Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002282
Parecer: P000602003
Nº do Documento: PPA10072003006000
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
INCOMUNICABILIDADE DO DETIDO
ESTATUTO DO RECLUSO
RECLUSO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
CORRESPONDÊNCIA
VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA
MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
ENTREVISTA
AUTORIZAÇÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO
JUIZ
INQUÉRITO
INSTRUÇÃO
JULGAMENTO
DIRECTOR-GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
DIREITO PENITENCIÁRIO
ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
SEGREDO DE JUSTIÇA
SOCIALIZAÇÃO
DIREITOS DO DETIDO
DIREITOS DO HOMEM
MEDIDA RESTRITIVA DA LIBERDADE
MEDIDA DE COACÇÃO
MEDIDA DE SEGURANÇA
DIREITOS FUNDAMENTAIS
CONFLITO DE DIREITOS
DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
RELAÇÕES ESPECIAIS DE PODER
ANALOGIA
Livro: 00
Numero Oficio: 2166
Data Oficio: 05/09/2003
Pedido: 05/12/2003
Data de Distribuição: 05/15/2003
Relator: FERNANDA MAÇÃS
Sessões: 01
Data da Votação: 07/10/2003
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MIN DA JUSTIÇA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 09/22/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 16-10-2003
Nº do Jornal Oficial: 240
Nº da Página do Jornal Oficial: 15598
Indicação 2: ASSESSOR:MARTA PATRÍCIO
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR PROC PENAL / DIR INT PUBL / DIR HOMEM / DIR PENIT
Ref. Pareceres:p001071985Parecer: p001071985
p000231986Parecer: p000231986
p000621995Parecer: p000621995
p001371996Parecer: p001371996
p000351999Parecer: p000351999
Legislação:CONST76 - ART18 N2 N3 ART20 N1 N3 ART27 N2 N3 B) ART26 ART28 N2 ART30 N5 ART37 N1 N2 N3; DL 265/79 DE 1979 - ART2 N1 N2 ART3 N1 N3 ART4 ART31 ART39 ART40 N2 ART42 ART43 A) B) C) D) ART46 ART47 ART48 ART83 ART88 ART209 N1 N2 ART 210 N1 N2 A) B) C) D) ART212 ART213 ART214 ART215 N1 N2; CPADM91 - ART125; CCIV66 - ART10 N1; CPP - ART86 N4 A) B) ART97 N4 ART191 ART193 N3 ART202 A) B) ART204 A) B) C) ART209 N2 ART228; DL 268/81 DE 1981/09/16 - ART5 ART43 N1 N2 ART44 N1 N2 ART46 ART47; CP82 - ART43 N1
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM - CASO SCHONENBERGER Y DURMAZ, GOLDER, SILVER, IÑAKI LASAGABASTER HERRARTE
Documentos Internacionais:PIDCP - ART10 N1 N2
CEDH - ART3 ART5 ART6 ART8 ART9 ART10 ART11
REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DE RECLUSOS PROPOSTOS PELO ONU (1955)
RES DO CONSELHO DA EUROPA (73)17
RES DO CONSELHO DA EUROPA (73)24
RES DO CONSELHO DA EUROPA (76)2
RES DO CONSELHO ECONOMICO 663 C (XXXI) DE 1957/07/31
Ref. Complementar:
Texto Integral:
Senhora Ministra da Justiça,
Excelência:


I

Vários órgãos de comunicação social solicitaram autorização ao Director-Geral dos Serviços Prisionais para entrevistar detidos em prisão preventiva no denominado “processo de pedofilia da Casa Pia.”

A Radiotelevisão Portuguesa, SA (RTP), pediu autorização para entrevistar um recluso preventivo, informando que o seu propósito era averiguar da sua situação pessoal, não pretendendo abordar qualquer questão relacionada com o processo[1].

Também a Televisão Independente, SA (TVI), solicitou autorização para entrevistar quatro dos reclusos preventivos à ordem do referido processo. Adiantando-se que “o objectivo da entrevista é abordar a forma como os presos preventivos acima referidos vivem o seu dia a dia na prisão, não abordando desta forma nenhum assunto relacionado com os processos crime que estão em curso”[2] [3].

Anteriormente, a mesma estação televisiva requerera autorização para filmar celas no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária, idênticas às dos presos preventivos do chamado caso da Casa Pia[4] [5].

Antes de responder à solicitação de 6 de Maio de 2003 da TVI, o Director–Geral dos Serviços Prisionais colocou à consideração de Vossa Excelência, Senhora Ministra, pedido de parecer, com carácter de urgência, ao Conselho Consultivo da Procuradoria–Geral da República, com os fundamentos seguintes:

“Tem sido prática dos Serviços Prisionais, desde há longo tempo, a não autorização para os reclusos preventivos concederem entrevistas a órgãos de comunicação social;

“Só através dos princípios enformadores e estruturantes do ordenamento jurídico é possível encontrar a resposta a esta questão, considerando que não existe norma legal que expressamente regule as relações entre os detidos preventivamente e os órgãos de comunicação social. Assim:

“A liberdade de expressão é um direito constitucionalmente consagrado de que todos gozam, inclusive os reclusos preventivos, conforme aliás decorre do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto “O recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais do homem ...”. Aquele direito só pode ser excepcionalmente limitado, como se prevê no artigo 18º, nº 2, do texto constitucional, “para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, o que é o caso previsto no nº 2 do artigo 209º do citado Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, que a seguir se transcreve: “A prisão preventiva é executada por forma a excluir qualquer restrição da liberdade que não seja estritamente indispensável à sua finalidade e à manutenção da disciplina, da segurança e da ordem no estabelecimento.”

“Nos termos da disposição legal acima transcrita a execução da prisão preventiva só pode restringir a liberdade de expressão quando:
a) Essa restrição seja indispensável à finalidade da própria prisão preventiva;
b) Essa restrição seja indispensável à manutenção da disciplina no estabelecimento;
c) Essa restrição seja indispensável à manutenção da segurança no estabelecimento;
d) Essa restrição seja indispensável à manutenção da ordem no estabelecimento.

“A restrição do direito de expressão, por força das motivações referidas nas anteriores alíneas b), c) e d) e que decorrem da própria organização e gestão de um Estabelecimento Prisional pode ser determinada pelos próprios Serviços Prisionais, ou seja pelo seu Director-Geral.

“Com efeito, nos termos do artigo 1º da Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais incumbe a esta “... orientar os serviços de detenção e execução das penas e medidas de segurança, superintender na sua organização e funcionamento...”.

“Para além do que se referiu anteriormente, o nº 2 do artigo 209º do já mencionado Decreto-Lei prevê que, atenta a finalidade da prisão preventiva, possa ser restringida a liberdade do recluso designadamente, a de expressão. Neste caso não pode o Director-Geral, por necessário desconhecimento do respectivo processo, saber, em cada caso, se o exercício do direito de expressão põe em causa as finalidades da prisão preventiva previstas no artigo 204º do Código de Processo Penal, designadamente a referida na sua alínea b), ou seja o “Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova.”

“O processo é uma realidade dinâmica, com aquisição sucessiva de prova, podendo a autoridade judiciária ter necessidade de, a qualquer momento, reavaliar perigos para a investigação que resultem, por exemplo, de uma entrevista que determinado recluso queira conceder. Por outro lado, o risco de ser posto em causa o segredo de justiça, num dado momento, com o exercício do direito de liberdade de expressão, só poderá ser avaliado pela autoridade judiciária competente.

“Nesta situação, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais terá que, necessariamente, ouvir a autoridade judiciária a quem está confiado o processo, antes de uma tomada de decisão sobre o exercício deste direito fundamental, existente na esfera jurídica do cidadão recluso, mas que pode colidir com interesses processualmente protegidos.

“Em síntese, perante cada caso concreto de ponderação sobre a necessidade, ou não, de restrição do exercício do direito de liberdade de expressão por parte de reclusos em prisão preventiva, há que analisar, nos termos legais, antes de decidir, a questão nas duas vertentes já referidas:

“Se o exercício do referido direito poderá pôr em causa a finalidade da prisão preventiva;

“Se o exercício do referido direito poderá pôr em causa a necessária manutenção da disciplina, da segurança e da ordem num Estabelecimento Prisional.

“Neste último caso, e em tese geral, assumindo que as razões de “disciplina” versam a necessidade da manutenção de uma vivência intra muros normalizada, onde seja possível um enquadramento penitenciário individualizado, mas que não crie discrepância gritante entre reclusos e seja levado a cabo em clima de ponderada preservação de um equilíbrio sempre sensível (que quando se quebra é possível factor de perturbação da ordem e, em última análise, da segurança), a prática, de aplicação tradicional nos Serviços Prisionais, relativamente a presos preventivos, de não ser autorizado contacto com os meios de comunicação social, porque potencialmente perturbadora do invocado conceito de disciplina, sustenta-se no dispositivo legal referido.

“Já, quanto aos presos condenados, dados os fins da execução das penas e a responsabilidade da DGSP na sua execução prática, o critério usado, que passa também pela disciplina, segurança e ordem, centra-se, antes do mais, no interesse do contacto do recluso com os meios de comunicação social para a evolução do tratamento penitenciário de que o recluso é sujeito. Nestes casos, a avaliação é feita pelos responsáveis dos Estabelecimentos Prisionais, com decisão do Director-Geral, à luz do processo de preparação para a libertação do recluso e do impacto do resultado de tal contacto no ambiente interno prisional e no ambiente externo ao mesmo.

“Fora da sede do processo judicial do recluso e das decisões, aí tomadas pelas autoridades judiciárias, que condicionam a esfera jurídica do recluso, e eventualmente, tenham também reflexo na acção da Administração, o artigo 209º do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, tem sido interpretado, nestes Serviços, como centrando no Director-Geral dos Serviços Prisionais a tomada de posição sobre a determinação da necessidade de restrição de direitos fundamentais relativos à liberdade do recluso e da quantificação da mesma restrição, sendo considerada indispensável, no tocante às restrições relativas à finalidade da prisão preventiva, a audição da autoridade judiciária competente.

“Em resumo (...) dada a complexidade do assunto e o extraordinário desenvolvimento mediático que tem sofrido recentemente, afigura-se-me, da maior importância, tanto para os serviços como para os reclusos, uma clarificação total sobre o conteúdo do direito à liberdade de expressão, bem como das circunstâncias em que esse direito pode ser restringido e por que entidade, através da obtenção de resposta para as seguintes questões.

Pode o recluso, em situação de prisão preventiva, ver o seu direito de livre expressão ser condicionado?

Em que medida?

Por quem?

Há alguma diferença de regime relativamente ao recluso já condenado ? ”

Dignou-se Vossa Excelência acolher a sugestão, pelo que cumpre emitir parecer, no condicionalismo da urgência que lhe foi conferida[6].
II

A questão central do parecer gira em torno da problemática geral dos direitos fundamentais dos reclusos e, em particular, do direito à liberdade de expressão dos presos preventivamente.


1. O nº 1 do artigo 37º da Constituição garante a “todos o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.

Por sua vez, o nº 2 estabelece que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.

Importa, ainda, ter presente o nº 3, onde se prevê que “as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.

Começando pela epígrafe do preceito, vemos que ela é explícita em afirmar duas liberdades e não uma: liberdade de expressão, especialmente em foco no caso em apreço, e liberdade de informação.

Em ambos os casos se trata de direitos que vêm sendo caracterizados essencialmente como direitos negativos ou de defesa[7] embora comportem, igualmente, uma dimensão positiva de menor significado.

Segundo GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA[8], a liberdade de expressão compreende desde logo “o direito de não ser impedido de exprimir-se”. Ainda com o mesmo autor, nesta dimensão negativa, ou de defesa, “a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento, que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural (art. 42º), na liberdade de consciência e de culto (art. 41º), na liberdade de aprender e ensinar (art. 43º) e, em certa medida, na liberdade de reunião e manifestação (art. 45º)”.

Constituem dimensões do direito de informação, “a liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos”[9].

A liberdade de expressão e informação é configurada como um direito fundamental de todos os cidadãos, sem impedimentos nem discriminações (nº 1 do artigo 37º, 1ª parte), encontrando-se expressamente proibida qualquer forma de censura pelos poderes públicos (nº 1 do artigo 37º, 2ª parte).

Com GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “o conceito constitucional de censura abrange não apenas a censura prévia à expressão ou informação originária mas também a censura posterior (a posteriori), que se traduz no impedimento da sua difusão ou divulgação (proibição de index)”[10].


2. Dada a sua natureza de direito, liberdade e garantia[11], o direito à liberdade de expressão e informação encontra-se sujeito ao regime específico estabelecido na Constituição para esta categoria de direitos[12].

Nesse regime destaca-se, do ponto de vista material ou substancial, o carácter de direito directamente aplicável e o facto de tais direitos não poderem ser restringidos senão nos casos expressamente admitidos pela Constituição (artigo 18º, nº 2). Por outro lado, a intervenção restritiva, mesmo que constitucionalmente autorizada, somente será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido (artigo 18º, nº 2). Finalmente, as leis restritivas, além do carácter geral e abstracto, têm de respeitar, em qualquer caso, o princípio da proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos (artigo 18º, nºs 2 e 3).

Na perspectiva orgânica, é de salientar que as restrições estão sujeitas a reserva de lei, apenas sendo legítimas as intervenções da autoria da Assembleia da República ou do Governo se munido de credencial parlamentar (artigo 18º, nº 2, da CRP)[13].
Do regime exposto, importa sublinhar que os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente previstos na própria Constituição, compreendendo-se nesta asserção as restrições constitucionalmente expressas, as estabelecidas por lei com autorização da Constituição e o caso dos “limites imanentes”[14].

Na verdade, nenhum direito pode ser entendido com um alcance absoluto. Sempre que um direito conflitue com outro direito ou bens constitucionalmente protegidos, esse conflito deve ser resolvido através da recíproca e proporcional limitação de ambos, em ordem a optimizar a solução (princípio da concordância prática) de modo a garantir uma relação de convivência equilibrada e harmónica em toda a medida possível[15].

Por conseguinte, além de precisarem de credencial constitucional, as restrições de direitos fundamentais carecem também de justificação, sendo apenas legítimas as impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Finalmente, a medida restritiva estabelecida por lei tem de respeitar o princípio da proporcionalidade nas suas três dimensões (artigo 18º, nº 2).

O princípio da proporcionalidade[16] – ou da proibição do excesso segundo a terminologia da doutrina alemã – que se desdobra em três corolários ou sub-princípios: o da conformidade ou adequação, o da exigibilidade ou necessidade e o da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito.

O sub-princípio da conformidade ou adequação (idoneidade) impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deva ser apropriada à prossecução do fim público subjacente. Tal imposição exige a investigação e a prova de que o acto do poder público é idóneo para a concretização dos fins justificativos da sua adopção. Trata-se, por conseguinte, de controlar a relação de adequação medida-fim[17].

O sub-princípio da exigibilidade ou necessidade[18], partindo da ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível, impõe, na escolha entre os meios abstractamente idóneos à consecução do objectivo prefixado, aquele cuja adopção implique as consequências menos negativas para os privados. Além de idóneo exige-se que o meio escolhido seja necessário. Para esse efeito impõe-se provar sempre que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão.

Por último, o sub-princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito postula um juízo de ponderação com vista a impedir a adopção de medidas excessivas ou desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos, devendo pesar-–se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim[19].


3. A questão que se coloca, no caso em apreço, é a de saber se o direito à liberdade de expressão, com o alcance e regime expostos, deve valer de igual modo para todos os cidadãos, mesmo para aqueles que se encontram privados preventivamente da liberdade física.

A resposta tem de ser encarada no contexto da posição ou estatuto jurídico dos reclusos, com especial incidência na execução da prisão preventiva, o que nos leva a encetar breve excurso sobre a natureza e conteúdo do estatuto dos reclusos e, posteriormente, sobre o regime de execução da prisão preventiva.

III

1. Constitui doutrina pacífica que as relações que ligam a administração penitenciária aos cidadãos institucionalmente confiados à sua guarda consubstanciam relações jurídicas, compostas por um feixe de direitos e obrigações recíprocos, tradicionalmente denominadas como relações especiais de poder ou estatutos de sujeição[20].

Este tipo de relações caracteriza-se por uma situação de especial dependência dos administrados em face da Administração, que lhe permite intervir, por razões de interesse público, na sua esfera jurídica em termos mais amplos do que em relação aos cidadãos em geral[21] [22].

GOMES CANOTILHO[23] fala em relações especiais para designar aquelas situações em que determinadas pessoas são “colocadas numa situação especial geradora de mais deveres e obrigações do que aqueles que resultam para o cidadão como tal”, referindo, como exemplo, as situações dos funcionários públicos, dos militares e dos presos.

