Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002946
Parecer: I000042008
Nº do Documento: PIN0106201100400
Descritores: TRATADO MULTILATERAL
CONSELHO DA EUROPA
TERRORISMO
DEVER DE INCRIMINAÇÃO
INCITAMENTO PÚBLICO À PRÁTICA DO TERRORISMO
RECRUTAMENTO PARA O TERRORISMO
TREINO PARA O TERRORISMO
TERRORISMO INTERNACIONAL
CRIME DE PERIGO ABSTRACTO
PROTECÇÃO, AUXILIO E REPARAÇÃO ÀS VÍTIMAS
INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA
PROTECÇÃO DE TESTEMUNHAS
DEVER DE INVESTIGAÇÃO
REGRA DA UNIVERSALIDADE CONDICIONADA
NOTÍCIA DO CRIME
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS COLECTIVAS
APLICAÇÃO UNIVERSAL DA LEI PORTUGUESA
COMPETÊNCIA
CRIME INTERNACIONAL
EXTRADIÇÃO
AUXILIO JUDICIÁRIO MÚTUO
Livro: 00
Numero Oficio: 665
Data Oficio: 02/08/2007
Pedido: 01/07/2008
Data de Distribuição: 04/05/2011
Relator: PAULO DÁ MESQUITA
Sessões: 00
Data da Votação: 06/01/2011
Data Informação/Parecer: 06/01/2011
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: DESPACHO DO SR. VICE-PROCURADOR-GERAL DA PEPÚBLICA
Privacidade: [09]
Indicação 2: ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR INT PUBL / DIR PENAL INT / TRATADOS * DIR CRIM * DIR JUDIC
Ref. Pareceres:P000701994
P000361999
P000021993
Legislação:CRP76 ART8 ART33 ; L 52/2003 DE 2003/08/22 ART4 N1 ; L 17/2001 DE 2001/05/03 ; L 59/2007 DE 2007/09/04 ; DPR 38-A/2011 DE 2011/03/31; RAR 100/2011 DE 2011.05.04; DPR 43/2011 DE 2011.05.04; CP82 ART4 ART7 ART11 ART22 ART23 ART26 ART73 ; L 104/2009 DE 2009/09/14 ; L 93/99 DE 1999/97/14; L 29/2008 DE 2008/07/04; L 42/2010 DE 03/09/2010 ; L 144/99 DE 1999/08/31
Direito Comunitário:DECISÃO-QUADRO 2008/919/JAI DO CONSELHO DE 2008/11/28
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TRIB CONST 32/88; AC TRIB CONST 168/88 ; AC DO TRIB CONST 494/99 ; AC DO TRIB CONST 522/2000
Documentos Internacionais:CONV PARA A REPRESSÃO DA CAPTURA ILICITA DE AERONAVES DE 1970/12/16; CONV PARA A REPRESSÃO DE ACTOS ILICITOS CONTRA A SEGURANÇA DA AVIAÇÃO CIVIL DE 1971/09/23 ; CONV SOBRE A PREVENÇÃO E PUNIÇÃO DE CRIMES CONTRA AS PESSOAS QUE GOZEM DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL DE 1973/12/14 ; CONV INT CONTRA A TOMADA DE REFÉNS DE 1979/12/17 ; CONV SOBRE PROTEC FISICA DOS MATERIAIS NUCLEARES DE 1980/08/03 ; PROTOCOLO PARA A REPRESSÃO DE ACTOS ILICITOS DE VIOLENCIA NOS AEROPORTOS AO SERVIÇO DA AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL DE 1988/02/24 ; CONV PARA A SUPRESSÃO DE ACTOS ILICITOS CONTRA A SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO MARITIMA DE 1988/03/10; PROT PARA A SUPRESSÃO DE ACTOS ILICITOS CONTRA A SEGURANÇA DAS PLATAFORMAS FIXAS LOCALIZADAS NA PLATAFORMA CONTINENTAL DE 1988/03/10 ; CONV INT PARA A ELIMINAÇÃO DO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO DE 1999/12/09 ; CONV INT PARA A REPRESSÃO DE ATENTADOS TERRORISTAS Á BOMBA DE 1997/12/15 ; CONV INT PARA A ELIMINAÇÃO DO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO DE 1999/12/09 ; SEGUNDO PROT ADIC Á CONV EUROP DE AUXILIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATERIA PENAL DE 2001/11/08 ; CON RELAT AO BRANQUEAMENTO , APREENS E PERDA DOS PROD DO CRIME DE 1997;
Ref. Complementar:PROP LEI 44/XI ; PROPOSTA RESOLU 55/XI

Texto Integral: Nº 4/2008
DM


Senhor Procurador-Geral da República
Excelência:


I. Relatório

Solicitou-se, por despacho de Sua Excelência o Senhor Vice-Procurador-Geral da República de 7 de Janeiro de 2008 ”informação-parecer” sobre a legalidade da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo assinada por Portugal em 16 de Maio de 2005, «nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 3 (4.ª) e 14.º, n.º 2, do Regimento do Conselho Consultivo»[1].

Tendo o processo sido redistribuído ao ora relator em 5 de Abril de 2011, impõe-se emitir informação-parecer ao abrigo das disposições conjugadas da al. e) do art. 37.º, do Estatuto do Ministério Público e do art. 14.º, n.º 2 do Regulamento do Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República.

II. A Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo assinada por Portugal em 16 de Maio de 2005 e a ordem jurídica interna

II.1 Enquadramento jurídico-constitucional da Convenção

Importa começar por proceder ao enquadramento normativo da Convenção do Conselho da Europa ETS n.º 196, o qual vai conformar o objecto e desenvolvimento do parecer.
A Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo de 2005 constitui, de forma inequívoca, um tratado-normativo e multilateral que não integra o ius cogens[2].
Com base nesse pressuposto classificatório importará integrá-la numa hierarquia de fontes normativas, que se apresenta determinante para a subsequente reflexão técnico-jurídica sobre as implicações da sua ratificação pela República Portuguesa tendo ainda presente a deflação da importância da querela entre as teses dualista e monista, que implica uma «aproximação das soluções propostas pelo monismo e pelo dualismo para a questão da vigência do Direito Internacional na ordem interna dos Estados»[3], sem embargo da adesão claramente maioritária da doutrina ao monismo[4].

Monismo moderado com variantes que atendem, nomeadamente, às diferentes categorias e fontes de Direito Internacional, pelo que não importa aqui abordar todo o tema em termos teórico-abstractos, atenta a caracterização da Convenção objecto do presente parecer (que não integra o ius cogens) e a diversidade de legítimas opções constitucionais dos Estados relativamente ao Direito Internacional convencional. Daí que a ordem jurídica interna portuguesa compreenda um preceito exclusivamente reportado ao Direito Internacional, o art. 8.º, da Constituição da República Portuguesa.
No que concerne ao contexto compreensivo do presente parecer deve traçar-se a decomposição analítica de duas questões:
1.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional e a Constituição da República Portuguesa;
2.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional «regularmente ratificadas ou aprovadas» por Portugal e o direito ordinário português.

