereçam dúvidas, a tarefa do Tribunal» – lê-se na «Exposição de Motivos» da respectiva proposta de lei (cfr. efectivamente o artigo 83º da Lei nº 98/97).
[51]) No sentido exposto, o parecer nº 65/98, pontos 4.3 e 5.1.
[52]) Paralelamente, o nº 2 do artigo 76º do Regulamento da 2ª Secção – aprovado por Resolução nº 3/98-2ª Secção, «Diário da República», II Série, nº 139, de 19 de Junho de 1998, págs. 8398 e segs. – estipula: «2 – Sempre que os relatórios [«relatórios enviados ao tribunal pelos organismos de controlo interno», lê-se no nº 1] evidenciem situações de facto e de direito integradoras de eventuais infracções financeiras, deverão ser remetidos pelo juiz da área ao Ministério Público (...)».
[53]) As acções previstas na alínea a) do nº 1 são atribuídas por deliberação do plenário ao juiz da área de responsabilidade em que se integre a entidade sub iudicio (artigo 78º, nº 3), ao qual justamente compete, além do mais, «coordenar a elaboração do projecto de relatório de verificação externa de contas e das auditorias a apresentar à aprovação da subsecção» [nº 4, alínea d)].
[54]) E pelo «Código de Processo Penal, em matéria sancionatória», preceitua a alínea c).
[55]) Os restantes artigos 96º a 103º do Capítulo VII, que integram a Secção V, regem no tocante aos recursos em geral.
[56]) Nos processos «em que houve verificação externa da conta de gerência, a sentença homologará o saldo de encerramento constante do respectivo relatório» (nº 3), mas «havendo condenação em reposições de verbas, a homologação do saldo de encerramento e a extinção da respectiva responsabilidade só ocorrerá após o seu integral pagamento» (nº 4).
[57]) Ofício nº 9850, de 4 de Dezembro de 2001.
[58]) Consoante ofício do DIAP nº 813, de 25 de Setembro de 2002, a auditoria da IGF/IGS foi dada por concluída em finais de Junho de 2002, com a apresentação do respectivo relatório, enviado para junção ao inquérito, pelo que este processo só a partir dessa data «teve o seu primeiro impulso».
[59]) Mecanismo de reequilíbrio financeiro do contrato previsto na cláusula 39.ª
[60]) Sobre as relações da jurisdição financeira com a jurisdição civil em processo penal e em separado, cfr. ANTÓNIO CLUNY, Responsabilidade financeira reintegratória e responsabilidade civil delitual de titulares de cargos políticos, funcionários e agentes do Estado: problemas de jurisdição, «Revista do Tribunal de Contas», nº 32, Julho/Dezembro de 1999, págs. 91 e segs.
[61]) Sobre a noção de prejudicialidade, v., entre outros, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado», em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1977, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXIV, nº 4 (Outubro/Dezembro-1977), págs. 299/316. Para uma caracterização do poder do tribunal de suspensão do processo por prejudicialidade como um poder vinculado, v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1991, Boletim do Ministério da Justiça, nº 410, págs. 656/658.
[62]) Sobre essa distinção, cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, Vol. 1º, 2ª edição, 1960, págs. 286/291, e Vol. 3º, 1946, págs. 265/279.
[63]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3.ª edição, pág. 818; SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª edição (6.ª reimpressão), Coimbra, pág. 482.
[64]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. e loc. cit.
[65]) Assim se compreende que também os contratos adicionais ou suplementares, relativamente a outros contratos já visados, quando impliquem a realização de novas despesas fiquem sujeitos a novo visto do Tribunal de Contas (artigo do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio).
[66]) Recorde-se que, no parecer n.º 14/2000, a questão foi suscitada, precisamente, em face da prática, seguida pelos magistrados do Ministério Público no Tribunal de Contas, de sobrestar a marcha dos processos relativos à efectivação da responsabilidade financeira, para aguardar a decisão do processo penal e a efectivação de responsabilidade civil que aí possa ter, ou tenha tido, lugar.
[67]) Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra, 1946, pág. 268.
[68]) Assim, ALBERTO DOS REIS, Comentário, citado, pág.269. De notar que o acórdão do STJ de 1 de Outubro de 1991, citado na nota 61 do parecer, ao contrário do que se afirma nesse local, não descaracteriza o poder do tribunal para suspender a instância por prejudicialidade como poder discricionário, antes considera que esse poder, sendo discricionário, é vinculado quanto a um dos elementos de decisão – a efectiva existência de uma questão prejudicial –, como, aliás, é próprio de todo o poder discricionário (cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10º edição, Coimbra, pág.485).