Desta forma, longe vai a concepção largamente dominada pela doutrina clássica das relações especiais de poder[24], segundo a qual os cidadãos regidos por estatutos especiais, encarados como objectos ou coisas, renunciavam aos direitos fundamentais, vinculando-se voluntariamente a um estatuto de sujeição, ajurídico e que implicava uma capitis deminutio.

A salvaguarda de interesses e bens comunitários, inerentes à instituição de determinado estatuto, justificava a compressão ou supressão de direitos dos cidadãos nele abrangidos, segundo o livre arbítrio da Administração.

No estádio actual de evolução de tal concepção, a expressão designa tão-somente relações da vida disciplinadas por um estatuto específico, que não tem necessariamente de se encontrar desvinculado da lei nem da Constituição, designadamente no que respeita aos direitos fundamentais.

Admitindo que a ordenação de certos sectores de relações especiais entre certos cidadãos e a Administração (como, por exemplo, o caso dos funcionários públicos, dos militares, dos presos, dos alunos de estabelecimentos oficiais de ensino, etc.) possa justificar restrições acrescidas de alguns direitos, as regras gerais da restrição dos direitos, liberdades e garantias[25], tendem a aplicar-se aqui.

Assim, terá sempre de tratar-se “de um estatuto heteronomamente vinculado, devendo encontrar o seu fundamento na Constituição (ou estar pelo menos pressuposto)”[26].

Dito por outras palavras, os estatutos especiais conducentes a restrições de direitos pressupõem “a existência de um valor que justifique uma ordenação especial e apenas vale na medida do que seja necessário para assegurar a realização dos objectivos das instituições respectivas - a defesa nacional, a realização eficiente das tarefas públicas, a segurança e a ordem do estabelecimento prisional, o bom funcionamento da escola”[27].

Por outro lado, a restrição[28] tem de respeitar o princípio da proporcionalidade nas dimensões já referidas da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Finalmente, a restrição não pode afectar o conteúdo essencial[29] dos direitos, devendo deixar intocado “o limite absoluto constituído pela dignidade humana”, não pode ser ilimitada no tempo, nem “estender-se a todas as esferas da vida do sujeito, subordinando ao fim específico da relação de poder aspectos que não lhe respeitam” [30].

As relações especiais de poder são de diferente natureza, variando o regime estatutário em conformidade com as finalidades institucionais a salvaguardar. Assim, o regime dos funcionários é muito diferente do regime estatutário dos militares ou dos presos, exigindo cada uma destas situações “uma limitação do estatuto geral do cidadão em grau muito diferenciado”[31].

Segundo VIEIRA DE ANDRADE, o legislador estaria legitimado a elaborar “estatutos especiais” para determinado tipo de relações ou categoria de pessoas, “em função da especificidade das instituições, dispondo para o efeito de um poder de conformação negativo”[32].

Nesta situação, a conformidade jurídico-constitucional não seria aferida em função das leis restritivas contidas no estatuto, mas atendendo ao conjunto normativo das restrições que enformam o estatuto, em função das finalidades da instituição[33].


2. No caso dos reclusos, o avanço do Estado de direito social, a juridicidade das relações especiais de poder[34] e o acentuar da importância dos direitos fundamentais contribuíram para o lento e complexo processo de consolidação da sua posição jurídica, no sentido de restituir ao “condenado a sua dimensão de ser humano: o indivíduo-recluso torna-se sujeito de direitos que lhe demarcam a fronteira da ‘humanidade’”[35].

Apesar de preso, o recluso não deixa de ser portador de direitos fundamentais inerentes à condição do ser humano e sujeito de relações jurídicas de onde emergem direitos e deveres.

Neste sentido, a nossa Constituição, no artigo 30º, nº 5, determina que “os condenados a quem sejam aplicadas penas ou medidas de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução”[36].

Ao ingressar num estabelecimento prisional, os presos vêem alguns direitos comprimidos, adquirindo um estatuto específico de indivíduos sujeitos a um poder público que não é o que em geral se exerce sobre os cidadãos em liberdade.

Razões ligadas à execução da pena podem acarretar, além da privação da liberdade física, a impossibilidade de deslocação, de emigração, etc.

Poderão igualmente ser justificadas pela própria execução da pena restrições à inviolabilidade de correspondência, à liberdade de expressão, de reunião e associação[37], de manifestação, entre outras[38].

Do mesmo modo, não haverá razão para que não gozem, por exemplo, do direito à integridade física, de liberdade religiosa, do direito de petição e recurso[39], etc.

Hoje, constitui princípio assente que os reclusos mantêm a titularidade não apenas dos denominados direitos negativos, que pressupõem a abstenção ou não intromissão do Estado, como dos direitos positivos[40], que se caracterizam precisamente por exigirem ou pressuporem uma actuação positiva do Estado destinada a criar as condições necessárias para os actuar.

Podemos dizer com FIGUEIREDO DIAS que “a visão do recluso, promovida de certo modo pela cláusula da estadualidade de direito social, é agora a de uma pessoa sujeita a um mero ‘estatuto especial’, jurídico-constitucionalmente credenciado (...) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais; à excepção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respectivo”[41].

A conformação do estatuto dos reclusos é, desta forma, marcada por uma tensão dialéctica entre a necessidade de preservação de valores jurídico-constitucionais, por um lado, e a salvaguarda dos direitos fundamentais do recluso, por outro. O repto lançado ao legislador pela Constituição está no delicado equilíbrio entre ambos: nem os direitos fundamentais podem ser sacrificados em demasia, nem a sua garantia pode inviabilizar os fins institucionais subjacentes ao estatuto[42].


3. A valorização dos direitos dos reclusos foi, de alguma forma, reflexo do movimento geral de defesa dos direitos fundamentais.
A nível internacional, e sobretudo após a 2ª Guerra Mundial, a garantia dos direitos do homem ganhou particular ênfase, destacando-–se a consagração de regras mínimas de tratamento de pessoas encarceradas, quer em cumprimento de pena quer em situação de detenção ou prisão preventiva.

Passo fundamental, nesta matéria, foi o aparecimento das Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, aceites, em 1955, pelo 1º Congresso da Organização das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, cuja aplicação foi recomendada aos governos por Resolução do Conselho Económico-Social daquela Organização [663 C (XXXI)], de 31 de Julho de 1957[43].

Para além de regras comuns a toda a espécie de reclusos, fixaram-se regras especiais para os presos preventivos. Dada a situação particular de reclusos sobre os quais ainda não caiu condenação e por força do princípio da presunção da inocência, são reconhecidos aos presos preventivos os seguintes direitos:
a) Presumem-se inocentes e devem ser tratados como tal [nº 84 (2)];
b) Devem ser mantidos separados dos reclusos condenados [nº 85 (1)];
c) Devem dormir em celas individuais (nº 86);
d) Não devem ser obrigados a trabalhar, mas devem ser-lhes facultadas oportunidades para trabalhar, se o desejarem (nº 89);
e) Devem poder obter, a expensas suas ou de terceiros, livros, jornais, materiais de escrita e outros meios de ocupação compatíveis com os interesses da administração da justiça e a segurança e boa ordem da instituição (nº 90);
f) Devem poder informar imediatamente a família da sua detenção e devem ter facilidades razoáveis de comunicação com a família e os amigos, bem como receber as visitas destes grupos de pessoas (nº 92);
g) Visando a sua defesa, devem poder receber a visita do seu advogado, podendo as entrevistas entre ambos ser efectuadas sob a vigilância de agentes de polícia ou prisionais, os quais, porém, não poderão ouvir o teor de tais entrevistas (nº 93).

Impõe-se, também, realçar o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos[44], quando dispõe que “todos os indivíduos privados da sua liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana” (artigo 10º, nº 1). Por sua vez, no nº 2, alínea a), do mesmo preceito, afirma-se que as “pessoas sob acusação serão, salvo circunstâncias excepcionais, separadas dos condenados e submetidas a um regime distinto, apropriado à sua condição de pessoas não condenadas”.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem[45], embora não tenha disposições normativas concernentes ao regime das pessoas detidas ou presas preventivamente, consagra direitos que se repercutem necessariamente na situação prisional dos reclusos.

Neste sentido, reafirmam-se as normas respeitantes: à protecção contra a tortura e os tratamentos desumanos e degradantes (artigo 3º); à liberdade e segurança (artigo 5º); ao direito de acesso aos tribunais (artigo 6º); à vida privada e familiar e à correspondência (artigo 8º); à liberdade de religião (artigo 9º); à liberdade de expressão e ao direito de receber ou transmitir informações (artigo 10º); à liberdade de reunião e de associação (artigo 11º); etc.
IV

1. Foi tendo em conta, entre outros elementos, os instrumentos de direito internacional, tais como “as regras mínimas para o tratamento de reclusos propostas pela ONU (1955) e pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa (1973), a Resolução (73)17 adoptada pelo mesmo Comité de Ministros em matéria de tratamento de delinquentes adultos (curta duração), a Resolução (73)24 em matéria de tratamento em grupo ou em comunidade, a Resolução (76)2, sobre tratamento de reclusos condenados a penas longas[46],” que o legislador português procedeu a profunda reforma do direito penitenciário através do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto.

No artigo 2º, nºs 1 e 2, enunciam-se as finalidades da execução das medidas privativas da liberdade, que são norteadas pela tónica da ressocialização, uma vez que a execução de tais medidas há-de “orientar-se de forma a integrar o recluso na sociedade, preparando-o para, no futuro, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem que pratique crimes” (nº 1 do artigo 2º).

Por outro lado, a execução “serve também a defesa da sociedade, prevenindo a prática de outros factos criminosos” (nº 2 do artigo 2º).

O artigo 3º, nº 3, reafirma esta segunda finalidade, agora mais sintonizada na teleologia da prisão preventiva[47], precisando que “na modelação da execução das medidas privativas da liberdade não devem ser criadas situações que envolvam sérios perigos para a defesa da sociedade ou da própria comunidade prisional”.

Sobre os direitos do recluso, ressalta o princípio afirmado logo no nº 1 do artigo 3º, segundo o qual “a execução deve ser orientada de modo a respeitar a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela condenação”.

Por sua vez, o artigo 4º define a posição do recluso, afirmando que “mantém a titularidade dos direitos fundamentais do homem, salvo as limitações resultantes do sentido da sentença condenatória, bem como as impostas em nome da ordem e segurança do estabelecimento”.

De seguida, o diploma procede, no Título III (artigos 17º a 28º), à regulamentação, em três capítulos, dos aspectos relativos ao “Alojamento, vestuário e alimentação”[48].

“As visitas e correspondência” são reguladas no Título IV, em dois capítulos (artigos 30º a 48º).

O Título VI (artigos 63º a 79º) contém a normação relativa ao “Trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais” - três capítulos sobre essas duas vertentes, incluindo o regime da remuneração (artigos 71º a 78º).

O Título VII (artigos 80º a 82º) ocupa-se do “Ensino”.

O Título IX (artigos 89º a 94º) prescreve as regras tendentes a assegurar a liberdade de religião e de culto.

O Título X (artigos 95º a 107º) refere-se à “Assistência médico- –sanitária”.
O Título XIV (artigos 138º a 151º ), sob a epígrafe “ Direito de exposição, queixa e de interposição de recurso”, prescreve normas sobre o direito de defesa dos reclusos.

Merece ainda destaque, pela sua relevância na economia do parecer, o Título XIX (artigos 201º a 216º), dedicado a “Regras especiais”, dispersas por quatro capítulos.


2. É no Capítulo IV do Título XIX (artigos 209º a 226º) que se estabelecem “Regras especiais para a execução da prisão preventiva”.

Antes de avançarmos, justifica-se tecer algumas considerações sobre os princípios rectores da prisão preventiva.

Tal compasso de espera e de aprofundamento permitirá perceber, não só a diferente configuração do regime de execução da prisão preventiva como, posteriormente e na aproximação às perguntas colocadas no parecer, o alcance das finalidades desta medida coactiva.


2.1. A Constituição garante o direito à liberdade física, formulando o princípio segundo o qual “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança” (artigo 27º, nº 2).

Exceptua-se do mencionado princípio a privação da liberdade, entre outras situações, no caso de “prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos” [artigo 27º, nº 3, alínea b)].

Em reforço deste princípio, o nº 2 do artigo 28º estatui, de forma inequívoca, que “a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”[49] [50].

Por opção do legislador constituinte, as condições materiais da prisão preventiva ganharam desta forma dignidade constitucional[51].

O Código de Processo Penal procede à densificação dos preceitos constitucionais ao definir o regime da prisão preventiva, uma das medidas de coacção reguladas no Livro IV, sob a epígrafe “Medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial” (artigos 191º a 228º).

De entre os princípios gerais aplicáveis, importa destacar o da legalidade, segundo o qual “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar “ (artigo 191º)[52].
É ainda de realçar o nº 3 do artigo 193º, quando refere que “a execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requer”[53].

A prisão preventiva, regulada no artigo 202º, marcada pela natureza excepcional[54] que os preceitos constitucionais e infraconstitucionais lhe assinalam, só deve ser decretada quando se mostrem “inadequadas ou insuficientes” as demais medidas coactivas e
a) houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos;
b) se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

Os motivos em que deve basear-se são os que valem em geral, segundo o artigo 204º, para qualquer medida de coacção[55].

De harmonia com o mencionado preceito, a prisão preventiva pode ter uma tríplice finalidade, em função dos seguintes pressupostos:

a) fuga ou perigo de fuga;
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.

O legislador procede desta forma à tipificação das circunstâncias reveladoras da necessidade de aplicação da prisão preventiva[56], critério essencial que há-de nortear a sua aplicação e execução[57].


2.1.1. Explicitando um pouco mais as finalidades da prisão preventiva[58], importa sublinhar que ela visa, desde logo, impedir a fuga do arguido, garantindo assim a sua presença no decurso do processo e, ao mesmo tempo, acautelando a execução da sentença final.

Por outro lado, o arguido em liberdade pode efectivamente desenvolver uma actividade no sentido de prejudicar a investigação e, desta forma, contribuir para prejudicar a aquisição, conservação ou veracidade das provas.

Outra das finalidades assinaladas à prisão preventiva é precisamente a de evitar perturbações para o inquérito ou a instrução[59] do processo, garantindo a segurança das provas, que poderia ser posta em causa pela actuação do arguido[60].

Por último, é preciso, atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido, acautelar a perturbação da ordem e tranquilidade pública ou a continuação da actividade criminosa.

Segundo o princípio da necessidade, só exigências processuais de natureza cautelar podem justificar uma limitação, total ou parcial, à liberdade das pessoas[61].

As circunstâncias referidas no artigo 204º, únicas que podem legitimar o uso do poder cautelar, constituem ao mesmo tempo um instrumento de garantia de um correcto e eficaz desenvolvimento do processo penal, da realização da justiça penal e até da protecção da comunidade e da vítima.

Na verdade, enquanto não se conseguir alcançar o apuramento definitivo da imputação da prática de determinado crime e da respectiva sanção, dada a impossibilidade de um juízo imediato sobre a relevância jurídico-penal de determinada factualidade, torna-se imperioso assegurar, medio tempore, “interesses essenciais à boa administração da justiça, prevenindo os inconvenientes que resultariam da fuga do arguido, da continuação da actividade criminosa ou da perturbação por parte deste da investigação, nomeadamente adulterando provas, bem como da perturbação da ordem e tranquilidade públicas”[62].

De entre as finalidades da prisão preventiva, enumeradas no artigo 204º, podemos desta forma distinguir as que se encontram pré-–ordenadas a satisfazer exigências processuais, das que prosseguem interesses extra-processuais[63].

Nas primeiras, incluem-se as dirigidas a garantir a possibilidade de recolha pronta, completa e correcta da prova e a execução da decisão final [alíneas a) e b) do artigo 204º], com vista a assegurar o interesse constitucionalmente protegido da boa administração da justiça[64] [65].

Nas segundas, ao prevenir-se a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou a continuação da actividade criminosa [alínea c) do mesmo preceito], o legislador erige em objecto de protecção a própria comunidade e a vítima, com os benefícios daí decorrentes para a estabilidade e paz da vida social, razão primeira da instituição da justiça penal.

Em suma, a prisão preventiva, consubstanciando a medida de coacção mais gravosa, é uma “providência cautelar e são tão-só as finalidades cautelares que visa que a podem justificar”[66] e, do mesmo passo, justificar o sacrifício de direitos fundamentais.

2.2. Na situação de prisão preventiva, o recluso ainda não foi condenado, pelo que não se trata de uma verdadeira pena, nem visa a realização de qualquer ideal de ressocialização[67].

O carácter excepcional da figura em face do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido até à condenação e o especial gravame que pode constituir para os direitos dos indivíduos leva as legislações dos vários países a regularem com especial cuidado o instituto.

Além de se prefixarem os pressupostos em que o mesmo pode ter lugar, bem como as finalidades que deve servir, fixam-se regras especiais a observar na sua execução[68], o que evidencia bem a diferente natureza deste instituto em face da prisão propriamente dita.

