Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000813
Parecer: P000131996
Nº do Documento: PPA19970522001300
Descritores: IDENTIDADE
RECUSA DE IDENTIFICAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
IMPEDIMENTO
GNR
CRIME
CONTRA-ORDENAÇÃO
ORDEM
LEGITIMIDADE
DESOBEDIÊNCIA
CÓDIGO DA ESTRADA
MEDIDAS DE POLÍCIA
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Livro: 00
Pedido: 02/19/1996
Data de Distribuição: 03/03/1996
Relator: SOUTO DE MOURA
Sessões: 01
Data da Votação: 05/22/1997
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 07/31/1997
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: DR 971212
Nº do Jornal Oficial: 286
Nº da Página do Jornal Oficial: 15247
Indicação 2: ASSESSOR: TERESA ALMEIDA
Área Temática:DIR CRIM / DIR ESTRAD / DIR ORDN SOC
Ref. Pareceres:P000981978
P000651980
P000971982
P000171983
P000871983
P000521993
Legislação:CP82 ART388. DL 265/93 DE 1993/07/31 ART9.; CP95 OU CP82R ART348. CONST76 ART272 ART276.; L 20/87 DE 1987/06/12 ART16 ART17. CPP87 ART1 ART250.; L 5/95 DE 1995/02/21 ART1. CPADM ART6 ART44 ART46.; DL 102/88 DE 1988/03/29.; CPP87 ART250.; CESTRAD94 ART4.; CESTRAD54 ART3 ART135 ART153.; L 63/93 DE 1993/08/21 ART2 N2 N4.; CP86 ART188.; DL 190/94 DE 1994/07/18 ART2.; DL433/82 DE 1982/10/27 ART48 A ART49.; DL 102/88 DE 1988/03/29 ART1.; DL 231/93 DE 1993/06/26 ART29 ART2.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
              AC TC 479/94 DE 1994/07/07.
              AC REL COIMBRA DE 1983/11/30.
              AC REL LISBOA DE 1992/02/28.
              AC REL PORTO DE 1993/11/17.
              AC REL COIMBRA DE 1990/02/14. AC REL COIMBRA DE 1986/05/14
              AC REL COIMBRA DE 1987/12/9.
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1- De acordo com a alínea b) do n 1 do artigo 29, do Decreto-Lei n 231/93, de 26 de Junho, (Lei Orgânica da GNR), constitui uma medida de polícia aplicável nos termos e condições previstas na Constituição e na lei, a exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial;
2- Em obediência ao princípio da tipicidade legal das medidas de polícia, consagrado no n 2 do artigo 272 da Constituição da República e tendo em conta que a reserva de identidade é expressão do direito à intimidade da vida privada, consagrado no n 1 do artigo 26 da Constituição da República, há-de derivar da lei o condicionalismo concreto de que depende a legitimidade da exigência da identificação;
3- No âmbito da circulação estradal é legítima a ordem de identificação dada pelos agentes fiscalizadores do trânsito com vista ao eventual apuramento de responsabilidade civil, ao abrigo do artigo 1 do Decreto-Lei n 102/88, de 29 de Março;
4- O artigo 49 do Decreto-Lei n 433/82, de 27 de Outubro, autoriza as autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais a exigir a identificação do agente de qualquer contra-ordenação em geral, incluindo portanto as que tenham sido cometidas por violação do disposto no Código da Estrada;
5- A exigência de identificação, ao serviço da prevenção e do apuramento da responsabilidade criminal, tem também a cobertura legal do artigo 2 da Lei n 5/95, de 21 de Fevereiro, e do n 1 e n 2 do artigo 250 do Código de Processo Penal;
6- O não acatamento de ordens de identificação, proferidas ao abrigo das disposições mencionadas nas conclusões anteriores, pode implicar o cometimento do crime de desobediência do artigo 388 do Código Penal, na redacção anterior à actual, e pode implicar o cometimento do crime do artigo 348 do Código Penal vigente;
7- A possível descriminalização resultante da redacção que vier a ser dada do artigo 348 do Código Penal, na revisão em curso, terá que ser acompanhada de medidas legislativas, que facultem à autoridade meios de reacção eficazes, face à recusa de identificação;
8- Os elementos das forças de segurança e os órgãos de polícia criminal, no desempenho de actos de polícia, em que se incluam as ordens de identificação aludidas, estão sujeitos ao princípio da imparcialidade da Administração Pública, consagrado no n 2 do artigo 266 da Constituição da República, e impedidos de exigir a identificação de um indivíduo, em situações previstas no artigo 44 do Código de vProcedimento Administrativo.

Texto Integral:
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,

Excelência:








I


O Chefe do Estado-Maior da Guarda Nacional Republicana (G.N.R.), encarregado para o efeito pelo respectivo General Comandante-Geral, deu conta a V.Exª da apreensão suscitada pelo arquivamento de um determinado inquérito-crime, em que se denunciara a desobediência a uma ordem de identificação proferida por um militar daquela Guarda, na sequência de um acidente de viação.


Colhida a informação do Gabinete, entendeu V. Exª, aconselhável, face à novidade da questão e ao seu interesse geral, ouvir o Conselho Consultivo, na falta, aliás, de precedentes jurisprudenciais atinentes ao assunto.


Cumpre, pois, emitir parecer.




II


Começaremos por referir a factualidade que suscitou a reacção do Comando-Geral da GNR, aludindo ainda aos termos em que este fundamentou a discordância com o Magistrado que ordenou o arquivamento do processo em questão.


1. Um certo militar da GNR, com o posto de Sargento-Ajudante, deslocava-se ao volante do seu automóvel particular por uma estrada camarária no norte do país, quando se lhe deparou numa curva, circulando em sentido contrário, um outro veículo.


Este último seguiria, porém, pelo centro da via, de tal modo que o dito militar teve que sair para a berma a fim de evitar um embate. Não obstante, os espelhos retrovisores de ambos os automóveis bateram um no outro, daí resultando para o militar da GNR um prejuízo que viria a ser estimado em cerca de treze mil escudos.


De acordo com a participação que elaborou, o militar em causa convidou o outro interveniente a assumir a responsabilidade já que circulava pelo eixo da via, ao que lhe foi respondido pelo outro negativamente, porque o espelho dele também havia ficado partido. Refere depois o participante:" (...) Verifiquei então que o motorista não queria assumir a responsabilidade, pelo que procedi à minha identificação como agente da autoridade, ao que o mesmo não ligou e convidando-o a proceder à sua identificação negou-se a fazê-lo, tendo de seguida fechado o vidro do carro e seguido viagem (...)".


O participante entendeu que tal comportamento integrava a prática do crime de desobediência do artigo 388º do Código Penal (C.P.), bem como a infracção ao nº 2 do artigo 18º do Código da Estrada (C.E.), pelo que remeteu a participação ao Agente do Ministério Público competente.




2. Organizado o inquérito-crime pertinente, aí veio a ser lavrado despacho de arquivamento, que significou, "in casu", o não exercício da acção penal.


Segundo o Senhor Delegado do Procurador da República, seu autor, o comportamento do denunciado nos autos consubstancia uma atitude de desobediência a uma ordem emanada de agente da autoridade. No entanto, tendo em conta que para efeitos da prática do crime de desobediência do então artigo 388º do Código Penal, a legalidade da ordem teria que ser tanto formal como substancial, e que esta última dependia da existência de uma disposição legal vigente que permitisse a ordem proferida, estar-se-ia perante uma ordem ilegal por falta de tal disposição legal.


É que, da conjugação do disposto nos artigos 17º da Lei nº 20/87, de 12 de Junho, e 1º da Lei nº 5/95, de 21 de Fevereiro (1), resultaria para aquele Magistrado que o denunciado não era obrigado a identificar-se por não ser suspeito da prática de qualquer crime, e, designadamente, dos previstos nesta última norma.




3. Foi face a este despacho de arquivamento que o Comando-Geral da G.N.R. entendeu por bem manifestar-se, e do seguinte modo:


"(...) É com muita apreensão que este Comando-Geral toma conhecimento da citada decisão face ao precedente assim criado em questão de tamanho melindre no campo da eficácia operacional dos seus efectivos.


"Na verdade, a competência da Guarda para identificar cidadãos em geral e nas referidas circunstâncias em particular, nunca foi posta em causa pelo Ministério Público. E quando se previa reforçada através da recente Lei nº 5/95 , de 21 de FEV, surge a aludida decisão como que a colocar todo o sistema em causa.


