Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11291/10.9TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
GARANTIA BANCÁRIA AUTÓNOMA
EXERCÍCIO DE DIREITO
Nº do Documento: RP2014032411291/10.9TBVNG.P1
Data do Acordão: 03/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 574º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTº 1041º DO CC
Sumário: I - Há contradição entre respostas à facticidade alegada quando a resposta dada a um determinado facto colide com a(s) resposta(s) dada(s) a outro ou outros factos alegados, ou seja, a resposta a um alegado facto é contraditória quando o sentido nela expresso colidir com a resposta dada a outro ou a outros factos.
II - O novo texto adjectivo civil, tornou inequívoco que na falta de especificação separada das excepções deduzidas, os respectivos factos não se consideram como admitidos por acordo, o que, de resto, diga-se, mesmo em face dos artºs. 488º, e 505º, do anterior Código Processo Civil, já era reconhecido, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência.
III - A nulidade em razão da omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar está relacionada com o comando fixado na lei adjectiva civil, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.
IV - As garantias bancárias autónomas importam para o garante a obrigação de pagar a quantia estabelecida, com base no mero pedido, solicitação ou exigência do beneficiário, sem que seja permitido ao garante invocar qualquer excepção fundada na relação fundamental entre o ordenante e o beneficiário, o que, no entanto, não exclui a possibilidade de o garante excepcionar o dolo, a má fé ou o abuso de direito.
V - Sendo prestada a garantia bancária a favor da Autora, está no domínio desta o poder deitar mão da garantia prestada para se fazer pagar das rendas vencidas, pelo que, tendo esta deixado de exercer o direito a executar a garantia prestada com o objectivo do pagamento de rendas, protelando a respectiva execução, reconhecemos que o atraso no pagamento das rendas constitui mora imputável à credora/senhoria, pois esta omitiu a cooperação necessária para que a devedora/inquilina tivesse cumprido a prestação de sua responsabilidade, não assistindo à Autora/senhoria, direito de percebimento da indemnização a que se reporta o artº. 1041º, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 11291/10.9TBVNG.P1
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (88)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Maria José Simões
Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (1ª Vara de Competência Mista)
Apelantes/B…, SA. e C…, S.A., na qualidade de representante e administradora da D…
Apeladas/C…, S.A., na qualidade de representante e administradora da D… e B…, SA.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (1ª Vara de Competência Mista), C…, S.A., na qualidade de representante e administradora da D…, intentou a presente acção ordinária destinada a exigir responsabilidade contratual, contra B…, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €6.157.368,40, relativa às rendas devidas desde 1 de Julho de 2010 até ao termo do prazo contratual inicial e a quantia de €491.279,40, a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, acrescidas de juros de mora à taxa aplicável aos créditos das empresas comerciais desde a citação.
Articulou com utilidade a existência de uma relação locatícia e no não pagamento das rendas acordadas, por entender que o pedido/comunicação de resolução, formulado pela Ré, não tem sustentação factual, sendo ilegal.
Regularmente citada, contestou a Ré, defendendo-se, por impugnação motivada, sustentando a Ré que o imóvel em causa foi propriedade da E…, Lda.; que a R. foi contactada pela dita E… para tomar de arrendamento o dito imóvel; que a E… no âmbito de operação financeira, alienou à ora A. o imóvel em causa no dia 07 de Abril de 2008; que a A. e R. celebraram contrato de arrendamento do imóvel em 1 de Junho de 2008; com data de 7 de Abril de 2008 a R. subarrendou o imóvel à E…; em momento posterior foi alterado o contrato de arrendamento – a 30 de Maio de 2008; desde sempre a E… esteve a ocupar e a laborar no dito imóvel, até 29 de Setembro de 2010, data em que cessou a sua laboração no local; sustenta ainda a R. que a A. era sabedora desta operação financeira; que bem sabia ter a E… cessado a sua actividade no local; que por comportamento posterior da A. a R. viu-se impedida de subarrendar total ou parcialmente o imóvel a terceiros; que após cessação da E… a R. constatou que o local não tem licença de utilização, padecendo o imóvel de vários defeitos; que a razão de ser e fundamento da operação financeira, alteraram-se substancialmente por força da crise internacional, mormente, no sector imobiliário.
Conclui a Ré que a resolução do contrato de arrendamento que comunicou à Autora é perfeitamente lícito.
A Autora apresentou resposta, concluindo como na petição inicial.

Procedeu-se ao saneamento da demanda.
Foi elaborada a selecção dos factos pertinentes à decisão da causa, com consignação expressa dos factos assentes e controvertidos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, de acordo com o formalismo legal, tendo o Tribunal “a quo” proferido decisão da matéria de facto.
Entretanto foi proferida sentença tendo o Tribunal recorrido, no respectivo segmento dispositivo, concluído conforme consignado:
“Nos termos e fundamentos expostos julgo esta acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 524.031,36 €, acrescida de juros de mora à taxa legal. No mais, vai a R. absolvida.
Custas pela A. e R., na proporção do decaimento (confrontar artigo 446.º do Código de Processo Civil).”

É contra esta decisão que julgou a acção parcialmente procedente, que a Ré/B…, SA., e, a Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, se insurgem formulando as seguintes conclusões:

Da apelante Ré/B…, SA.

1. Os factos dados como provados pelo tribunal a quo são suficientes para alicerçar a total improcedência do pedido formulado pela A.
2. Os factos constantes dos factos assentes sob as alíneas I) e J) estão em contradição com os factos assentes sob as alíneas O) e P).
3. Porque não existe qualquer acto administrativo a ordenar a licença de utilização esta licença inexiste.
4. O licenciamento é consubstanciado pelo acto administrativo que a defere e reconhece (artº 74º e 75º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Dec Lei nº 555/99).
5. Deve ser emitida de acordo com o procedimento administrativo regulado nos artºs. 62º a 65º do RJUE (Dec Lei 555/99).
6. O alvará de licença de utilização é o título que documenta essa licença e acto administrativo – cfr artº 74º do RJUE.
7. Ora, não existindo acto administrativo de deferimento ou concessão de licença, não pode existir alvará.
8. É uma decorrência lógica que, se não existe acto a deferir a licença de utilização, não pode existir o alvará de licença de utilização.
9. Sendo certo que na contestação a R. contesta a existência do alvará de utilização, pelo que os factos constantes das referidas alíneas I) e J) são factos controvertidos que nunca poderiam ser considerados assentes.
10. Razão pela qual esses factos devem ser eliminados do elenco dos factos provados.
11. Resulta dos factos provados (e a própria Autora o alega na p.i.), que a R. enviou à Autora carta registada a proceder à resolução do contrato.
12. A questão litigiosa consiste em saber se a R. tinha fundamento válido para proceder á resolução do contrato de arrendamento comercial.
13. Não existe qualquer facto provado que demonstre que a R. tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
14. Resulta dos artºs 44º a 56 da contestação que a R. não tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
15. A A. não impugnou os factos alegados nos artºs 44º a 55º da contestação, que constituem matéria de excepção.
16. Assim sendo, nos termos do disposto no artº 659º nº 3 Cod Proc. Civil, devem ter-se como assentes tais factos.
17. Mediante o elenco destes sobreditos factos, é patente que a R. não poderia saber do estado em que se encontrava o imóvel e, designadamente, das suas eventuais deficiências.
18. Com efeito, se só em 29/09/2010 é que a R. recebeu, por correio, as chaves do identificado imóvel por parte dessa sociedade E… e se só nessa data a R. teve acesso ao imóvel, não poderia esta saber do estado do imóvel.
19. O imóvel não está licenciado, nem tem licença de utilização, o que é demonstrado pelos factos assentes sob as alíneas O), P), Q), R), S), T), U), V), W), X), Y), Z) AA), CC), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY).
20. OS factos assentes sob as alíneas i) e j) só podem ser provados por documento, o qual não existe.
21. Com efeito, do processo e dos autos não consta., nem o alvará de licença de utilização, nem o original nem cópia do alvará.
22. A única menção que se faz desse alvará ocorre na escritura pública de compra e venda do imóvel junto com a réplica, sendo esta é uma simples menção da respectiva existência.
23. Mas de qualquer modo, mesmo que existisse esse alvará – que não está nos autos – a verdade é que ele seria o título representativo de uma licença.
24. Ora, esta licença não existe, logo não pode existir alvará, e se existisse esse alvará seria falso e obtido por fraude á lei.
25. A licença de utilização é requisito essencial e indispensável de celebração de contrato de arrendamento (artigo 1070.º do código civil e artigo 2.º, alínea d) do decreto-lei n.º 160/2006, de 8 de agosto).
26. A R. tem o direito de resolver o ajuizado contrato, uma vez que a ausência da existência deste formalismo acarreta a respectiva nulidade (artº 219º Cod. Civil).
27. Uma vez que ficou provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença.
28. Tendo ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento em crise carece de licença de utilização, bem como de alvará de licença de utilização.
29. A Ré tem o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado, nos termos do artigo 5.º, n.ºs 5 e 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006.
30. A Ré não tem o gozo nem a fruição do imóvel para os fins a que se destina, como está provado nos factos Y), Z), AA), CC), RR), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY).
31. Mediante essa sobredita factualidade é patente que a R., inquilina, está impedida de gozar e fruir o imóvel para o fim a que se destina, de acordo com o fim contratual.
32. Sendo certo que, como consta dos factos provados nas alíneas II) e NN) era a finalidade do arrendamento o subarrendamento.
33. E se o edifício não está licenciado e se é necessário proceder à execução de obras de vulto para a respectiva legalização e iniciar, depois, disso, um procedimento administrativo para licenciamento do edifício, é patente que a R. não pode fruir e gozar o imóvel em causa para o fim a que contratualmente as partes o destinaram o contrato de arrendamento.
34. Assim existe, nesta parte, motivo e fundamento para a resolução do contrato, por violação dos deveres de prestação por parte da A.
35. Finalmente a resolução do contrato, decorrente de alteração anormal das circunstâncias, também é uma evidência, tal como decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP),
36. Estes factos determinam a ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato – artº 437º C. Civil.
Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve merecer provimento o presente recurso e ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a acção.