O legislador português, aliás, no seguimento da tradição nesta matéria[69] e tendo em conta os ensinamentos veiculados pelos instrumentos internacionais e a experiência de outros países, subordinou a execução da prisão preventiva a um regime especial.

As novas regras arrancam da ideia de que o arguido “detido em prisão preventiva goza de uma presunção de inocência e deve ter um tratamento em conformidade” (nº 1 do artigo 209º do Decreto-Lei nº 265/79).

Neste sentido, o nº 2 do mesmo preceito estabelece, como princípio geral da execução da prisão preventiva, que:
“A prisão preventiva é executada por forma a excluir qualquer restrição da liberdade que não seja estritamente indispensável à sua finalidade e à manutenção da disciplina, da segurança e da ordem do estabelecimento.”

Para além deste princípio geral, procede-se, de seguida, à regulamentação precisa sobre o regime de execução da prisão preventiva.

Segundo o nº 1 do artigo 210º, “o regime normal da prisão preventiva é o da vida em comum do detido com outros detidos e de isolamento durante a noite.”

Este regime não é, porém, aplicável, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, aos detidos:

a) Em regime de incomunicabilidade, nos termos da lei;
b) Que o solicitem ao respectivo director, expressamente e por escrito;
c) Que se mostrem inadaptados ao regime normal ou que se presumam especialmente perigosos em função dos factos que determinaram a prisão ou do seu passado criminal;
d) Cujo estado físico ou psíquico o não permita.

Fora da situação excepcional do regime de incomunicabilidade, os detidos em prisão preventiva podem “receber visitas todos os dias, sempre que possível, observados os requisitos fixados no regulamento interno” (artigo 212º); usar vestuário próprio (artigo 213º); receber, “a expensas suas, alimentos confeccionados fora do estabelecimento” (artigo 214º); não podem ser obrigados a trabalhar (artigo 215º, nº 1) mas podem, “a seu pedido, ser autorizados a trabalhar, a frequentar cursos de formação e aperfeiçoamento profissional, de ensino, bem como participar nas demais actividades de carácter instrutivo, cultural, recreativo, e desportivo que forem organizadas nos estabelecimentos” (artigo 215º, nº 2).

Como já foi ponderado por este corpo consultivo, são ainda aplicáveis “aos presos preventivos as normas gerais válidas para todas as categorias de reclusos, nomeadamente as relativas a visitas (arts. 31º a 39º), correspondência (arts. 40º a 48º) e ocupação dos tempos livres (arts. 83º a 88º)”[70].

Cumpre salientar que alguns dos direitos dos reclusos sofrem compressões mais ou menos profundas, tendo em vista a salvaguarda dos fins da execução, a ordem ou a segurança do estabelecimento.

Em relação ao direito à correspondência, apesar de no artigo 40º se afirmar que o “recluso tem direito a receber ou a enviar correspondência sem quaisquer limitações”, logo no nº 2 do mesmo preceito, prescreve-se que “o director do estabelecimento pode proibir a correspondência do recluso com determinadas pessoas, se isso puser em perigo a segurança e ordem do estabelecimento ou se for de recear que essa correspondência tenha efeito nocivo no recluso ou dificulte a sua reinserção social”[71].

O sentido da condenação pode ainda justificar a fiscalização e censura da correspondência, nos termos do disposto no artigo 42º.
Finalmente, segundo o artigo 43º, o director do estabelecimento pode reter a correspondência escrita do recluso ou a este dirigida quando:

“a) Ponha em perigo os fins da execução ou a segurança e ordem do estabelecimento;
b) Contenha relatos deliberadamente incorrectos ou substancialmente diversos da realidade acerca das condições do estabelecimento;
c) Ponha em perigo a reinserção social de outro recluso;
d) Esteja redigida em código, de forma ilegível, ininteligível ou em língua estrangeira desconhecida, sem que comprovados motivos o justifiquem.”

No caso de reclusos preventivos, encontra-se ainda prevista a possibilidade de o juiz ou a autoridade encarregada da respectiva investigação e, bem assim, o Ministério Público poderem requisitar que a correspondência enviada ou recebida lhes seja mostrada (artigo 46º).
V

A exposição, ainda que sumária, do regime da execução da prisão preventiva revela que o legislador não regulamentou o exercício do direito à liberdade de expressão dos reclusos, mormente no que respeita ao relacionamento com os órgãos de comunicação social[72].

Ao proceder desta forma, o legislador português colocou-se ao lado de países como a Espanha, cuja legislação penitenciária se oferece também omissa em relação a este aspecto.
Outros países optaram por regular esta matéria, embora em alguns aspectos a legislação se apresente mais restritiva nuns do que noutros.

Antes de enfrentarmos a resposta às perguntas que motivaram este parecer, impõe-se uma incursão, ainda que breve, à experiência colhida em outros ordenamentos jurídicos[73].


1. No direito penitenciário espanhol, é reconhecido o direito do recluso à comunicação com o exterior como regra, só podendo ser limitado em casos excepcionais e por motivos previamente fixados.

No entanto, as comunicações com o exterior abrangem apenas a correspondência escrita, as comunicações telefónicas e as visitas[74].

Por sua vez, o Reino Unido dispõe de legislação muito restritiva, vigorando como regra a proibição de visitas de jornalistas aos estabelecimentos prisionais. Quando permitidas, as entrevistas serão conduzidas de acordo com as regras e condições impostas pelo director do estabelecimento.

No direito austríaco, é permitido aos jornalistas entrevistar os reclusos, desde que escolhidos pela Administração Prisional, encontrando-se proibidos os contactos entre jornalistas e reclusos por si escolhidos.

As razões invocadas são, por um lado, a necessidade de garantir o princípio da igualdade de tratamento de todos os reclusos e, por outro lado, evitar que assumam especial protagonismo os reclusos condenados que suscitem especial interesse da opinião pública.

No ordenamento jurídico dinamarquês, os reclusos podem ser autorizados a dar entrevistas, desde que prestem o seu consentimento. No entanto, a autorização será obrigatoriamente negada sempre que a juventude ou a saúde mental do recluso possam impedir que o mesmo compreenda e tenha consciência das possíveis consequências do consentimento prestado.

Por outro lado, apenas são autorizadas reportagens que visem abordar temas relativos à vida e rotinas do estabelecimento prisional. Se os programas a realizar tiverem como objecto temas do processo de um recluso não serão, em regra, autorizados, com fundamento na defesa da justiça.

No ordenamento jurídico francês[75], podem ser autorizadas entrevistas aos reclusos, embora subordinadas ao cumprimento de determinadas regras. Por exemplo, só podem ser entrevistados reclusos previamente escolhidos pela Administração Penitenciária, quando maiores e desde que condenados por sentença judicial, sendo proibidas reportagens centradas num recluso. Por outro lado, é garantido o respeito pelo princípio do anonimato e, antes da entrevista ou da reportagem, o recluso terá de dar o seu consentimento expresso por escrito.

Na Dinamarca, não são autorizadas entrevistas ou reportagens que versem temas específicos do processo de um recluso, por razões ligadas à defesa da justiça.

A importância da ordem e segurança do estabelecimento justifica que, em países como a Noruega, o acesso dos agentes da comunicação social seja rodeada com cautelas.

Neste sentido, os agentes dos media, que demonstrem interesse justificado em conhecer as condições de vida dos estabelecimentos prisionais, podem ser autorizados a fazer reportagens, mas são sempre acompanhados por um funcionário sénior do estabelecimento[76]. Por outro lado, antes da transmissão, o director reserva-se o direito de aprovar o material para publicação, com vista à protecção dos interesses dos reclusos e de modo a evitar que a reportagem contenha informação factual errada.

Em países como o Canadá, são em regra admitidas as entrevistas, desde que não ponham em causa o funcionamento e a segurança do estabelecimento prisional ou representem risco para o recluso[77].

As situações de recusa podem ainda fundar-se no receio de que a publicidade da entrevista possa ter impacto negativo sobre a família da vítima, no reforço da notoriedade do infractor, na probabilidade de perturbação do processo judicial, etc.

A exposição acabada de fazer permite-nos extrair algumas ilações mormente no que concerne ao elenco de alguns princípios comummente invocados para limitar o contacto dos reclusos com a comunicação social.

Vimos que, em regra, o acesso dos media aos reclusos pode ser negado por razões que se prendem com a salvaguarda do próprio recluso, a sua imagem, privacidade, bem como da família, ou a segurança e privacidade de terceiros.

Outra ordem de razões tem a ver com a salvaguarda das condições de segurança do estabelecimento prisional.

Finalmente, invoca-se também a necessidade de proteger a ordem pública e a justiça.

Por outro lado, quando as entrevistas ou reportagens não versem factos ligados ao próprio recluso ou ao processo, mas antes visem factos genéricos ligados ao estabelecimento prisional, às condições de vida dos reclusos, rotinas, programas de ressocialização, etc., verifica-se uma tendencial maior permissividade ao acesso por parte dos meios de comunicação.

“Esta orientação compreende-se, por um lado, como uma tentativa da administração prisional de promover a abertura da prisão à sociedade e, por outro lado, como forma de salvaguardar a privacidade e a imagem dos reclusos da excessiva exposição pública”[78].


2. Importa ainda ter presente, pela importância que reveste, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Constitui jurisprudência reiterada do Tribunal que a invocação da defesa da ordem, segurança e disciplina podem justificar ingerências mais amplas nos direitos dos reclusos do que no caso de cidadãos em liberdade[79].

Do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem existe sobretudo jurisprudência direccionada para as restrições ao direito à inviolabilidade da correspondência[80]. No entanto, os princípios fundamentais que se extraem dessa jurisprudência servem igualmente para o caso do direito à liberdade de expressão.

Constitui jurisprudência reiterada do Tribunal que qualquer interferência no direito à correspondência do recluso deve ser apreciada em função das exigências normais e razoáveis da detenção. A invocação da defesa da ordem e a prevenção das infracções penais podem justificar ingerências mais amplas do que no caso de cidadãos em liberdade. Neste sentido, o Tribunal tem considerado que o controlo da correspondência de um cidadão privado da liberdade é lícito se fundado na defesa da ordem ou na prevenção das infracções penais[81].

Num caso em que um recluso foi impedido de se corresponder com o advogado, o Tribunal entendeu haver interferência não legitimada em valores que pudessem justificar tal acção numa sociedade democrática[82] .

No Caso SCHONENBERGER Y DURMAZ[83], o Tribunal ponderou que a autoridade pública só pode restringir o direito à inviolabilidade da correspondência nos casos previstos na lei e desde que se trate de medida necessária, numa sociedade democrática, para garantir a segurança nacional, a segurança pública e o bem estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção dos delitos, a protecção da saúde ou a protecção dos direitos de terceiros.

Noutras situações, o Tribunal admitiu a fiscalização da correspondência dos detidos, desde que “necessária”, “proporcional”, corresponda a uma “finalidade legítima” e seja interpretada de forma “restritiva”[84].
Em relação propriamente à liberdade de expressão[85], o Tribunal concluiu, no Caso SILVER[86], que apesar de todos os cidadãos gozarem do direito à liberdade de expressão, este direito pode ver-se cerceado por razões de “ordem pública” e “segurança do estabelecimento”, “prevenção de desordens”, admitindo-se a censura prévia.
VI

1. Chegados a este ponto, julgamos já ser possível enfrentar a resposta à principal questão formulada, que se traduz em saber, recorde-se, em que medida pode ser condicionado o direito à liberdade de expressão do recluso preventivo.

É importante ter presente que as questões colocadas tiveram como causa próxima o interesse manifestado por jornalistas da TVI e da RTP em entrevistar um grupo de presos preventivos no âmbito do denominado “processo de pedofilia da Casa Pia”, sendo um deles também apresentador de televisão.

Vimos que o Decreto-Lei nº 265/79 não contém a regulamentação da liberdade de expressão dos reclusos[87] [88].

A falta de tal regulamentação não pode servir de pretexto para os poderes públicos - Administração ou juiz - proibirem ou recusarem pura e simplesmente o exercício do mencionado direito, dada a força preceptiva especial de que goza[89].

Tal como ficou dito, os cidadãos presos, pelo facto de integrarem uma relação especial de poder, não ficam privados dos seus direitos fundamentais.

O princípio geral, expressamente acolhido na Constituição, é o da manutenção de todos os direitos e com âmbito idêntico aos dos outros cidadãos, na medida em que o preso continua a ser um cidadão[90].

Vimos, porém, que esse estatuto é susceptível de gerar deveres acrescidos e limitações aos direitos fundamentais que não se contêm, por regra, no estatuto geral do cidadão.


2. Ponto é que tais compressões, na medida em que consubstanciem restrições a um direito, liberdade e garantia, obedeçam, mesmo na sua aplicação concreta, aos requisitos constitucionais.


2.1. De entre esses requisitos, impõe-se que, além de constitucionalmente fundadas, as restrições sejam devidas à necessidade de salvaguardar bens ou interesses constitucionalmente protegidos, subjacentes ao estatuto do preso detido em prisão preventiva.

A guarida constitucional desse estatuto encontra-se, como ficou dito, no artigo 30º, nº 5, que admite limitações aos direitos, liberdades e garantias dos reclusos, motivadas por salvaguarda do sentido da condenação e exigências próprias da respectiva execução[91].

Deste preceito, pensado para os reclusos condenados, há-de extrair-se um princípio geral igualmente legitimador do estatuto especial dos reclusos detidos em prisão preventiva[92].

Por outro lado, entre o preceito constitucional e a decisão concreta, interpõe-se ainda, para os reclusos preventivos, a cláusula geral consagrada no nº 2 do artigo 209º do Decreto-Lei nº 265/79.


2.2. Este preceito admite restrições à liberdade do recluso em geral, desde que estritamente indispensáveis: à finalidade da prisão preventiva; à manutenção da disciplina; à manutenção da segurança e da ordem do estabelecimento.

2.2.1. As razões ligadas à finalidade da prisão preventiva foram analisadas no ponto IV, 2.1.1 e prendem-se não só com a salvaguarda do processo penal, mas também com a defesa de condições essenciais de existência comunitária.


2.2.2. Outra ordem de razões que podem fundamentar a intervenção dos poderes públicos no direito à liberdade de expressão respeita à disciplina, ordem e segurança do estabelecimento prisional.

Numa acepção ampla, “a disciplina é entendida como um conjunto de regras e normas de conduta cujo conhecimento e observação são indispensáveis para a convivência adequada dentro de uma comunidade ou instituição”[93].

Em sentido estrito e no âmbito penitenciário, a disciplina visa alcançar uma convivência ordenada, garantindo a segurança e a ordem dos estabelecimentos e estimulando o sentido de responsabilidade e auto-controlo dos internos, através da imposição de sanções aos destinatários que infrinjam as normas estabelecidas.

Decorre da própria definição avançada a estreita ligação existente entre a manutenção da disciplina e a segurança do estabelecimento, sendo que a primeira se encontra preordenada à garantia da segunda.

Por outro lado, constituindo a manutenção da segurança do estabelecimento pressuposto indispensável à realização do objectivo da socialização do recluso, ao mesmo tempo que contribui para assegurar a defesa da própria sociedade[94], reflectem-se também aqui, ainda que de forma indirecta, valores constitucionais[95] [96].

Assim se compreende que a disciplina, ordem e segurança do estabelecimento possam constituir fundamento autónomo de restrições ao exercício da liberdade de expressão dos reclusos.

Na verdade, a segurança e a ordem do estabelecimento prisional não podem deixar de constituir factores importantes a ter em consideração quando se aborda a questão do acesso dos media aos reclusos.

Referem os autores a este propósito que a presença da comunicação social pode propiciar a criação de um clima de tensão dentro do estabelecimento, com vista a atrair a atenção não apenas no seu interior mas na população em geral.

É perfeitamente plausível que os reclusos aproveitem a situação para desencadear reacções violentas, tais como motins ou acções reivindicativas, dada a oportunidade de visibilidade e comunicação privilegiada com o exterior, naturalmente veiculada pelos media.

Se se atender a que o estabelecimento prisional constitui em si mesmo um local de grande tensão acumulada[97] e conflito latente, potenciados pela superlotação e a insuficiência de meios humanos[98], é perfeitamente credível que a mínima quebra da disciplina possa facilmente resvalar para a criação de condições susceptíveis de pôr em causa a segurança e a ordem do estabelecimento.

Por outro lado, o aparato que acompanha, em regra, os media pode ser facilmente utilizado para a perpetração de fugas ou evasões do estabelecimento com repercussões negativas na manutenção da disciplina interna. A evasão de presos especialmente perigosos pode mesmo constituir perigo para a própria sociedade.

A tensão entre ordem e segurança dos estabelecimentos e o exercício de direitos fundamentais dos reclusos já foi abordada em anterior parecer deste corpo consultivo, tendo-se reconhecido tratar-se de “valores fundamentais e predominantes do regime de execução da prisão, mesmo preventiva”, surgindo como limites ao exercício dos direitos fundamentais dos reclusos[99].