Tem-se, por outro lado, como certo que o respectivo Magistrado não ponderou as disposições do Decreto-Lei nº 102/88, de 29 MAR, à luz do qual o seu despacho não pode deixar de ser tido por como ilegal".


4. Na Informação elaborada pelo Gabinete, procedeu-se à análise do crime de desobediência tal como estava previsto no artigo 388º do Código de Processo Penal, com a redacção anterior à sua última revisão, e pesquisou-se a regulamentação própria da competência e poderes de polícia da GNR, em matéria de trânsito rodoviário. Ali se entendeu que a situação em análise se situaria fora do quadro de aplicação do artigo 250º do Código de Processo Penal (C.P.P.), relativo à identificação de suspeitos e pedido de informações, no âmbito das "Medidas Cautelares e de Polícia", bem como fora do quadro da aplicação da Lei nº 5/95, que veio estabelecer a obrigatoriedade do porte de documento de identificação.


O autor da Informação não teve dúvida em afirmar a existência de um dever de identificação perante um agente de autoridade em funções de fiscalização do trânsito. Porém, raciocinando sobre as consequências do não cumprimento desse dever, concluiu que o inadimplemento em questão se traduziria tão só na prática da contra-ordenação do artigo 4º do C.E. Na vigência do Código da Estrada anterior, aprovado pelo Decreto-Lei nº 39672, de 20 de Maio de 1954, só a infracção ao seu artigo 3º e nº 4, desobediência ao sinal de paragem, constituía contravenção. O não acatamento de outras ordens dadas na fiscalização do trânsito representava então a prática do crime de desobediência do artigo 388º do C.P. vigente à data.


No entanto, como pode ver-se da lei de autorização legislativa do actual C.E., Lei nº 63/93, de 21 de Agosto, houve "o propósito inequívoco de punir como ilícito de mera ordenação social os actos de violação das normas disciplinadoras do trânsito (artigo 2º, nº 2, alínea a)), e de retirar do domínio do ilícito penal violações de normas relativas ao trânsito sem tal dignidade (como parece razoável extrair-se da formulação do nº 4 do artigo 2º do mesmo diploma, que autoriza a "revisão ou revogação das normas penais incriminadoras sobre o trânsito").


Tal como vem definida no Decreto-Lei nº 102/88, de 29 de Março, a função de identificação dos condutores intervenientes em acidente de viação inclui-se na competência das entidades fiscalizadoras de trânsito, pelo que não pode deixar de constituir, ela própria, uma tarefa de fiscalização de trânsito.


Neste sentido, a ordem de identificação parece poder revestir-se da necessária legitimidade, para efeitos de preenchimento do tipo de contra-ordenação do artigo 4º, nº 1, do Código da Estrada".




III


É sabido que o Conselho Consultivo tem competência para emitir pareceres "restritos a matéria de legalidade" (2), sem que nada obste a que tal juízo de legalidade recaia sobre uma situação concreta ocorrida. Debruçar-nos-emos, pois, fundamentalmente, sobre o acidente e atitudes dos intervenientes nele.


No caso que originou o presente parecer somos confrontados com os comportamentos de um militar da GNR e de um cidadão, de que releva, quanto àquele, a emanação de uma ordem de identificação, e quanto a este a recusa de acatar essa ordem. Trata-se ainda de comportamentos despoletados por um acidente de trânsito em que ambos foram intervenientes.


Parece então que deveremos começar por abordar a disciplina normativa do poder de exigir a identificação de um qualquer cidadão, por parte de um agente da autoridade, centrados sobretudo na circulação estradal, e na hipótese de tal agente da autoridade ser, concretamente, um militar da Guarda Nacional Republicana (IV).

Tratar-se-á em seguida de avaliar as consequências do não acatamento da ordem de identificação regularmente proferida (V), para por fim se atender à relevância de ambos os circunstantes terem tido intervenção num acidente, deste acidente terem surgido interesses conflituantes, e, neste contexto, se ter desenvolvido a actuação já referida (VI).


Vejamos então.




IV


1.1. A Administração Pública desenvolve a sua actividade com recurso a certos meios pessoais e materiais, bem como mediante formas jurídicas determinadas, em que avultam o acto administrativo, o regulamento e o contrato administrativo, tudo com um certo escopo. Tal escopo é a satisfação de necessidades colectivas de segurança e bem-estar.


Diz-nos a tal propósito Marcello Caetano, autor que seguiremos neste ponto (3), que a Administração pode ocupar-se ela própria das necessidades colectivas, satisfazendo-as. A organização dos serviços administrativos visa exactamente suprir as carências da colectividade como tal, porque só mediata e indirectamente os indivíduos sentem tais carências como próprias. Já não assim em relação a necessidades que são antes do mais individuais, e cujo carácter colectivo resulta só de nascerem da vida social. São então os serviços públicos que se propõem produzir utilidades concretas para os indivíduos (4).


Mas a Administração pode contribuir para a satisfação das necessidades colectivas não agindo ela directamente, antes estimulando, promovendo e apoiando a actividade dos particulares. Desenvolve então uma actividade de fomento.


Por último, a Administração pode agir sobre a actividade dos particulares disciplinando-a para que do seu desenvolvimento não resultem males sociais. Estar-se-á, pois, perante um modo de actividade administrativa que é de polícia.


Para o autor que vimos seguindo, a polícia é assim "o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir"(5).


Poder-se-iam distinguir subsequentemente várias polícias, consoante se propusessem, única ou predominantemente, "a defesa da ordem jurídica globalmente considerada", "a defesa da ordem jurídica em sectores específicos", ou proceder à investigação com fins de repressão criminal. Polícias administrativas em sentido estrito, polícias de segurança, ou polícia judiciária, todas elas se podem ver referidas no artigo 272º da Constituição da República (C.R.), que estabelece:


"(Polícia)

1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.

2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

4. A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional."




1.2. Actividade típica de polícia é a que é desenvolvida pelo Governo na prossecução da chamada segurança interna, que o legislador caracterizou da seguinte maneira, no artigo 1º da Lei n.º 20/87:




"Definição e fins de segurança interna

1. A segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática.

2. A actividade de segurança interna exerce-se nos termos da lei, designadamente da lei penal e da lei processual penal, das leis orgânicas das polícias e serviços de segurança.

3. As medidas previstas na presente lei visam especialmente proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática contra a criminalidade violenta ou altamente organizada, designadamente sabotagem, espionagem ou terrorismo."


O artigo 14.º dessa Lei diz-nos quais são as forças e serviços de segurança, neles se incluindo a Guarda Nacional Republicana (6). E o nº 1 do seu artigo 5.º estabelece um dever geral de cooperação de todos os cidadãos na prossecução dos fins de segurança interna, cooperação que passa, entre o mais, pelo acatamento das ordens e mandados legítimos das autoridades (7), sabido que, de acordo com a alínea b) do nº 2 do artigo 16º, da Lei nº 20/87, se considera medida de polícia a "Exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial".




1.3. Também o artigo 1.º do Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho, Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, considera esta uma "força de segurança", com competência para desenvolver, de acordo com o artigo 2º, uma actividade policial típica. Diz-nos este normativo, na verdade, que:


"A Guarda tem por missão geral:

a) Garantir, no âmbito da sua responsabilidade, a manutenção da ordem pública, assegurando o exercício dos direitos, liberdades e garantias;

b) Manter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade pública, privada e cooperativa, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometidos;

c) Coadjuvar as autoridades judiciárias realizando as acções que lhe são ordenadas como órgão de polícia criminal;

d) Velar pelo cumprimento das leis e disposições em geral, nomeadamente as relativas à viação terrestre e aos transportes rodoviários;

e) Combater as infracções fiscais designadamente as previstas na lei aduaneira;

f) Colaborar no controlo da entrada e saída de cidadãos nacionais e estrangeiros no território nacional;

g) Auxiliar e proteger os cidadãos e defender e preservar os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas provenientes da acção humana ou da natureza;

h) Colaborar na prestação de honras de Estado;

i) Colaborar na execução da política de defesa nacional."


E o artigo 29.º da mesma Lei Orgânica inclui, entre aquilo a que chama "medidas de polícia", a exigência de identificação feita a qualquer pessoa.


Transcrevamos o preceito:


"Medidas de polícia

1- Constituem medidas de polícia aplicáveis nos termos e condições previstos na Constituição e na lei:

a) A vigilância policial de pessoas, edifícios e estabelecimentos por períodos de tempo determinados;

b) A exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial;

c) A apreensão temporária de armas, munições e explosivos;

d) As restrições à liberdade de circulação, determinadas por motivos de ordem pública ou tendo em vista garantir a segurança de pessoas e bens.