1.ª) As normas dos tratados internacionais com o enquadramento e objecto da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo de 2005 posicionam-se numa relação de subordinação perante a Constituição. Pelo que, a convenção em análise tem de se conformar com as regras do direito constitucional português[5].
O problema da posição do Direito Internacional que não integra o ius cogens no direito português não está directamente resolvido no texto constitucional. Contudo, a prevalência da Constituição Portuguesa sobre o Direito Internacional convencional em que se enquadra a Convenção ETS n.º 196 resulta das várias abordagens interpretativas preconizadas na doutrina nacional.
Com efeito, a posição infraconstitucional da Convenção ETS n.º 196 caso venha a ser inserida no direito português é uma conclusão decorrente de qualquer uma das correntes doutrinárias desenvolvidas sobre este tópico.
O valor supralegal da Convenção constitui um corolário lógico da doutrina que preconiza uma prevalência da Constituição da República Portuguesa sobre todo o Direito Internacional convencional inserido voluntariamente na ordem jurídica interna, por outro lado, os autores que apontam para dimensões de prevalência de algum Direito Internacional convencional sobre a Constituição não consideram que estão abrangidos tratados com o enquadramento, objecto e escopo do que está sob análise neste parecer[6]. Orientação que coincide com as pronúncias do Tribunal Constitucional sobre o tema[7].

2.ª) A Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo de 2005, caso seja ratificada, passará a vigorar «na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» (art. 8.º, n.º 2, da Constituição) tendo primado sobre o direito interno infraconstitucional.
Aponta nesse sentido de forma quase unânime a doutrina[8]. Posição igualmente assumida na jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão n.º 494/99). No sentido da consagração constitucional do monismo com primado do Direito Internacional convencional sobre o direito infraconstitucional português também já se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nomeadamente, no parecer n.º 70/94, de 16-2-1995[9], no parecer n.º 36/1999, de 30-8-2002[10] e no segundo parecer complementar n.º 2/93 de 20-4-2005[11].

Consequentemente, as duas questões jurídicas centrais que se suscitam no presente parecer relativamente à aprovação da Convenção do Conselho da Europa ETS n.º 196 incidem:
a) No respeito pela Convenção ETS n.º 196 da Constituição da República Portuguesa;
b) Na conformação do direito ordinário português com a Convenção, e, eventuais necessidades de alteração do direito interno em face da vinculação internacional, que será assumida pela República Portuguesa com a aprovação e ratificação da Convenção.

II.2 Evolução do processo legislativo desde 2008 conexo com a aprovação parlamentar da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196

1- A iniciativa dirigida à aprovação pela Assembleia da República da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo foi aprovada em Conselho de Ministros de 4 de Março de 2011.
A subsequente Proposta de Resolução n.º 55/XI entrou na Assembleia da República em 17 de Março de 2011[12].

2- Em 18 de Março de 2011, foi aprovada pela Assembleia da República a proposta de lei n.º 44/XI que «altera a Lei de Combate ao Terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, com vista a assegurar a criminalização do incitamento público à prática de infracções terroristas, do recrutamento para o terrorismo e do treino para o terrorismo, sempre que cometidos de forma dolosa, adaptando ao direito interno a Decisão-Quadro n.º 2008/919/JAI do Conselho, de 28 de Novembro, que altera a Decisão-Quadro n.º 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo»[13].
Em 3 de Maio de 2001 esse diploma foi publicado como Lei n.º 17/2001.

3- Pelo Decreto do Presidente da República n.º 38-A/2011, de 31 de Março foi «demitido o Governo, por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro -Ministro»[14].
Em 7 de Abril do corrente foi publicado no Diário da República o Decreto do Presidente da República n.º 44-A/2011 cujo art. 1.º dissolve a Assembleia da República[15].
A última reunião plenária da Assembleia da República na XI.ª Legislatura realizou-se no dia 6 de Abril de 2011, sem que a Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo tivesse sido aprovada.

4- Até 31 de Maio de 2011, a Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo tinha sido ratificada por 27 Estados membros do Conselho da Europa e assinada por 16 Estados que ainda não a tinham ratificado. A Convenção tinha sido aberta à assinatura em 16 de Maio de 2005, data em que Portugal firmou a sua, e entrou em vigor para os Estados que a ratificaram a partir de 1 de Junho de 2007 (data em que se atingiram as seis ratificações)[16].

II.3 Conformidade da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196 com a Constituição da República Portuguesa

A Convenção desdobra-se por três grandes categorias de normas: de direito penal substantivo, administrativas e cooperação judiciária internacional.
Em nenhum segmento se detecta qualquer colisão com a Constituição da República Portuguesa. Em particular, as normas sobre extradição não compreendem prescrições que contendam com o disposto no art. 33.º, da Constituição.

II.4 Conteúdo normativo da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo assinada por Portugal em 16 de Maio de 2005 em face do direito interno português

§ II.4.1
Como se destacou acima, o confronto do texto da Convenção com o direito ordinário nacional implica, essencialmente, que se pondere se a aprovação daquela exige alterações da legislação portuguesa por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional[17].

O principal impacto da Convenção no ordenamento jurídico português centra-se no compromisso de implementar «as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infracção penal, em conformidade com o seu direito interno»: «o incitamento público à prática de uma infracção terrorista», «o recrutamento para o terrorismo», «o treino para o terrorismo», incluindo a punição da cumplicidade, da tentativa, da «preparação da prática», da associação para a prática desses ilícitos e das pessoas colectivas[18].
Numa divisão conceptual de raiz doutrinária pode considerar-se que neste segmento existe um específico «dever de incriminar certas condutas no ordenamento interno»[19].
Dever que se desdobra, em primeira linha, por três normas convencionais, que estabelecem que «as Partes devem adoptar as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infracção penal», em conformidade com o seu direito interno, o incitamento público à prática de uma infracção terrorista, o recrutamento para o terrorismo e o treino para o terrorismo. As respectivas definições constam, sucessivamente, dos arts. 5.º a 7.º, passando a transcrever-se o n.º 1 de cada uma dessas disposições:

«Para efeitos da presente Convenção, “incitamento público à prática de uma infracção terrorista” designa a difusão ou qualquer outra forma de disponibilização ao público de uma mensagem, visando incitar à prática de uma infracção terrorista, sempre que tal conduta, quer preconize directamente ou não a prática de infracções terroristas, crie o perigo de uma ou várias destas infracções serem cometidas.»

«Para os efeitos da presente Convenção, “recrutamento para o terrorismo” designa o facto de induzir uma outra pessoa a cometer ou a participar na prática de uma infracção terrorista, ou a juntar-se a uma associação ou a um grupo de pessoas com vista a contribuir para a prática de uma ou várias infracções terroristas por tal associação ou grupo de pessoas.»

«Para efeitos da presente Convenção, “treino para o terrorismo” designa o facto de dar instruções para o fabrico ou para a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas ou substâncias nocivas ou perigosas, bem como sobre outros métodos e técnicas específicos com vista à prática de uma infracção terrorista ou a contribuir para a sua prática, sabendo que os conhecimentos específicos fornecidos visam a realização de tal objectivo.»