Houve contra-alegações, pugnando a Apelada/Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, pela improcedência do recurso interposto, sustentada nas seguintes conclusões.

1ª Não há qualquer contradição entre a matéria provada constante das alíneas a) e J) e a das alíneas O) e P) uma vez que a licença de utilização foi emitida e exibida na escritura de compra e venda do imóvel aqui em causa, junta aos autos, apesar de não constarem do processo de licenciamento os atos administrativos de aprovação do licenciamento e a ordenar a emissão da referida licença.
2ª Poderá ser ilógico que assim seja uma vez que a emissão da licença de utilização é o culminar de uma série de atos administrativos que deviam integrar o processo de licenciamento, mas não se pode concordar com a conclusão da recorrente, de que uma licença não existe, apesar de emitida, se tiver sido obtida de forma irregular.
3ª Se o processo administrativo que conduziu à emissão da licença em causa não se encontra devidamente instruído, deverá tal questão ser apreciada em sede própria, ou seja, no Tribunal Administrativo.
4ª A atitude da recorrente ao invocar a “falta” de licença de utilização é fortemente censurável, configurando até abuso de direito uma vez que a recorrente reconheceu no contrato de arrendamento a sua existência, e que tal falta, a existir, não constituiu obstáculo a que a recorrente recebesse rendas da sub-arrendatária E… durante dois anos, surgindo apenas como questão essencial quando se tornou útil invocar o direito à resolução do contrato de arrendamento.
5ª A matéria das alíneas I) e J) foi, e bem, considerada assente uma vez que não foi objeto de impugnação por parte recorrente, nem, posteriormente, alvo de reclamação.
6ª Afigura-se verdadeiramente surpreendente, contraditório e uma vez mais abusivo, que a recorrente venha afirmar que não tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento, considerando que de tal consta precisamente o oposto.
7ª Só faz sentido utilizar como argumentos justificativos do direito à resolução do contrato de arrendamento a existência de deficiências diversas e falta de equipamento, se a recorrente era conhecedora do estado do arrendado na data em que teve início o contrato de arrendamento e na data da resolução, caso contrario poderiam as alegadas deficiências e falta de equipamento constituir características próprias do locado.
8ª A alegação agora pela recorrente, de que resulta da matéria dos artigos 44º a 56º da contestação a sua falta de conhecimento do estado do imóvel à data da celebração do contrato de arrendamento e de que tal matéria sendo de exceção, deve ser dada como assente, é desconcertante, quer porque resulta da matéria trazida aos autos pela recorrente um conhecimento direto da situação do imóvel, quer porque a factualidade contida nos artigos acima referidos não constitui matéria de exceção, quer porque a recorrente não a qualificou como tal na contestação, quer ainda porque não reclamou na altura própria da seleção da matéria de fato.
9ª Não é verdade que a menção à licença de utilização só ocorre na escritura de compra e venda do imóvel, sendo igualmente mencionada nas cláusulas 1ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, junto com a p.i. como documento nº 1.
10ª Também não é verdade que a recorrente estivesse impedida de gozar e fruir do imóvel uma vez que celebrou com a E… um contrato de subarrendamento, recebendo as respetivas rendas.
11ª O fato do se encontrar provado que o edifício em causa apresenta deficiências e que a reparação dessas deficiências implica a execução de obras objeto de licenciamento, não significa que por esse motivo assista à recorrente o direito de resolver o contrato de arrendamento uma vez que lhe cabia, por força de tal contrato, a responsabilidade pela realização de obras de conservação ordinária e extraordinária, e que a mesma não provou, como lhe competia, ter denunciado quaisquer defeitos ou que tais deficiências não existiam à data em que foi celebrado contrato de arrendamento.
12ª A alegada cedência da laje estrutural do 1º piso, a verificar-se após a celebração do contrato de arrendamento, antes de servir como argumento para a resolução do contrato, deveria ter sido objeto de comunicação à recorrida, em cumprimento do disposto na alínea h) do artigo 1038º C. Civil, se a recorrente entendia que a responsabilidade pela reparação cabia à senhoria, o que não se verificou, conforme se extrai da matéria provada.
13ª Como bem notou o Exmo Juíz “a quo” na douta sentença proferida, a recorrente tinha perfeito conhecimento do estado do locado, incluindo a existência de licença de utilização, conforme resulta de forma expressa do contrato de arrendamento celebrado com a recorrida.
14ª Da matéria assente não resulta que houve uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar.
15ª O fato da atividade de construção civil ter sido particularmente atingida pela tão falada crise não deve relevar para o presente caso uma vez que o contrato aqui em causa é de arrendamento, com possibilidade de subarrendamento, pelo que é relativamente a esta atividade que deve ser analisado se houve ou não alteração anormal das circunstâncias entre 2008 e 2010.
16ª Importa desde logo notar que em 2008 já se começava a sentir um abrandamento da economia, conforme resulta da alínea M da matéria assente (se a crise se agravou a partir de 2008 é porque já existia então), o que significa que qualquer negócio com um prazo de duração longo, com encargos elevados, como se verifica com o contrato de arrendamento aqui em apreço, tinha que ser encarado com muita reserva e cautela.
17ª É do conhecimento comum que o mercado de arrendamento não sofreu as consequências nefastas da crise da mesma forma que a construção civil, sendo por vezes até dinamizado por não criar vínculo duradouro nem investimentos avultados.
18ª Não resulta da matéria provada que tenha havido uma alteração anormal das circunstâncias entre 2008 e 2010, mas sim que houve alteração, em sentido negativo, é certo, não podendo, contudo, ser qualificada de anormal porque a crise já se começava a fazer sentir em 2008 sendo o agravamento da mesma um dos cenários possíveis e nessa medida, perfeitamente normal.
19ª Conforme resulta da matéria provada, não se encontra preenchido nenhum dos requisitos exigidos pelo artigo 437º do Código Civil para a resolução do contrato uma vez que a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não foi anormal, que a exigência das obrigações assumidas à recorrente estava coberta pelos riscos próprios do negócio e, por último, que o cumprimento das obrigações assumidas contratualmente não ofende os princípios da boa fé.
20ª Como o Exmo Juíz “a quo” fez notar na douta sentença proferida, a economia tem ciclos, sendo obrigação dos agentes económicos precaver-se para as contingências de tais ciclos, sobretudo num contrato como o celebrado entre as partes, que possui um prazo longo de duração.
21ª Ainda que assistisse à recorrente o direito à resolução, estaria o mesmo prejudicado face ao disposto no artigo 438º do Código Civil, o qual prevê que a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato se estava em mora à data em que a alteração das circunstâncias se verificou, como acontecia no caso aqui em apreço.
22ª Concluiu bem a douta sentença sob recurso ao entender que a recorrente não provou a existência de fundamento válido para resolver o contrato de arrendamento.
Termos em que, deve o recurso interposto pela B…, Lda. ser julgado improcedente, como é de Justiça.

Da apelante Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D….

