Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1218/12.9TJVNF-P.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
INSOLVÊNCIA
PRAZO
Nº do Documento: RP201404101218/12.9TJVNF-P.P1
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de propositura da acção de verificação ulterior de créditos a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE, por regulador de reclamação e verificação de créditos na insolvência pendente, tem natureza processual, aplicando-se-lhe, quanto aos efeitos e regime de conhecimento, o Código de Processo Civil
II - O encurtamento de tal prazo determinado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, é aplicável a acção intentada por apenso a processo de insolvência cuja sentença transitou em julgado em data posterior à entrada em vigor daquela
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 3ª SECÇÃO – Processo nº 1218/12.9TJVNF-P.P1
Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão – 2º Juízo Cível

SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
I - O prazo de propositura da acção de verificação ulterior de créditos a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE, por regulador de reclamação e verificação de créditos na insolvência pendente, tem natureza processual, aplicando-se-lhe, quanto aos efeitos e regime de conhecimento, o Código de Processo Civil
II - O encurtamento de tal prazo determinado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, é aplicável a acção intentada por apenso a processo de insolvência cuja sentença transitou em julgado em data posterior à entrada em vigor daquela

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
b… instaurou, por apenso ao processo de insolvência de C…, SA, e contra a massa insolvente desta, acção de verificação ulterior de créditos, pedindo que seja verificado, reconhecido e graduado, no lugar que lhe competir, um crédito no valor de 5.772,14 €, mais 416,76 € de juros vencidos à taxa legal.
Estribou a sua pretensão, em súmula, no facto de, tendo sido trabalhador da sociedade comercial insolvente até à data em que rescindiu com justa causa o respectivo contrato de trabalho, no âmbito do processo nº 3234/09.9TJVNF que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, reclamou, na referida qualidade, créditos laborais no valor global de 8.986,85 €, conforme declaração anexa passada pelo respectivo administrador. Contudo, apesar de reconhecidos e aprovados, do seu valor apenas recebeu 3.214,71 €, pago pelo Fundo de Garantia Salarial, permanecendo credor da diferença.
Ordenada a citação dos credores e que se lavrasse termo de protesto, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 146º do CIRE, foi todavia proferido despacho, em 18.07.2013, que se absteve de apreciar aquele articulado, atenta a sua extemporaneidade.
O autor interpôs recurso de tal despacho, o qual foi admitido como de apelação, subindo imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. Despacho Recorrido
Não obstante o despacho proferido no passado dia 14/5, impõe-se agora dizer o seguinte.
Uma vez findo o prazo das reclamações de créditos, fixado na sentença declaratória da insolvência, o reconhecimento de créditos faz-se através de acção proposta contra a massa insolvente (cfr. artigo 146º, nº 1 do CIRE).
Não podem reclamar os seus créditos através desta via os credores que, tendo reclamado os seus créditos, não os viram reconhecidos pelo administrador, os credores reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação e os credores reconhecidos embora não tenham apresentado reclamação.
Nos termos do nº 2 do artigo 146º do mesmo diploma legal, a verificação ulterior de créditos também não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior, o que não é o caso vertente.
Seja qual for o valor do crédito reclamado, a acção segue os termos do processo sumário (cfr. artigo 148º).
Sucede que, no que concerne ao prazo, a alínea b) do nº 2 do artigo 146º do CIRE foi alterada por via da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, a qual entrou em vigor em 21/5/2012, passando a constar daquela norma que a acção só pode ser proposta nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente. No entanto, o regime pretérito previa que esta acção pudesse ser proposta no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência ou no prazo de três meses seguintes à da respectiva constituição.
No entanto, o regime pretérito previa que esta acção pudesse ser proposta no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência ou no prazo de três meses seguintes à da respectiva constituição.
Para o efeito releva que a sentença de declaração de insolvência foi proferida em 24/5/2012, tendo transitado em julgado e a presente acção foi proposta em 2/4/2013.
Ora, sendo a nova redacção da citada alínea b) do artigo 146º, nº 2 aplicável aos processos pendentes, mostra-se excedido o prazo de seis meses que aquela norma agora prevê.
É que, de acordo com o artigo 297º, nº 1 do Código Civil, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Assim, contando o prazo de 6 meses desde a data da entrada em vigor da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, conclui-se que, em face do ora exposto e considerando ainda o teor do artigo 146º, nº 2, alínea b), acima citado, o requerente perdeu o direito de praticar o ato em causa.
Por conseguinte e pese embora o despacho proferido no passado dia 14/5, abstenho-me de apreciar o articulado de verificação ulterior de créditos, atenta a sua extemporaneidade.
2. Conclusões das alegações de recurso
O prazo para intentar a acção “sub Júdice” é um prazo de caducidade (artigo 298º, nº 2, CC).
Por isso, não pode ser de conhecimento oficioso.
Pois o regime previsto no artigo 333º, nº 1, do CPC apenas se aplica às matérias excluídas da vontade das partes, dispondo o seu nº 2 que, quando se trate de matéria sujeita à disponibilidade das partes, aplica-se o regime do artigo 303º CC, isto é, “o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição”.