A análise do dever de incriminação da República Portuguesa é, por seu turno, indissociável do disposto no art. 1.º da Convenção e da remissão aí operada quanto ao conceito de «infracção terrorista» que «designa qualquer uma das infracções abrangidas pelo seu âmbito de aplicação e como tal definidas em qualquer um dos convénios indicados em anexo».
Ressaltando quanto aos convénios que integram o anexo da Convenção ETS n.º 196 e conformam o respectivo conceito de terrorismo que todos já foram ratificados por Portugal e vinculam a ordem jurídica interna:

1. Convenção para a Repressão da Captura Ilícita de Aeronaves, assinada em Haia a 16 de Dezembro de 1970 (ratificada em 1972);
2. Convenção para a Repressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal a 23 de Setembro de 1971 (ratificada em 1973);
3. Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes Contra Pessoas que gozam de Protecção Internacional, inclusive Agentes Diplomáticos, adoptada em Nova Iorque a 14 de Dezembro de 1973 (ratificada em 1994);
4. Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, adoptada em Nova Iorque a 17 de Dezembro de 1979 (ratificada em 1984);
5. Convenção sobre a Protecção Física dos Materiais Nucleares, adoptada em Viena a 3 de Março de 1980 (ratificada em 1990);
6. Protocolo para a Repressão de Actos Ilícitos de Violência nos Aeroportos ao Serviço da Aviação Civil Internacional, celebrado em Montreal a 24 de Fevereiro de 1988 (ratificado em 1998);
7. Convenção para a Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima, celebrada em Roma a 10 de Março de 1988 (ratificada em 1994);
8. Protocolo para a Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas localizadas na Plataforma Continental, celebrada em Roma a 10 de Março de 1988 (ratificado em 2011)[20];
9. Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, adoptada em Nova Iorque a 15 de Dezembro de 1997 (ratificada em 2001);
10. Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, adoptada em Nova Iorque a 9 de Dezembro de 1999 (ratificada em 2002).

A presente informação-parecer tem como objecto exclusivo as implicações da Convenção ETS n.º 196, pelo que não se vai desenvolver uma reflexão crítica sobre o conceito de «infracção terrorista» e o preenchimento das obrigações de Portugal (nomeadamente as decorrentes da ratificação dos compromissos elencados) por via da previsão de terrorismo consagrada nos arts. 4.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 da Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22, de Agosto). Com efeito, a circunstância de o conceito vinculante para a República Portuguesa reportar-se ao que resulta de um complexo de convénios internacionais ratificados por Portugal cuja apreciação não foi solicitada nesta sede, implica que esse horizonte problemático não seja aqui abordado.

Temos, assim, como ponto de partida o tipo de terrorismo consagrado no art. 4.º, n.º 1, da Lei de Combate ao Terrorismo:

«Quem praticar os factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.º 2 do artigo 41.º do Código Penal.»

Os elementos subjectivo e objectivo do crime de terrorismo constam, por força do citado reenvio, da previsão do n.º 1 do art. 2.º do mesmo diploma, que prevê como terrorismo actos que:

«Visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
«a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
«b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
«c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;
«d) Actos que destruam ou que impossibilitem o funcionamento ou desviem dos seus fins normais, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população;
«e) Investigação e desenvolvimento de armas biológicas ou químicas;
«f) Crimes que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, biológicas ou químicas, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas, sempre que, pela sua natureza ou pelo contexto em que são cometidos, estes crimes sejam susceptíveis de afectar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.»

Por seu turno, o tipo de «terrorismo internacional» tem como base o mesmo elemento objectivo do «terrorismo» apenas se alterando o subjectivo:

«Prejudicar a integridade ou a independência de um Estado, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respectivas autoridades a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas ou populações.»[21]

Retornando ao dever de incriminação da República Portuguesa implicado pela ratificação da Convenção ETS n.º 196, a Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio procedeu à incorporação de três novos tipos no art. 4.º, com a epígrafe terrorismo, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (Lei de Combate ao Terrorismo):

«3 - Quem, por qualquer meio, difundir mensagem ao público incitando à prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
«4 - Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
«5 - Quem, por qualquer meio, treinar ou instruir outrem sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicos para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.»

Crimes que também passam a integrar o tipo de terrorismo internacional por força da alteração do n.º 2 do art. 5.º da Lei de Combate ao Terrorismo[22].

Os novos tipos aprovados parecem integrar uma concretização legislativa conforme os parâmetros traçados na Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo para os elementos típicos dos crimes de incitamento público à prática de uma infracção terrorista, recrutamento para o terrorismo e treino para o terrorismo.
A Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio não visava implicar o ordenamento jurídico nas orientações estabelecidas na Convenção, mas apenas dar cumprimento à Decisão-Quadro n.º 2008/919/JAI do Conselho, de 28 de Novembro de 2008 que, de qualquer modo, teve a Convenção em atenção e visou assegurar de forma mais célere um compromisso ao nível dos Estados da União Europeia com os seus parâmetros fundamentais. Pelo que, importa avaliar se por via da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio foi totalmente aprofundado o programa preconizado na Convenção e se se aprovaram todas as alterações necessárias à adequação do sistema normativo português aos imperativos da Convenção.
Os elementos subjectivo e objectivo dos tipos previstos nos n.ºs 3 a 5 do art. 4.º (quanto aos crimes de terrorismo), conjugados com o n.º 2 do art. 5.º (relativo aos crimes de terrorismo internacional), da Lei de Combate ao Terrorismo satisfazem os deveres advenientes da eventual vinculação de Portugal incriminar no ordenamento interno condutas descritas na Convenção como incitamento público à prática de uma infracção terrorista, recrutamento para o terrorismo e treino para o terrorismo.

Numa estrita comparação analítica as alterações consagradas pela Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio não se reportaram em termos especificados a algumas das formas dos crimes contempladas explicitamente na Convenção. Isso não significa, contudo, que por via da interpretação sistemático-teleológica dos novos tipos penais as mesmas não estejam tuteladas no ordenamento jurídico português.

O art. 9.º da Convenção com a epígrafe Infracções acessórias prescreve:

«1. Cada uma das Partes adoptará as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infracção penal no seu direito interno:
«a) A participação, como cúmplice, numa infracção nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção;
«b) A preparação da prática de uma infracção nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção, ou o acto de dirigir outras pessoas para a praticarem;
«c) A contribuição para a prática de uma ou várias das infracções referidas nos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção por um grupo de pessoas agindo de comum acordo. Tal contributo deverá ser intencional e:
«i) Visar a facilitação quer da actividade criminosa do grupo ou do seu objectivo, sempre que tal actividade ou objectivo pressuponha a prática de uma infracção nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção; ou
«ii) Ser prestado sabendo que o grupo tem a intenção de cometer uma infracção penal nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção.
«2. Cada uma das Partes adoptará, igualmente, as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infracção penal, e em conformidade com o seu direito interno, a tentativa de cometer uma infracção nos termos dos artigos 6.º e 7.º da presente Convenção.»

A Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio não consagrou regras especiais neste domínio, mas, a punibilidade da instigação, cumplicidade e da tentativa da prática dos três novos crimes decorre da articulação das disposições conjugadas da nova redacção dos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 4.º e do n.º 2 do art. 5.º da Lei de Combate ao Terrorismo, com o disposto nos arts. 22.º, 23.º, n.º 2, 26.º, 27.º e 73.º, do Código Penal.
Por seu turno, a exigida tutela do desvalor de acção (art. 8.º, da Convenção) é satisfatoriamente lograda pela amplitude do conceito de tentativa da lei penal portuguesa (art. 22.º, do Código Penal).

§ II.4.2
No artigo 10.º da Convenção, com a epígrafe Responsabilidade das pessoas colectivas, prescreve-se:

«1. Cada uma das Partes adoptará as medidas que se revelem necessárias, em conformidade com os seus princípios jurídicos, para estabelecer a responsabilidade das pessoas colectivas que participem na prática das infracções referidas nos artigos 5.º a 7.º e 9.º da presente Convenção.
«2. Sob reserva dos princípios jurídicos da Parte, a responsabilidade das pessoas colectivas poderá ser de natureza penal, civil ou administrativa.
«3. Tal responsabilidade não prejudicará a responsabilidade penal das pessoas singulares que tenham cometido as infracções.»