2 - Consideram-se medidas especiais de polícia, que, sob pena de nulidade, devem ser imediatamente comunicadas à autoridade judiciária competente para a sua apreciação e confirmação, as seguintes:

a) O encerramento temporário de paióis, depósitos ou fábricas de armamento ou explosivos e respectivos componentes;

b) O encerramento temporário de estabelecimentos de venda de armas ou explosivos;

c) A cessação de actividade de empresas, grupos, organizações ou associações que se dediquem a acções de criminalidade altamente organizada, designadamente de sabotagem, espionagem ou terrorismo ou a preparação, treino ou recrutamento de pessoas para aqueles fins."


De referir, por último, que de acordo com o nº 1 do artigo 9º, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho, "Face à especificidade da missão, o militar da Guarda encontra-se permanentemente de serviço."


2. É chegado o momento de recordar, que de acordo com o n.º 2 do artigo 272.º da Constituição da República, "As medidas de polícia são as previstas na lei" (supra, 1.1.). Também a Lei de Segurança Interna estabelece no seu artigo 5º, nº 1, um dever de acatamento das ordens legítimas das autoridades (supra, 1.2.), e a alínea b) do artigo 16º considera a exigência de identificação diligência a levar a cabo "nos termos e condições previstos na Constituição e na lei" . E, nos termos do artigo 29.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, a exigência de identificação surge como uma das medidas de polícia, que podem ser tomadas, mas a exercer nos termos e condições previstos na Constituição e na lei" (supra, 1.3.).


A exigência constitucional da legalidade das medidas de polícia implica, no dizer de dois constitucionalistas, "que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem ser medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas: quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares (autorizações, proibições, ordens), medidas de coerção (utilização da força, emprego de armas), ou operações de vigilância, todos os procedimentos de polícia estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal" (8).


Sendo o controlo da identidade dos cidadãos uma medida de polícia, e por isso sujeita ao princípio da tipicidade legal, terá que ser a lei a estabelecer os condicionalismos que tornam legítima a exigência de identificação. Mas a legalidade substancial da norma que prevê a ordem de identificação há-de derivar de uma justificação suficiente, em sede de política legislativa, à luz, em última instância, do regime constitucional de direitos, liberdades e garantias.


O artigo 26.º da Constituição da República refere no seu n.º 1 que: "A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar."


Do cruzamento do direito à identidade pessoal, que inclui fundamentalmente o direito ao nome e o direito à historicidade pessoal, com o direito à intimidade da vida privada, poder-se-á extrair uma protecção constitucional do anonimato. A este propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira: "O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito de vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação." (9)


E porque a identidade é uma das matérias protegidas pela reserva da intimidade da vida privada, Alexandre Sousa Pinheiro e Jorge Menezes de Oliveira falam-nos da consagração constitucional de uma verdadeira "reserva de identidade".


Para estes autores, "Sem que haja uma obrigação imposta por lei, e esta se situe dentro dos parâmetros constitucionais, ninguém pode ser forçado a declinar e, muito menos, a exibir prova do nome ou de qualquer outro dado de identificação civil.

Daí que não seja, quanto a nós, constitucionalmente admissível a consagração de um dever geral de identificação dos cidadãos." (10)


Saber-se quem é cada um de nós e como é cada um de nós não é matéria de acesso livre por parte de outrem, incluindo autoridades. O desvendar da identidade representa pois uma compressão da privacidade pessoal, só aceitável em homenagem à prossecução de outros valores constitucionais, sempre no respeito pelo já referido princípio da proporcionalidade e proibição de excesso.


Aceita-se facilmente que o direito à segurança, consagrado no artigo 27.º da Constituição da República, surja à cabeça como justificativo, ainda aqui, de uma concordância prática de direitos. E já que antes nos procurámos circunscrever ao domínio das intervenções da autoridade relacionadas com a circulação estradal, cremos que é ao nível dos interesses, colectivos e individuais, ou materiais e pessoais que se jogam na circulação viária, bem como das responsabilidades emergentes da respectiva violação, que nos devemos situar.


Haverá pois que encontrar normas que especificamente autorizem o controlo de identidade, em homenagem ao apuramento de responsabilidade, que poderá ser penal, contra-ordenacional e, eventualmente, civil. Comecemos por esta última.




3.1. Por força da Recomendação das Comunidades Europeias de 8 de Janeiro de 1981 (11) foi elaborado o Decreto-Lei nº 102/88, de 29 de Março, que se propõe viabilizar ou facilitar o acesso aos autos e a documentos necessários à liquidação de indemnização por acidente de viação. É o seguinte o texto do artigo 1º daquele Decreto-Lei:


"As entidades fiscalizadoras de trânsito que tomarem conhecimento de acidentes de viação que não constituam infracção criminal devem colher todos os elementos necessários ao preenchimento dos impressos, de modelo em vigor, da Direcção-Geral de Viação, devendo o de participação oficial ser destinado a arquivo e o de boletim estatístico ser enviado àquele serviço."


O artigo 272º da Constituição da República atrás transcrito (supra 1.1.) considera tarefas de polícia a defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos dos cidadãos. A recolha, por parte da autoridade policial, de elementos que permitam fazer valer em juízo ou fora dele um direito a ser indemnizado, inscrever-se-á, ao que cremos, na tarefa de defesa de direitos, constitucionalmente assinalada. Sem que tal auxílio prestado ao cidadão se possa confundir com um ajuizar dos direitos que cabem a cada qual.


A intervenção policial é neste caso exclusivamente instrumental de funções que caberão a outrem, e designadamente ao poder judicial. Pensa-se por isso que o preceito em foco não desrespeita o limite à competência da polícia, que se traduz na interdição de esta dirimir conflitos privados.


"As autoridades policiais não podem ajuizar da existência e vigência de direitos e obrigações civis ou comerciais nem apreciar os respectivos títulos" (12). Na disciplina do preceito em foco não é manifestamente disso que se trata, porque se não confere às autoridades policiais, enquanto tais, o poder de reconhecer direitos, antes se lhes atribui a missão de assegurar o exercício de certos direitos. É esta aliás a expressão usada na alínea a) do artigo 2.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (supra 1.3.), perfeitamente compatível com o disposto no artigo 8º da mesma Lei que ora se transcreve:


"Limites de competência

1 - A Guarda não poderá intervir em assuntos de natureza exclusivamente civil, limitando-se a sua acção, ainda que requisitada, à manutenção da ordem e tranquilidade públicas.

2 - Quando, porém, se tratar da restituição de direitos em virtude de execução de sentença com trânsito em julgado ou para assegurar a manutenção da ordem em actos processuais, a Guarda actuará em conformidade com as instruções da autoridade competente."


Ao colher elementos de identificação ao abrigo do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 120/88, a Guarda não está "a intervir em assuntos de natureza exclusivamente civil". Está apenas, repita-se, a viabilizar a possível intervenção de outrem nesse domínio.




3.2.1. No entanto, é claro que não é só ao serviço do apuramento de uma possível responsabilidade civil que a autoridade policial pode exigir a identificação de um cidadão. Ao nível da responsabilidade contra-ordenacional, rege, antes do mais, o disposto no artigo 49.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (13):


"As autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais podem exigir ao agente de uma contra-ordenação a respectiva identificação".


Esta exigência de identificação liga-se aliás directamente ao disposto no preceito precedente, o artigo 48º-A do dito Decreto-Lei nº 433/82:


"(Da polícia e dos agentes de fiscalização)

1. As autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas.

2. Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal.

3. As autoridades policiais e agentes de fiscalização remeterão imediatamente às autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas ."




3.2.2. E no contexto específico do trânsito rodoviário, será que se previu também a possibilidade de a autoridade policial exigir a identificação dos utentes das vias públicas?


Poderia defender-se uma resposta afirmativa a partir do texto do artigo 4º do C. E. (14), que tem a seguinte redacção:


"Ordens das autoridades

1 - O utente da via deve obedecer às ordens legítimas das autoridades competentes para fiscalizar o trânsito e dos respectivos agentes, desde que devidamente identificados como tais.

2 - Quem infringir o disposto no número anterior será punido com a coima de 15 000$ a 75 000$" (15).


A partir dos termos amplos em que o preceito está redigido, fosse qual fosse a ordem, desde que legítima, teria que ser obedecida, sob pena de condenação na coima do nº 2 do preceito.


Tal ordem poderia ser para obter uma identificação na sequência de comportamentos que revelassem responsabilidade civil, contra-ordenacional ou criminal, ou, sem que o destinatário da ordem tivesse praticado qualquer acto ilícito, com objectivos meramente disciplinadores, ordenadores ou fiscalizadores de tráfego.