2.2.3. Para além dos interesses recortados no artigo 209º, nº 2, do Decreto-Lei nº 265/79, é possível prever outros bens ou valores constitucionalmente protegidos que possam colidir com o direito à liberdade de expressão e informação como, por exemplo, o segredo de justiça.

O segredo de justiça consubstancia uma garantia institucional[100] consagrada expressamente na Constituição (nº 3 do artigo 20º)[101], a partir da revisão operada em 1997.

No mencionado preceito, a Constituição remete para o legislador ordinário a emissão de legislação adequada a assegurar a protecção do segredo de justiça.

No âmbito do direito processual penal, vigora, como regra fundamental, o princípio da publicidade dos actos judiciários, que é excepcionada pelos actos cobertos pelo segredo de justiça[102] [103].

O segredo de justiça começa exactamente no início do processo crime ou, mais rigorosamente, com a notícia do crime[104], cobrindo a fase do inquérito e, em algumas situações, incidindo também sobre a fase de instrução[105] [106].
Sobre todos os participantes no processo - arguido, assistente, partes civis, testemunhas, peritos, funcionários, advogados, magistrados e todos os que, por qualquer título, tenham contacto com o processo e tomem conhecimento de elementos a ele pertencentes - recai a proibição de:

- assistência à prática ou consulta de auto relativo a acto processual por quem não tenha o direito ou o dever de a ele assistir [alínea a) do nº 4 do artigo 86º do Código de Processo Penal];
- divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação [alínea b) do nº 4 do artigo 86º do Código de Processo Penal][107] [108].

Podemos dizer que, de um ponto de vista estritamente jurídico, o valor ou bem jurídico que de forma directa e imediata é protegido pela previsão do segredo de justiça é a qualidade e o bom êxito da investigação de crimes e, em última instância, da justiça penal.

“No fundo, o segredo de justiça funciona como pressuposto ou um instrumento, positivo ou negativo, do sucesso da qualidade da investigação que está a ser desenvolvida do ponto de vista processual penal”[109].

Acrescenta-se, todavia, que, embora de forma indirecta ou mediata, a preservação do segredo de justiça serve igualmente a tutela do princípio da presunção de inocência do arguido, o seu bom nome, reputação e intimidade da vida privada.

Numa fórmula sintética, pode dizer-se que “o segredo de justiça na fase de investigação do processo criminal é justificado com diversos tipos de argumentos que se reconduzem fundamentalmente à defesa de dois valores, a administração da justiça e os direitos do indivíduo”[110].


2.3. Retomando a nossa análise, vemos que designadamente a Administração[111] ou o juiz se encontram desta forma legitimados por lei para intervir de forma mais ou menos intensa no direito à liberdade de expressão do preso preventivo para salvaguardar interesses processuais ligados à garantia das finalidades da prisão preventiva, interesses ligados à manutenção da disciplina, segurança e ordem do estabelecimento ou, ainda, outros valores constitucionalmente relevantes, tais como o segredo de justiça.

Assim sendo, no fundo, a questão a resolver será, portanto, determinar em que medida poderá o direito à liberdade de expressão dos reclusos preventivos ser limitado para salvaguardar os bens e valores mencionados.
Na ausência de lei densificadora das restrições, a Administração[112] terá de observar “as regras da harmonização para solução dos conflitos (...)”[113] entre o direito à liberdade de expressão e os valores em causa.

Se, numa dada situação concreta, o direito à liberdade de expressão entrar em colisão com os valores ou bens jurídicos acima referidos ou outros bens constitucionalmente protegidos, a que se chegue por via interpretativa, esse conflito terá de ser resolvido através de um processo de ponderação, norteado pela procura de soluções de harmonização e concordância práticas[114] e limitado pelo princípio da proporcionalidade, nas sua dimensões da adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito[115].

A resposta não pode ser unívoca nem automática, uma vez que circunstâncias específicas que rodeiam cada caso concreto poderão facilitar ou dificultar a harmonização que se pretende.

Uma solução correcta do conflito deve ser aquela que consiga o equilíbrio menos restritivo entre os interesses em jogo, ou mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais[116], segundo um juízo de prognose, tendo em conta as circunstâncias concretas, a personalidade do arguido, comportamento anterior no estabelecimento prisional, influência no grupo, o tipo de crimes cometidos[117], etc.

O exercício do direito à liberdade de expressão dos reclusos preventivos poderá, por força das limitações acrescidas resultantes do seu estatuto especial, ter de subordinar-se em face da necessidade de protecção de outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos.

Em caso de inultrapassável conflito entre os direitos dos reclusos e a necessidade de acautelar os valores jurídico- –constitucionais referenciados, devem prevalecer, em última instância, estes valores, ainda que sempre dentro dos limites do princípio da proporcionalidade[118].

Obviamente, impor-se-á sempre, como reduto último e inultrapassável de toda e qualquer medida limitadora ou restritiva, o respeito pelo conteúdo essencial do direito.

Resta, ainda, acrescentar que a decisão que em concreto determine qualquer restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão, seja judicial seja administrativa[119], deverá estar devidamente fundamentada[120], com explicitação das circunstâncias de facto e de direito que condicionam o sentido da decisão, não bastando a remissão genérica para uma das circunstâncias previstas na lei[121].

Neste contexto, somente serão admissíveis restrições fundadas em razões objectivas e racionais que permitam presumir, de forma inequívoca, que uma dada entrevista ou reportagem pode atentar ou sacrificar outros bens jurídicos que foram valorados pelo legislador como idóneos para justificar compressões ao direito à liberdade de expressão[122].

2.3.1. Em consequência do exposto não se afigura, em regra, compaginável com a salvaguarda dos interesses em jogo conceber que um preso, sobretudo preventivo, possa, por exemplo, em directo para a televisão ou para a rádio, dar uma entrevista ou ser alvo de uma reportagem.

Mas, se se tratar de entrevistas por escrito e sujeitas à supervisão do Director do Estabelecimento e das autoridades judiciárias competentes[123] (Ministério Público ou juiz), a resposta já poderá ser diferente[124].

Na ausência de regulamentação concreta sobre as formas de fiscalização e controlo do exercício da liberdade de expressão, o intérprete e aplicador da lei sempre poderá lançar mão, recorrendo à analogia e com as devidas adaptações, do regime estabelecido para o direito à correspondência, regulado nos artigos 40º a 47º do Decreto-–Lei nº 265/79[125].
Nos termos do nº 1 do artigo 10º do Código Civil, o julgador deverá aplicar, por analogia, aos casos omissos as normas que directamente contemplem casos análogos.

Segundo BAPTISTA MACHADO, “dois casos dizem-se análogos, quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante - de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (cfr. nº 2 do artigo 10º)”[126].

Ora, precisamente, no caso em apreço, estamos perante conflitos de interesses semelhantes: a compatibilização entre o exercício de um direito, liberdade e garantia e a salvaguarda de bens ou valores inerentes ao estatuto especial do recluso.

Em ambos os casos, o que se pretende é encontrar o equilíbrio entre o exercício dos direitos em causa e os interesses ou valores estatutários em conflito.

E porque se trata de direitos de igual dignidade jurídico-–constitucional e regime, a tal conflito de interesses deve ser dado um tratamento semelhante[127].

É, por conseguinte, razoável, que o regime adoptado pelo legislador para compor os conflitos de interesses eventualmente suscitados pelo direito ao sigilo de correspondência seja aplicável ao direito à liberdade de expressão.

Como este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar, o recurso à analogia justifica-se por razões de coerência normativa ou de justiça relativa, recondutíveis ao princípio da igualdade, a que acresce a necessidade de certeza do direito que por via dela melhor se atinge do que através de critérios de igualdade ou princípios gerais do direito[128].

Por outro lado, se o direito ao sigilo da correspondência, intimamente conexionado com o direito à intimidade pessoal[129] (artigo 26º da Constituição), por respeitar aos meios de comunicação privada da pessoa, pode ser objecto de “fiscalização”, “censura” e “retenção”, por maioria de razão será de admitir que o seja o conteúdo de um texto destinado a ser divulgado e publicitado.

Em consequência, tratando-se de entrevistas por escrito, serão de aplicar, com as devidas adaptações, as normas respeitantes ao “Controle da correspondência” (artigo 42º), “Retenção da correspondência” (artigo 43º) e “Requisição da correspondência” (artigo 46º).

VII

Uma segunda ordem de perguntas prende-se, em primeiro lugar, com o problema de saber quais as diferenças de regime, quanto à restrição do direito à liberdade de expressão, mormente na dimensão relativa aos contactos dos reclusos com a comunicação social, entre reclusos em regime de prisão preventiva e reclusos definitivamente condenados.

Em segundo lugar, questiona-se qual a entidade competente para autorizar a realização de entrevistas, reportagens ou visitas pela comunicação social.

Atentemos na primeira questão.

1. As considerações que ficaram expostas no ponto VI. 2.3. sobre os pressupostos orgânicos, formais e materiais da restrição do direito à liberdade de expressão dos reclusos preventivos, valem em geral para a restrição de direitos, liberdades e garantias de todos os reclusos, preventivos ou não.

As diferenças de regime originadas pela situação dos reclusos condenados são, fundamentalmente, as que têm a ver com a natureza dos bens ou valores jurídico-constitucionais susceptíveis de fundarem as restrições ou compressões aos direitos, liberdades e garantias e que são indissociáveis dos fins da execução da pena.

Ainda assim, as considerações expendidas sobre necessidade de assegurar a manutenção da disciplina, ordem e segurança dos estabelecimentos prisionais, bem como a defesa da própria sociedade relevam, mutatis mutandis, na situação dos reclusos condenados.

Mas já não valem aqui as preocupações concernentes à salvaguarda das finalidades do processo, típicas da execução da prisão preventiva e estranhas à execução da sentença.

Vimos que a prisão preventiva não é uma pena, mas sim uma providência cautelar, cuja justificação só poderá assentar numa ideia preventiva, com fins essencialmente processuais[130].

Como este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar em anterior parecer, a prisão preventiva é alheia “às finalidades de prevenção geral, especial ou de justiça, posto ‘não constituir uma verdadeira pena’ nem visar, por conseguinte, ‘qualquer ideal de ressocialização’”[131].

A prisão resultante da condenação configura uma verdadeira pena (a pena de prisão propriamente dita), com natureza e fins completamente distintos dos da prisão preventiva.

Na situação do recluso condenado com sentença definitiva[132], a finalidade da execução da pena é fundamentalmente norteada pela ideia de ressocialização[133].

Por outro lado, na fase de execução da sentença condenatória, a posição jurídica do recluso altera-se, pois ele deixa de ser “objecto” para passar a ser “sujeito da execução”[134].


1.1. As finalidades da execução de medidas privativas da liberdade, apontadas no plano jurídico-constitucional, encontram-se claramente definidas no Código Penal, ao preceituar que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (artigo 43º, nº 1).

O ideal de socialização constitui-se desta forma em critério central orientador da execução de penas.

Quando se fala hoje em socialização, a expressão não deve ser encarada exclusivamente como “preparação do recluso para voltar a ser sócio. O estímulo à aquisição de uma atitude social conforme ao dever-ser jurídico mínimo da comunidade não pode fazer esquecer que o recluso já é, enquanto tal, sócio, sujeito embora a um estatuto especial que, nem por isso exclui a titularidade de direitos fundamentais”[135].

Considerando os efeitos nocivos do sistema prisional tradicional, a moderna criminologia acentua hoje que o objectivo prioritário da prisão deve ser evitar a dessocialização do recluso.

A prisão, ao excluir o indivíduo do seu estatuto jurídico normal, favorece a aprendizagem de novas técnicas criminosas e novas normas de conduta que são em regra contrárias às “oficiais”.

Por outro lado, a intensa planificação e regulamentação da vida prisional, acentua os aspectos da “infantilização” e da “subcultura prisional”, tudo se conjugando para salientar a forte acção dessocializadora exercida pela prisão[136].

Tal significa que, antes de ser socializadora, o que se pretende é que a pena de prisão seja não-dessocializadora, num duplo sentido: “por um lado, que reduza ao mínimo a marginalização de facto que a reclusão implica e os efeitos criminógenos que lhe estão associados; por outro lado, que não ampute o recluso dos direitos que a sua qualidade de cidadão lhe assegura”[137].

Segundo este modo de ver as coisas, a execução da pena deve aproximar-se o mais possível das condições gerais da vida em sociedade, através do favorecimento das relações do recluso com o mundo exterior e fomento de uma política de abertura da prisão à sociedade e da sociedade à prisão[138].

Neste sentido, o contacto dos reclusos com a comunicação social pode desempenhar, desde logo, papel positivo ao serviço de uma política de abertura da prisão à sociedade permitindo que esta conheça e compreenda o trabalho desenvolvido nos estabelecimentos prisionais e assim contribuir para gerar um movimento de maior receptividade da própria comunidade à reintegração do recluso[139].


1.2. Admitindo a influência que a comunicação social, numa sociedade mediática, tem na formação da opinião pública e nas representações sociais que os cidadãos formam das coisas[140], afigura-–se que podem desempenhar papel relevante no processo de socialização do recluso, desde que não produza um excesso de notoriedade ou contribua para a sua estigmatização.

Na verdade, a criação de uma imagem de notoriedade e visibilidade social excessivas[141] é considerada em regra danosa para o processo de preparação do recluso para regressar à sociedade. O mesmo se diga em relação a entrevistas centradas sobre determinados factos ou aspectos negativos que possam contribuir para a estigmatização do recluso.

Assiste-se, nos dias de hoje, a um interesse crescente em explorar notícias sobre crimes, autores de crimes e temas da justiça em geral[142], em nome do direito à liberdade de expressão e de informação[143].

Mas a experiência mostra que em muitos casos a comunicação social “está mais interessada em obter efeitos sensacionalistas, a partir da investigação de crimes, do que em informar correctamente, respeitando certos valores”[144].

Na verdade, nem sempre a divulgação destas notícias é exclusivamente norteada pela prossecução dos valores ou interesses subjacentes ao direito de informar. Em muitas situações, o interesse dominante acaba por ser o económico (aumento de vendas de jornais, aumento das audiências, etc.).

As emoções normalmente provocadas pelo crime[145] podem ser exploradas pela atracção mórbida por determinados tipos de crimes, sobretudo quando praticados por agentes que despertem especial atenção (por exemplo, figuras públicas)[146], potenciando os riscos da mediatização veiculada pelos media, mas exigida pela concorrência e satisfação de audiências ávidas de escândalos.

Neste contexto, no caso de uma entrevista ou reportagem centrada num recluso sem outro propósito que não seja alimentar ou satisfazer a voragem das audiências[147], a invocação do direito de informar não passa de mero pretexto[148].

“Na delimitação do direito à informação intervêm princípios éticos, pelos quais o jornalista responde em primeiro lugar, constituindo dever de quem informa esforçar-se por contribuir para a formação da consciência cívica e para o desenvolvimento da cultura sobretudo pela elevação do grau de conviviabilidade como factor de cidadania, e não fomentar reacções primárias, sementes de violência, ou sentimentos injustificados de indignação e revolta, tratando assuntos com desrespeito pela consciência moral das gentes (...)”.

Na sequência do exposto, conclui-se que o direito à informação[149] comporta três limites essenciais: “o valor socialmente relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia profissional, antes das leis do Estado, condena” [150] [151].

Deparamo-nos aqui com a necessidade de construir soluções que permitam o justo equilíbrio, mormente através do acautelamento dos aspectos negativos já mencionados, de forma a que o contacto com a comunicação social se possa transformar num elemento fundamental no processo de ressocialização[152].

Afigura-se, no entanto, que a concretização do direito à informação sobre as condições de vida e rotinas diárias da vida nas prisões não passa necessariamente pelo entrevistar de determinado recluso escolhido pelos órgãos de comunicação social[153].

Assim sendo, em caso de entrevistas ou reportagens que visem o estabelecimento prisional e as condições de vida dos presos, caberá em princípio à Administração Prisional a escolha dos presos que hão-de contactar pessoalmente com os órgãos de comunicação social[154], salvo invocação de motivos sérios assentes em justificado interesse jornalístico e social da notícia, no sentido de haver “interesse público em que a opinião pública conheça” os factos[155] [156].
Esta é, aliás, a solução acolhida nos exemplos de direito comparado já mencionados.

No estudo de direito comparado a que já fizemos referência, dá-se nota de que a maioria dos países analisados se orienta no sentido de, quando autorizadas as entrevistas, os jornalistas só poderem entrevistar os reclusos escolhidos pela Administração Prisional.

Não são, pois, permitidos os contactos entre jornalistas e reclusos por si escolhidos.

Como já se referiu, razões avançadas vão desde a salvaguarda do princípio da igualdade de tratamento de todos os reclusos até mesmo ao evitar que determinados reclusos, que suscitem especial interesse da opinião pública, assumam excessivo protagonismo.