1ª A douta sentença proferida condenou a recorrida no pagamento do valor global de 524.031,36 € correspondente a oito rendas no valor de 65.503,92 € cada, sendo quatro relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010 (mês em que foi comunicada a resolução) e quatro correspondentes aos 120 dias de prazo da denúncia previsto no artigo 1100º do Código Civil.
2ª Salvo melhor opinião, deve a sentença proferida declarada nula, por omissão de pronúncia, conforme previsão do nº 1 alínea d) do art. 668º do CPC, dado que não apreciou o pedido formulado sob a alínea B) da petição inicial, no qual é reclamado o pagamento da quantia de 491.279,40 €, a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas, relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010.
3ª A douta sentença considerou inválidos os fundamentos invocados pela recorrida para resolver o contrato de arrendamento, mas que a mesma carta de 27 de Outubro de 2010 era válida para efeito de denúncia, a qual produziria efeitos decorridos 120 dias, pelo que seriam devidas rendas até 1 de Março de 2011, condenando a recorrida no pagamento da quantia de 524.031,36 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.
4ª Resulta da matéria provada que as partes celebraram entre si um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos de 3 anos, com início no dia 1 de Junho de 2008 e com fixação da renda mensal inicial de 65.503,92 €.
5ª Foi expressamente previsto, no nº1 da cláusula 2ª do referido contrato que a denúncia poderia ser efectuada por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 12 meses em relação ao período de vigência inicial (10 anos) ou a cada um dos períodos de vigência seguintes (3 anos).
6ª Consta da matéria de fato assente (alíneas K e L) que: “O prazo de duração, juntamente com o montante da renda são, por regra, questões essenciais a tratar na negociação que precede a celebração de um contrato de arrendamento - alínea K da Matéria de Fato Assente. Como se verificou no presente caso, tendo a fixação de um prazo de duração mínimo de 10 anos sido determinante na vontade de contratar por parte da A- alínea L da Matéria de Fato Assente.”
7ª Salvo melhor opinião, procedeu o Exmo. Juíz “a quo” a um enquadramento jurídico errado da matéria em causa uma vez que as partes previram na cláusula segunda do contrato que o mesmo só poderia ser denunciado com um ano de antecedência relativamente ao termo do prazo inicial ou renovado ao abrigo do disposto no artigo 1.110º do Código Civil, que confere liberdade contratual nessa matéria.
8ª Afigura-se inteiramente destituída de fundamento a invocação pelo Exmo. Juíz “a quo” do disposto no artigo 1.100º do Código Civil uma vez que tal norma só é aplicável ao arrendamento habitacional, contendo o nº 2 do artigo 1.110º do Código Civil regras próprias para as situações em que as partes não regulam a duração e a denúncia, o que não se verifica, manifestamente, no presente caso.
9ª Ainda que se entenda que as partes se exprimiram mal, confundindo denúncia com não oposição à renovação, tendo regulado no contrato apenas esta situação, o que não se concede, resulta de forma inequívoca da matéria provada, nomeadamente das alíneas K e L, que a vontade real das partes era a fixação de um prazo de duração mínimo de 10 anos, pelo que é de acordo com esta vontade que vale a declaração exarada na cláusula segunda do contrato, conforme resulta da regra interpretativa contida no nº 2 do artigo 236º do Código Civil.
10ª Face à manifesta invalidade da declaração de revogação, e atento o disposto no referido art. 1110º do C Civil, deverá entender-se que a declaração de denúncia por iniciativa da recorrida só poderia produzir efeitos para 1 de Junho de 2018, o que significa que a mesma é obrigada ao pagamento das rendas até à referida data.
11ª A mora no pagamento das rendas vencidas até à data da invocada resolução, referentes ao período com inicio em 1 de Julho de 2009 e termo em 31 de Outubro de 2010, confere à recorrente o direito de reclamar da recorrida o pagamento da indemnização igual a 50% do valor devido, nos termos previstos pelo nº 1 do artigo 1041º do Código Civil, cujo valor ascende a 491.279,40 €.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a nulidade da douta sentença, ou, se assim não se entender, condenando-se a recorrida no pagamento à recorrente dos valores constantes dos pedidos formulados na petição inicial, como é de Justiça.

Houve contra-alegações, pugnando a Apelada/Ré/B…, SA., pela improcedência do recurso interposto, sustentada nas seguintes conclusões.

1. O Tribunal a quo decidiu sobre o peticionado pela Recorrente, na alínea B) da douta petição inicial, nos termos do disposto no artigo 660.º, nº 2 e artigo 668º nº. 1, alínea d) do CPC
2. Não estando a sentença a quo ferida de nulidade por omissão de pronúncia.
3. Com a presente acção judicial, a Recorrente pretende, tal como salienta o Tribunal a quo, que a resolução do contrato de arrendamento, operada pela Recorrida através de carta datada de 27 de Outubro de 2010, seja declarada ilegal, sendo a Recorrida condenada ao cumprimento total do contrato.
4. Não se trata de uma simples acção de cumprimento contratual, em que se exige o pagamento das rendas vencidas.
5. Pelo que, a Recorrida nunca poderia ter sido condenada ao pagamento das rendas alegadamente vencidas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, no âmbito da presente acção.
6. Tratam-se de objectos e de causas de pedir diferentes que, embora pudessem ser cumulados nos termos gerais, não o foram pela própria Recorrente.
7. Tendo sido, a Recorrida condenada ao pagamento da quantia de €524.031,36, acrescida de juros de mora, e absolvida no que respeita aos demais pedidos formulados pela Recorrente,
8. Nunca poderia ser condenada ao pagamento de uma indemnização pela mora no pagamento daquelas rendas.
9. A sentença proferida não está ferida de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo cumpriu o dever que lhe é imposto pelo artigo 660º, n.º 2 do CPC, não sendo obrigado a pronunciar-se sobre o pedido formulado na alínea B) da petição inicial, por se tratar de uma questão prejudicial.
10. Acresce ainda que, a indemnização peticionada pela Recorrente, na alínea B) da petição inicial, ao abrigo do artigo 1041.º do CC, nunca poderia ser julgada procedente.
11. Isto porque, a quantia de €491.279,40 não está calculada correctamente, na medida em que, na tese da Recorrente, apenas são devidas quatro rendas, respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, e não quinze rendas.
12. Pelo que, por mera hipótese de raciocínio, o valor devido a título de indemnização, nos termos do disposto no artigo l041.º do CC, corresponderia apenas a metade do valor devido por quatro rendas (€ 65503,92 x quarto rendas x 50%).
13. A Recorrente, enquanto senhoria do contrato de arrendamento, não pode exigir nem impor determinada conduta à Recorrida, estando na livre disponibilidade desta pagar as rendas em falta e a indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1 do CC, subsistindo o contrato celebrado, ou pôr fim ao contrato de arrendamento.
14. O artigo 1041.º confere um verdadeiro direito potestativo à Recorrida, enquanto locatária do prédio.
15. A Recorrida pôs fim ao contrato de arrendamento celebrado com a Recorrente, entregando-lhe as chaves e transferindo a respectiva posse do locado.
16. A Recorrida não quis continuar vinculada ao contrato até ao termo do prazo inicial estipulado, pelo que não beneficiou, voluntaria e conscientemente, da opção que lhe é conferida pelo artigo 1041.º do CC.
17. Não podendo, deste modo, a Recorrente exigir-lhe o cumprimento dessa sanção, que não é compatível com a resolução do contrato de arrendamento.
18. No contrato celebrado ocorreu confusão terminológica entre denúncia e oposição à renovação.
19. Através da leitura atenta da clª 2.ª, n.º 1 do contrato de arrendamento celebrado, verifica-se que a mesma dispõe apenas sobre a duração do contrato e a oposição de renovação do mesmo.
20. Devendo, aquela cláusula, ser entendida da seguinte forma: o contrato de arrendamento em apreço tem um prazo inicial de dez anos, sendo renovado automaticamente por períodos de três anos, a não ser que uma das partes se oponha àquela renovação com aviso prévio de doze meses em relação à renovação que se visa impedir.
21. O contrato de arrendamento em crise não contém qualquer disposição sobre a denúncia.
22. Tratando-se de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, e não havendo estipulação específica acerca da denúncia do contrato, o artigo 1110.9, n.º 1 do CC manda aplicar as regras vigentes para os contratos de arrendamento para fins habitacionais.
23. Como diz o Tribunal a quo, a Recorrida "pode denunciar o contrato, independentemente de qualquer justificação, mediante comunicação ao senhorio com antecedência não inferior a 120 dias sobre a data em que pretenda a cessação" (artigo 1l00.º, n.º 1 do CC).
24. O artigo 1110.º, n.º 2 do CC nunca poderia ser aplicável ao caso concreto, uma vez que o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado com termo certo, e com duração inicial de dez anos, renovável automaticamente por períodos de três anos,
25. Pelo exposto, o alegado pela Recorrente carece de fundamento legal e fáctico.
Nestes termos, e com o douto suprimento deste Tribunal, deverá ser negado provimento recurso de apelação, interposto pela Autora.
Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver consistem em saber se:

Da apelante Ré/B…, SA.
(1) Os factos constantes da Matéria assente sob as alíneas I) e J) estão em contradição com a facticidade vertida nas alíneas O) e P) dos Factos Provados, e, admitindo que a Ré contesta a existência do Alvará de utilização do imóvel ajuizado, os factos constantes das referidas alíneas I) e J) são factos controvertidos que nunca poderiam ser considerados assentes, devendo ser eliminados do elenco dos factos provados?
(2) Os factos alegados nos artºs 44º a 55º da contestação devem ter-se como assentes, concebendo-se que a Autora não os impugnou e que os mesmos constituem matéria de excepção?
(3) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, designadamente, dever-se-á reconhecer que a Ré tem o direito a resolver o ajuizado contrato, uma vez admitido ter ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença, determinando violação dos deveres de prestação por parte da Autora, outrossim, o consignado reconhecimento à resolução contratual decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), que sustentam uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o articulado contrato?
Da apelante Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D….
(1) Deve a sentença proferida ser declarada nula, por omissão de pronúncia, dado que não apreciou o pedido formulado sob a alínea B) da petição inicial, no qual é reclamado o pagamento da quantia de €491.279,40, a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas, relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010?
(2) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, dever-se-á reconhecer que face à invalidade da declaração de revogação, a declaração de denúncia por iniciativa da Ré só poderia produzir efeitos para 1 de Junho de 2018, o que significa que a mesma é obrigada ao pagamento das rendas até à referida data, a par de que a mora no pagamento das rendas vencidas até à data da invocada resolução, referentes ao período com inicio em 1 de Julho de 2009 e termo em 31 de Outubro de 2010, confere à recorrente o direito de reclamar da recorrida o pagamento da indemnização igual a 50% do valor devido?