Nesta matéria ressalta a moderada dimensão prescritiva da directriz convencional, por via da ênfase na ressalva dos princípios jurídicos dos Estados e da possibilidade de a responsabilização ser de índole exclusivamente penal, civil ou administrativa[23].
A nova redacção aprovada pela Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio dos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 4.º da Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto) conjugada com o art. 6.º desse diploma (na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro) e o art. 11.º. do Código Penal (alterado pelo referida Lei n.º 59/2007) satisfaz exigências de responsabilização das pessoas colectivas pelos novos tipos penais. Responsabilidade criminal já assegurada na versão originária do diploma, relativamente às «infracções relacionadas com o terrorismo» (para utilizar a expressão do art. 3.º Decisão-Quadro n.º 2002/475/JAI) que estavam previstas no n.º 2 do art. 4.º.

Em síntese, a integração do incitamento público à prática de uma infracção terrorista, recrutamento para o terrorismo e treino para o terrorismo, como «infracções relacionadas com o terrorismo» (expressão do art. 3.º Decisão-Quadro n.º 2002/475/JAI preservada na nova redacção conferida ao preceito pela Decisão-Quadro n.º 2008/919/JAI), em linha com o enquadramento consagrado para as condutas previstas na versão originária do n.º 2 do art. 4.º da Lei de Combate ao Terrorismo, assegura a responsabilização criminal das pessoas colectivas e entidades equiparadas por esses ilícitos quando cometidos:

«a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
«b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.»

Em linha com a posição expressa por Jorge de Figueiredo Dias / Pedro Caeiro na análise da versão originária da Lei de Combate ao Terrorismo, pode acrescentar-se que, «em nome dos princípios»[24], das alternativas apresentadas pela Convenção a tutela penal afigura-se a mais adequada numa leitura sistemático-teleológica do ordenamento português.

§ II.4.3
A Convenção no artigo 13.º prevê um dever dos Estados adoptarem medidas necessárias à protecção, reparação e auxílio às vítimas do terrorismo:

«Cada uma das Partes adoptará as medidas que se revelem necessárias para proteger e apoiar as vítimas do terrorismo praticado no seu próprio território. Tais medidas incluirão, nomeadamente, de acordo com os sistemas nacionais adequados e sob reserva da legislação interna, o auxílio financeiro e a reparação das vítimas do terrorismo e dos membros do seu agregado familiar.»

No quadro da ampla margem política de concretização deste parâmetro convencional merece ponderação, sobretudo no segmento relativo ao «auxílio financeiro» e à «reparação das vítimas do terrorismo e dos membros do seu agregado familiar», o disposto na Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro que aprovou o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica.
Quanto à protecção de testemunhas encontra-se prevista na Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, objecto de alterações aprovadas pelas Leis n.º 29/2008, de 4 de Julho e n.º 42/2010, de 3 de Setembro, não se afigurando pertinente numa informação-parecer de índole essencialmente técnico-jurídica desenvolver considerações político-criminais sobre os mecanismos mais adequados e eficazes para o aprofundamento das finalidades prescritas na Convenção[25].
Importa ainda ter presente que esta previsão se apresenta na linha de Direito Internacional convencional já ratificado por Portugal, em particular o art. 8.º, n.º 4, da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, adoptada em Nova Iorque a 9 de Dezembro de 1999.
Neste domínio e em sede de exposição de motivos do texto convencional em análise, sublinhou-se que, além da assistência financeira e compensação das vítimas e respectivas famílias, a protecção proporcionada às vítimas também deve compreender outros aspectos, como, «a assistência urgente e de longo prazo, a ajuda psicológica, o acesso efectivo ao direito e à justiça (nomeadamente o acesso ao processo penal), o acesso à informação e à protecção da vida privada e familiar, da sua dignidade e segurança, em particular quando colaborem com a justiça»[26].

§ II.4.4
O art. 14.º da Convenção com a epígrafe competência prescreve:

«1 - Cada uma das Partes adoptará as medidas que se revelem necessárias para estabelecer a sua competência relativamente a qualquer infracção penal prevista em conformidade com a presente Convenção sempre que:
«a) A infracção for cometida no seu território;
«b) A infracção for cometida a bordo de um navio arvorando o pavilhão dessa Parte ou a bordo de uma aeronave matriculada nessa Parte;
«c) A infracção for cometida por um dos seus nacionais.
«2 - Cada uma das Partes poderá, igualmente, estabelecer a sua competência relativamente a qualquer infracção penal definida em conformidade com a presente Convenção, sempre que:
«a) A infracção tiver tido por objectivo ou tiver resultado na prática de uma infracção prevista no artigo 1.º da presente Convenção, no seu território ou contra um dos seus nacionais;
«b) A infracção tiver tido por objectivo ou tiver resultado na prática de uma infracção prevista no artigo 1.º da presente Convenção, contra um edifício público dessa Parte localizada fora do seu território, incluindo instalações diplomáticas ou consulares;
«c) A infracção tiver tido por objectivo ou tiver resultado na prática de uma infracção prevista no artigo 1.º da presente Convenção, tendo em vista obrigar essa Parte a praticar ou a abster-se de praticar um determinado acto;
«d) A infracção tiver sido cometida por um apátrida com residência habitual no seu território;
«e) A infracção tiver sido cometida a bordo de uma aeronave a operar ao serviço do Governo dessa Parte.
«3 - Cada uma das Partes adoptará as medidas que se revelem necessárias para estabelecer a sua competência relativamente a qualquer infracção penal prevista na presente Convenção nos casos em que o presumível autor da infracção se encontre no seu território e não seja passível de extradição para uma Parte cuja competência para exercer a acção penal se baseie numa regra de competência igualmente estabelecida na legislação da Parte requerida.
«4 - A presente Convenção não exclui o exercício de qualquer competência penal estabelecida em conformidade com as leis nacionais.
«5 - Se várias Partes invocarem competência relativamente a uma presumível infracção prevista na presente Convenção, as Partes interessadas acordarão entre si, se tal se mostrar adequado, sobre qual delas está em melhores condições para exercer a acção penal.»

O direito nacional relativamente ao disposto nos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do art. 14.º da Convenção, manifestamente, não carece de qualquer alteração, por força do já consagrado nas disposições conjugadas dos arts. 4.º a 7.º do Código Penal e art. 8.º da Lei de Combate ao Terrorismo.
No confronto do art. 14.º da Convenção com o direito nacional justifica atenção particular o n.º 3, enquanto critério adicional de jurisdição, que, por contraponto com outros convénios do Conselho da Europa, abandonou, a mera imposição «do estabelecimento da administração supletiva da justiça penal»[27]. Neste foi dado um passo de ampliação da competência jurisidicional ao abrigo do princípio aut dedere aut judicare, no quadro de amplas propostas de redefinição da competência jurisdicional na repressão do terrorismo[28].

Em termos de direito interno, a aplicação da lei no espaço nestas matérias compreende uma previsão especial no art. 8.º, da Lei de Combate ao Terrorismo:

«1 - Para efeitos da presente lei, e salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável aos factos cometidos fora do território nacional:
«a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 2.º e 4.º;
«b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 3.º e 5.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em execução de mandado de detenção europeu.
«2 - Aos crimes previstos na alínea a) do número anterior não é aplicável o n.º 2 do artigo 6.º do Código Penal.»