1.3. Podemos, em síntese, concluir que, em relação aos reclusos definitivamente condenados, o contacto pessoal com os media e destes com o estabelecimento prisional pode contribuir para favorecer a recuperação e preparação do recluso para o regresso à vida em sociedade[157].

Em relação ao detido em prisão preventiva, embora não valham aqui as considerações que se relacionem directamente com uma intervenção socializadora activa, os contactos com a comunicação social podem funcionar fundamentalmente como factor de não-dessocialização[158].

De todo o modo, o regime de execução da prisão preventiva é, em geral, menos favorável ao contacto com os órgãos de comunicação social. Apesar de o recluso ainda não se encontrar condenado e de beneficiar do princípio da presunção da inocência, há fortes razões para tal, que se prendem com a necessidade de acautelar as finalidades da medida de coacção[159].


2. Importa, finalmente, abordar o problema da entidade competente para decidir.

No estudo de direito comparado atrás mencionado, a orientação maioritária vai no sentido de que a autoridade competente para autorizar o contacto directo dos reclusos com os media difere consoante se trate de presos preventivos ou condenados por sentença judicial transitada.

Tendo havido sentença condenatória com trânsito em julgado, essa competência é relegada para a Administração Prisional, centrando-se em alguns países nos órgãos do próprio estabelecimento prisional e noutros nos dos serviços prisionais centrais.

Nas situações de prisão preventiva, verifica-se que, em regra, a competência cabe à autoridade que dirige a fase processual em que se encontre o processo.

Essa competência caberia ao Ministério Público, ao juiz de instrução ou ao juiz do julgamento, conforme se estivesse, respectivamente, na fase do inquérito, da instrução ou do julgamento.

2.1. Como vimos, enquanto não ocorrer o julgamento e a sentença definitiva de condenação, podemos dizer que o estabelecimento prisional desempenha como que mera função instrumental de custódia ou de “guarda” dos reclusos, tendo em vista garantir primordialmente finalidades de acautelamento do processo e da investigação.

A partir do momento em que os reclusos são sentenciados, desaparecem as razões mencionadas; as eventuais restrições ao direito à liberdade de expressão que podem advir, a partir de então, são fundamentalmente as relacionadas com as finalidades que presidem à execução da pena, além, como é óbvio, das que têm a ver com a garantia da ordem, disciplina e segurança do estabelecimento.

Assim sendo, a competência para autorizar eventuais contactos da comunicação social com os reclusos a cumprir pena, circunscrever-–se-á à órbita dos órgãos da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e respectivos serviços, como passamos a demonstrar.

A Administração Penitenciária centra-se na Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) do Ministério da Justiça, cuja orgânica consta substancialmente do Decreto-Lei nº 268/81, de 16 de Setembro[160].

Nos termos deste diploma, incumbe em geral à DGSP “orientar os serviços de detenção e execução das penas e medidas de segurança, superintender na sua organização e funcionamento e efectuar estudos e investigações referentes ao tratamento dos delinquentes.”

De entre os órgãos da DGSP destaca-se a figura do Director-–Geral, ao qual se encontram distribuídas competências executivas que vão desde a direcção e a superintendência dos serviços ao exercício da autoridade administrativa e disciplinar e à presidência dos demais órgãos (cfr. artigo 5º e ss.)[161].

Na orgânica da DGSP destacam-se “os serviços externos” que englobam, precisamente, os estabelecimentos prisionais (artigo 43º, nº 1) e o Centro de Formação Penitenciária.
Os estabelecimentos prisionais que, segundo o nº 2 do mesmo preceito, se destinam à “detenção e execução das penas e medidas de segurança”, podem ser centrais, especiais e regionais[162] (artigo 44º, nº 1).

Segundo o estatuído no nº 2 do artigo 44º, “os estabelecimentos centrais e especiais gozam de autonomia administrativa.”

Os estabelecimentos centrais[163] são dirigidos por um director, dependente do director-geral (artigo 46º), ao qual compete “orientar e coordenar os serviços dos estabelecimentos, designadamente os de vigilância, educação, ensino, assistência social, trabalho, formação e aperfeiçoamento profissional dos reclusos” (artigo 47º).

Tendo em conta o exposto, a competência para velar pela ordem, disciplina e segurança cabe aos órgãos responsáveis pelos estabelecimentos prisionais (director, sob a supervisão do director-–geral)[164].

E é precisamente a salvaguarda destes valores, e, bem assim, os decorrentes das finalidades de execução da pena, que justifica as compressões mais ou menos profundas aos direitos fundamentais dos reclusos consagradas em várias normas do Decreto-Lei nº 265/79[165].

Assim sendo, havendo condenação definitiva caberá, em síntese, aos órgãos responsáveis pelos estabelecimentos prisionais (director, sob a supervisão do director-geral) a fiscalização e o controlo dos contactos pessoais dos reclusos com a comunicação social[166].


2.2. Mais complexa se afigura, como atrás se deixou antever, a resposta relativa aos reclusos preventivos.

Em primeiro lugar, podemos dizer que valem nesta sede as considerações acabadas de produzir sobre a competência da Administração Prisional[167] para se pronunciar pela garantia da disciplina, ordem e segurança da respectiva unidade orgânica.

Os actos limitadores de direitos praticados neste âmbito relevam da relação especial de poder, de natureza substancialmente administrativa, em que se inserem os reclusos. Contra tais actos poderão ser utilizados os meios de impugnação de natureza administrativa e contenciosa fixados pela ordem jurídica para os actos administrativos em geral[168].

Por outro lado, caberá ainda acrescentar que a Administração Prisional terá sempre de intervir para garantir as condições logísticas e práticas de entrada dos órgãos de comunicação social nos estabelecimentos[169].

Neste sentido, eventuais contactos pessoais dos reclusos[170] com os órgãos da comunicação social (entrevistas, reportagens, etc.) terão de ser devidamente articulados com os órgãos competentes da Administração Prisional.

Vimos que podem constituir fundamento de limitação à liberdade de expressão dos reclusos razões ligadas à finalidade da prisão preventiva, como tal enumeradas no artigo 204º do Código de Processo Penal.

O certo é que, nos termos do nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Penal, “a execução das medidas de coacção (...) não devem prejudicar o exercício de direitos fundamentais que forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requer”.

Averiguar em que medida podem advir consequências danosas de uma entrevista ou reportagem para a eficácia da investigação e do regular desenvolvimento do processo penal já não caberá à Administração Prisional, mas sim às autoridades judiciárias.

Na verdade, trata-se agora da defesa de valores ou interesses de natureza processual que podem ser prejudicados pelo exercício não limitado do direito à liberdade de expressão dos reclusos detidos em prisão preventiva.

A competência para a fiscalização e defesa destes interesses há-de caber ao Ministério Público, ao juiz de instrução ou ao juiz do julgamento, conforme a questão se coloque na fase do inquérito[171], da instrução[172] ou do julgamento[173], respectivamente.

Além deste princípio geral, acresce que as restrições aos direitos, liberdades e garantias hão-de ser objecto de decisão jurisdicional[174], se suscitadas por quem para tanto tiver legitimidade.

Nesta conformidade, sendo a questão suscitada na fase de inquérito, o Ministério Público deve promover que o juiz de instrução não autorize determinada entrevista ou reportagem que repute prejudicial para o desenrolar do mesmo.

A apontada dualidade de regimes afigura-se não apenas compreensível como até inevitável num contexto (recluso detido em prisão preventiva) em que concorrem duas ordens de valores ou interesses de diferente natureza e cuja tutela a lei comete a entidades também diferentes.

VIII


Termos em que se extraem as seguintes conclusões:


1ª. Os reclusos encontram-se sujeitos a um estatuto especial, jurídico-constitucionalmente credenciado, que lhes assegura, a titularidade de direitos fundamentais, à excepção daqueles que seja indispensável limitar ou sacrificar para realização dos objectivos e finalidades institucionais inerentes a esse estatuto;

2ª. Os direitos, liberdades e garantias dos reclusos podem ser objecto de restrições, desde que obedeçam aos princípios e regras gerais da limitação de direitos, liberdades e garantias: apenas são admissíveis as restrições que, previstas na lei, se mostrem necessárias para salvaguardar bens ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo afectar o conteúdo essencial dos direitos e devendo subordinar-se às exigências do princípio da proporcionalidade nas suas três dimensões;

3ª. O exercício do direito à liberdade de expressão do detido em prisão preventiva pode ser restringido para salvaguardar interesses processuais ligados à garantia das finalidades da prisão preventiva, à manutenção da disciplina, segurança e ordem do estabelecimento ou, ainda, a outros valores constitucionalmente relevantes, tais como o segredo de justiça ;

4ª. Na ausência de lei densificadora das restrições, o eventual conflito entre o direito à liberdade de expressão do preso preventivamente e os valores ou bens jurídicos mencionados na conclusão anterior, terá de ser resolvido através de um processo de ponderação, norteado pela procura de soluções de harmonização e concordância práticas e limitado pelo princípio da proporcionalidade;

5ª. Em caso de inultrapassável conflito entre os direitos dos reclusos e a necessidade de acautelar os valores jurídico- –constitucionais referenciados, devem prevalecer, em última instância, estes valores, ainda que sempre dentro dos limites do princípio da proporcionalidade e do respeito pelo reduto último intransponível constituído pela dignidade humana;

6ª. A decisão que em concreto determine qualquer restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão, seja judicial seja administrativa, deverá estar devidamente fundamentada, com explicitação dos motivos de facto e de direito que condicionam o sentido da decisão (artigos 97º, nº 4, do Código de Processo Penal e 125º do Código do Procedimento Administrativo);

7ª. Nos contactos do recluso preventivo com a comunicação social, em especial quando se trate de entrevistas escritas, aplica-se, por analogia e com as devidas adaptações, o regime que disciplina o exercício do direito à correspondência (artigos 42º, 43º e 46º do Decreto-Lei nº 265/79);

8ª. No caso de recluso definitivamente condenado, além da observância dos pressupostos orgânicos, formais e materiais mencionados nas conclusões 2ª, 4ª, 5ª e 6ª, o direito à liberdade de expressão apenas pode ser restringido para salvaguardar a disciplina, segurança e ordem do estabelecimento e a finalidade de execução da pena;

9ª. O recluso em prisão preventiva pode ver mais limitado o exercício do direito à liberdade de expressão, mormente no seu relacionamento com os órgãos de comunicação social, por razões que se prendem com a necessidade de acautelar as finalidades da medida de coacção e o segredo de justiça;

10ª. Nos contactos pessoais dos reclusos com os órgãos de comunicação social, cabe à Administração Prisional, em qualquer caso, decidir em matéria de disciplina, ordem e segurança do estabelecimento;

11ª. Tratando-se de recluso em prisão preventiva, ao estatuído na conclusão 10ª, acresce que a fiscalização e controlo dos interesses ligados à salvaguarda das finalidades da prisão preventiva e o segredo de justiça (artigo 204º do Código de Processo Penal e artigo 20º, nº 1, da Constituição) cabe ao Ministério Público, ao juiz de instrução ou do julgamento, conforme a questão se coloque na fase do inquérito, da instrução ou do julgamento, respectivamente, sendo que havendo restrições aos direitos, liberdades e garantias elas devem ser objecto de decisão jurisdicional, se suscitadas por quem para tanto tiver legitimidade.




VOTO


(Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol) – Com a seguinte declaração de voto.

Na origem da presente consulta figura o pedido formulado por estações televisivas para entrevistar reclusos em situação de prisão preventiva, concretamente identificados.
Ora, rematando a argumentação expendida no ponto VI, afirma-se a fls. 48, linhas 13.ª a 17.ª (ponto 2.3.1.):

«Em consequência do exposto não se afigura, em regra, compaginável com a salvaguarda dos interesses em jogo conceber que um preso, sobretudo preventivo, possa, por exemplo, em directo para a televisão ou para a rádio, dar uma entrevista ou ser alvo de uma reportagem.»

Entendo, por isso, que a afirmação transcrita assumiria relevo justificativo para integrar a síntese conclusiva enunciada no ponto VIII do parecer.