II. 2. Da Matéria de Facto

Em 1ª instância foi fixada a seguinte matéria de facto:
A) A A. celebrou com a R, em 1 de Junho de 2008, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, relativo ao edifício sito na …, nº., freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 59.258, inscrito na matriz sob o artigo 2.074, pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos de 3 anos, com início no dia 1 de Junho de 2008 e a renda mensal de 65.503,92 € – alínea A) da Matéria de Facto Assente.
B) A R pagou somente as rendas relativas ao período com início em 1 de Junho de 2008 e termo em 30 de Junho de 2009 – alínea B) da Matéria de Facto Assente.
C) Não tendo procedido ao pagamento da renda de Julho de 2009, vencida em 1 de Junho de 2009 – alínea C) da Matéria de Facto Assente.
D) Nem das que se lhe seguiram – alínea D) da Matéria de Facto Assente.
E) Face à mora da R, a A accionou a garantia prevista no nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento – alínea E) da Matéria de Facto Assente.
F) Tendo recebido em 7 de Outubro de 2010 o valor correspondente a um ano de rendas, o que significa que por esta via ficaram pagas as rendas relativas ao período com início em 1 de Julho de 2009 e termo em 30 de Junho de 2010 – alínea F) da Matéria de Facto Assente.
G) Por carta com data de 27 de Outubro de 2010, a R comunicou à A a decisão de resolução do referido contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2010, alegando a alteração superveniente das circunstâncias em que fundou a decisão de contratar bem como a existência de deficiências estruturais e de irregularidades no processo de licenciamento, impeditivas da utilização do imóvel para o fim industrial a que se destina, nos termos que constam da referida carta, junta e para a qual se remete. Alegou a R que se verificou uma alteração radical da economia nacional e internacional a partir de Maio de 2008, tendo a mesma provocado no mercado imobiliário uma crise irreversível, e, ainda, que se revelaram infrutíferas as tentativas de subarrendamento do locado feitas desde o início do contrato. Alega também a R, na carta remetida à A em 27 de Outubro de 2010, a existência de deficiências estruturais e de desconformidade entre o edifício existente e o projecto aprovado, impeditivas da afectação do prédio ao fim a que se destina – alínea G) da Matéria de Facto Assente.
H) A A respondeu à referida missiva por carta de 17 de Novembro de 2010, manifestando então a opinião de que não existiam fundamentos válidos para a resolução e que as invocadas deficiências eram características próprias do locado, sobejamente conhecidas da R à data da contratação, afirmando ainda desconhecer qualquer desconformidade entre o edifício existente e o projecto aprovado, conforme melhor consta da referida carta, que aqui se encontra junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – alínea H) da Matéria de Facto Assente.
I) O competente Alvará de Licença de Utilização (com o nº ../04) foi emitido em nome da sociedade “E…” em 3 de Fevereiro de 2004 – alínea I) da Matéria de Facto Assente.
J) O que era também do perfeito conhecimento da R à data de celebração do contrato de arrendamento – alínea J) da Matéria de Facto Assente.
K) O prazo de duração, juntamente com o montante da renda são, por regra, questões essenciais a tratar na negociação que precede a celebração de um contrato de arrendamento – alínea K) da Matéria de Facto Assente.
L) Como se verificou no presente caso, tendo a fixação de um prazo de duração mínimo de 10 anos sido determinante na vontade de contratar por parte da A. – al ínea L) da Matéria de Facto Assente.
M) A “crise” a que se alude em G) agravou-se a partir de 2008 – artigo 1.º) da Base Instrutória.
N) A crise afectou os sectores imobiliário e de construção civil – artigo 3.º) da Base Instrutória.
O) Não existe qualquer acto administrativo que tivesse aprovado o licenciamento do imóvel – artigo 6.º) da Base Instrutória.
P) Não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização do imóvel – artigo 7.º) da Base Instrutória.
Q) O processo de licenciamento do edifício do imóvel teve início por requerimento da “E…, Ldª ” em 1989 – artigo 8.º) da Base Instrutória.
R) Em 22/06/89 foi ordenada a fiscalização do processo nº 715/89 para futura legalização – artigo 9.º) da Base Instrutória.
S) Em 31/08/89 o Ministério da Saúde, Administração Regional de Saúde do Porto, emitiu parecer com menção”NÃO SATISFAZ” – artigo 10.º) da Base Instrutória.
T) Em 28/01/92 o projecto de arquitectura foi aprovado por despacho do presidente da Câmara Municipal …, condicionando essa aprovação à necessária apresentação dos projectos das diversas especialidades – artigo 11.º) da Base Instrutória.
U) Em 13/02/92, a Direcção Geral de Industria declarou o projecto aprovado condicionado a vistoria – artigo 12.º) da Base Instrutória.
V) A Direcção Geral de Indústria efectuou vistoria em 06/06/2002 –artigo 13.º) da Base Instrutória.
W) A Direcção Geral de Indústria efectuou vistoria em 06/10/2003 – artigo 14.º) da Base Instrutória.
X) A E… apresentou um requerimento a solicitar a licença de autorização de utilização, com pedido de utilização de Alvará – artigo 15.º) da Base Instrutória.
Y) Ocorreram diversas VISTORIAS realizadas pela Direcção Geral De Indústria, sem que tivesse existido prolação de qualquer despacho legal deste organismo a validar a última vistoria ou a aprovar a mesma – artigo 16.º) da Base Instrutória.
Z) O requerente E… pediu a licença de utilização, sem previamente solicitar a VISTORIA do edifício ou a isenção dessa vistoria – artigo 17.º) da Base Instrutória.
AA) Sendo certo que a obra edificada (o edifício construído) viola o projecto de arquitectura aprovado tendo muita mais área construída do que a que consta do projecto de arquitectura – artigo 18.º) da Base Instrutória.
BB) A Ré, que não poderia exercer qualquer actividade industrial ou comercial no locado – artigo 19.º) da Base Instrutória.
CC) Foi neste contexto, que a A. comunicou à Ré a resolução do contrato de arrendamento, por carta datada de 27/10/2010, enviando-lhe as chaves do imóvel – artigo 20.º) da Base Instrutória.
DD) Ao celebrar o contrato de arrendamento, a R. actuou na plena convicção de que não haveria crise económica em Portugal – artigo 21.º) da Base Instrutória.
EE) Nem essa crise, surgida em Outubro de 2008, com a crise do sub-prime, nos Estados Unidos era expectável, e, muito menos, previsível – artigo 22.º) da Base Instrutória.
FF) Se a R. soubesse que iria eclodir essa crise económica, nunca teria celebrado o contrato de arrendamento – artigo 23.º) da Base Instrutória.
GG) Era condição essencial do negócio que a Ré pudesse subarrendar o imóvel – artigo 24.º) da Base Instrutória.
HH) O que, aliás, era do conhecimento da A. – artigo 25.º) da Base Instrutória.
II) A R., indicou, logo, no contrato de arrendamento, a identificação de dois potenciais sub-arrendatários para aí se poderem instalar. Sendo um deles a E… – artigo 26.º) da Base Instrutória.
JJ) Após 2008, os bancos fecharam, na prática, o crédito à actividade de construção – artigo 27.º) da Base Instrutória.
KK) Por este motivo, a R. que, desde sempre, teve crédito na banca, de um momento para o outro deixou de o ter – artigo 28.º) da Base Instrutória.
LL) Por outro lado os investimentos de construção e instalação de indústria deixaram de ter qualquer aplicação por parte das empresas – artigo 29.º) da Base Instrutória.
MM) Assim, desde o início do contrato de arrendamento, que a Ré vinha tentando obter uma solução para o subarrendamento das instalações, em referência, mas sem qualquer sucesso – artigo 30.º) da Base Instrutória.
NN) O subarrendamento era o intuito do negócio da Ré e do contrato (e escopo último do negócio) – artigo 31.º) da Base Instrutória.
OO) O mercado imobiliário actualmente e no último ano, teve um retrocesso catastrófico – artigo 32.º) da Base Instrutória.
PP) Aliás, em Maio de 2010, ocorreu o colapso financeiro na Grécia e o consequente arrastamento de Portugal – artigo 33.º) da Base Instrutória.
QQ) Deste modo, quando a Autora assinou o contrato promessa em Maio de 2008 com a R., esta situação económica internacional, e a irreversível crise de mercado imobiliário que o país atravessa não existiam – artigo 34.º) da Base Instrutória.
RR) Além disso, a R., em momento posterior à entrega das chaves do imóvel por parte da E… em 30 de Setembro de 2010, detectou deficiências no imóvel que impedem que seja concretizado o fim a que se destina o contrato de arrendamento e o locado (quer o subarrendamento a outras empresas, quer a ocupação do edifício) – artigo 36.º) da Base Instrutória.
SS) Com efeito, o edifício apresenta as seguintes deficiências: – Tem falta de aparelhos de ar condicionado; – Tem falta de pavimentos técnicos e reparação de outros; – Tem tectos falsos danificados e a necessitar de reparação; – Tem instalações eléctricas danificadas e necessidade de confirmação das instalações eléctricas; - Falta o grupo electro-gerador; – Tem falta de equipamentos de cantina; – Tem cedência estrutural da laje de pavimento no primeiro piso com uma área de mais ou menos 800,00 m2, devidamente assinalada e vedada; - Existem várias telhas em fibrocimento danificadas, permitindo a infiltração de águas no edifício – artigo 37.º) da Base Instrutória.
TT) O telhado do imóvel é feito em amianto. Este material é altamente cancerígeno Material e o seu manuseamento está regulamentado restritivamente e a título excepcional – artigo 38.º) da Base Instrutória.
UU) Em virtude disso, as reparações ao telhado são extremamente dispendiosas e efectuadas por empresas credenciadas – artigo 39.º) da Base Instrutória.
VV) Não é possível à R., proceder à execução das obras, para rectificar as deficiências estruturais do edifício – artigo 40.º) da Base Instrutória.
WW) E a reparação de tais deficiências implica a execução de obras, objecto de licenciamento – artigo 41.º) da Base Instrutória.
XX) Por isso, é necessário legalizar o edifício, com rectificação do projecto de arquitectura, com elaboração e aprovação dos projectos e da especialidade de engenharia (cálculo), Incêndios, SMAES, Águas de Gaia, Saúde, Indústria, Economia, Ambiente, electricidade, estabilidade, RSECE, acústica, gás, abastecimento de água, drenagem de águas residuais domésticas, drenagem de águas residuais pluviais, segurança contra risco de incêndio, electricidade, ITED, climatização, etc. – artigo 42.º) da Base Instrutória.
YY) E todo esse tempo e o processo de licenciamento demorará, cerca de 1 ano a efectuar e a aprovar – artigo 43.º) da Base Instrutória.