Neste segmento das obrigações da República Portuguesa sobreleva a regra de jurisdição quanto ao «terrorismo internacional» prevista na al. b) do n.º 1, que abrange as respectivas variantes de «incitamento público à prática de uma infracção terrorista», «recrutamento para o terrorismo», «treino para o terrorismo».
A al. b) do n.º 1 do art. 8.º, da Lei de Combate ao Terrorismo, embora não decorresse de anteriores imposições derivadas do primado do Direito Internacional, comporta a interpretação de que consagra uma regra de universalidade condicionada, para empregar a terminologia de Pedro Caeiro, pois estende-se «o poder punitivo do Estado a factos extraterritoriais, independentemente da nacionalidade do agente ou da vítima e da concreta titularidade ou localização dos bens jurídicos», não exigindo nenhuma conexão do território nacional com a prática do facto, faz depender a jurisdição portuguesa da verificação de «certos pressupostos para o exercício da jurisdição judicativa»[29].
Pode assim considerar-se que o n.º 3 do art. 14.º da Convenção ETS n.º 196 aprofunda o terrorismo internacional como crime internacional em linha com o que já tinha sido desenvolvido pelo legislador nacional em 2003, reforçando a congruência entre os direitos internacional e português nesse domínio.
Refira-se que no que concerne ao terrorismo que afecta interesses fundamentais da República Portuguesa, incluindo os novos tipos de «incitamento público à prática de uma infracção terrorista», «recrutamento para o terrorismo» e «treino para o terrorismo», a lei portuguesa optou, por força da importância desse interesse nacional, pela regra de extraterritorialidade incondicionada (art. 8.º, n.º 1, al. a), conjugado com os arts. 2.º e 4.º, da Lei de Combate ao Terrorismo).

§ II.4.5
O art. 15.º da Convenção com a epígrafe Dever de investigação prescreve:

«1. Se for informada de que o autor ou o presumível autor de uma infracção prevista na presente Convenção poderá encontrar-se no seu território, a Parte tomará as medidas que se revelem necessárias para, em conformidade com a sua legislação interna, proceder à investigação dos factos de que tomou conhecimento.
«2. Se considerar que as circunstâncias o justificam, a Parte em cujo território se encontrar o autor ou o presumível autor da infracção tomará as medidas adequadas, nos termos da sua legislação interna, para garantir a presença dessa pessoa para fins de procedimento criminal ou extradição.
«3. Qualquer pessoa relativamente à qual sejam tomadas as medidas previstas no n.º 2 terá o direito de:
«a) Comunicar, de imediato, com o mais próximo representante autorizado do Estado de que seja nacional ou que, de outro modo, esteja habilitado a proteger os seus direitos ou, tratando-se de um apátrida, do Estado em cujo território resida habitualmente;
«b) Receber a visita de um representante desse Estado;
«c) Ser informada dos direitos que lhe assistem, nos termos das alíneas a) e b).
«4. Os direitos referidos no n.º 3 serão exercidos em conformidade com as leis e os regulamentos da Parte em cujo território se encontra o autor ou o presumível autor da infracção, entendendo-se, contudo, que tais leis e regulamentos deverão permitir a plena realização dos fins para os quais esses direitos são conferidos pelo n.º 3.
«5. O disposto nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo não prejudica o direito de qualquer uma das Partes que tenha exercido a sua competência nos termos da alínea c) do n.º 1 e a alínea d) do n.º 2 do artigo 14.º de convidar o Comité Internacional da Cruz Vermelha a comunicar com o presumível autor da infracção e a visitá-lo.»

O art. 15.º, n.º 1 da Convenção ETS n.º 196 apresenta-se na linha de outras disposições do Direito Internacional convencional incorporadas no direito interno, em particular o n.º 1 do art. 7.º da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba (ratificada em 2001)[30] e o n.º 1 do art. 9.º da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo (ratificada em 2002)[31].
Este preceito no que concerne ao dever de investigação dos crimes da competência jurisdicional portuguesa não suscita quaisquer dúvidas. Com efeito, o princípio da oficialidade em processo penal e a natureza pública dos crimes visados determina o referido dever de investigação, atendendo, nomeadamente aos arts. 6.º, 48.º, 241.º e 262.º, do Código de Processo Penal.
Mais problemática poderia afigurar-se uma outra dimensão susceptível de decorrer deste preceito, a oficiosidade investigatória quanto a crimes para cuja repressão as autoridades portuguesas não têm competência jurisdicional[32].
No caso dos crimes previstos na Convenção ETS n.º 196 é importante ainda atender às regras da jurisdição universal analisadas acima. Sendo que no caso da regra da universalidade condicionada (al. b) do art. 8.º, n.º 1, da Lei de Combate ao Terrorismo), o primeiro dos «pressupostos para o exercício da jurisdição judicativa», o agente encontrar-se em território português, coincide com o do dever implementado no n.º 1 do art. 15.º, da Convenção.

Nesta matéria, a principal questão que se pode suscitar, na nossa leitura, é a de saber se havendo notícia de que o eventual autor de incitamento público, recrutamento ou treino para terrorismo internacional praticado no estrangeiro pode encontrar-se no território português existe um dever de indagação sob impulso e direcção da autoridade judiciária?

No direito português, a perspectiva funcional enforma o inquérito como específica fase processual por via da correlação de três factores: notícia do crime, investigação do crime e decisão sobre o exercício da acção penal.
O processo penal (e a fase de inquérito) nasce com a notícia do crime (e não com o cometimento do crime que é o momento de realização do direito penal), e os pressupostos da notícia do crime estão ligados às categorias axiológicas do direito penal. Conceito de notícia do crime revelador da autonomia teleológica do processo penal (ou mais propriamente da diversidade de objectos do processo penal e do direito penal substantivo), embora, em simultâneo, constitua uma figura que carece de independência conceptual pois é indissolúvel da categoria crime do direito penal, apresentando-se na dinâmica do processo, para utilizar a síntese de Franco Cordero, como o embrião da questão penal.
Pelo que, a notícia do crime funcionalmente relevante para a abertura da fase de inquérito do processo penal apresenta-se, antes do mais, como uma problemática que envolve um factor presente em diferentes dimensões do procedimento de investigação criminal: os limites à intervenção estadual, no caso consubstanciados na notícia do crime enquanto pressuposto do desenvolvimento de um universo linguístico específico, a fase de inquérito do processo penal[33].
Conceito de notícia do crime que tem de ser objecto de uma delimitação negativa relativa à exigência de se reportar a um facto específico que constitua a mola idónea para o desenvolvimento de um procedimento investigatório relativo a um evento histórico[34].
Em termos procedimentais, a notícia do crime integra a informação de um facto destinada ao Ministério Público ainda que tramitada através de uma outra entidade que tem a obrigação de a transmitir.

Numa análise diacrónica podem identificar-se duas fases ao nível das operações valorativas a empreender pelo Ministério Público sobre o expediente que lhe é apresentado e se afigura susceptível de configurar uma notícia do crime:
1.º Compete em especial ao Ministério Público receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes[35] (entre as alternativas de encaminhamento do expediente compreendem-se a ausência de qualquer impulso processual penal, a abertura de inquérito ou o envio para uma fase especial com dispensa de inquérito[36]).
2.º Aberto inquérito impõe-se um outro juízo valorativo ao titular da acção penal, da responsabilidade do magistrado a quem é distribuída a direcção dessa fase processual, no sentido de determinar o curso do inquérito como actividade[37].