Não é essa porém a posição para que nos inclinamos, socorrendo-nos basicamente do elemento histórico e teleológico de interpretação (16).


O anterior C. E., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954, dispunha no n.º 4 do seu artigo 2.º:


"Todos os condutores de veículos ou animais são obrigados a parar sempre que uma autoridade policial ou seu agente, devidamente uniformizados, lhes façam sinal para tal fim.

Na ausência das autoridades ou agentes policiais, serão competentes para fazer o sinal de paragem referido no parágrafo anterior as autoridades que comandem forças militares na via pública, na medida do necessário para que essas forças transitem sem interrupção.

A contravenção do disposto neste número será punida com a multa de 10.000$ a 50.000$ (artigo 2.º, c), do Decreto-Lei nº 240/89, de 26 de Julho). Exceptua-se o caso de o infractor cumprir tardiamente o sinal de paragem, em que a multa será de 1.500$ a 7.500$."


Entendia-se então, pacificamente, que só a desobediência ao sinal de paragem fazia o seu autor incorrer em responsabilidade contravencional, integrando a prática do crime de desobediência o não acatamento das restantes ordens legítimas da autoridade (17). Houve porém, a pretensão explícita de alterar tal estado de coisas, como o revela a Lei nº 63/93, de 21 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar um novo C. E.


O artigo 2.º de tal Lei, que define o seu sentido e extensão, diz-nos no seu n.º 2:


"A autorização referida no artigo anterior contemplará:

a) A punição, como actos ilícitos de mera ordenação social, da violação das normas disciplinadoras do trânsito nas vias abertas ao trânsito público; (...)"


E o n.º 4 do preceito diz-nos que:


"O Governo poderá proceder à revisão ou revogação das normas penais incriminadoras relativas à violação das normas sobre o trânsito, visando a sua adaptação às normas do Código da Estrada, desde que não sejam alterados os tipos de crime ou agravados os limites das sanções aplicáveis."


Parece então que o propósito de descriminalização, de que o actual Código da Estrada se fez eco, não vai para além do círculo das "normas disciplinadoras do trânsito". Se porventura a desobediência a uma ordem de identificação fosse crime face ao anterior Código da Estrada, o legislador só estaria autorizado a transformar tal comportamento em contra-ordenação, ao abrigo da citada Lei n.º 63/93, se se entendesse que aquela desobediência se traduzia na violação de uma norma disciplinadora do trânsito, o que nos parece de arredar. Por normas disciplinadoras do trânsito entendemos, na verdade, apenas as que nos indicam o modo como o trânsito se deve processar.


Mas a consideração dos fins prosseguidos pelo legislador no n.º 1 do artigo 4º, do actual Código da Estrada, parece apontar no mesmo sentido.


O preenchimento dos elementos do tipo legal em causa não passa, à primeira vista, pela limitação, do conteúdo das ordens a certo domínio. As ordens têm que ser legítimas e emanadas das entidades "competentes para fiscalizar o trânsito". Porém, é bom de ver que o sentido da referência subjectiva só se alcança, tendo em conta a função inerente à qualidade de autoridade ou agente fiscalizador do trânsito. Ou seja, a própria fiscalização do trânsito.


Estando em causa a identidade do utente da via, e não o seu comportamento, só de forma mediata, lateral ou indirecta é que se poderia defender que tal questão de identidade se prenderia com a fiscalização do trânsito.




3.3.1. Resta fazer uma referência à legitimidade do controlo de identidade, que se reclame da suspeita da prática de crimes ou da prevenção do seu cometimento. Referência forçosamente sucinta, porquanto, na factualidade que originou o presente parecer, a ordem de identificação não se relacionou com responsabilidade criminal.


De acordo com o artigo 2º da Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, é imposta a obrigatoriedade do porte de documento de identificação nos seguintes termos:


"1 - Os cidadãos maiores de 16 anos devem ser portadores de documento de identificação sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial.

2 - Para os efeitos do número anterior, considera-se documento de identificação:

a) O bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos portugueses;

b) O título de residência, o bilhete de identidade ou o passaporte, para os cidadãos nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia;

c) O título de residência, o bilhete de identidade de estrangeiro ou o passaporte, para os estrangeiros nacionais de países terceiros.

3 - Na impossibilidade de apresentação dos documentos referidos nas alíneas a) e b) do número anterior, pode ser apresentado documento original, ou cópia autenticada, que contenha o nome completo, a assinatura e a fotografia do titular.

4 - Consideram-se, ainda, documentos de identificação, para os efeitos do presente artigo, os documentos referidos no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, que substituem o passaporte."


Se por um lado se estabelece essa obrigação, que incumbe ao cidadão em geral, por outro, o diploma limita o poder-dever de as autoridades exigirem a identificação a um condicionalismo concreto, em que avulta a suspeita da prática de certos, não de todos, os crimes. Fá-lo assim no seu artigo 1.º:


"1 - Os agentes das forças ou serviços de segurança a que se refere a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, no artigo 14.º, n.º 2, alíneas a), c), d) e e), podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre a mesma pessoa existam fundadas suspeitas da prática de crimes contra a vida e integridade das pessoas, a paz e a humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado ou tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual penda processo de extradição ou de expulsão.

2 - Os mesmos agentes só podem exigir a identificação depois de exibirem prova da sua qualidade e de terem comunicado ao identificando os seus direitos e, de forma objectiva, as circunstâncias concretas que fundam a obrigação de identificação e os vários meios por que se pode identificar.

3 - A omissão do dever de comunicação a que se refere o número anterior determina a nulidade da ordem de identificação."


De notar que ao condicionalismo exigido pelo n.º 1 do preceito não é estranha a apreciação preventiva da constitucionalidade de que foi alvo a norma na redacção anterior, tal como constava do Decreto n.º 161/VI, da Assembleia da República


Nessa redacção anterior, para poder ser exigida a identificação de um cidadão bastava a invocação de "razões de segurança interna que o justifiquem". Ora, porque face ao artigo 3.º daquele Decreto a que corresponde o artigo 3.º da Lei nº 5/95, o cidadão que não tenha sido identificado poderia ser conduzido ao posto policial mais próximo, onde teria que permanecer até o ser, o Tribunal Constitucional entendeu que assim se violava o artigo 27º, nºs 2 e 3, da Constituição da República (18).


Na verdade, para aquele tribunal, "o procedimento de identificação ditado por meras razões de segurança e fora da existência de quaisquer suspeitas de natureza criminal, que conduz ou pode conduzir a uma retenção de pessoa identificanda em posto policial até seis horas, se traduz em privação total de liberdade não enquadrável no âmbito das restrições taxativamente elencadas nos artigos 27.º, nºs. 2 e 3, da Constituição, sendo por isso inconstitucionais as normas que autorizam aquele processo de identificação coactiva" (19).


3.3.2. A Lei Processual Penal, finalmente, contempla situações em que a legitimidade do pedido de identificação por parte das polícias assenta na repressão e / ou prevenção da prática de crimes.


O artigo 250º do Código de Processo Penal (CPP) estabelece:


"1- Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes.

2- Os órgãos de polícia criminal procedem à identificação de suspeitos, facultando-lhes, para o efeito, a possibilidade de comunicação com pessoa da sua confiança e realizando em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza e convidando-os a indicar residência onde possam ser encontrados e receber comunicações.

3- Havendo motivo para suspeita, os órgãos de polícia criminal podem conduzir as pessoas que forem incapazes de se identificar ou se recusarem a fazê-lo ao posto policial mais próximo e compeli-las a permanecer ali pelo tempo estritamente necessário à identificação, em caso algum superior a seis horas.

4- Os actos de identificação levados a cabo nos termos da segunda parte do nº 2 e nos do nº 3 são sempre reduzidos a auto.

5- Os órgãos de polícia criminal podem pedir ao suspeito, bem como a quaisquer pessoas susceptíveis de fornecerem informações úteis, e deles receber, sem prejuízo, quanto ao suspeito, do disposto no artigo 59º, informações relativas a um crime e, nomeadamente, à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária".


A propósito deste artigo duas notas apenas, com possível relevância para o desenvolvimento ulterior do parecer.


De acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 1.º do C.P.P., os órgãos de polícia criminal (O.P.C.) são "todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código". No artigo 250.º acima transcrito contemplam-se actos que não resultam de ordens de quaisquer autoridades judiciárias, e que os O.P.C. executam por sua iniciativa, directamente prescritos ou autorizados pelo preceito. Daí que se teria que ver alguma petição de princípio, ao fazer-se depender a qualidade de O.P.C. da prática de acto ordenado, no caso concreto, pelo artigo 250.º do C.P.P., e este preceito já pressupor como prévia a qualificação do agente como O.P.C.. Parece, pois, que tal qualidade de O.P.C. há-de ter advindo de uma actividade enquadrada noutro processo. De qualquer modo, estamos em crer que o círculo dos O.P.C. coincide tendencialmente com o das forças de segurança, se e enquanto levem a cabo actos de processo penal ou de presumível interess
e para o processo penal (20).


No dizer de Anabela Rodrigues: "Como sub-espécie das medidas cautelares e de polícia, encontramos consagradas no novo Código, numa nítida concessão à regulação neste diploma de uma actividade administrativa dos órgãos de polícia criminal, a possibilidade de estes "procederem à identificação de pessoas" (artigo 250.º, n.º 1)". E noutro passo, acrescenta: "Que o lugar adequado para a consagração de um tal poder de identificação seja a lei administrativa é algo de que não duvidamos. Pelas razões expostas, e à falta de disposições nesse sentido, optou-se então por consagrá-lo na Lei processual penal" (21). Também para Germano Marques da Silva os actos de identificação, ao abrigo do artigo 250º do C.P.P., "não são ainda actos processuais, são actos de polícia , mas porque estreitamente conexos com os actos do processo criminal e podem nele assumir relevância, o legislador entendeu dever discipliná-los no C.P.P." (22).


Serve para dizer que as forças de segurança que exijam a identificação de indivíduos, ao abrigo do artigo 250.º do C.P.P., embora actuem na veste de O.P.C., praticam actos que têm uma natureza policial e administrativa, portanto (23).



V


No pressuposto de que, no caso em apreço, um dos condutores circulava pelo eixo da via, tal comportamento tê-lo-á feito incorrer, em princípio, na contra-ordenação previsto e punido no artigo 13.º do C.E. (24) E se tal facto esteve na base de uma colisão com outro veículo que circulava em sentido contrário, então acrescerá à responsabilidade contra-ordenacional, em princípio, responsabilidade civil do mesmo indivíduo pelos danos ocasionados.


Mantendo a anterior sequência utilizada, veremos então as implicações da desobediência a uma ordem de identificação feita :

- ao serviço da efectivação da responsabilidade por contra-ordenação;

- ao serviço do apuramento de eventual responsabilidade civil;

- num contexto de prevenção ou repressão criminal.




1.1. De acordo com a posição assumida (supra IV , 3.2.2.), a ordem dada por um elemento da G.N.R. para que certo indivíduo se identifique, na sequência do cometimento de uma contra-ordenação, subtrai-se à previsão do n.º 1 do artigo 4.º do C.E..


Nesta linha, o desvalor deste concreto comportamento do infractor não é, mediatamente, o prejuízo causado no ordenamento do tráfico. Não lesa pois os interesses que justificam a organização do trânsito de certa maneira, antes se revela no propósito de se subtrair à acção repressiva da autoridade, refugiando-se no anonimato. Se em ambas as desobediências o bem jurídico imediatamente protegido é o respeito às ordens da autoridade, a natureza do conteúdo das ordens desobedecidas, e portanto os interesses que as ditaram, são suficientemente diferentes para que não repugne atribuir consequências também diversas a tais desobediências.


A desobediência a ordens disciplinadoras ou reguladoras do trânsito implicará pois o cometimento de uma contra-ordenação, e a recusa a revelar a identificação, um crime de desobediência, desde que, obviamente, os respectivos elementos típicos se mostrem preenchidos (25).




1.2. A mesma consequência será possível, a nosso ver, se a intervenção da autoridade visou obter elementos de identificação para apuramento de responsabilidade civil, e foi feita, pois, ao abrigo do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 102/88, de 29 de Março (supra, IV, 3.1.).




1.3. Por último, se a ordem de identificação foi ditada pela disciplina do artigo 1.º da Lei nº 5/95 (supra IV, 3.3.), e houve recusa, ou se se tratou da actuação de órgãos de polícia criminal com a cobertura do artigo 250º do C.P.P., e também tal recusa teve lugar, mais uma vez poderá o agente incorrer na prática do crime de desobediência.


E este ponto de vista não é prejudicado pelo facto de, tanto a lei citada como o C.P.P., preverem mecanismos de obtenção de elementos identificadores do indivíduo que se recusou a fornecê-los. É que tanto o artigo 3.º da Lei nº 5/95, como o n.º 3 do artigo 250º do C.P.P. admitem a possibilidade de detenção e condução do indivíduo ao posto policial mais próximo para fins de identificação, onde poderá ficar detido por tempo não superior a duas horas, no primeiro caso, e seis no segundo (26).


Cremos que uma coisa é o recurso a procedimentos que visam a utilidade que se pretende obter com a identificação , ou seja , a concretização material dessa utilidade sem a cooperação do identificando, e outra a reacção criminal ao comportamento do dito identificando.


No primeiro caso estar-se-á perante actuações que em si têm natureza administrativa, e no segundo entramos já no campo do procedimento criminal, se for possível integrar o comportamento num tipo penal (27).




2.1. O artigo 188º, do C.P. de 1886 considerava crime de desobediência, entre o mais, o facto de se "faltar à obediência devida às ordens ou mandados legítimos da autoridade pública ou agentes dela (...) se por lei ou disposição de igual força não estiver estabelecida pena diversa" (28).


Posteriormente, o artigo 388º do Código Penal de 1982 estipulou:

"1- Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimo que tenham sido regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente será punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias.

2- A mesma pena será aplicada se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência simples.

3- A pena será a de prisão até 2 anos e multa até 100 dias se uma outra disposição legal cominar a pena de desobediência qualificada."


Com a revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, o crime de desobediência transitou para o artigo 348º, passando a ter a seguinte redacção:

"1- Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

2- A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada."




2.2. Apesar das diferentes configurações do crime de desobediência ao longo do tempo, o seu núcleo fundamental tem-se mantido, com os elementos que já Luís Osório assinalava (29) e que os ulteriores comentadores perfilharam.


Assim, o preenchimento dos elementos do tipo passará pela existência de:

- Uma ordem ou mandado não acatados, e que se analisam na imposição de praticar ou deixar de praticar certo facto;

- Legalidade formal da ordem ou mandado. Se a lei estipular certas formalidades, a emissão da ordem ou mandado tem que obedecer a tais formalidades. Na falta de estipulação dessas formalidades, poderá ser utilizada qualquer das formas admitidas em direito;

- Legalidade substancial: um acto é substancialmente legal quando é transmitido em execução de uma norma jurídica imperativa para a autoridade, ou quando uma lei confere à autoridade um poder discricionário, e a autoridade emite a ordem no exercício e dentro de tal poder;

- Competência para a emissão da ordem ou mandado: "cada funcionário ou autoridade detém uma parcela do poder, um tempo para o seu exercício e uma área de jurisdição.

Ora é precisamente dentro de tais limitações e balizas que os servidores públicos cumprem as suas tarefas na realização do interesse superior do Estado." (30)

- Regularidade na transmissão, porque os destinatários da norma ou mandado têm que tomar conhecimento pleno deles. Se a lei não exigir uma modalidade própria de transmissão, qualquer uma serve, desde que adequada, de acordo com as regras de experiência comum.


Na redacção actual, o artigo 348º do Código Penal introduziu o requisito da cominação prévia feita pelo funcionário ou autoridade (31), no caso de nenhuma outra disposição legal prever comportamentos cuja punição é remetida para o dito artigo 348º do C.P. A necessidade desta cominação surge da preocupação do legislador limitar a abertura do tipo, evitando eventuais excessos da Administração. Trata-se de um pressuposto da punição, a que não havia que atender ao tempo dos factos que desencadearam o presente parecer, já que estranho ao artigo 388º do Código Penal então em vigor (32).




2.3. Como refere Maia Gonçalves a propósito deste tipo de ilícito, na circunstância, previsto pelo artigo 348º do Código Penal vigente, "trata-se de um artigo controverso. Não é possível a sua eliminação, porque serve múltiplas incriminações extravagantes e porque isso poderia desarmar a Administração Pública. Mas seria também certamente excessivo proteger desta forma toda e qualquer ordem da autoridade, incriminando aqui tudo o que possa ser considerado não obediência" (33).