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, 639º e 663º nº. 2, do Novo Código Processo Civil “ex vi” artºs. 5º, e 7º da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho.
Recurso da Ré/B…, SA.
II. 3.1. Os factos constantes da Matéria assente sob as alíneas I) e J) estão em contradição com a facticidade vertida nas alíneas O) e P) dos Factos Provados, e, admitindo que a Ré contesta a existência do alvará de utilização do imóvel ajuizado, os factos constantes das referidas alíneas I) e J) são factos controvertidos que nunca poderiam ser considerados assentes, devendo ser eliminados do elenco dos factos provados? (1)
Ao suscitar esta questão divisamos que a Apelante/B…, SA., põe em causa a decisão sobre a matéria de facto, suscitando pretensa contradição da mesma, de tal sorte que se fosse reconhecida a contradição arrogada poderia levar que este Tribunal de recurso ordenasse a anulação da decisão da 1ª. Instância - artº. 662º, nº. 2 c), do Novo Código Processo Civil.
Atentemos.
Há contradição entre respostas à facticidade alegada quando a resposta dada a um determinado facto colide com a(s) resposta(s) dada(s) a outro ou outros factos alegados, ou seja, a resposta a um alegado facto é contraditória quando o sentido nela expresso colidir com a resposta dada a outro ou a outros factos. Existe contradição nas respostas dadas aos alegados factos sempre que delas resulta um facto que exclua necessariamente o outro, isto é, quando, seguindo um raciocínio lógico, os factos neles referidos não possam coexistir ente si ou com outro já assente.
No que ao caso interessa caberá apreciar a relação entre a facticidade constantes das alíneas I) e J) da Matéria de Facto assente e aqueloutras respostas aos factos vertidos nos artigos 6º e 7º da elaborada Base Instrutória.
A matéria constante das enunciadas alíneas I) e J) da Matéria de Facto assente e a facticidade dos artºs. 6º, e 7º da Base Instrutória que mereceu respostas positivas, após discussão e julgamento da causa, consubstanciam os seguintes factos:
I) O competente Alvará de Licença de Utilização (com o nº ../04) foi emitido em nome da sociedade “E…” em 3 de Fevereiro de 2004 – alínea I) da Matéria de Facto Assente.
J) O que era também do perfeito conhecimento da Ré à data de celebração do contrato de arrendamento – alínea J) da Matéria de Facto Assente.
O) Não existe qualquer acto administrativo que tivesse aprovado o licenciamento do imóvel – artigo 6.º) da Base Instrutória.
P) Não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização do imóvel – artigo 7.º) da Base Instrutória.
Consignada a facticidade, e, numa primeira análise, podemos desde já afirmar que a menção ao Alvará de Licença de Utilização decorre não só da escritura de compra e venda do imóvel ajuizado, mas também está consignado nas clªs. 1ª, e 5ª do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, documentos cujo conteúdo foi adquirido processualmente, conforme junção aos autos, enquanto documento nº. 1, oferecido aquando da apresentação da petição inicial, e enquanto documento nº. 1, oferecido aquando da apresentação da réplica, documentos estes, não impugnados, e aceites pela Ré, sobre os quais as partes, pacificamente, estruturam a respectiva argumentação esgrimida na presente demanda.
Ademais, pese embora reconheçamos que o Alvará de Licença de Utilização deva necessariamente integrar uma multiplicidade de actos administrativos, resulta dos autos, por forma inequívoca, aliás, aceite pelos pleiteantes, a concreta identificação daquele Alvará de Licença de Utilização, com o nº. ../04, mencionado em documentos, particular e autêntico, com a força probatória que dos mesmos decorre.
A este propósito, sempre diremos que atento o disposto no artº. 371º nº. 1 do Código Civil os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base na percepção da entidade documentadora.
Na verdade, a entidade documentadora percepciona, nomeadamente, as declarações que perante ela foram proferidas, a par da exibição de quaisquer documentos, fazendo tais documentos, neste particular, prova plena dessas mesmas declarações/exibição, admitindo, porém, ser coisa diferente o que respeita à realidade, à exactidão das afirmações, não sendo estas susceptíveis de serem percepcionadas nos termos acima aludidos.
Como decorre do nº. 1 do artº. 372º do Código Civil, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser elidida com base na sua falsidade, sendo que, nos termos do nº. 2 do mencionado preceito legal, o documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.
Deste modo, cremos ser elementar concluir que o Tribunal recorrido valorou correctamente o documento autêntico apresentado nos termos que acabou por consignar, uma vez que as partes tão pouco questionarem a exibição da Licença de utilização nº. ../04 emitida em 03/02/2004 pela Camara Municipal … para o prédio objecto da escritura, qual seja, o prédio objecto do articulado contrato de arrendamento, exibição esta levada a cabo diante da autoridade pública.
Outrossim, o documento particular que consubstancia o ajuizado contrato de arrendamento, enquanto documento nº. 1, oferecido aquando da apresentação da petição inicial, ao não ter sido impugnado pela Ré, torna pacifica a respectiva aquisição processual, nos termos do direito adjectivo civil que estatui no artº. 574º, nº. 2, 1ª parte, do Novo Código Processo Civil, condizente com o nº. 2, do artº. 490º, do anterior Código Processo Civil, que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, o que, de resto, não é o caso, dado que também a Ré sustenta toda a sua defesa na realidade que o contrato de arrendamento junto aos autos com a petição inicial, enforma.
Aportado este entendimento quanto à valoração da prova produzida, queremos anotar, ser questão diversa, aqueloutra que parece resulta da facticidade dada como provada, vertida nos artºs. 6º e 7º da elaborada Base Instrutória, atinente aos actos administrativos relativos à aprovação do licenciamento do imóvel e aqueloutro que consubstancia o Alvará de Licença de Utilização, com o nº. ../04, pois, a indiciada ausência dos procedimentos administrativos, poderá/deverá ser apreciada em sede que não a presente (nomeadamente, em sede própria, qual seja, no Tribunal Administrativo, como defende a Apelada/Autora), onde poderá/deverá ser questionada a existência dos actos prévios necessários e/ou aqueloutros que conduziram à emissão do exibido e reconhecido Alvará de Licença de Utilização, com o nº. ../04.
Concluímos, pois, que os factos vertidos nas alíneas O) e P) da Matéria de Facto apurada em 1ª Instância, não excluem, necessariamente, aqueloutros que decorrem das alíneas I) e J) da Matéria de Facto assente, inexistindo qualquer contradição, decorrendo do exposto, com meridiana clareza, a existência do Alvará de Licença de Utilização, com o nº. ../04, conforme, divisamos das consignadas alíneas I) e J) da Matéria de facto, mantendo-se, assim, no elenco dos factos provados.
Soçobram, pois, as conclusões aduzidas pela Ré/Recorrente/B…, SA., neste particular, mantendo-se inalterada a apreciada facticidade.