Cânones que se relacionam de forma directa com as funções do Ministério Público directamente estabelecidas na lei processual, e revelam as balizas procedimentais da análise do problema do eventual dever de acção em face da notícia de que o eventual autor de incitamento público, recrutamento ou treino para terrorismo internacional praticado no estrangeiro se encontra no território português. Questão correlacionada com os limites da acção estadual que exige a análise integrada das responsabilidades decisórias do Ministério Público relativas à abertura e à direcção do inquérito.

Em face destes parâmetros, entende-se que recebendo a notícia de que o eventual autor de incitamento público, recrutamento ou treino para terrorismo internacional praticado no estrangeiro se encontra no território português, o Ministério Público deve abrir inquérito que, nos termos do art. 262.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tem de compreender ainda a indagação do outro pressuposto condicionante da regra universal da jurisdição portuguesa, que o agente não pode ser extraditado ou entregue em execução de mandado de detenção europeu.

O princípio da aplicação universal da lei portuguesa aos crimes previstos na Convenção, por seu turno, minora o impacto das disposições conjugadas do n.º 2 a 5 do art. 15.º da Convenção, na medida em que opera o princípio da legalidade quanto ao procedimento criminal sem carência de um procedimento oficioso funcionalmente vinculado à extradição. Sem embargo, afigura-se que a aprovação da Convenção devia ser acompanhada de uma ponderação da previsão de um procedimento oficioso pelas autoridades judiciárias nacionais para garantir a presença do eventual agente de incitamento público, recrutamento ou treino para terrorismo internacional praticado no estrangeiro encontrado no território português para fins de extradição (nos casos em que a mesma se afigure admissível), já que os procedimentos de extradição no direito interno têm pressuposto um pedido externo[38].

§ II.4.6
Em matéria de cooperação judiciária internacional impõe-se a análise sucinta dos arts. 17.º a 22.º da Convenção[39].
Os princípios neste domínio aparecem estabelecidos no art. 17.º dirigido ao «mais amplo auxílio possível com vista às investigações, aos procedimentos criminais ou aos processos de extradição instaurados referentes às infracções previstas nos artigos 5.º a 7.º e 9.º da presente Convenção».
O n.º 2 do art. 17.º da Convenção revela de forma clara a plasticidade da orientação estabelecida:

«As Partes cumprirão as obrigações que lhes incumbem nos termos do n.º 1, em conformidade com qualquer tratado ou acordo de auxílio judiciário mútuo em vigor entre elas. Na falta de um tal tratado ou acordo, as Partes conceder-se-ão o referido auxílio em conformidade com a respectiva legislação interna.»

A obrigação de auxílio judiciário mútuo relativo às infracções previstas na Convenção não carece de quaisquer novas regras em matéria de cooperação judiciária, atento, nomeadamente, o disposto nos arts. 1.º, 6.º, 145.º e 146.º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

Relativamente às regras sobre pessoas colectivas (art. 17.º, n.º 3 e n.º 4, da Convenção), atendendo ao que já foi referido sobre a responsabilização criminal desses entes jurídicos na Lei de Combate ao Terrorismo revista pela Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio não existe qualquer necessidade de adaptação específica do direito português.

A nova redacção dos nºs 3 a 5 do art. 4.º, e do n.º 2 do art. 5.º da Lei de Combate ao Terrorismo também se repercute na plena conformação do ordenamento português com as obrigações decorrentes da aprovação e consequente vinculação às regras da Convenção ETS n.º 196 quanto a extradição (arts. 18.º e 19.º da Convenção), em face do disposto no n.º 2 do art. 31.º, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal[40]. Os preceitos da Convenção ETS n.º 196 sobre extradição inspiram-se, aliás, em normas equivalentes da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, adoptada em Nova Iorque a 15 de Dezembro de 1997, ratificada em 2001 (arts. 8.º e 9.º) e da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, adoptada em Nova Iorque a 9 de Dezembro de 1999, ratificada em 2002 (arts. 10.º e 11.º).
Por seu turno, as cláusulas de excepção política e de discriminação (arts. 20.º e 21.º) correspondem a normas equivalentes da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo de 1999 (arts. 14.º e 15.º) e também não suscitam problemas de desconformidade do direito interno com o primado do Direito Internacional convencional (atente-se ainda nos arts. 6.º e 7.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal).
Por último, importa uma chamada de atenção para o art. 22.º com a epígrafe informações espontâneas:

«1. Sem prejuízo das suas próprias investigações ou procedimentos, as autoridades competentes de uma Parte poderão, sem pedido prévio, transmitir às autoridades competentes de uma outra Parte informações obtidas no âmbito das suas próprias investigações se considerarem que a comunicação de tais informações poderá auxiliar a Parte que as receber a instaurar ou a concluir investigações ou procedimentos ou que tais informações poderão dar origem à formulação de um pedido por essa Parte nos termos da presente Convenção.
«2. A Parte que fornecer as informações poderá, em conformidade com o seu direito interno, estabelecer condições para a sua utilização pela Parte que as receber.
«3. A Parte que receber as informações deverá cumprir tais condições.
«4. Contudo, qualquer Parte poderá, a todo o momento, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral, declarar que se reserva o direito de não cumprir as condições impostas nos termos do n.º 2 do presente artigo pela Parte que forneceu as informações, excepto se for previamente advertida da natureza das informações a fornecer e aceitar que estas lhe sejam transmitidas.»

Esta norma prevê a transmissão espontânea de informações, em linha com outros instrumentos de Direito Internacional convencional que vinculam Portugal, nomeadamente, o art. 11.º do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aberto à assinatura em Estrasburgo em 8 de Novembro de 2001 (ratificado por Portugal em 2006)[41], o art. 10.º da Convenção relativa ao Branqueamento, Detenção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime (ratificada em 1997)[42] e os arts. 6.º e 7.º da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados membros da União Europeia (ratificada em 2001)[43].
A disposição do art. 22.º da Convenção não tem equivalente na legislação interna, nomeadamente na Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, contudo importa notar que ela estabelece uma possibilidade e não uma obrigação para as Partes («as autoridades competentes de uma Parte poderão, sem pedido prévio, transmitir às autoridades competentes de uma outra Parte informações obtidas no âmbito das suas próprias investigações se considerarem que a comunicação de tais informações poderá auxiliar»).
Neste domínio não existe um imperativo normativo de adaptação do direito nacional, apenas se justificando superveniente reflexão político-criminal sobre a eventual admissibilidade e regulação na lei interna da transmissão de informações espontâneas.