E, na verdade, se por um lado o legislador tem procurado restringir o círculo de situações que o tipo abrange, constitui tarefa frequente do intérprete ter de averiguar a existência de outras disposições legais, prevendo actuações de desobediência, que afastam a aplicação do dispositivo do Código Penal. Surgirão em relação a ele, então, como normas especiais. Tudo se cifrará em apurar se "será defensável o entendimento segundo o qual, perante a possibilidade de recurso a outras formas de reacção e a modalidades administrativas de execução material e coerciva da ordem desrespeitada, deixou de haver fundamento jurídico para a incriminação dos factos como "desobediência simples" (34).


Cremos que, presentemente, a desobediência a ordens de identificação, tal como vêm sendo enquadradas neste parecer, podem levar ao cometimento do crime de desobediência. Por um lado, não se vislumbram outras normas de tipo sancionatório, designadamente a nível contra-ordenacional, que funcionem como normas especiais em relação ao artigo 348º do Código Penal (35). Por outro lado, é difícil considerar os procedimentos compulsórios existentes (36) como instrumentos suficientes ao serviço da Administração. Na verdade, se a lei processual penal e a Lei nº 5/95 prevêm o acompanhamento coercivo do identificando ao posto policial mais próximo, a fim se procurar obter de facto tal identificação, a possibilidade de permanência no posto tem um limite certo de algumas horas. Enquanto a autoridade puder lançar mão do meio compulsório referido, ele surge como substituto de uma reacção criminal por desobediência. No entanto, tal não impede, a nosso ver, que esgotados sem êxito os meios compulsórios referidos e reiterada a o
rdem de identificação, o indivíduo renitente não venha a cometer o crime de desobediência. Finalmente, no caso de recusas de identificação na sequência de ordens que serviam o apuramento de responsabilidade civil, nos termos explicitados antes, a autoridade não dispõe mesmo de qualquer outro meio de reacção.




2.4. Não deveremos terminar este ponto, porém, sem aludir à proposta de Lei nº 80/VII, que altera várias disposições do Código Penal, entre as quais o artigo 348º apontado (37). Diz-se a tal propósito na respectiva exposição de motivos:


"(...) no crime de desobediência suprime-se a referência à cominação da punição da desobediência simples por autoridade ou funcionário, na ausência de disposição legal - artigo 348º, nº1, alínea b). Tal como no crime de poluição, também aqui é de rejeitar que o próprio âmbito da incriminação dependa de actividade administrativa. Assim, passa a contemplar-se um conceito material de desobediência, que abrange a desobediência a ordens ou mandados tendentes a executar decisões judiciais e a desobediência de que resulte perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais, a par das situações em que a lei comina expressamente a punição por desobediência (como sucede, por exemplo, no artigo 304º do próprio Código Penal, relativamente à dispersão de reunião pública)."


E assim a redacção proposta para o nº1 do preceito passa a ser:

"1- Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;

b) A ordem ou o mandado se destinarem a dar cumprimento a decisão judicial e o agente for advertido de que a desobediência constitui crime; ou

c) Da desobediência resultar perigo para a vida, a integridade física ou a liberdade de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado."


Se a revisão do Código Penal consagrar de facto esta solução, e deixar de ter actualidade a posição defendida no presente parecer, surge como necessária, a nosso ver, a consagração de medidas legislativas que permitam reagir à desobediência a ordens de identificação. Só assim se logrará evitar a completa impunidade de quem se recuse a identificar perante uma autoridade.




VI


1.7. A última consideração que nos propusémos fazer foi suscitada pela peculiaridade do caso subjacente ao presente parecer. O militar da G.N.R. que se identificou como agente da autoridade, e deu ordem a certo indivíduo para que por sua vez se identificasse, acabava de ser interveniente num acidente de viação pelo qual se não sentia responsável, e em virtude do qual tinha sofrido danos (38).


Ora, se a verificação do crime de desobediência depende, como se viu, da legalidade substancial da ordem emanada, tal legalidade existirá não só se uma concreta disposição legal a previr, como também se, por força de outra norma, também legal, o agente não estiver impedido de proferir a ordem.


Ao longo do parecer procurámos situar as ordens de identificação das forças de segurança, ou dos O.P.C., no contexto da actividade policial e administrativa, portanto. Foi pois de um verdadeiro acto administrativo que se tratou, quando "in casu", o militar da G.N.R., depois de se identificar, ordenou ao indivíduo com que chocara que se identificasse também.


Freitas do Amaral considera que as "ordens" são actos que impõem um conduta positiva. São uma modalidade dos actos "de comando" que por sua vez se integram nos actos "impositivos" (39).


Para Rogério Soares as ordens são simplesmente actos administrativos que criam obrigações, quer tais obrigações sejam de "facere" quer sejam de "non facere".


Diz-nos a tal respeito:

"Os actos administrativos que se dirigem imediatamente a criar uma obrigação ao particular são as ordens. Podem ter um conteúdo positivo, impondo um comando, criando uma obrigação de fazer, dar ou suportar, ou um conteúdo negativo, impondo uma proibição. Expressa ou implicitamente são acompanhados da cominação de uma sanção.

Estes actos baseiam-se num poder de supremacia, que pode ser geral, isto é, exercitado sobre os cidadãos de uma maneira indistinta, e têm lugar normalmente em matérias de polícia; ou especial, se decorre de uma relação especial de poder" (40).


O que parece não oferecer dúvida é que, como actos administrativos que são, as ordens em causa estão subordinadas aos princípios que regem a actividade administrativa em geral, entre os quais avulta, para a economia do parecer, o da imparcialidade.


Lembremo-nos de que, nos termos do artigo 266º da C. da R.:


"1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade".


Comentando este preceito, dizem-nos Gomes Canotilho e Vital Moreira que "A garantia da imparcialidade da Administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares dos órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal, directo ou indirecto" (41).


O princípio da imparcialidade abrange tanto a "Administração Pública em sentido subjectivo, enquanto complexo organizatório, como a Administração Pública em sentido objectivo, enquanto função ou actividade administrativa. (...). Por conseguinte, devem considerar-se igualmente vinculados ao princípio da imparcialidade, em decorrência da sua natureza funcional, todas as autoridades ou entidades, públicas ou privadas, que de alguma forma exerçam a função administrativa ou pratiquem actos em matéria administrativa" (42).


O princípio da imparcialidade está consagrado no artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo do seguinte modo:


"Princípios da justiça e da imparcialidade

No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação".


E, como concretização desse princípio, o artigo 44º do mesmo Código estabelece uma série de impedimentos, interessando à economia do parecer, nomeadamente a primeira:




"Casos de impedimento

1. Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento Administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos:

a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa:

b) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;

c) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, tenha interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quanto tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior;

d) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver;

e) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2º da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;

f) Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cônjuge;

g) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas.


2. Excluem-se do disposto no número anterior as intervenções que se traduzam em actos de mero expediente, designadamente actos certificativos."


Tal nos parece suficiente para se poder deduzir, que sempre que um elemento das forças de segurança estiver interessado em determinado acto ou procedimento, ainda que de polícia, deverá abster-se de nele intervir em veste autoritária, sob pena de poder incorrer em responsabilidade disciplinar e, eventualmente, criminal.


No caso que deu origem ao presente parecer um militar da G.N.R. era lesado no acidente ocorrido. É aceitável que tenha feito ver ao outro interveniente a responsabilidade que lhe cabia e lhe tenha pedido a identificação. Parece-nos porém que o deveria ter feito tal como qualquer cidadão. Ao assumir-se como autoridade e ao dar uma ordem ao outro interveniente para que este se identificasse, usou ao seu serviço os poderes que a lei lhe confere para servirem só a Administração Pública.


Então, o facto de um elemento das forças de segurança ou qualquer das pessoas a ele ligadas elencadas no artigo 44º transcrito, estarem interessadas no apuramento da responsabilidade de outrem, implica que se deva providenciar pela intervenção de outro elemento das forças de segurança, no caso em que aquela responsabilidade estiver em causa (43).


Em hipótese de responsabilidade criminal será a qualidade de vítima e de ofendido, do agente ou do círculo de pessoas mencionadas, que causa o impedimento.


Estando em causa a responsabilidade civil de outrem é a condição de lesado dessas pessoas que estará na base do impedimento.


Dada a natureza exclusivamente pública dos interesses que as contra-ordenações visam prosseguir, é difícil defender que o impedimento referido seja invocável, se o agente interveio movido só pelo propósito de apurar a responsabilidade contra-ordenacional. Não assim, obviamente, se se estiver perante uma contra-ordenação causal, de crime ou facto que acarrete responsabilidade civil, em que o agente esteja interessado.