Por isso, a caducidade é de conhecimento oficioso apenas, e só, em matéria de direitos indisponíveis (como bem ensinam Pires de Lima e Antunes Varela e, de resto, como é Jurisprudência corrente neste Tribunal, seguindo-se – por todos – o douto acórdão de 21.10.2008, no processo 0822995, in www.dgsi.pt/jtrp).
Acresce que, e sem prescindir.
Nos termos do artigo 12º do Código Civil, a lei apenas regula as situações futuras, ou seja, “in casu”, a alteração do prazo de seis meses apenas se aplica a acções de Insolvência (e respectivos Apensos) que deram entrada em juízo a partir do dia 20.05.2012 (data da sua entrada em vigor).
A acção principal e apensos formam um todo, uma unidade coerente e, portanto, sujeita às mesmas regras e, concretamente, à aplicação da mesma lei no tempo.
A decisão recorrida é NULA, pois violou decisão anterior transitada em julgado e violou os artigos 12º , 298º , 333º, nºs 1 e 2, e 303º, nº 2, todos do CC e 668º, nº 1, al. d) do CPC.
***
3. DISCUSSÃO
3.1. Factos a considerar:
- o processo de insolvência a que se refere esta acção entrou em juízo em 6.04.2012;
- a sentença que declarou a insolvência foi proferida em 24.05.2012, tendo o respectivo trânsito em julgado ocorrido em 18.06.2012;
- a acção entrou em juízo em 7.05.2013;
- não foi contestada.
3.2. Afastaremos desde logo a pretensão do recorrente, no que concerne à tempestividade da propositura da acção, por via do preceituado no artigo 12º do Código Civil.
Na verdade, carece de sentido a pretensão de que a alteração do prazo previsto no artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE operada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, de um ano para seis meses, apenas se aplica a acções intentadas por apenso a insolvências que deram entrada em juízo a partir do dia 20.05.2012, data de início da sua vigência. Já que a acção em causa nem sequer integra o processado próprio da insolvência.
Pelo que caberia, sem mais, aplicar a disciplina do artigo 297º do Código Civil, relativa à alteração de prazos – assim também, o acórdão desta Relação do Porto de 21.02.2013 (Carlos Portela), bem como os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.11.2012 (Manso Rainho) e de 6.02.2014 (Estelita de Mendonça), todos in www.dgsi.pt.
Mas nem isso. Efectivamente, como visto, reportando-se o início de tal prazo à data do trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, a qual ocorreu quando a nova lei já estava em vigor, não colhe considerar o prazo de um ano previsto na lei alterada. A questão só se colocaria se esse prazo já estivesse em curso aquando da inovação.
Conclui-se, desse modo que, aquando da propositura da acção, já tinha claramente sido ultrapassado o prazo estabelecido para o efeito, que era de seis meses após o trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência.
3.3. Importa, porém, indagar o tipo de prazo que se nos depara.
3.3.1. No acórdão desta Relação do Porto de 21.10.2008 (Mário Serrano), in www.dgsi.pt, aliás secundado nesse ponto pelos arestos já supra aludidos, considerou-se que estamos perante um prazo de caducidade. Nele se refere que, dispondo o “artigo 298º, nº 2, do Código Civil que «quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição», ou seja, como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, os prazos para proposição de acções são, em regra, prazos sujeitos a caducidade, e não a prescrição, salvo referência expressa a esta”.
No mesmo aresto, entendeu-se que, estando como tal sujeito à aplicação do regime previsto no artigo 333º daquele código, e não tendo sido estabelecido em matéria excluída da disponibilidade das partes, se imporia por força do nº 2 do referido preceito a aplicação do artigo 303º, que dispõe que «o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público».
Estabelecendo-se seguidamente paralelo com a caducidade do direito de dedução de embargos de terceiro, só de conhecimento oficioso “após expressa alteração legislativa introduzida pela Reforma de 1995/1996, segundo a qual no proémio do artigo 354º do CPC se passou a mencionar expressamente como requisito de viabilidade a apresentação em tempo (por referência ao prazo de 30 dias do artigo 353º, nº 1, do CPC) – enquanto no regime anterior (artigo 1039º) não existia tal menção”. Sendo que “a solução encontrada face ao regime anterior era a de que o prazo de caducidade do artigo 1039º do CPC não era passível de conhecimento oficioso, inviabilizando o indeferimento liminar da petição (assim, por todos, o Ac. STJ de 14/6/95, Proc. 087269, in www.dgsi.pt), enquanto actualmente se reconhece ser o prazo do artigo 353º do CPC de conhecimento oficioso (neste sentido, Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 195, e, entre outros, Acs. RP de 13/12/2004, Proc. 0456103, RL de 3/2/2005, Proc. 467/2005-6, e RC de 23/10/2007, Proc. 233/04TBSAT-C1, idem)”.