III. Conclusões

Em face do exposto, conclui-se que:

1. A Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196, de 3 de Maio de 2005, assinada por Portugal em 16 de Maio de 2005 não colide com qualquer norma constitucional portuguesa.
2. As alterações da Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto) aprovadas pela Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio são suficientes para o ajustamento do ordenamento jurídico nacional em matéria de direito penal substantivo com a vinculação internacional decorrente da aprovação e ratificação da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196.
3. A aprovação da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196 não impõe alterações da actual legislação nacional.
4. A vinculação da República Portuguesa à Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196 constitui um factor relevante para a eventual ponderação pelo legislador nacional do aprofundamento, em consonância com as pautas programáticas da Convenção, de mecanismos jurídico-administrativos relativos ao auxílio financeiro e reparação das vítimas do terrorismo e dos membros do seu agregado familiar (§ II.4.3 do parecer), da consagração de um procedimento oficioso para garantir a presença para fins de extradição do eventual agente de incitamento público, recrutamento ou treino para terrorismo internacional praticado no estrangeiro encontrado no território português, nos casos em que a extradição se afigure admissível (§ II.4.5 do parecer), e a possibilidade de transmitir informações espontâneas às autoridades competentes de uma outra Parte (§ II.4.6 do parecer).
Lisboa, 1 de Junho de 2011
O Procurador-Geral-Adjunto,