II. 3.2. Os factos alegados nos artºs 44º, a 55º da contestação devem ter-se como assentes, concebendo-se que a Autora não os impugnou e que os mesmos constituem matéria de excepção? (2)
A questão que ora nos ocupa conduz-nos a conhecer se na ratificação da arrogada sustentação da Apelante/Ré/B…, SA., também há fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, nomeadamente, aditando à mesma a facticidade vertida nos artºs. 44º, a 55º da contestação apresentada.
A Recorrente/B…, SA., pede a reapreciação da decisão da matéria de facto, na medida em que entende que os factos por si alegados constantes dos artºs 44º, a 55º da apresentada contestação, ao encerrarem matéria de excepção, e ao não terem sido impugnados, devem ter-se como assentes, e, nesta medida, a solução da matéria de facto haveria de ser diferente da consignada no aresto sob recurso.
A Apelante/B…, SA., ao questionar a decisão sobre a matéria de facto, impõe a análise sobre se há fundamento legal para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, com ressalva dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, conforme consagrado nos termos do artº. 607º n°. 5, do Novo Código Processo Civil, essa matéria de facto é, em princípio, inalterável.
A decisão da lª Instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº. 662º, do Novo Código Processo Civil, ou seja:
1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na lª Instância.
No caso em apreço, torna-se claro não ser aplicável a previsão contida no n°. 1, do artº. 662º, do Novo Código Processo Civil, pois que não foi apresentado documento novo superveniente, ou foi posta em causa a prova produzida, tão pouco os factos assentes impõem decisão diversa, conforme estabelecido no consignado n°. 1, do artº. 662º, do Novo Código Processo Civil.
A questão que a Apelante/B…, SA., promove para apreciação, respeita à decisão sobre a matéria de facto e refere-se, em concreto, aos factos alegados sob os artºs. 44º a 55º da contestação.
Na opinião da Recorrente, aqueles factos integram matéria de excepção que opôs à pretensão arrogada pela Autora, e, contrariamente ao que foi decidido, tais factos devem ser julgados assentes por falta de impugnação da Autora.
Daqui resulta, sublinhamos, que a Ré/Recorrente não põe em causa a decisão que resultou da audiência de discussão e julgamento, sendo que os factos questionados não foram consignados expressamente na elaborada Base Instrutória, tão pouco requer a reapreciação de qualquer prova produzida, reclamando, apenas e só, que seja tido em consideração, e reconhecido, o invocado incumprimento pela Autora do ónus de impugnação que, em sua opinião, lhe era imposto pelo direito adjectivo civil.
A este propósito dever-se-á enunciar, desde já, o princípio que enforma a elaboração da sentença prevenido na lei adjectiva civil (artº. 607º. nº 4 do Novo Código Processo Civil, sendo que a primeira parte do aludido nº. 4 é inovadora na sua localização na fase da sentença, tendo correspondência com a segunda parte do nº. 2 do artº. 653º do anterior Código Processo Civil. A segunda parte do consignado nº. 4 tem também alguma correspondência com o nº. 3 do artº. 659º do anterior Código Processo Civil), e que ao caso interessa, estabelecendo que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Assim, na decorrência da melhor ortodoxia processual, o Juiz não poderá olvidar ao elaborar qualquer aresto, os factos que estão admitidos por acordo.
Uma vez considerada a aquisição processual dos factos, admitidos por acordo, somos remetidos, porque intrinsecamente ligadas entre si, para a temática atinente ao ónus de impugnação, também definido na lei adjectiva civil.
Nos termos do artº. 574º, nº. 2, 1ª parte, do Novo Código Processo Civil, condizente com o nº. 2, do artº. 490º, do anterior Código Processo Civil, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, aplicável à falta de apresentação da réplica ou à falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu, conforme prevenido no artº. 587º, do Novo Código Processo Civil, condizente com o artº. 505º, do anterior Código Processo Civil.
Revertendo ao caso dos autos podemos desde já adiantar que a argumentação esgrimida pela Apelante, no que a esta particular questão diz respeito, terá que necessariamente soçobrar, uma vez confrontados os elementos constantes dos autos com as consignadas normas legais aplicáveis, quer numa perspectiva meramente formal, quer do ponto de vista substantivo.
Assim, em termos formais, constatamos, desde logo, que a Ré não cumpriu, na sua contestação, o ónus da especificação separada e individualizada das excepções, conforme prevenido no nº. 1, alínea c) do artº 572º do Novo Código Processo Civil, ao estabelecer que na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respectivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação (preceito que corresponde ao artº. 488º do anterior Código Processo Civil com alterações significativas, referindo a necessidade de expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções, ónus já resultante do artigo 5º, nº 1, do NCPC [artº. 264º, nº 1, do anterior Código Processo Civil], prevendo que a não especificação separada das excepções tem como sanção não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação e onerando o contestante com a apresentação dos meios de prova, facultando-lhe, caso tenha deduzido reconvenção e o autor tenha replicado, a alteração do requerimento probatório no prazo de dez dias a contar da notificação da réplica).
O novo texto adjectivo civil, tornou inequívoco que na falta de especificação separada das excepções deduzidas, os respectivos factos não se consideram como admitidos por acordo, o que, de resto, diga-se, mesmo em face dos artºs. 488º, e 505º, do anterior Código Processo Civil, já era reconhecido, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência.
Na verdade, este entendimento já resultava da redacção dos artºs. 488º, e 505º, do anterior Código Processo Civil, introduzida na revisão do Código Processo Civil, através dos Decretos-Lei nºs. 329-A/95, de 31 de Dezembro e 180-A/96, de 23 de Setembro, conforme decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 ao consignar que "por razões de clareza e em concretização do princípio da boa fé processual, estabeleceu-se que o réu deverá deduzir especificada e discriminadamente a matéria relativa às excepções deduzidas (…) sendo maleabilizado o ónus de impugnação especificada, de forma que a verdade processual reproduza a verdade material subjacente", levando-nos a concluir que a estrutura do processo, assumido no anterior Código Processo Civil, tinha já subjacente, um nexo de causa e efeito, entre o ónus de especificação separada e individualizada das excepções que a lei impõe ao réu, conforme prevenido no respectivo artº 488º, e o ónus de impugnação imposto ao autor pelo artº. 505º, ambos do anterior Código de Processo Civil.
A este propósito, J. Lebre de Freitas, apud, Código de Processo Civil, Anotado, volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, página 321, defende que "O desrespeito pela imposição da discriminação separada das excepções, traduzindo-se na dedução encapotada de excepções, deve ter como consequência … a inoperância do disposto no art. 505.º (admissão dos factos alegados pelo réu em sede de excepção quando não seja apresentada réplica ou nela não tenha sido considerada a excepção deduzida)", acrescentando mais adiante que "Mal se compreenderia de facto, que a parte pudesse beneficiar da prova decorrente da omissão de impugnar a matéria de excepção que, por culpa sua, a contraparte não entendeu como tal".