______________________



[1]) Comunicação de 21 de Março de 2003.
[2]) Comunicação de 6 de Maio de 2003.
[3]) Resulta da comunicação de 6 de Maio que a TVI, para a referida entrevista, requereu primeiramente “autorização ao juiz titular do processo” que emitiu despacho considerando, designadamente, que “não está na dependência de um Juiz – qualquer Juiz -, por regra, a autorização de entrevistas a arguidos presos preventivamente”.
[4]) Comunicação, via fax, de 6 de Maio de 2003.
[5]) É também de referir que, por requerimento de 21 de Abril de 2003, um recluso em prisão preventiva comunicou à Directora do Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária que iria responder por escrito ao semanário Expresso. Ouvido o Ministério Público, enquanto titular do Inquérito, foi emitida pronúncia no sentido de que “Tendo em consideração os perigos que, em concreto, se verificam em relação ao arguido, e salvaguardadas todas as suas garantias de defesa, o Ministério Público entende que não deve ser autorizada a realização de qualquer entrevista”.
[6]) O pedido de parecer foi distribuído sem carácter de urgente em 15 de Maio de 2003. Posteriormente, na sequência do ofício nº 2727/2003, de 21 de Maio, de Sua Excelência a Ministra da Justiça, foi-lhe atribuído carácter de urgente, em 23 de Maio.
[7]) Os direitos, liberdades e garantias caracterizam-se fundamentalmente como direitos de defesa do cidadão contra o Estado, e têm por “objecto um dever de omissão dos poderes públicos ante a esfera individual” (cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, Coimbra, 1991, p. 101).
[8]) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 225. Sobre o tema, cfr. os Pareceres nºs 23/86, de 5 de Junho de 1986, e 62/95, de 31 de Maio, de 5 de Maio de 2001, Diário da República, II Série, de 8 de Março de 2002. Para um tratamento dogmático do direito à liberdade de expressão em sentido amplo, assente nas diferentes liberdades de comunicação, cfr. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de Expressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2002.
[9]) Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 201/86 e 248/86, Diário da República, nº 195, II Série, de 26 de Agosto, e Diário da República, nº 212, I Série, de 15 de Setembro, respectivamente.
[10]) Cfr. Constituição..., cit., p. 226.
[11]) Trata-se de um direito individual dotado do “radical subjectivo” próprio, mas tem também uma dimensão de “garantia institucional”, quando conexionado com a liberdade de imprensa (cfr. FIGUEIREDO DIAS, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115º, nº 3697, p. 101, nota (1) e GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 230).
[12]) Este regime específico encontra-se previsto, no essencial, no artigo 18º, mas resulta ainda dos artigos 19º, 20º, nº 5, e 21º, e dos artigos 165º, nº 1, alínea b), 272º, nº 3, e 288º, alínea d), da Constituição.
[13]) Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Fundamentos..., cit., pp. 121 ss.; GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., pp. 271 ss.; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, pp. 399 ss.; VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 191 e, em especial, pp. 199 ss.; JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000, IV, pp. 311 ss.; e JORGE BACELAR GOUVEIA, “Regulação e limites dos direitos fundamentais”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, pp. 456 ss.
[14]) Segundo GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Fundamentos..., cit., p. 135, “Os direitos fundamentais não nascem já com limites inerentes ou naturais não escritos, fora daqueles que a própria Constituição estabelece ou consente. A restrição é sempre a posteriori, face à necessidade de proceder à conciliação com outro direito fundamental ou interesse constitucional suficientemente caracterizado e determinado, cuja satisfação não possa deixar de passar pela restrição de um certo direito fundamental.” A questão não é, porém, pacífica. Alguns autores preferem falar na admissibilidade da existência de restrições implícitas, “derivadas da necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, quando, no caso concreto, o exercício de um direito colidisse com outros direitos ou valores, em circunstâncias que pudessem exigir o sacrifício parcial ou total desse direito (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 289 ss.). Nos casos de ausência de credencial constitucional que autorize a restrição legislativa, a solução pode encontrar-se ainda recorrendo à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do nº 2 do artigo 16º. O artigo 29º da referida Declaração prevê genericamente que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para assegurar o reconhecimento ou o respeito dos valores aí enunciados: “direitos e liberdades de outrem”, “justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar geral numa sociedade democrática”. Para maiores desenvolvimentos, cfr. idem, ibidem, pp. 290/291).
[15]) A propósito do princípio da concordância prática e da proporcionalidade na resolução dos problemas da colisão entre direitos e bens jurídico-constitucionais, cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Fundamentos..., cit., pp. 135 ss.; VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 310 ss. e JÓNATAS MACHADO, “A construção e utilização de locais para o culto: a perspectiva das confissões religiosas minoritárias”, Separata da Revista do Ministério Público, nº 69, Lisboa, 1997, pp. 134 ss. e, do mesmo autor, Liberdade de Expressão..., cit., pp. 377 ss.
[16]) O princípio da proporcionalidade em sentido amplo é considerado um “verdadeiro metaprincípio de optimização dos múltiplos princípios que integram a ordem jurídica”, cfr. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de Expressão..., cit., p. 377.
[17]) Cfr. GOMES CANOTILHO, ob. cit., p. 262.
[18]) Para a densificação deste subprincípio e de forma a permitir imprimir-lhe maior operacionalidade prática concorrem, segundo GOMES CANOTILHO (ibidem), as seguintes exigências:
«a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais “poupado” possível quanto à limitação dos direitos fundamentais;
b) a exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção;
c) a exigibilidade temporal, que pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva do poder público;
d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados».
[19]) Sobre o princípio da proporcionalidade, cfr. o Parecer nº 35/99, de 13 de Julho de 2000 ( Diário da República, II Série, de 24 de Janeiro de 2001, e o Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 274/98, Diário da República, II Série, de 23 de Novembro de 1988.
[20]) VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 303, nota (65), refere a tentativa de substituir a expressão por “estatutos especiais” ou “relações jurídicas especiais”. No direito espanhol impera a designação “relação especial de sujeição” [cfr. ABEL TÉLLEZ AGUILERA, Seguridad y Disciplina Penitenciaria, Edisofer, S.I., Madrid, 1998, p. 25, nota (21)].
[21]) Cfr. FRANCISCO RACIONERO CARMONA, Derecho Penitenciario y Privación de Libertad, Dykinson, Madrid, 1999, p. 52.
[22]) Em virtude da inserção duradoura do administrado na organização administrativa (cfr. FRANCISCO RACIONERO CARMONA, ibidem).
[23]) Cfr. ob. cit., p. 424. Ver também os Pareceres nºs 47/2002, de 13 de Fevereiro de 2003; 6/97, de 9 de Junho de 1999, Diário da República, II Série, de 20 de Maio de 2001; e 117/87, de 13 de Outubro de 1988.
[24]) A teoria clássica das relações especiais de poder surgiu na Alemanha, no seio de uma corrente doutrinária denominada “Teoria Geral do Direito” marcada pelo positivismo jurídico formalista do século XIX. Em traços largos, entendia-se que o domínio da juridicidade só abrangia as relações estabelecidas entre sujeitos autónomos. Logo, quando o Estado actuasse numa relação de supremacia com certos cidadãos (ex., caso dos funcionários), tais relações traduziam-se num mero exercício do poder, excluídas do direito e apenas sujeitas ao domínio do político e ético. Neste contexto as relações especiais de poder caracterizavam-se pelas seguintes notas: encontravam-se excluídas do princípio da legalidade; no seu âmbito não valiam os direitos fundamentais; e a sua regulamentação era feita através de prescrições e instruções administrativas subtraídas ao controlo judicial. Para maiores desenvolvimentos sobre a teoria clássica, imputada a OTTO MAYER, cfr. ABEL TÉLLEZ AGUILERA, ob. cit., pp. 25 ss.; MARIANO LOPEZ BENITEZ, Naturaleza Y Presupuestos Constitucionales de las Relaciones Especiales de Sujeción, Civitas, Madrid, 1994, pp. 65 ss.; ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, Coimbra, 1978, edição policopiada, pp. 94 ss.
[25]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 305.
[26]) Cfr. GOMES CANOTILHO, ob. cit., p. 425. Ver no mesmo sentido, MARIANO LOPEZ BENITEZ, ob. cit., pp. 344 ss. e 400 ss.
[27]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 305.
[28]) Segundo VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 223, estamos perante leis restritivas propriamente ditas, quando “o legislador visa diminuir ou reduzir efectivamente o conteúdo do direito fundamental”.
[29]) Sobre o sentido útil deste limite absoluto, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 293 ss., e JÓNATAS MACHADO, Liberdade de Expressão..., cit., pp. 741 ss.
[30]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 305/306. No mesmo sentido, embora referindo-–se em concreto ao estatuto dos reclusos, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra p. 93, pondera que a restrição dos direitos, liberdades e garantias dos reclusos tem de “operar-se por via legal (...); (...) “a lei só pode restringir estes direitos quando a limitação seja ‘inerente ao sentido da condenação’ ou ‘imposta em nome da ordem e segurança do estabelecimento’, devendo então subordinar-se aos requisitos gerais das leis restritivas (nomeadamente, a necessidade da limitação para a salvaguarda de um interesse constitucionalmente protegido, o princípio da proporcionalidade e o princípio da preservação do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais).” Também para JOSÉ MANUEL VILALONGA, “Constitucionalidade das Medidas Disciplinares Aplicadas aos Reclusos”, Themis, Revista de Direito, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, I.1 (2000), p. 217, “o recluso preserva os seus direitos fundamentais, devendo a sua liberdade (a liberdade que subsiste durante a execução da pena de prisão) ser objecto, pelo menos, da tutela geral.”
[31]) Cfr. GOMES CANOTILHO, ibidem.
[32]) Cfr. ob. cit., p. 308.
[33]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, idem, pp. 308/09.
[34]) O Acórdão do Tribunal Constitucional Alemão de 14 de Março de 1972 é apontado como o causador da “morte” da teoria clássica das relações especiais de poder. Considerado verdadeiro leading case na matéria, o tribunal fixou, naquela decisão, que só a lei podia estabelecer restrições aos direitos, liberdades e garantias dos reclusos. Para maiores desenvolvimentos, cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., pp. 69 ss. e 80/81, e IÑAKI RIVERA BEIRAS, La devaluación de los derechos fundamentales de los reclusos, José Maria Bosch Editor, Barcelona, 1997, pp. 340 ss.
[35]) Cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., p. 67.
[36]) Preceito introduzido pela revisão constitucional de 1989.
[37]) No direito espanhol foi rejeitada a possibilidade de ser reconhecido este direito aos reclusos. As razões em geral invocadas são a defesa da ordem e segurança pública, em especial do estabelecimento prisional. Para maiores desenvolvimentos, cfr. IÑAKI RIVERA BEIRAS, ob. cit., p. 384. Segundo MARIANO LOPEZ BENITEZ, ob. cit., p. 437, as associações lúdicas, filantrópicas ou culturais não colidem com o fim das penas e podiam contribuir para a ressocialização dos detidos. No entanto, chama a atenção para as dificuldades práticas na concretização deste direito, em especial no que respeita à realização de assembleias dentro dos estabelecimentos prisionais. Dificuldades acrescidas, segundo o autor, quanto à concretização do direito de reunião (cfr. ob. cit., p. 438). Em relação ao exercício do direito de voto, na Informação-Parecer nº 99/85, de 17 de Setembro de 1985, ponderou-se que, por razões de segurança, “os detidos em prisão preventiva, bem assim como os demais reclusos que não gozem de regime especial que lhes permita saída do estabelecimento prisional”, não podiam comparecer, para votar, nas respectivas assembleias de voto. Na mencionada Informação-Parecer ficou ainda consignado que “A pretensão deduzida por nove detidos do Estabelecimento Prisional de Lisboa, candidatos às próximas eleições legislativas, pela FUP, no sentido de lhes ser concedido um regime especial que atenue a desigualdade de oportunidades e de tratamento, relativamente aos demais candidatos, no decorrer da campanha eleitoral em curso, deve ser atendida, na medida em que não ponha em risco a disciplina, a segurança e a ordem do referido estabelecimento prisional.”
[38]) Para uma análise dos direitos susceptíveis de serem limitados ou direitos “debilitados” em decorrência da pena de prisão, cfr. MARIANO LOPEZ BENITEZ, ob. cit., pp. 426 ss.
[39]) O recluso passa a ser titular de duas categorias de direitos: aqueles que conserva, não obstante estar na prisão, e que são reconhecidos pela Constituição, e os direitos que nascem da sua condição de recluso (cfr. ABEL TÉLLEZ AGUILERA, ob. cit., pp. 50 ss.).
[40]) Fala-se em estatuto negativo e em estatuto positivo do recluso (nele se inclui, entre outros, o direito do recluso ao trabalho, saúde, alimentação, etc., direitos a serem efectivados pela Administração penitenciária, com vista à realização dos fins visados pela execução das penas). Cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., , pp. 86 ss.; JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, “Comunicação Social, os Reclusos e a Administração Prisional: os direitos e os deveres”, Temas Penitenciários, Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, Série II, nºs 3 e 4, 1999, pp. 41 ss.; e FRANCISCO RACIONERO CARMONA, ob. cit., pp. 160 ss., em especial p. 195. Para maiores desenvolvimentos sobre a estrutura destas categorias de direitos fundamentais, cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Fundamentos..., cit., pp. 109 ss.
[41]) Cfr. Direito Penal Português (Parte Geral II As Consequências Jurídicas do Crime), Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 111/12.
[42]) Sobre o estatuto jurídico do recluso, cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa de liberdade, Separata do volume XXIII, Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1982, pp. 168 ss., e Novo Olhar..., cit., p. 93; FRANCISCO RACIONERO CARMONA, ob. cit., p. 195.
[43]) As denominadas Regras Mínimas foram aperfeiçoadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa que aprovou as Regras Penitenciárias Europeias, em 1987, de que resultou a Recomendação do Comité de Ministros nº R (87) 3. Para maiores desenvolvimentos sobre as denominadas Regras Mínimas e sua evolução, cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar…, cit., pp. 195 ss.; IÑAKI RIVERA BEIRAS, ob. cit., pp. 137 ss., e pp. 153 ss.; ALPHONSE SPIELMANN, “Pour un Contrôle Efficace de L’ Application Pratique des Regles Minima pour le Traitement des Detenus”, Revue de Droit Penal et de Criminologie, nº 6, juin 1985, pp. 529 ss.; e PIERRE LAMBERT, ”Le Sort des Détenus au Regard des Droits de L’Homme et du Droit Supranational”, Revue Trimestrielle des Droits de L’Homme, Nº 34, 1998, pp. 292 ss. Ver ainda o Parecer nº 107/85, de 14 de Outubro de 1985, Diário da República, II Série, de 26 de Novembro. Para uma resenha dos instrumentos elaborados no seio da ONU sobre a matéria, cfr. CUNHA RODRIGUES, “General Report”, Actes des Journées de la Fondation Internationale Pénale et Pénitentiaire à Macao, Macau, 1994, pp. 232 ss.
[44]) Assinado em Nova Iorque, em 7 de Outubro de 1976, e aprovado para ratificação pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho.
[45]) De 4 de Novembro de 1950, aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro. Sobre a Convenção Europeia do Direitos do Homem, cfr. IÑAKI RIVERA BEIRAS, ob. cit., pp. 51 ss., e IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1999.
[46]) Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, diploma sucessivamente alterado pelos Decretos-Lei nºs 49/80, de 22 de Março e 414/85, de 18 de Outubro.
[47]) Neste sentido, cfr. o Parecer nº 137/96, de 9 de Junho de 1999 e doutrina nele citada.
[48]) O Parecer nº 137/96 contém uma análise pormenorizada sobre a sistemática do diploma. No caso presente importa realçar a normação relativa aos direitos fundamentais e regime da prisão preventiva.
[49]) O artigo 193º, nº 2, do Código de Processo Penal acentua o carácter excepcional e subsidiário da prisão preventiva que decorre deste preceito, bem como de textos internacionais positivadores de direitos humanos, tais como, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para maiores desenvolvimentos, cfr. o Parecer nº 137/96, de 9 de Junho de 1999, e doutrina nele citada.
[50]) Pelo gravame que pode constituir para os direitos do arguido que se presume inocente, a prisão preventiva é concebida no plano constitucional e infraconstitucional como ultima ratio das medidas de coacção (cfr. JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS, “Critérios da Prisão Preventiva”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, Julho/Setembro de 2000, pp. 422 ss.; PEDRO JORGE TEIXEIRA DE SÁ, “Fortes Indícios de Ilegalidade da Prisão Preventiva”, Scientia Ivridica, T. XLVIII, 1999, nºs 280/282, pp. 393 ss.). JOÃO CASTRO E SOUSA, “Os Meios de Coacção no Novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra, 1988, p. 152, fala sugestivamente em extrema ratio.
[51]) Cfr. TAVARES DE ALMEIDA, “A Precaridade da Prisão Preventiva e os Delitos Incaucionáveis, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 42, 1982, p. 736.
[52]) Além do princípio da legalidade, as medidas de coacção devem obedecer ao princípio da adequação e proporcionalidade (artigo 193º do Código de Processo Penal) e, quanto à prisão preventiva, o da subsidiariedade (artigos 202º e 209º). Alguns autores acrescentam ainda o princípio da precariedade das medidas de coacção porque, impostas ao arguido que se presume inocente, só devem ser aplicadas as medidas que se mostrem “comunitariamente suportáveis”, cfr. FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os Sujeitos Processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra, 1988, p. 27. Sobre o princípio da precariedade da prisão preventiva, ver também TAVARES DE ALMEIDA, ob. cit., pp. 736 ss. Para maiores desenvolvimentos quanto ao sentido e alcance destes princípios, cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, 2ª ed., Editorial Verbo, 1999, II, pp. 247 ss.; JOAO CASTRO E SOUSA, “Os Meios de Coacção...”, cit., pp. 154 ss.; JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, “As Medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial no Novo Código de Processo Penal, Separata do Boletim do Ministério da Justiça, nº 371, pp. 6 ss.; e MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 434. Ver ainda os Pareceres nºs 111/90, de 6 de Dezembro de 1990; 12/92, de 30 de Março de 1992; e 35/99, de 13 de Julho de 2000, Diário da República, II Série, de 24 de Janeiro.