______________________________________________
(Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita)




[1] Tendo o processo sido distribuído em 14-1-2008 ao original relator.
[2] Cf. J. da Silva Cunha, Direito Internacional Público – Introdução e fontes, Almedina, Coimbra (5ª ed.), 1991, pp. 188-191.
[3] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2005, p. 88.
[4] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 92; Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2008, p. 411; Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, Principia, Parede, 2009, p. 139.
[5] Estando aliás sujeita à fiscalização de constitucionalidade, ainda que com variantes, cf. arts. 277.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, 279.º, n.º 4 e 280.º, n.º 3, da Constituição.
[6] Ressaltando no sentido dessa conclusão, as implicações decorrentes dos princípios da soberania (artigos 1.º e 9.º, al. a), da Constituição) e do Estado de Direito (arts. 2.º e 9.º, al. b), da Constituição). V.g. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra (4.ª ed.), 2007, p. 255; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 93; Jorge Miranda, op. cit., p. 155; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 450; Wladimir Brito, Direito Internacional Público, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 129. Como se referiu no texto existem variantes doutrinárias, na identificação de normas de Direito Internacional convencional que prevalecem sobre a Constituição, podendo referir-se a título meramente ilustrativo algumas que não colocam em causa a conclusão do parecer quanto à Convenção ETS n.º 196. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros preconizam que o primado do Direito Internacional sobre a Constituição também abrange «o Direito Internacional convencional particular que versa sobre Direitos do Homem, e neste caso em consequência do art. 16.º, n.º 1 [...]. A idêntica conclusão se chega no que respeita à Declaração Universal dos Direitos do Homem, por imposição do art. 16.º, n.º 2, se não se entender, como entendemos, que ela cabe no art. 8.º, n.º 1» (op. cit., p. 121), esses autores, contudo já consideram que «o demais Direito Internacional convencional» «cede perante a Constituição mas tem valor supralegal» (op. cit., p. 121). Paulo Otero considera que existe um primado dos tratados comunitários sobre a Constituição (Legalidade e Administração Pública : o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 605 e ss.). Eduardo Correia Baptista preconiza o valor supraconstitucional da Carta das Nações Unidas, Convenção de Genebra de 1949, protocolo de 1977 e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, por diferentes motivos, dos tratados constitutivos das Comunidades Europeias e da União Europeia (Direito Internacional Público, v. 1, Lex, Lisboa, respectivamente, pp. 438-439 e 445).
[7] Cf. acórdãos n.º 32/88, 168/88, 494/99 e 522/2000.
[8] V.g. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 121; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds), op. cit., p. 94; Jorge Miranda, op. cit., p. 171; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 456.
[9] Informação-parecer (relator Souto de Moura) que recebeu despacho do Procurador-Geral da República de 2-3-1995 e se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[10] Informação-parecer (relator Lucas Coelho), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[11] Informação-parecer (relator Paulo Sá), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[12] Cf. informação consultada no sítio electrónico da Assembleia da República constante de: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=36111.
[13] Decreto da Assembleia n.º 85/XI, pub. no Diário da Assembleia da República, II-A Série, n.º 118, de 1 de Abril de 2011. No quadro desse processo legislativo, a Assembleia da República colheu opinião de variados organismos, incluindo o Conselho Superior do Ministério Público. Tendo sido junto parecer elaborado pelo Sr. Procurador-Geral Distrital de Évora em 3-11-2010 (que pode ser consultado em http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a544556484c304e505453387851304644524578484c305276593356745a57353062334e4a626d6c6a6157463061585a685132397461584e7a595738764d4751354d44566d5a4445744d7a4d784f43303059324d784c574a694e4467744f446730596d45324d574530595445324c6e426b5a673d3d&fich=0d905fd1-3318-4cc1-bb48-884ba61a4a16.pdf&Inline=true).
[14] DR I Série, n.º 64, Suplemento, de 31 de Março de 2011.
[15] DR I Série, n.º 69, Suplemento, de 7 de Abril de 2011.
[16]http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/ChercheSig.asp?NT=196&CM=8&DF=&CL=ENG
[17] Supra § II.1 deste parecer.
[18] Arts. 5.º a 11.º. Quando no texto se transcrevem trechos em português da Convenção temos por base a tradução que acompanhou a proposta de resolução n.º 55/XI (supra § II.2 da presente informação-parecer).
[19] Para adoptar a terminologia empregue por Pedro Caeiro, Fundamento, conteúdo e limites da jurisdição penal do Estado – O caso português, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 380.
[20] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 100/2011 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 48/2011, ambos de 4-05-2011. Este protocolo modificou a Convenção elencada sob o n.º 7.
[21] Por força da conjugação do disposto no n.º 1 do art. 5.º com o n.º 1 do art. 3.º, da Lei de Combate ao Terrorismo.
[22] «É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo anterior.»
[23] No mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, p. 76.
[24] «A Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto)», Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135 (2005), p. 84.
[25] Ressaltando neste domínio a importância das «Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe on human rights and the fight against terrorism» aprovadas em 2 de Março de 2005 pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em particular, a XVII.ª Linha Orientadora: «quando a compensação não se apresenta disponível de outras fontes, em particular através da perda de bens dos autores, organizadores ou patrocinadores dos actos terroristas, o Estado deve contribuir para a compensação das vítimas cujo corpo ou saúde tenham sido atingidos por ataques que tiveram lugar no seu território» (tradução do ora relator a partir do original em inglês, já que não existe versão oficial portuguesa).
[26] § 156 do relatório com a exposição de motivos (tradução do ora relator a partir do original inglês, confrontado com o francês).
[27] Para empregar as palavras de Pedro Caeiro que se pronuncia no mesmo sentido quanto ao referido art. 14.º, n.º 3 (op. cit., p. 253 n. 683).
[28] Cf. Ana Peur Llopis / Damien Vandermeersch, «L’extradition et l’entraide judiciaire» in Ludovic Hennebel / Damien Vandermeersch, Juger le terrorisme dans l’État de droit, Bruylant, Bruxelas, 2009, pp. 467-468.
[29] Op. cit., pp. 239-242. No sentido do texto quanto à norma do art. 8.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 52/2003, cf. Pedro Caeiro, op. cit., pp. 249 e 252. Outro exemplo de regra de jurisdição universal condicionada pode ser encontrado na al. c) do n.º 1 do art. 5.º, do Código Penal estando consagrada na al. a) do mesmo preceito uma regra universal incondicionada.
[30] «Ao receber a informação de que o autor, ou o presumível autor, de um crime previsto no artigo 2.º se encontra no seu território, o Estado Parte em causa tomará as medidas que entender necessárias, nos termos do seu direito interno, para proceder à investigação dos factos constantes da informação».
[31] «A receber a informação de que o autor ou o presumível autor de uma infracção prevista no artigo 2.º, e encontra no seu território, o Estado Contratante em causa tomará as medidas que entender necessárias, nos termos do seu direito interno, para proceder à investigação dos factos constantes da informação.»
[32] Em termos de disposições gerais, decorre dos arts. 4.º a 7.º do Código Penal que o agente do crime praticado no estrangeiro pode ser encontrado em território português sem que lhe seja aplicável a lei portuguesa. No caso do crime de terrorismo internacional, como se destacou acima (§ II.4.4), o art. 8.º, n.º 1, al. b), da Lei de Combate ao Terrorismo consagra uma regra de universalidade condicionada.
[33] Esta temática é analisada com mais desenvolvimento em Paulo Dá Mesquita, Direcção do inquérito penal e garantia judiciária, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 76-83.
[34] Cf. Luigi Carli, Le indagini preliminari nel sistema processuale penale, Milão, Giuffrè, 1999, pp. 159 e ss.. A referência a um facto histórico, que permita, em traços grossos, delimitar ou identificar um hipotético evento histórico que, em abstracto, possa vir a ser objecto de uma actividade heurística com vista à sua cognição, é um pressuposto mínimo para, eventualmente, suscitar uma apreciação de instâncias judiciárias com competência em matéria de repressão criminal. Apenas um hipotético evento histórico, ainda que enunciado através de narrativa essencialmente subjectivista e marcada por valorações, pode ser susceptível de qualificação jurídico-penal (positiva ou negativa) e consequentemente de indagação heurística ou valoração liminar à luz dos cânones de um sistema conformado dogmática, ideológica e politicamente pelos princípios do direito penal do facto. Nesta medida também se colocam em evidência os três elementos que integram a notícia do crime: o objecto, a qualificação jurídica e o destinatário da notícia do crime (Andrea Dalia / Marzia Ferraioli, Manuale di diritto processuale penale, Pádua, CEDAM 1999, p. 413).
[35] Art. 53.º, nº 2, al. a), do CPP.
[36] É o caso do processo sumário (cf. art. 382.º, do CPP), nos casos em que considere que do auto de notícia (art. 243.º, do CPP) resultam provas simples e evidentes do crime e seus agentes o Ministério Público pode deduzir acusação sem precedência de inquérito sob a forma de processo abreviado logo no primeiro despacho (arts. 391.º-A e 391.º-B, do CPP). Nas outras formas especiais de processo, abreviado precedido de inquérito e sumaríssimo, é aberto inquérito e no encerramento do mesmo o MP decide com a acusação que, por entender que se encontram reunidos os pressupostos e requisitos para o efeito, o processo deve prosseguir sob uma dessas formas - cf. arts. 262.º, nº 2, 391.º-A, nº 1 e 392.º, nº 1, do CPP. Já o regime da mediação penal consagrado na Lei n.º 21/2007, de 12-6 consagrou uma alternativa nova que pode ser promovida pelo Ministério Público, depois de concluir pela existência de indícios suficientes do crime (art. 3.º, n.º 1) e que caso culmine num acordo entre arguido e ofendido, esse desenlace «equivale a desistência da queixa», embora esta seja susceptível de «renovação» no caso de incumprimento do acordo pelo arguido (cf. art. 5.º, n.º 4).
[37] Arts. 262.º, n.º 1 e 263.º, n.º 1, do CPP. Em termos temporais, os actos podem ser concentrados, na medida em que em função da organização dos concretos serviços do MP nada impede que, em certos casos, o procurador que profere a decisão relativa ao registo, distribuição e autuação como inquérito pratique também um primeiro acto dessa fase, nomeadamente, a atribuição do encargo de diligências de investigação a um determinado órgão de polícia criminal (desde que tenha competência para o efeito, cf. art. 264.º, do CPP e arts. 58.º, n.º 1, al. h) e 64.º, n.º 3, do EMP).
[38] Art. 1.º, n.º 1, al. a), 6.º, n.º 2, al. b) e n.º 5, 23.º, n.º 1, al. d), 31.º a 68.º, da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal
[39] O art. 4.º incide ao nível da cooperação preventiva e compreende essencialmente uma pauta programática.
[40] «Só é admissível a entrega da pessoa reclamada no caso de crime, ainda que tentado, punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente com pena ou medida privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um ano.»
[41] Aí prescreve-se: « 1 - Sem prejuízo das suas próprias investigações ou procedimentos, as autoridades competentes de uma Parte podem, sem que lhes tenha sido solicitado, transmitir às autoridades competentes de outra Parte informação obtida no âmbito da sua própria investigação, se considerarem que a comunicação destas informações pode ajudar a Parte destinatária a desencadear ou a prosseguir investigações ou procedimentos, ou a formular um pedido desta Parte, nos termos da Convenção ou dos seus Protocolos. 2 - A Parte que presta as informações pode, de acordo com a sua legislação nacional, sujeitar a determinadas condições a utilização dessas informações pela autoridade que as recebe. 3 - A Parte que recebe as informações fica obrigada a observar essas condições. 4 - Todavia, qualquer Estado Contratante pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, declarar que se reserva ao direito de não ficar sujeito às condições impostas, nos termos do disposto no n.º 2 do presente artigo, pela Parte que presta a informação, a menos que essa Parte seja avisada previamente da natureza da informação a ser prestada e aceita que esta lhe seja transmitida.»
[42] Essa norma dispõe: «Sem prejuízo das suas próprias investigações ou procedimentos, uma Parte pode, sem pedido prévio, transmitir a uma outra Parte informações sobre os instrumentos e os produtos sempre que considere que o envio dessas informações poderá auxiliar a Parte destinatária a iniciar ou levar a bom termo investigações ou procedimentos, ou sempre que essas informações possam conduzir a um pedido formulado por essa Parte nos termos do presente capítulo.»
[43] O n.º 1 do art. 6.º dispõe: «Os pedidos de auxílio judiciário mútuo e o intercâmbio espontâneo de informações a que se refere o artigo 7.º serão feitos por escrito, ou por quaisquer meios susceptíveis de dar origem a um registo escrito em condições que permitam ao Estado-Membro receptor determinar a sua autenticidade. Estes pedidos serão feitos directamente entre autoridades judiciárias com competência territorial para os fazer e executar e a respectiva resposta será feita pela mesma via, salvo disposição em contrário do presente artigo. Qualquer denúncia apresentada por um Estado-Membro para efeitos de instauração de um processo penal perante os tribunais de outro Estado-Membro, na acepção do artigo 21.º da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo e do artigo 42.º do Tratado de Benelux, pode ser objecto de comunicação directa entre as autoridades judiciárias competentes.». Por seu turno, o referido art. 7.º prescreve: «1 - Dentro dos limites da sua legislação nacional, as autoridades competentes dos Estados membros podem proceder, sem que lhes tenha sido solicitado, ao intercâmbio de informações relativas a infracções penais, bem como às infracções a disposições regulamentares referidas no n.º 1 do artigo 3.º, cujo tratamento ou sanção seja da competência da autoridade que recebe as informações, no momento em que estas são prestadas. 2 - A autoridade que presta as informações pode, de acordo com a sua legislação nacional, sujeitar a determinadas condições a utilização dessas informações pela autoridade que as recebe. 3 - A autoridade que recebe as informações fica obrigada a observar essas condições.»