Na Jurisprudência este entendimento foi sufragado, entre outros, pelo Acórdão da Relação do Porto de 4 de Maio de 2009 (Processo nº. 464/07.1TBVCD.P1), in, www.dgsi.pt/jtrp, onde se consignou, e passamos a citar, "não se distinguindo na contestação aquilo que é defesa por impugnação e o que é defesa por excepção, não se pode exigir que a falta de resposta dê lugar à cominação de confissão prevista no art. 505.º do Código de Processo Civil".
Apesar de sabermos que a perfilhada interpretação não é totalmente convergente, ao nível doutrinal e jurisprudencial, concretamente, na vigência do anterior Código Processo Civil, entendemos que na construção de um processo justo, equitativo e leal a exigir correspectividade entre ónus e deveres processuais das partes, o desrespeito pela imposição da discriminação separada dos factos que sustentam as invocadas excepções, deve ter como consequência que os respectivos factos não se considerarem admitidos por acordo, afastando, assim, qualquer benefício do infractor, permitindo estabelecer o equilíbrio entre o ónus de especificação e individualização das excepções imposto ao réu no nº. 1, alínea c) do artº 572º do Novo Código Processo Civil, condizente aos artºs. 488º e 505º, do anterior Código Processo Civil.
Revertendo mais uma vez para o caso dos autos, e cotejada a contestação apresentada, divisamos que da mesma nada se diz, e nenhuma separação se faz sobre o que é defesa por excepção e o que é defesa por impugnação, sendo que, a haver matéria de excepção, também não se especifica individualizadamente cada uma das excepções deduzidas.
Cabe salientar, no entanto, que não sendo o processo um produto meramente formal e mecânico, antes, o resultado de um conjunto de actos formais, é certo, mas sempre orientados para a finalidade de se alcançar a verdade material subjacente ao litigio a resolver (a substância dos actos há-de prevalecer sobre a sua forma), cremos que nenhum razão adjectiva e substantiva se vislumbra para que se redefina a facticidade assente nos autos, mormente, aditando a facticidade enunciada nos artºs. 44º, a 55º da contestação apresentada, pelo que, improcederá esta especifica argumentação esgrimida pela Apelante/Ré/B…, SA.
II. 3.3. Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, designadamente, dever-se-á reconhecer que a Ré tem o direito a resolver o ajuizado contrato, uma vez admitido ter ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença, determinando violação dos deveres de prestação por parte da Autora, outrossim, o consignado reconhecimento à resolução contratual decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), que sustentam uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o articulado contrato? (3)
Na defesa de uma congruente estruturação do presente aresto, entendemos que a apreciação da questão vertida neste segmento deverá ser apreciada em conjunto com aqueloutra recortada das conclusões apresentadas pela Autora/Apelante, a ter lugar infra, no segmento II. 3.5.
Na verdade, as enunciadas questões (Da apelante Ré: (3) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, designadamente, dever-se-á reconhecer que a Ré tem o direito a resolver o ajuizado contrato, uma vez admitido ter ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença, determinando violação dos deveres de prestação por parte da Autora, outrossim, o consignado reconhecimento à resolução contratual decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), que sustentam uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o articulado contrato? E, da apelante Autora: (2) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, designadamente, no que ao pedido formulado pela Autora respeita?) contendem com a substância da causa a dirimir, convergindo ambas ao sustentaram que a subsunção jurídica dos factos foi incorrectamente levada a cabo, determinando desfecho diverso do sentenciado, destoando, porém, nas conclusões adiantadas nos respectivos recursos, ao pugnar a Autora/Recorrente pelo reconhecimento dos pedidos enunciados, batendo-se a Ré/Apelante, ao invés, pela improcedência das pretensões jurídicas formuladas, justificando-se, pois, a apreciação conjunta das questões elencadas nos identificados segmentos, II. 3.3., e II. 3.5.
Recurso da Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D….
II. 3.4. A sentença recorrida é nula porquanto, como se sustenta, o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre questões suscitadas pela Autora/Recorrente, concretamente, não apreciou o pedido formulado sob a alínea B) da petição inicial, no qual é reclamado o pagamento da quantia de €491.279,40, a título indemnizatório, pela mora no pagamento das rendas vencidas, relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010? (1)
Vejamos.
O Novo Código Processo Civil (aplicável ao conhecimento do recurso), enumera, imperativamente, no nº. 1, do artº. 615º, as causas de nulidade da sentença.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem aos casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
Considerando o objecto do recurso, devemos adiantar que nos termos da lei adjectiva civil (artº. 615º do Novo Código Processo Civil) é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (nº. 1 d) do artº. 615º do Novo Código Processo Civil).
A nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, está, convenhamos, directamente relacionada com o comando fixado na lei adjectiva civil (artº 608º nº, 2 do Novo Código processo Civil, condizente ao artº. 660º do anterior Código Processo Civil, com actualização da remissão legal constante do nº 1 e decorrente da renumeração do NCPC e alteração da pontuação no nº 2), segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sem esquecer que deverá fundamentar sempre as respectivas decisões, discriminando os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
A consignada disposição adjectiva civil (alínea d) do nº. 1 do artº. 615º do Novo Código Processo Civil) correspondendo ao preceito plasmado no direito adjectivo civil, anteriormente em vigor, qual seja, o artº. 688º d), do Código Processo Civil, suscita, de há muito tempo a esta parte, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão “questões” ali empregue, o que é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico do Professor Alberto dos Reis, apud, Código Processo Civil Anotado, 5ª edição, que na página 54 escreve “assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)“.
Na esteira desta perspectiva, doutrina e jurisprudência têm distinguido, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos”, concluindo que só a falta de apreciação das primeiras – das “questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões – neste sentido, Prof. A. Reis, obra e volume citados, pág. 143; Revista dos Tribunais 89º-456 e 90º-219; bem como, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1985.
Tem pleno cabimento observar, sublinhando, que neste particular de omissão de pronúncia, o vicio a que se reporta aquela alínea d) do nº. 1, do artº. 615º, do Novo Código Processo Civil, traduz-se no incumprimento, por parte do Juiz do dever prescrito no artº. 608º, nº. 2, do Novo Código Processo Civil, e, como vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia só se verifica quando existir “ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final” sendo que “não há omissão de pronúncia, mesmo que se não tome conhecimento de todos os argumentos apresentados, desde que se apreciem os problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide”, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 Fevereiro de 1995, BMJ 444/595.
O vício determinante da nulidade da sentença, nos termos enunciados correspondem a casos de ininteligibilidade do discurso decisório por não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia), sendo um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada.
Atentemos se o aresto apelado padece das sustentadas nulidades.
Sustenta a Autora/Recorrente que da análise da sentença resulta que o Tribunal “a quo” não apreciou a pretensão jurídica reclamada quanto ao pagamento da quantia devida a título indemnizatório, pela mora no pagamento das rendas vencidas nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, conforme, aliás, ficou consignado na alínea B) do pedido formulado nos autos.
Anotamos, desde já, que o valor de a €491.279,40 peticionado na aludida alínea B) da providência jurisdicional reclamada, arrogado a titulo indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas relativas aos meses de Julho Agosto Setembro e Outubro de 2010, não se compagina com os valores parcelares/mensais do período consignado, o que nos leva a reconhecer ter havido manifesto lapso, pois, conforme a Autora sustenta nos factos jurídicos donde emerge a pretensão solicitada, o que está em causa é o pagamento da quantia devida a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas até à data da invocada resolução, referentes ao período com inicio em 1 de Julho de 2009 e termo em 31 de Outubro de 2010, correspondendo ao pagamento da indemnização igual a 50% do valor correspondente às reclamadas 15 (quinze) rendas vencidas de €65.503,92/mês.
Escrutinada a decisão recorrida divisamos que o aresto sob escrutínio, identificou as partes e o objecto do litígio, sem deixar de fixar as questões que ao Tribunal cumpria solucionar, com prévia consignação dos factos apurados ao que se seguiu os fundamentos aplicando as normas jurídicas entendidas por pertinentes para bem decidir da causa, concluindo, e passamos a citar “Nos termos e fundamentos expostos julgo esta acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 524.031,36 €, acrescida de juros de mora à taxa legal. No mais, vai a R. absolvida.”
Na verdade, a pretensão arrogada pela Autora/Recorrente passou completamente despercebida ao Tribunal “a quo”, pois, em parte alguma do aresto apelado, nomeadamente, no segmento onde o Tribunal recorrido, subsumiu juridicamente os factos apurados (2. FUNDAMENTAÇÃO, DO DIREITO, APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS), descortinamos qualquer abordagem/conhecimento sobre a questão trazida a Juízo pela Autora/senhoria, qual seja, o arrogado direito ao pagamento da quantia alegadamente devida pela mora no pagamento das rendas vencidas.