[53]) “Com recurso a estes princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção possível, emanações do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, procurou-se a ‘concordância prática’ dos interesses conflituantes da eficácia da justiça penal e do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” (cfr. MANUEL SIMAS SANTOS, “Acusação e Prisão Preventiva em Portugal”, A Justiça nos dois Lados do Atlântico II, Fundação Luso-Americana, Outubro de 1998, p. 75).
[54]) ODETE MARIA OLIVEIRA, “As Medidas de Coacção no Novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra, 1988, p. 183, aponta várias disposições que reforçam o carácter excepcional, subsidiário e gravoso da prisão preventiva, tais como “as relativas ao reexame dos seus pressupostos (art. 231º, nº 1), as que referem a possibilidade de elaboração de relatório social que permita ao magistrado o conhecimento mais profundo dos diversos elementos a ter presentes na decisão sobre prisão preventiva, nomeadamente os relativos à personalidade e carácter do arguido, sua conduta anterior e sua situação pessoal, familiar e social (cfr. art. 1º, nº 1, al. g), 213º, nº 3, e 370º, nº 3) e ainda as que, em desenvolvimento do preceituado no art. 27º, nº 5, da CRP, estabelecem o direito à indemnização nos casos de prisão preventiva ilegal ou injustificada (art. 225º).”
[55]) Com excepção do termo de identidade e residência (artigo 196º e corpo do artigo 204º).
[56]) Cfr. ODETE MARIA DE OLIVEIRA, ob. cit., pp. 185 ss.
[57]) Temos assim que, no caso concreto, em que se verifiquem os pressupostos referidos na alínea a) do artigo 202º e houver indícios de alguma das situações do artigo 204º, só será de aplicar a prisão preventiva depois de o juiz concluir que todas as demais medidas coactivas se mostram no caso inadequadas ou insuficientes e ainda que a mesma é proporcionada à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
[58]) Cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., pp. 242 ss., e JOÃO CASTRO E SOUSA, A Tramitação do Processo Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 69 ss.
[59]) Segundo GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., p. 244, “quando a lei refere instrução do processo não se quer referir apenas à fase processual da instrução, mas a toda a actividade instrutória (= recolha e produção de prova no processo), quer decorra na fase do inquérito, quer no julgamento, quer nos recursos.”
[60]) Com GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., p. 244, pode dizer-se que “Permanecendo em plena liberdade, nada impede que o arguido possa perturbar o inquérito e a instrução, v.g., combinando com os outros arguidos uma determinada versão para os factos, simulando novos factos ou falsos álibis, atemorizando ou subornando as testemunhas, ou fazendo desaparecer documentos probatórios, produzindo documentos falsos, etc.”
[61]) Cfr. MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., p. 76. Também para GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., p. 278, em homenagem ao princípio da presunção da inocência, que é uma garantia fundamental, “a imposição de limitações à liberdade só pode ser de admitir na medida da sua estrita necessidade para a realização dos fins do processo”.
[62]) Cfr. JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS, ob. cit., p. 419.
[63]) Cfr. ODETE MARIA DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 186.
[64]) Cfr. JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS, ob. cit., p. 421, tendo por referência o artigo 202º , nº 2, da CRP, cujo conteúdo é o seguinte: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir o conflitos de interesses públicos e privados.”
[65]) Os meios cautelares são instrumentos processuais indispensáveis para evitar que o processo penal corra o risco de, nas palavras de PEDRO JORGE TEIXEIRA DE SÁ, ob. cit., pp. 394/95, se “autoinutilizar”, pois que estaria na livre disposição do arguido fugir, destruir provas ou continuar a actividade criminosa.
[66]) Cfr. JOAO CASTRO E SOUSA, “Os Meios de Coacção...”, cit., p. 152. Também para MANUEL SIMAS SANTOS, ibidem, “a execução da prisão preventiva não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não sejam incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requer”.
[67]) Como melhor será analisado mais adiante, a prisão preventiva integra-se nas medidas de coacção e tem, por conseguinte, natureza estritamente cautelar: não se trata de pena, medida de segurança, “ou qualquer espécie, por mais larvar, de princípio de punição”, cfr. PEDRO JORGE TEIXEIRA DE SÁ, ob. cit., p. 394.
[68]) Estas regras “testemunham, ao mesmo tempo, um dos aspectos em que surge mais saliente a diferenciação do instituto em face da prisão propriamente dita” (cfr. EDUARDO CORREIA/ANABELA MIRANDA RODRIGUES/ANTÓNIO ALMEIDA COSTA, Direito Criminal-III(1), Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, 1980, p. 217).
[69]) A reforma prisional de 1936 (Decreto-Lei 26 643, de 28 de Maio de 1936) previu a existência de estabelecimentos de detenção, distintos dos estabelecimentos destinados ao cumprimento de penas e dos estabelecimentos para execução de medidas de segurança (cfr. o Parecer nº 107/85).
[70]) Cfr. o Parecer nº 107/85.
[71]) A fiscalização e o controlo da correspondência faz-se de acordo com a Circular nº 3/94, de 11 de Novembro, que teve em vista uniformizar procedimentos e garantir a “harmonia com o quadro constitucional de previsão e tutela dos direitos fundamentais”. Do teor da mesma resulta que foi abolido o controlo relativamente à correspondência com um conjunto alargado de entidades, suprimida a censura da correspondência e limitada a sua leitura a situações de forte suspeita de perigo para a ordem e segurança do estabelecimento ou de continuação da actividade criminosa (cfr. “Relatório de Actividades”, Ministério da Justiça, Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, 1996/1997, p. 217). Da mencionada Circular, importa destacar o ponto primeiro, que tem o seguinte conteúdo: “A fiscalização da correspondência efectivar-se-à unicamente por abertura e sempre na presença do recluso. Este acto será realizado pelo Serviço de Vigilância e Segurança.” O ponto terceiro acrescenta: “Porém, quando exista suspeita de prática de crime ou razões de ordem e segurança o justifiquem, o Serviço de Educação e Ensino procederá à leitura do texto da correspondência”. Por sua vez, segundo o ponto quinto, “A correspondência entre o recluso e o Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro, Procurador-Geral da República, Juiz do Tribunal de Execução das Penas, Ministro da Justiça, Provedor de Justiça, Director-Geral dos Serviços Prisionais, Entidades Consulares e Diplomáticas e a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, não será objecto de qualquer controlo.” Finalmente, segundo o ponto nove, “O controlo da correspondência não poderá implicar, em caso algum, a rasura ou truncagem que incidam sobre o texto do escrito.”
[72]) A Constituição refere-se à comunicação social no artigo 38º, entendendo-se, depois das revisões de 1982 e 1989, que o conceito é utilizado como “género, de que são espécies a imprensa, a rádio e a televisão (...)” devendo, neste sentido, “considerar-se acolhido pela Constituição um conceito formal de meios de comunicação social (e de imprensa), delimitado, fundamentalmente, em função dos métodos de produção e difusão (ou multiplicação) e do seu destino (o público) e incluindo, como espécies, a imprensa, a radiodifusão e a televisão” (cfr. LUÍS BRITO CORREIA, Direito da Comunicação Social, Almedina, Coimbra, 2000, vol. I, pp. 26/27).
[73]) Seguimos de perto o estudo da autoria de JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., pp. 46 ss. Aí se dá nota de que, após consulta realizada através do Conselho da Europa, se apurou que 15 dos Estados-membros têm legislação que regulamenta o relacionamento entre a comunicação social, os reclusos e a administração prisional.
[74]) Cfr. FRANCISCO RACIONERO CARMONA, ob. cit., pp. 177 ss. A doutrina reafirma a importância das comunicações com o exterior por se tratar de um direito inerente à dignidade da pessoa humana e essencial ao livre desenvolvimento da personalidade, apresentando-se, no caso, fundamental à defesa da reinserção social do recluso.
[75]) No ano de 2000, dos 423 pedidos de reportagem formalizados, foram deferidos 382. As recusas abrangeram especialmente as reportagens centradas num recluso. Sobre a abertura da administração prisional aos “médias”, cfr. Administration Pénitentiaire, Rapport Annuel d‘ Activité 2000, Ministère de la Justice, La Documentation Française, Paris, 2002, pp. 170 ss.
[76]) Cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., p. 48.
[77]) Cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., p. 48.
[78]) Cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., p. 49.
[79]) Caso GOLDER, Sentença de 21 de Fevereiro de 1975, disponível no site do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (http//www.echr.coe.int/eng/judgment.htm). A sentença encontra-se comentada em IÑAKI RIVERA BEIRAS, ob. cit., p. 383.
[80]) Ver ampla jurisprudência referenciada em FRANCISCO RACIONERO CARMONA, ob. cit., pp. 237 ss.; IÑAKI RIVERA BEIRAS, ob. cit., pp. 383 ss.; IÑAKI LASAGABASTER HERRARTE, Las Relaciones de Sujeción Especial, Civitas, Madrid, 1994, pp. 357 ss.; G.D. TREVERTON-JONES, Imprisonment: the Legal Status and Rights of Prisoners, Sweet/Maxell, London, 1989, 73 ss.
[81]) Casos KLAAS, MALONE Y MOUSTAQUIM, Sentenças de 6 de Setembro de 1978, de 2 de Agosto de 1984 e de 18 de Fevereiro de 1991, respectivamente, citados em FRANCISCO RACIONERO CARMONA, ob. cit., p. 237/238. Sobre o direito à inviolabilidade da correspondência, v. ainda, Sentença de 25 de Março de 1992 (Caso CAMPBELL) e Sentença de 21 de Dezembro de 1999 (Caso DEMIRTEPE), ambas disponíveis no site do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
[82]) Cfr. Caso GOLDER.
[83]) Cfr. Sentença de 20 de Junho de 1988.
[84]) Cfr. IÑAKI LASAGABASTER HERRARTE, ob. cit., pp. 358 ss.
[85]) O artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, relativo à liberdade de expressão, tem o seguinte conteúdo:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e da prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”
Sobre o sentido e alcance do preceito, cfr. FRANCISCO FERNANDEZ SEGADO, “La Libertad de Expresión en la Doctrina del Tribunal Europeo de Derechos Humanos”, Revista de Estudios Políticos, Nº 70, 1990, pp. 93 ss.
[86]) Sentença de 25 de Março de 1983 (disponível no site do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem). Para um comentário, cfr. IÑAKI RIVERA BEIRAS, ob. cit., p. 383. Tratava-–se de um recluso que pretendeu enviar para a comunicação social uma exposição crítica sobre as condições da cadeia e viu a sua exposição modificada. No mesmo sentido, cfr. Sentença de 27 de Abril de 1988, Caso BOYLE y RICE, citada por IÑAKI RIVERA BEIRAS, ibidem, nota (23).
[87]) Em consequência, o regime das relações dos reclusos com os órgãos de comunicação social, sobretudo os contactos pessoais, é muito diferente consoante os estabelecimentos prisionais, como ressalta do estudo feito no âmbito da Provedoria de Justiça (Provedor de Justiça, Relatório sobre o Sistema Prisional de 1998, http://.provedor-jus.pt).
[88]) Tivemos acesso a um “Anteprojecto de Proposta de Lei de Execução das Medidas Privativas de Liberdade, de 5 de Dezembro de 2002, que se propõe regulamentar a relação dos reclusos com a comunicação social (cfr. artigo 94º). No nº 6, alínea c), desse artigo encontram-se vedadas “as entrevistas com reclusos preventivos”.
[89]) Os direitos, liberdades e garantias gozam de aplicabilidade directa. Tal significa que os preceitos constitucionais que os contêm são “imediatamente exequíveis, isto é, podem em regra ser exercidos ainda que não exista uma intervenção legislativa prévia” (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 202/03). Segundo JÓNATAS MACHADO, A construção..., cit., p. 129, “a aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias significa que os mesmos valem sem lei, contra a lei e em vez da lei. Com efeito, nem a omissão nem a acção do legislador podem constituir obstáculo ao exercício dos direitos fundamentais. A falta de legislação reguladora do exercício dos direitos, liberdades e garantias não pode apresentar-se como condição suspensiva do seu exercício.”
[90]) Neste sentido, cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 198.
[91]) O preceito constitucional veio admitir expressamente a possibilidade de restrição de direitos fundamentais com base no sentido próprio da execução da pena, preceito que ainda não foi objecto de concretização pelo legislador ordinário. Alguma doutrina rejeita, porém, que a restrição de direitos seja vista como um procedimento adequado à realização da socialização (cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., pp. 91 ss.).
[92] ) Em conjugação com os artigos 27º, nº 3, alínea b), e 28º da Constituição.
[93]) Cfr. ABEL TÉLLEZ AGUILERA, ob. cit., p. 169.
[94]) A segurança do estabelecimento prisional pode perspectivar-se em duas vertentes: função-segurança externa, dirigida a garantir a ausência de fugas, para satisfação de exigências de prevenção geral; função-segurança interna, destinada a evitar desordens, para satisfação de exigências de prevenção especial (cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., pp. 50 ss.
[95]) Cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., p. 91.
[96]) A segurança e boa ordem do estabelecimento prisional, quando conexionadas à finalidade que este visa prosseguir, isto é, a guarda e segurança de presos preventivos ou sentenciados, constitui pressuposto ou objectivo mínimo de toda a execução penal em relação a todas as categorias de reclusos (cfr. MARGARITA MARTÍNEZ ESCAMILLA, La Suspensión e Intervención de las Comunicaciones del Preso, Tecnos, Madrid, 2000, pp. 59/60).
[97]) Tratando-se de um ambiente parcialmente isolado da comunidade é um “meio ansiogénico por excelência” (cfr. JOÃO PAULO VENTURA/MARIA RUTE DAVID, “Perturbações da Ansiedade em Ambiente Prisional”, Temas Penitenciários, 2001, Série 11, 6 e 7, p. 51).
[98]) No sentido de que a sobrelotação constitui “um factor fortemente inibidor da correcta execução da pena de prisão”, cfr. A Execução das Medidas Privativas da Liberdade, Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas, Relatório apresentado em Novembro de 1997, pp. 34 ss. Sublinhando a superpopulação das prisões como um dos problemas mais candentes da administração penitenciária, cfr. MARIA JOSÉ DE MATOS, “Les Principes Fondamentaux pour le Traitement des Detenus”, Documentação e Direito Comparado, nº 39/40, 1989, p. 344. Note-se, porém, que o problema não é exclusivo do sistema prisional português, antes afecta outros países europeus, como pode ver-se, por exemplo, em La Superpopulation Pénitenciaire en Europe, Bruyent, Bruxelas, 1999; BORJA MAPELLI CAFFARENA, “Tendências Modernas en la Legislación Penitenciaria”, Derecho Penitenciario y Democracia, Fundación El Monte, Sevilha, 1994, pp. 26 ss.; STEVEN BOX/CHRIS HALE, “Unemployment, crime and imprisonment, and the enduring problem of prision overcrowding”, Imprisonment, Ashgate/Dartmouth, 1999, pp. 72 ss.
[99]) Cfr. o Parecer nº 107/85, cuja doutrina foi reiterada no Parecer nº 137/96.
[100]) Sobre o problema de saber se o segredo de inquérito constitui um direito fundamental ou uma garantia institucional que protege e limita direitos fundamentais, cfr. PAULO DÁ MESQUITA, “O Segredo do Inquérito Penal”, Direito e Justiça, Vol. XIV, 2000, pp. 61 ss.
[101]) É o seguinte o conteúdo do preceito constitucional: “A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça”.
[102]) Para LUIS MANUEL MENEZES LEITÃO em rigor, o segredo de justiça, dada a sua extensão, não pode ser configurado como norma excepcional em relação ao carácter normalmente público do processo penal” (cfr. “O segredo de justiça em processo penal”, Estudos Comemorativos do 150º Aniversário do Tribunal da Boa Hora, Ministério da Justiça, 1995, p. 224).
[103]) A Constituição da República consagra no artigo 206º uma regra de publicidade extensível também ao processo penal mas que é restrita às audiências. É no “artigo 86º do Código do Processo Penal, que vamos encontrar”, nas palavras de JOSÉ SOUTO DE MOURA, “a delimitação do secretismo e da publicidade do processo penal comum, através da referência às suas fases” (cfr. “Comunicação Social e Segredo de Justiça Hoje”, Estudos de Direito da Comunicação, Instituto Jurídico da Comunicação, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 2002, p. 74). O artigo 86º, nº 1, dispõe: “O processo penal é, sob pena de nulidade, público a partir da decisão instrutória, ou se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida. O processo é público a partir do recebimento do requerimento a que se refere o artigo 287º, nº 1, alínea a), se a instrução for requerida apenas pelo arguido e este, no requerimento, não declarar que se opõe à publicidade.” Para maiores desenvolvimentos, cfr. MAIA GONÇALVES, ob. cit., pp. 256 ss.; PAULO DÁ MESQUITA, ob. cit., pp. 61 ss.; e LUIS MANUEL MENEZES LEITÃO, ob. cit., pp. 225 ss.
[104]) Através da participação de quem de direito, ou conhecimento próprio do Ministério Público, nos casos em que este pode actuar independentemente de denúncia, dando então início ao processo respectivo, com designação de diligências a levar a cabo ( artigo 241º ss. do Código de Processo Penal).
[105]) Quando requerida pelo assistente, bem como pelo arguido que declarou não prescindir da manutenção do segredo (artigo 86º, nº 1, do Código de Processo Penal).
[106]) “Até à decisão instrutória ou, não tendo esta sido requerida, até ao limite do prazo para o seu requerimento, e ainda no caso da instrução requerida apenas pelo arguido quando este se oponha à publicidade, o processo é secreto para o público em geral. Não o é, porém, inteiramente para a acusação, MP e assistente, e para o arguido. A partir da acusação ou despacho de arquivamento do inquérito, o arguido e o assistente têm acesso ao auto para poderem promover o que for de direito. Na fase do inquérito o processo permanece em segredo de justiça, mesmo para o arguido e o assistente” (cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., I, pp. 87/88).