No caso em apreço, o relato fornecido aponta para que o militar da G.N.R. tenha intervindo, para fazer valer um direito seu a ser indemnizado, e sempre haveria uma ligação estreita entre a responsabilidade civil e contra-ordenacional porque resultantes ambas do mesmo facto.


Estava impedido de actuar como actuou, a ordem dada foi ilegítima, e o crime de desobediência do artigo 388º do Código Penal então vigente, não foi, pois, cometido.




Termos em que se formulam as seguintes conclusões:
VII


1º De acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 29º, do Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho, (Lei Orgânica da G.N.R.), constitui uma medida de polícia aplicável nos termos e condições previstos na Constituição e na lei, a exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial;


2º Em obediência ao princípio da tipicidade legal das medidas de polícia, consagrado no nº 2 do artigo 272º da Constituição da República, e tendo em conta que a reserva de identidade é expressão do direito à intimidade da vida privada, consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República, há-de derivar da lei o condicionalismo concreto de que depende a legitimidade da exigência da identificação;


3º No âmbito da circulação estradal é legítima a ordem de identificação dada pelos agentes fiscalizadores do trânsito com vista ao eventual apuramento de responsabilidade civil, ao abrigo do artigo 1º do Decreto-Lei nº 102/88, de 29 de Março;


4º O artigo 49º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, autoriza as autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais a exigir a identificação do agente de qualquer contra-ordenação em geral, incluindo portanto as que tenham sido cometidas por violação do disposto no Código da Estrada;


5º A exigência de identificação, ao serviço da prevenção e do apuramento da responsabilidade criminal, tem também a cobertura legal do artigo 2º da Lei nº 5/95, de 21 de Fevereiro, e do nº 1 e nº 2 do artigo 250º do Código de Processo Penal;


6º O não acatamento de ordens de identificação, proferidas ao abrigo das disposições mencionadas nas conclusões anteriores, podia implicar o cometimento do crime de desobediência do artigo 388º do Código Penal, na redacção anterior à actual, e pode implicar o cometimento do crime do artigo 348º do Código Penal vigente;


7º A possível descriminalização resultante da redacção que vier a ser dada do artigo 348º do Código Penal, na revisão em curso, terá que ser acompanhada de medidas legislativas, que facultem à autoridade meios de reacção eficazes, face à recusa de identificação;


8ª Os elementos das forças de segurança e os órgãos de polícia criminal, no desempenho de actos de polícia, em que se incluem as ordens de identificação aludidas, estão sujeitos ao princípio da imparcialidade da Administração Pública, consagrado no nº 2 do artigo 266º da Constituição da República, e impedidos de exigir a identificação de um indivíduo, em situações previstas no artigo 44º do Código do Procedimento Administrativo.