Concluindo-se que “em matéria de verificação ulterior de créditos (no âmbito de processo de insolvência) não existe norma expressa de que se possa deduzir a possibilidade de conhecimento oficioso da caducidade do direito de instaurar a acção” e que “estando em causa um mero direito de crédito por prestações laborais, estamos em domínio não excluído da disponibilidade das partes tal caducidade não é de conhecimento oficioso”.
3.3.2. No recente acórdão também deste Tribunal da Relação do Porto de 13.03.2014 (José Amaral), in www.dgsi.pt, veio-se todavia a julgar que o prazo de propositura da acção a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE não tem cariz substantivo, antes se tratando de prazo de natureza processual, atinente à regulação da reclamação e verificação de créditos na insolvência pendente. A ele se aplicando, quanto aos efeitos e regime de conhecimento, o Código de Processo Civil. Afastando-se, consequentemente, o regime de caducidade previsto nos artigos 298º, nº 2, e 333º, nº 2, do Código Civil e aplicando-se-lhe o do nº 3 do artigo 139º do CPC, de que «o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto».
O argumento essencial que para tal se esgrime é de ordem teleológico-funcional. Frisando-se que, nesse aspecto, a acção para verificação ulterior de créditos em nada se distingue do requerimento para reclamação de créditos – “com efeito, apesar das diferenças de tempo e de formas (requerimento vs acção) previstas para cada uma das duas fases, ambas estão destinadas à verificação de créditos”; nelas estando “em causa o mesmo objectivo comum que domina o processo de insolvência: o de que todos possam ser nele atendidos e contemplados (seja pelo produto da liquidação, seja pelas medidas de eventual plano)”.
Perante o aparente óbice decorrente do nº 2 do artigo 298º, anota-se que “em geral, os prazos de propositura de acção são qualificados como prazos substantivos de caducidade (ou, excepcionalmente, de prescrição) por respeitarem ou se reflectirem na própria relação material a que respeitam (reconhecendo-a ou constituindo-a)”. Ressalvando-se, no entanto poderem “esses prazos ser também judiciais ou processuais”. Porquanto “acções existem, contudo, tipificadas na própria lei processual que, não estando originariamente previstas como condição de exercício de um direito (do direito de acção no seu aspecto de direito material), todavia comungam daqueles aspectos formais e surgem precisamente na sequência ou no decurso da tramitação de outras já pendentes e cujos prazos, podem ser também prazos judiciais”. O que “ocorrerá sempre que o prazo esteja directamente relacionado com uma outra acção e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material”. As quais têm, aliás, previsão expressa no artigo 138º, nº 4, do Código de Processo Civil - «os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores».
Debruçando-se mais especificamente sobre o tipo de acção em análise, salienta-se nesse acórdão que, se “o decurso do prazo legal faz precludir ou extinguir o especial direito a tal reclamação no âmbito do procedimento de insolvência, isso significa que não depende dela o nascimento do direito de crédito nem a sua subsistência, mas apenas o direito adjectivo de ali o reclamar com os particulares efeitos processuais previstos para tal mecanismo, cujo exercício o legislador disciplina e não abdica de controlar em atenção à sua pública finalidade, mas sem afectação em substância da relação jurídica material que o precede e lhe subjaz, nem da respectiva titularidade activa e passiva”. Acrescentando que “o crédito não nasce nem morre com a acção ou pelo facto de ela não ser interposta; pode é tornar-se inexequível por esgotamento, na insolvência, do património que o garanta”.
3.3.3. Não podemos deixar de aderir a esta última posição.
Na verdade, o prazo em apreço não se repercute na subsistência ou não do direito a conhecer na acção mas sim na admissibilidade de o mesmo ser reconhecido na insolvência. Não foi estabelecido para clarificação e segurança da ordem jurídica, por via da certeza do direito, mas sim para uma maior celeridade na verificação dos créditos na insolvência. É um prazo de nítido cariz adjectivo, que não substantivo. O direito do credor não caduca. Apenas se extingue a possibilidade de o mesmo ser verificado no processo de insolvência. Pois é da verificação de créditos que se trata no Título V do CIRE, do qual a verificação ulterior é o Capítulo III.
Nada obstará, desse modo, ao conhecimento oficioso do decurso desse prazo peremptório.
3.4. Tampouco assistirá razão ao recorrente, quanto ao caso julgado formal que entende decorrer do despacho que ordenou que se citasse e lavrasse protesto, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 146º do CIRE.
Tal sucederia se nele se tivesse expressamente tomado posição quanto à questão entretanto suscitada. Só desse modo se poderia pretender que ficasse precludida a pronúncia sobre esta em despacho ulterior. Aliás, o primitivo despacho, anterior à citação, foi proferido quando a instância não estava sequer estabilizada, pelo que, atento o princípio do contraditório, não parece ser possível dar-lhe virtualidade de vinculação em termos definitivos, atribuindo-lhe força de caso julgado.
III
DISPOSITIVO
Pelo exposto, na improcedência do recurso, confirma-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 10 de Abril de 2014
José Manuel de Araújo Barros
Pedro Martins
Judite Pires