[107]) Esta proibição consiste no segredo de justiça (cfr. ARTUR RODRIGUES DA COSTA, “Segredo de Justiça e Comunicação Social”, Revista do Ministério Público, Ano 17º, 1996, nº 68, p. 53, e PAULO DÁ MESQUITA, ob. cit., p. 58. Na verdade, o segredo de justiça é habitualmente definido como “o especial dever em que estão investidas determinadas pessoas que intervêm no processo penal de não revelarem factos ou conhecimentos que só em razão dessa qualidade adquirem” (cfr. ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “Publicidade do Processo-Restrições ao Direito de Informação”, Justiça e Comunicação Social, Lisboa, 1999, p. 163). Sobre o segredo de justiça, cfr. os pareceres nºs 121/80, de 23 de Julho de 1980; 23/94, de 24 de Setembro de 1994, Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 1995; e 21/2000, de 16 de Junho de 2000.
[108]) O segredo de justiça na fase de inquérito não é, contudo, absoluto e tem os limites expressamente previstos na lei processual penal.
[109]) Cfr. LABORINHO LÚCIO, Liberdade de Informação–Segredo de Justiça (Colóquio Parlamentar), Assembleia da República, Lisboa, 1992, p. 14.
[110]) Cfr. PAULO DÁ MESQUITA, ob. cit., p. 51. Além das finalidades referenciadas, JOSÉ SOUTO DE MOURA, ob. cit., p. 77, aponta ainda, “um interesse relacionado com o funcionamento da justiça penal “qua tale”, e que se prende com os valores da independência e da serenidade, na actuação das autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal. Ambos deverão ser preservados das pressões, especulações ou intromissões, que em muitos casos forçosamente surgiriam sobre o seu trabalho.” Acresce ainda, segundo o mesmo autor, “o interesse das próprias vítimas no sigilo nomeadamente estando em causa crimes contra a liberdade ou auto-determinação sexual, se se quiser nos casos em que é previsível a exclusão da publicidade da própria audiência”. Também no sentido de que o fundamento do segredo de justiça assenta numa tripla ordem de considerações, cfr. ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ob. cit., pp. 163 ss.
[111]) Na falta de lei específica, a Administração pode e deve, no âmbito da suas atribuições e competências, “proteger, promover e até concretizar“ as normas relativas aos direitos, liberdades e garantias. Sobre a vinculação da Administração aos direitos, liberdades e garantias, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 227 ss., em especial, p. 232.
[112]) Sujeita ao controlo dos tribunais.
[113]) Neste sentido, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 308.
[114]) Como ficou consignado no Parecer nº 45/97, de 16 de Dezembro de 1997, “(...) verificando-se situações de colisão concreta entre direitos ou valores constitucionalmente protegidos a impor a coordenação dos vários direitos fundamentais, não através de uma relação de hierarquia de valores, mas por meio de uma harmonização prática no quadro da unidade do sistema de direitos e valores constitucionalmente protegidos.” Sobre a colisão de direitos ver também os pareceres nºs 40/89, de 7 de Dezembro, Diário da República II Série, de 28 de Março de 1990; 17/93, de 17 de Junho; 52/98, de 17 de Agosto; e 94/2001-C, de 26 de Setembro de 2002.
[115]) Qualquer restrição do direito à liberdade de expressão há-de, desde logo, mostrar-se idónea, tendo em conta a adequação da medida ao fim proposto; ser necessária, respeitando a exigência do recurso à medida menos gravosa; e ser proporcional em sentido estrito.
[116]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 315.
[117]) Um detido em prisão preventiva, que venha suspeito da prática de actos terroristas, supõe, de certo, maior ameaça para a ordem do estabelecimento e a própria sociedade. Tal preso necessita de maior vigilância dentro do estabelecimento, pois a sua fuga ou evasão não representa o mesmo perigo para a sociedade que a de outro preso.
[118]) Doutrina expressa no Parecer nº 107/85, para o caso de colisão entre os direitos do recluso e a necessidade de acautelar a ordem e a segurança do estabelecimento e da população prisional, reiterada no Parecer nº 137/96.
[119]) Cfr. artigos 97º, nº 4, do Código de Processo Penal e 125º do Código do Procedimento Administrativo.
[120]) Só a explicitação das razões de facto e de direito e os motivos que levaram o agente a decidir permitem controlar a legalidade das decisões e assim garantir o direito de defesa dos reclusos.
[121]) É preciso que se indiquem as circunstâncias que em concreto imponham a restrição, invocando o fundado receio de risco concreto para os valores jurídico-constitucionais em presença.
[122]) Admitir-se-á que as autoridades competentes possam limitar ou até excluir a possibilidade de realização de entrevistas ou reportagens centradas num único recluso, “sempre que existam, por um lado, fundadas suspeitas que, por exemplo, um recluso queira aproveitar uma entrevista a um jornal para provocar desacatos no estabelecimento, para instigar os outros à revolta, para procurar fugir, pondo em risco a segurança do jornalista e, por outro lado, sempre que as autoridades sejam confrontadas com situações actuais e concretas de ameaça à segurança, criadas, por exemplo, no decurso da entrevista” (cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., p. 60).
[123]) Segundo o artigo 1º, alínea b), do Código de Processo Penal entende-se por “Autoridade Judiciária: o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência”.
[124]) Por outro lado, a resposta há-de ser diferente consoante se trate de entrevistas ou reportagens centradas exclusivamente num recluso ou, pelo contrário, visem abordar aspectos gerais relativos à vida e rotinas do estabelecimento.
[125]) Por exemplo, no Direito Penitenciário francês, BERNARD BOLZE e outros, Le guide du prisonier, Les Editions De L’Atelier, 1996, p. 113, dão-nos conta de que a publicação de artigos escritos por reclusos carece de autorização ministerial. Por outro lado, a administração prisional dispõe do poder de censurar parcial ou totalmente os artigos antes da sua publicação.
[126]) Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 202 ss. Sobre a integração de lacunas, cfr., entre outros, SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 2001, pp. 337 ss. e OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito Introdução e Teoria Geral, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, pp. 435 ss.; e FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª ed., Arménio Amado, Coimbra, 1987, tradução de Manuel de Andrade, pp. 160 ss.
[127]) “Casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante”, cfr. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 202.
[128]) Cfr. entre outros, os Pareceres nºs 73/91, de 9 de Janeiro de 1992, Diário da República, II Série, de 14 de Maio de 1992; 13/93, de 6 de Maio de 1993, Diário da República, II Série, de 23 de Novembro de 1993; 35/93, de 27 de Janeiro de 1994, Diário da República II Série , de 19 de Maio de 1994; os Pareceres nºs 52/95, de 20 de Dezembro de 1995; 51/97, de 12 de Fevereiro, de 1998 e 12/2003 de 27 de Fevereiro de 2003.
[129]) Considerando-se “o domicílio como projecção espacial da pessoa e a correspondência como extensão da própria pessoa” (cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 212).
[130]) Cfr. JOÃO CASTRO E SOUSA, ob. cit., p. 69, e SERGIO GARCÍA RAMÍREZ, Proceso Penal y Derechos Humanos, Editorial Porrua, AS, México, 1993, pp. 104 ss.
[131]) Cfr. o Parecer nº 137/96.
[132]) A expressão “recluso condenado” significa, no texto, recluso condenado com sentença transitada em julgado.
[133]) Nos termos do nº 1 do artigo 40º do Código Penal, “A aplicação da pena e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
[134]) FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal..., cit., p.111.
[135]) Cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., p. 192.
[136]) Cfr. ERVING GOFFMAN, “The Characteristics of Total Institutions”, Imprisonment…, cit., pp. 5 ss., e, na mesma obra, MICHEL FOUCAULT, “Complete and Austere Institutions”, pp. 235 ss.
[137]) Cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Novo Olhar..., cit., p. 193.
[138]) Trata-se de uma orientação em regra aceite no direito penitenciário dos vários países, em decorrência do conjunto de Regras Estabelecidas no âmbito do Conselho da Europa (cfr. European Prison Rules, Recommendation Nº R (87) 3 adopted by the Committee of Ministers of the Council of Europe on 12 February 1987 and Explanatory Memorandum, Strasbourg, 1987, pp. 50 ss.). No mesmo sentido, v., no direito dinamarquês, JORGEN JEPSEN, Imprisonment Today and Tomorrow, Kluwer, Boston, 1991, pp. 126 ss., e, sobre o exemplo alemão, cfr. FRIEDER DÜNKEL/DIETER RÖSSNER, Imprisonment..., cit., pp. 227 ss. No mesmo sentido se insere a experiência espanhola, como nos dá nota BORJA MAPELLI CAFFARENA, ob. cit., pp. 28 ss.
[139]) No sentido de que deve ser estimulado o relacionamento entre o estabelecimento prisional e a comunicação social, cfr. FRANCISCO BUENO ARUS, ob. cit., pp. 363 ss.; BORJA MAPELLI CAFFARENA, ob. cit., pp. 29 ss.
[140]) Cfr. JOSÉ PAQUETE DE OLIVEIRA, “A Comunicação Social e os Tribunais”, Sub Judice, 15/16, 1999, p. 1999, e JOSÉ SOUTO DE MOURA, ob. cit., pp. 68 ss. Também no sentido de que “nas sociedades industriais, a diferenciação e a complexidade social deixam aos media um espaço importante de definição do que é importante, actual e periódico”, cfr. CUNHA RODRIGUES, “Justiça e Comunicação Social”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, nº 7, 1997, pp. 548 ss. Por sua vez, ao falar da importância dos media no Estado social e democrático, FRANCISCO BUENO ARUS acentua o papel que a informação institucionalizada ou difusa tem como meio de “formação (ou de deformação) do povo” (cfr. “Las Prisiones y la Prensa”, Cuadernos de Política Criminal, nº 32, 1987, p. 361).
[141]) Sem falar de outros aspectos negativos, tais como o de provocar a banalização ou desculpabilização dos factos praticados pelo recluso, eventual violação da privacidade de terceiros, em particular das vítimas ou da família, etc. (cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA , ob. cit., pp. 58/59).
[142]) Para uma análise desenvolvida das razões que tornam a justiça penal “apetecível” em termos de comunicação social, a ponto de esta representar “nas actuais sociedades modernas hiper-complexas e plurais, o meio privilegiado de repercussão (social) dos actos ou manifestações de justiça penal”, cfr. FARIA COSTA, Direito Penal da Comunicação, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 134 ss.
[143]) O direito de informar encontra-se intimamente relacionado com a liberdade de imprensa (artigo 38º, nº 1, da CRP) e de comunicação social. JÓNATAS MACHADO fala em “liberdade de expressão em sentido amplo, por alguns também designada por liberdade de comunicação, que abrange a liberdade de expressão em sentido estrito, por vezes designada por liberdade de opinião, a liberdade de informação, a liberdade de imprensa, os direitos dos jornalistas e a liberdade de radiodifusão, reconduzíveis ao conceito genérico de liberdade de comunicação social” (cfr. Liberdade de Expressão..., cit., p. 371). Mais adiante, o autor aprofunda a conexão substantiva interna existente entre o direito à liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e as demais liberdades de comunicação (cfr. idem, pp. 517 ss).
[144]) Cfr. ARTUR RODRIGUES DA COSTA, ob. cit., p. 56.
[145]) No sentido de que o “fenómeno social crime desencadeia pulsões e mecanismos de sublimação que a comunicação social se limita a aproveitar, quando não a exacerbar”, cfr. FARIA COSTA, ob. cit., pp. 131/32. Realçando a “espectacularidade do crime e o aproveitamento mediático que dele é possível fazer”, cfr. CUNHA RODRIGUES, Justiça, p. 537.
[146]) O que está na origem do já denominado fenómeno de “uma justiça a duas velocidades: uma telejustiça para os VIP, à luz dos projectores, e uma justiça para os VIPO (viúvas, inválidos, pensionistas e órfãos) na penumbra dos pretórios” (cfr. palavras de FOULEK RINGELHEIM, citação de JOSÉ CARLOS VASCONCELOS e outros, “Sistemas Comparados”, Justiça e Comunicação Social, p. 41).
[147]) Sobre os reflexos negativos da busca desesperada de fórmulas que maximizem a audiência, cfr. JAY G. BLUMER, Televisión e Interés Público, Comunicación, Barcelona, 1993, pp. 50 ss.
[148]) GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit. II, p. 27.
[149]) Ou mais propriamente o direito a informar. Sobre a ética deontológica jornalística, condensada, entre outras exigências, numa obrigação profissional de cuidado, dever de verdade e obrigação de cuidado, relação de verdade e de confiança, etc., cfr. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de Expressão..., cit., pp. 58 ss.
[150]) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 2002, Processo nº 02B3553. Em sentido próximo, cfr. HENRI LECLERC/JEAN-MARC THÉOLLEYRE, Les Médias et la Justice, CFPJ, Paris, 1996, pp. 113 ss.
[151]) Quanto aos limites à liberdade de imprensa, o artigo 3º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, rectificada por Declaração de Rectificação nº 97/99, Diário da República, I Série-–A, de 4 de Março, enumera: “rigor e objectividade da informação, garantia dos direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defesa do interesse público e a ordem democrática”. Sobre os limites à liberdade de expressão do pensamento pela imprensa, cfr. o Parecer nº 1/80, de 8 de Maio de 1980.
[152]) Cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., pp. 56 ss.
[153]) Noutra perspectiva, pode dizer-se que não haverá aqui limitação ilegítima aos direitos de recolha de informação.
[154]) Se o visado assim o entender e der a sua autorização pessoal para o efeito, como se afigura óbvio.
[155]) Cfr. NUNO DE SOUSA, “Liberdade de Informação, Verdade Jornalística e Protecção dos Direitos dos Cidadãos”, Comunicação Social e Direitos Individuais, Alta Autoridade para a Comunicação Social, Lisboa, 1993, p. 34.
[156]) No sentido da necessidade de “controlar a informação do ponto de vista do seu interesse público e de evitar uma selecção manipulada da mesma”, cfr. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de Expressão..., cit., p. 591. Sobre o relevo da missão de interesse público da imprensa e comunicação social em geral, ver o mesmo autor e obra, pp. 510 ss. Segundo FIGUEIREDO DIAS enquanto «instituição moral e política» a imprensa ”cumpre uma função pública, onde cabe toda a sua actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica, cultural: em todo este domínio a imprensa exerce o seu fundamental direito de informação e goza da inteira garantia jurídico-constitucional” (cfr. “Direito de informação...”, cit., p. 136).
[157]) Neste sentido, entre outros, cfr. MARIA JOSÉ DE MATOS, ob. cit., pp. 345/46, e Administration pénitentiaire, ob. cit., pp.170/71.
[158]) Cfr. JOÃO PEDROSO/GRAÇA FONSECA, ob. cit., p. 61, e Execução das Medidas Privativas da Liberdade, pp. 225 ss.
[159]) Note-se que o recluso pode inclusivamente ser proibido de contactar com determinadas pessoas (artigo 211º do Decreto-Lei nº 265/79).
[160]) Diploma que sofreu, entre outras, alterações através do Decreto-Lei nº 10/97, de 14 de Janeiro, Decreto-Lei nº 257/99, de 7 de Julho (rectificado por Declaração de Rectificação nº 15-F/99, Diário da República, I Série-A, de 30 de Setembro) e Decreto-Lei nº 351/99, de 3 de Setembro.
[161]) Para maiores desenvolvimentos sobre a orgânica dos serviços prisionais, cfr. o Parecer nº 52/98.
[162]) De acordo com o nº 4 do artigo 44º, “São equiparadas a estabelecimentos prisionais regionais, com as devidas adaptações, as zonas prisionais em funcionamento na Polícia Judiciária.”
[163]) Por sua vez, os serviços regionais são dirigidos por um director dependente do director-geral (cfr. artigo 62º do Decreto-Lei nº 268/81, segundo a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 257/99).
[164]) E direcção do Ministro da Justiça, como é óbvio.
[165]) Além das restrições já mencionadas quanto ao direito à correspondência, o director do estabelecimento pode, designadamente, “proibir a visita de pessoas que ponham em perigo a segurança e ordem do estabelecimento, que possam ter influência nociva relativamente ao recluso ou dificultar a sua reinserção social” (artigo 85º). De igual modo, é “permitida a audição de programas de rádio e de televisão, desde que a isso se não oponham os fins da execução ou da segurança e a ordem do estabelecimento” (artigo 85º, nº 1). Podendo as mesmas ser “temporariamente suspensas ou proibidas a um recluso determinado ou a um grupo de reclusos, se isso for imprescindível para a manutenção da ordem no estabelecimento” (nº 3 do artigo 86º).
[166]) A execução da pena é, em certos elementos, jurisdicionalizada, com a definição dos actos da competência do juiz de execução das penas. A sua acção faz-se sentir durante o cumprimento da pena ou da medida de segurança, com vista à reintegração social do condenado e, mesmo na fase pós-institucional, coordena as actividades da assistência social em benefício dos libertados, nos termos das competências conferidas pelos artigos 91º e 92º da Lei nº 3/99, de 13 de Junho (com as alterações introduzidas, entre outras, pela Lei nº 38/2003, de 8 de Março); e do Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro (diploma alterado pelos Decretos-Leis nºs 22/77, de 30 de Maio; 204/78, de 24 de Julho e 402/82, de 23 de Setembro e pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto). Note-se, porém, que o juiz não interfere, por falta de competência para o efeito, nos assuntos que respeitem à organização e funcionamento do estabelecimento prisional. No sentido exposto, cfr. IANQUEL MILHANO, O Tribunal de Execução das Penas, Almedina, Coimbra, 1977, p. 23.
Por sua vez, ao tribunal de execução da pena referido no nº 1 do artigo 470º do Código de Processo Penal compete decidir as questões incidentais relativas à execução das penas, nos termos do nº 1 do artigo 474º do mesmo Código.
[167]) Director do estabelecimento prisional, sob a supervisão do Director-Geral [artigos 5º, alínea a), e 46º, nº 1), do Decreto-Lei nº 268/81].
[168]) Sobre estes meios, cfr., entre outros, FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Lições aos alunos do curso de Direito, em 1987/88, Lisboa, 1988, volume IV, e JOÃO CAUPERS Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, Lisboa, 2000, pp. 244 ss. Mais especificamente sobre os meios jurisdicionais, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 121 ss.
[169]) Se os contactos se efectuarem por via indirecta (por escrito ou via telefónica), estes problemas já não se colocam.
[170]) Quer se trate de reclusos preventivos quer definitivamente condenados.
[171]) O Ministério Público é o titular da acção penal, cabendo-lhe a direcção do inquérito (artigo 263º do Código de Processo Penal).
[172]) Dando guarida ao injuntivo constitucional (artigo 32º, nº 4, da CRP), “Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos prescritos neste Código” (artigo 17º do Código de Processo Penal). Por sua vez, segundo o artigo 288º do Código de Processo Penal, a direcção da instrução compete a um juiz de instrução.
[173]) Cfr. artigos 322º e ss. do Código de Processo Penal.
[174]) Na fase do inquérito, como vimos, os actos jurisdicionais são da competência exclusiva do juiz de instrução (cfr. artigos 17º, 268º e 269º do Código de Processo Penal).