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1) É o seguinte o texto do artigo 17º da Lei nº 20/87:
"Dever de identificação
Os agentes ou funcionários de polícia não uniformizados que, nos termos da lei, ordenarem a identificação de pessoas ou emitirem qualquer outra ordem ou mandado legítimo devem previamente exibir prova da sua qualidade".
E o artigo 1º da Lei nº 5/95 é do seguinte teor:
"Dever de identificação
1 - Os agentes das forças ou serviços de segurança a que se refere a Lei nº 20/87, de 12 de Junho, no artigo 14º, nº 2, alíneas a), c), d) e e), podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre a mesma pessoa existam fundadas suspeitas da prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado ou tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual penda processo de extradição ou de expulsão.
2 - Os mesmos agentes só podem exigir a identificação depois de exibirem prova da sua qualidade e de terem comunicado ao identificando os seus direitos e, de forma objectiva, as circunstâncias concretas que fundam a obrigação de identificação e os vários meios por que se pode identificar.
3 - A omissão do dever de comunicação a que se refere o número anterior determina a nulidade da ordem de identificação."
O nº 2 do artigo 14º da Lei nº 20/87, enumera as entidades que exercem funções de segurança interna, entre as quais se conta a G.N.R.
2) Cfr. alínea a) do artigo 34º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.
3) Cfr. "Manual de Direito Administrativo", Coimbra, Almedina 1980, Vol. II, pág. 1066 e segs.
4) São serviços administrativos a diplomacia ou as finanças e serviços públicos a saúde ou a segurança social.
Todos porém se integram naquilo a que se poderia chamar actividade administrativa "de prestação". (Cfr. Ramon Parada, in "Derecho Administrativo" I, Madrid, Marcial Pons, 1994, pág. 387).
5) Idem, pág. 1150.
6) Transcreve-se o preceito em questão:
"Forças e serviços de segurança
1- As forças e serviços de segurança são organismos públicos, estão exclusivamente ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidários e concorrem para garantir a segurança interna.
2- Exercem funções de segurança interna:
a) A Guarda Nacional Republicana;
b) A Guarda Fiscal;
c) A Polícia de Segurança Pública;
d) A Polícia Judiciária;
e) O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
f) Os órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica;
g) O serviço de informações de segurança.
3- A organização, as atribuições e as competências das forças e dos serviços de segurança constam das respectivas leis orgânicas e demais legislação complementar."
A Guarda Fiscal foi entretanto extinta pelo Decreto-Lei nº 230/93, de 26 de Junho, criando-se a Brigada Fiscal integrada na G.N.R..
7) É o seguinte o teor de tal n.º 1:
"1 - Os cidadãos têm o dever de colaborar na prossecução dos fins de segurança interna, observando as disposições preventivas estabelecidas na lei, acatando as ordens e mandados legítimos das autoridades e não obstruindo o normal exercício das competências dos funcionários e agentes das forças e serviços de segurança.
2 - .........................................................
3 - ..........................................................
4 - ..........................................................".
8) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa, Anotada", Coimbra Editora, 1993, pág. 956.
Além do princípio da tipicidade legal das medidas de polícia, o artigo 272.º da Constituição da República consagra ainda, no seu n.º 2, um princípio de proibição de excesso: as medidas não devem ser utilizadas "para além do estritamente necessário".
O Acórdão n.º 479/94, de 7 de Julho, do Tribunal Constitucional, publicado no "Diário da República", I Série A, de 24.8.94, págs. 4907 e segs., pronunciou-se, em sede de fiscalização preventiva, sobre a constitucionalidade do Decreto nº 161/VI, da Assembleia da República, que esteve na Base da Lei n.º 5/95. Acolheu na sua fundamentação a perspectiva dada por estes dois autores aos princípios em foco.
9) Cfr. obra referida na nota anterior, pág. 182.
10) In "O Bilhete de Identidade e os Controlos de Identidade", Revista do Ministério Público, Ano 15.º, Outubro / Dezembro 1994, n.º 60, pág. 70.
11) In Jornal Oficial, nº L 57, de 4 de Março de 1981.
De acordo com essa Recomendação os Estados-membros foram convidados a adoptar as medidas adequadas a facilitar a transmissão aos interessados dos autos de notícia, bem como de outros documentos necessários ao pagamento de indemnizações resultantes de responsabilidade civil.
12) Cfr. Marcello Caetano in obra citada na nota (3), pág. 1157.
13) Trata-se da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, o qual, sensível a razões de inconstitucionalidade, eliminou os nºs 2 e 3 da versão anterior do preceito, que regulavam a detenção do indivíduo face à impossibilidade imediata de identificação.
14) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio.
15) Para além da competência atribuída pelo artigo 64.º, nº 2 do C.E., aos "agentes ferroviários" para regular o trânsito nas passagens de nível, é o artigo 2.º do Decreto-Lei nº 190/94, de 18 de Julho, que nos indica quem são as "autoridades competentes para fiscalizar o trânsito":
"1. A fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada e demais legislação sobre trânsito incumbe:
a) À Direcção-Geral de Viação, por intermédio da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republica e do pessoal técnico designado para o efeito;
b) À Polícia de Segurança Pública e às policias municipais;
c) À Guarda Nacional Republicana;
d) Ao pessoal de fiscalização da Junta Autónoma de Estradas, nas estradas nacionais, ruas e caminhos municipais.
2 Cabe à Direcção-Geral de Viação promover a uniformização dos modos e critérios de exercício desta competência pelas entidades acima referidas, produzindo, para o efeito, as necessárias instruções".
16) A interpretação jurídica configura-se como um trabalho que permite a partir duma fonte chegar à regra que ela alberga.
O artigo 9.º do Código Civil é a regra fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa. Consagra posições que a doutrina vinha trabalhando, e, face a tal preceito legal, à determinação do sentido prevalente das normas não basta a sua análise literal, ainda que dela resulte um sentido que não ofereça dúvidas. O resultado da interpretação literal deverá, com efeito, ser confirmado pela chamada interpretação lógica, isto é, pela verificação do fim das normas, do seu enquadramento sistemático e da sua história. A teleologia da norma reclama a análise das situações reguladas e de qual o interesse que se pretendeu proteger, bem como o âmbito de tal protecção. Qualquer norma jurídica faz parte dum sistema jurídico global e não pode deixar de ser entendida à luz dele.
Por outro lado, as circunstâncias políticas, culturais e sociais em que as normas foram elaboradas, às vezes apontadas em trabalhos preparatórios ou nos respectivos exórdios justificativos, facilitam, naturalmente, a compreensão da norma através da sua história.
A final, se os elementos literal e lógico de interpretação da norma concorrem para que lhe seja atribuído o mesmo sentido, estar-se-á perante a chamada interpretação declarativa.
Porém, no caso de o resultado da interpretação literal, por equivocidade do texto, não coincidir com o resultado da indagação lógica, a esta deverá o intérprete dar prevalência. Se, ao expressar a sua vontade, o legislador se quedou aquém do que a razão da norma exigia, dizendo menos do que devia, importa que o intérprete opere a chamada interpretação extensiva. Mas, se não podia querer dizer tudo o que o elemento literal parece inculcar, sob pena dele legislador ser acusado de contraditório ou injusto, então impor-se-á o tipo de interpretação restritiva.
Em qualquer caso, não pode ser considerado pelo intérprete um resultado que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os nºs 2 e 3 do referido artigo 9º do Código Civil..
Reproduz-se o texto do preceito:
"Interpretação da Lei
1. A interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."
17) Podem referir-se a título exemplificativo os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 14 /3/90 e de 30/11/83 (in, Colectânea de Jurisprudência, respectivamente, Ano XV, Tomo II - 1990, pág. 78, e Ano VIII, Tomo V - 1983, pág. 85), ou da Relação de Lisboa, de 28/2/92, e 17/11/93 (in, Colectânea de Jurisprudência, respectivamente, Ano XVII, Tomo I - 1992, pág. 188, e Ano XVIII, Tomo V - 1993, pág. 166).
18) Transcreve-se o artigo 27.º da Constituição da República:
"1 Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2 Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3 Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
b) Prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
c) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
d) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
e) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante a autoridade judicial competente.
4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.
5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer."
19) Cfr. Acórdão referido na nota (8).
Em relação à disciplina do Decreto nº 161/VI da Assembleia da República não foi só o artigo 1º que sofreu alterações. O artigo 3.º da Lei nº 5/95, passou agora a ter a seguinte redacção
"Procedimento de identificação
1 - Nos casos de impossibilidade de identificação, nos termos do artigo anterior, ou nos casos de recusa de identificação, terá lugar um procedimento de identificação que consiste em conduzir o identificando ao posto policial mais próximo, onde permanecerá pelo tempo estritamente necessário à identificação e que não poderá, em caso algum, exceder duas horas.
2 - O mesmo procedimento pode incluir, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza, as quais são destruídas, na presença do identificando, não se confirmando a suspeita, e ainda a indicação, pelo identificando, de residência onde possa ser encontrado e receber comunicações.
3 - A redução a auto do procedimento de identificação é obrigatória em caso de recusa de identificação e é nos demais casos dispensada, a solicitação da pessoa a identificar
4 - Quando seja lavrado o auto, nos termos do número anterior, do mesmo será entregue cópia ao identificando e ao Ministério Público.
5 - Quando se deva presumir que o identificando possa ser menor, os agentes das forças ou serviços de segurança devem, de imediato, comunicar com os responsáveis pelo mesmo.
6 - O procedimento de identificação será sempre comunicado a pessoa da confiança do identificando, quando este o solicite."
20) Basicamente neste sentido, José Manuel Damião da Cunha, in "O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal no Novo Código de Processo Penal", Porto, Universidade Católica, 1993, pág. 104.
21) Cfr. "O Inquérito no Novo Código de Processo Penal" in Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Coimbra, Almedina, 1995, pág. 71 e nota (12).
22) Cfr. "Curso de Processo Penal", III, Lisboa, Verbo, 1994, pág. 55.
23) Natureza que é sobretudo evidente quanto aos actos previstos no n.º 1 do artigo 250º: identificação em locais fechados, mas de acesso facultado ao público em geral, habitualmente frequentados por delinquentes.
24) É o seguinte o texto do preceito:
"Posição de marcha
1 - O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.
2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção.
3 Quem infringir o disposto no n.º 1 será punido com coima de 10.000$ a 50.000$ ."
25) O artigo 156.º do C.E. prevê para além disso o procedimento a adoptar para se chegar à identificação do autor da contra-ordenação, no caso de não ter sido possível identificá-lo: através do proprietário do veículo, do usufrutuário, ou do locatário em regime de locação financeira. E qualquer um deles pode ser presumido autor da infracção se omitir o dever de identificação do autor da contra-ordenação.
26) Como já se apontou na nota (13), igual procedimento poderia ter lugar estando em causa uma simples contra-ordenação. O nº 2 e o nº 3 do artigo 49º do Decreto-Lei nº 433/82, referiam a propósito da impossibilidade imediata em obter a identificação:
"2 - Se esta não for imediatamente possível, em caso de flagrante delito podem as autoridades policiais deter o indivíduo pelo tempo necessário à identificação.
3 - Esta deve processar-se no mais curto espaço de tempo, não podendo nunca a detenção exceder 24 horas."
27) A recusa de identificação foi considerada crime de desobediência pelo Tribunal da Relação de Coimbra, v.g. nos Acórdãos de 14.5.86 (BMJ - nº 357, pág. 498), e de 9.12.87 (B.M.J. nº 372, pág. 477), e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por exemplo, no Acórdão de 4.11.87 (Colectânea de Jurisprudência Ano XII, Tomo V, 1987, pág. 148).
28) Sobre este preceito se pronunciou circunstanciadamente o parecer deste Concelho Consultivo nº 98/78, publicado no B.M.J. nº 284, pág. 30 e segs. atribuindo-lhe a natureza de norma penal em branco e um carácter subsidiário.
29) Cfr. "Notas ao Código Penal Português", Vol. I, pág. 213 e segs.
30) Cfr. Leal Henriques e Simas Santos in "Código Penal", 2º volume, Lisboa, Rei dos Livros, 1996, pág. 1089.
31) A cominação prévia legal estava já prevista nos nºs. 2 e 3 do artigo 388º do Código Penal, antes de revisto, e assume a condição de elemento típico.
32) Resulta da documentação remetida que tais factos terão ocorrido a 22 de Fevereiro de 1995, e o Código Penal revisto entrou em vigor a 1 de Outubro de 1995. A diferença de pressupostos da punição ao tempo, e segundo a lei vigente, leva a ter que considerar, se for caso disso, a aplicação no tempo da lei mais favorável. Prescindimos neste parecer de entrar em linha de conta com tal problemática.
33) In "Código Penal Português", Coimbra, Almedina, 1995, pág. 964.
34) Cfr. Parecer nº 52/93 publicado no "Diário da República", II série de 19/05/94.
35) Não assim, por exemplo, no tocante a algumas sanções processuais que reagem a autênticas situações de desobediência. É o caso do actual artigo 116º do C.P.P. ou do artigo 91º do C.P.P. de 1929.
36) Referimo-nos ao artigo 3º da Lei nº 5/95 e ao nº 3 do artigo 250º do Código de Processo Penal Português.
37) Cfr. Diário da Assembleia da República II série A- número 34 de 11 de Abril de 1997, págs. 526 e segs.
38) Obviamente que partimos do princípio de que o "convite" feito pelo militar da GNR a que o outro indivíduo se identificasse valeu e foi entendido como ordem.
39) Cfr. deste autor, "Direito Administrativo" vol. III, Lisboa, 1989, págs. 127.
40) In "Direito Administrativo", Coimbra, 1978, pág. 124.
41) In obra referida na nota (8), pág. 925.
42) Cfr. Maria Teresa de Melo Ribeiro, in "O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública", Coimbra, Almedina, 1996, pág. 123.
43) De notar, que de acordo com o nº 2 do artigo 46º do Código de Procedimento Administrativo, "Os impedidos nos termos do artigo 44º deverão tomar todas as medidas que forem inadiáveis em caso de urgência ou de perigo, as quais deverão ser ratificadas pela entidade que os substituir". Parece-nos claro, porém, que as acções de polícia do tipo da que vem sendo tratada no parecer escapam ao condicionalismo de que depende a actuação do agente nos termos deste normativo.