Tudo isto revela uma omissão de pronúncia que redunda inevitavelmente na nulidade da sentença, omissão injustificável por incompreensível falta de cuidado na apreciação dos termos do pleito, falta de zelo, aliás, que o Tribunal “a quo” também manifestou ao nada ter dito sobre as nulidades arguidas pelas recorrentes, limitando-se a admitir os respectivos recursos, ordenando a subida dos autos a este Tribunal da Relação, antes mesmo de admitir os interpostos recursos, o que corrigiu adiante, diga-se, sendo revelador, no entanto, do desempenho que se regista.
Esta apurada actuação do Tribunal “a quo”, que não devia acontecer, mas que infelizmente aconteceu, consubstancia um vicio que se traduz-se no incumprimento, por parte do Juiz do dever prescrito no direito adjectivo civil, qual seja, o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e o não conhecimento da pretensão jurídica reclamada pela Autora quanto ao pagamento da quantia devida pela Ré, a título indemnizatório, pela mora no pagamento das rendas vencidas, é uma delas, encerrando o vicio apurado, em si, um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado.
Como sabemos, o nosso ordenamento jurídico assumiu, inequivocamente, a regra da substituição do Tribunal recorrido quando no artº 665º do Novo Código Processo Civil, condizente ao artº 715º do anterior Código Processo Civil, estabelece que embora o Tribunal de recurso declare nula a sentença proferida na 1ª Instância, não deixará de conhecer do objecto da apelação.
No que a este particular respeita, foi dado oportuno cumprimento ao prevenido no nº. 3, do artº. 665º, do Código Processo Civil, ou seja, foi facultado às partes dizerem o que tivessem por pertinente sob a questão que ora nos ocupa.
Cumpre decidir.
Nas relações negociais, os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como para fixar o conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, sustentada em normativos éticos e sociais, ou mesmo na segurança do comércio jurídico, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham, neste sentido, Almeida Costa, apud, Direito das Obrigações, Almedina, 3ª edição, página 184. A regra é, pois, a liberdade de fixação do conteúdo contratual com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam (artº. 405º do Código Civil), devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, conforme estabelecido no direito substantivo civil (artº. 406º do Código Civil).
Acima de quaisquer elementos objectivos, o elemento fundamental a considerar é sempre constituído pela vontade das partes. A qualificação jurídica do negócio há-de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelos contraentes.
Não sofre qualquer dissensão a qualificação levada a cabo pelo Tribunal recorrido de que a relação negocial trazida a Juízo, uma vez subsumida juridicamente a facticidade demonstrada, integra uma relação de contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
Na verdade, entendemos a locação como um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição, do que decorre que são três os elementos do contrato de locação, quais sejam, (1) a obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa à outra parte (locatário), isto é, o gozo da coisa o aproveitamento das suas utilidades no âmbito do contrato, pode consistir no simples uso da coisa locada ou no uso e fruição dela, em qualquer caso o gozo da coisa proporcionada ao locatário tanto pode ser total como parcial; (2) o prazo, na medida em que o gozo da coisa que o locador se compromete a proporcionar ao locatário deve ser temporário, não sendo, porém, necessário que as partes estipulem prazo, porquanto há regras supletivas; (3) finalmente o gozo da coisa deve ser concedido mediante retribuição, a qual em todo o caso deve ser determinável de acordo com as regras gerais (artº. 280º do Código Civil).
A locação como contrato é consensual bilateral - sinalagmático, oneroso, comutativo, de execução continuada e obrigacional.
É consensual na medida em que a lei impõe ao locador a obrigação de entregar ao locatário a coisa locada. O contrato já existe, portanto, mesmo antes da entrega.
Claro, porém, que o gozo da coisa só é efectivo depois da entrega e que esta se não é condição de existência ou de plena eficácia do contrato é condição da generalidade dos seus efeitos.
A locação traduz-se num contrato bilateral - sinalagmático, por virtude de fazer derivar obrigações para o locador e para o locatário, obrigações estas ligadas por uma relação de sinalagma, ou seja, correspectividade.
Trata-se de um contrato oneroso em que há equilíbrio ou equivalência - do ponto de vista das partes - entre as prestações do locador e locatário.
Tendo presente a subdistinção dos contratos onerosos em comutativos e aleatórios, o contrato de locação é comutativo.
A prestação típica do locador, aquela que lhe é imposta por lei é uma prestação continuada ou duradoura, enquanto a prestação fundamental do locatário, a de pagar a renda estipulada ao senhorio, é periódica ou repetida, sendo pois, o contrato de locação um contrato de execução continuada ou periódica.
Finalmente o nosso ordenamento jurídico parece continuar a reflectir a imagem tradicional da locação como contrato obrigacional e não real, sendo que o arrendatário tem um direito absoluto sobre a coisa locada, ou no mínimo relativo ao senhorio, direito a que corresponderia uma obrigação passiva universal.
São estas, em breves traços, as características da locação enquanto contrato, sendo que no que tange aos requisitos de fundo do contrato de arrendamento temos que, desde logo, o arrendamento exige o consentimento dos contraentes, o qual deve ser livre e perfeito, ou seja, emitido de forma que consideremos a inexistência de qualquer vicio de vontade (artºs. 240º a 257º ambos do Código Civil), bem como, os contraentes têm que ter capacidade e legitimidade, isto é, deverão ter capacidade de agir para poder tomar e dar de arrendamento, e ter uma posição, uma relação com os bens ou interesses que concretamente o negócio jurídico pretende regulamentar, exigindo-se para o locador que este dê de arrendamento, enquanto exercita, pelo menos, um acto de administração ordinária, ao passo que a legitimidade para tomar de arrendamento exige algo mais que exercitar um acto de administração ordinária.
Quanto ao objecto do contrato de arrendamento deve ser este possível, fisicamente e legalmente (artºs. 280º e 281ºambos do Código Civil).
No caso particular dos arrendamentos para fins não habitacionais devem ser estes reduzidos a escrito, conforme exigência legal.
Posto isto e, analisado sucintamente o contrato de arrendamento, quanto à sua noção legal, elementos essenciais, como contrato, suas modalidades, requisitos (de fundo e de forma) do contrato, e, conteúdo da própria relação de arrendamento, temos de convir pelo reconhecimento de que a Autora e Ré, face à facticidade demonstrada nos autos, celebraram válido contrato de arrendamento para fins não habitacionais, aprovando-se, assim, a qualificação reconhecida pelo Tribunal recorrido consignada no aresto apelado.
Dos autos resultou demonstrado que:
B) A R pagou somente as rendas relativas ao período com início em 1 de Junho de 2008 e termo em 30 de Junho de 2009 – alínea B) da Matéria de Facto Assente;
C) Não tendo procedido ao pagamento da renda de Julho de 2009, vencida em 1 de Junho de 2009 – alínea C) da Matéria de Facto Assente;
D) Nem as que se lhe seguiram – alínea D) da Matéria de Facto Assente;
E) Face à mora da R, a A accionou a garantia prevista no nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento – alínea E) da Matéria de Facto Assente;
F) Tendo recebido em 7 de Outubro de 2010 o valor correspondente a um ano de rendas, o que significa que por esta via ficaram pagas as rendas relativas ao período com início em 1 de Julho de 2009 e termo em 30 de Junho de 2010 – alínea F) da Matéria de Facto Assente;
CC) Foi neste contexto, que a A. comunicou à Ré a resolução do contrato de arrendamento, por carta datada de 27/10/2010, enviando-lhe as chaves do imóvel – artigo 20.º) da Base Instrutória.
Como já adiantamos, traduzindo-se a locação num contrato bilateral -sinalagmático, por virtude do qual derivam obrigações para o locador e para o locatário, e sendo um contrato oneroso em que há equilíbrio entre as prestações do locador e locatário, sendo a prestação do locador continuada ou duradoura, de proporcionar o gozo de uma coisa à outra parte (locatário), enquanto a prestação fundamental do locatário, a de pagar a renda estipulada ao senhorio, obrigação periódica ou repetida, divisamos que a Ré pagou somente as rendas relativas ao período com início em 1 de Junho de 2008 e termo em 30 de Junho de 2009, não tendo procedido ao pagamento da renda de Julho de 2009, vencida em 1 de Junho de 2009, nem as que se lhe seguiram.
Como decorre do artº. 1038º, alínea a), do Código Civil, é obrigação fundamental do locatário pagar a renda estipulada ao senhorio nos termos estabelecidos no sequente artº. 1039º, do Código Civil, sendo esta obrigação periódica ou repetida, importando o seu incumprimento, de acordo com o prevenido no nº. 1, do artº. 1041º, do Código Civil, a satisfação do direito que assiste ao senhorio, traduzido no percebimento, além das rendas em atraso, de uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
Cabe-nos, pois, apreciar se assiste direito à Autora, à reclamada indemnização, em razão da alegada mora no pagamento das rendas vencidas até à data da invocada resolução e entrega do locado, referentes ao período com inicio em 1 de Julho de 2009 e termo em 31 de Outubro de 2010, ou seja, o reclamado pagamento da quantia devida a título indemnizatório pela mora no pagamento das invocadas 15 (quinze) rendas mensais de €65.503,92, vencidas até à data da invocada resolução, correspondendo à aludida indemnização ao pagamento de 50% das mesmas.
Como se retira da facticidade demonstrada, o locado, objecto do ajuizado contrato de arrendamento, deixou de ser ocupado pela subarrendatária a partir de 30 de Setembro de 2010, sendo que a Ré deixou de proceder ao pagamento das respectivas rendas desde Julho de 2009, tendo, no entanto, a Autora/senhoria recebido o montante correspondente àquelas rendas, devidas até 30 de Junho de 2010, por força da garantia prestada pela arrendatária/Ré para o efeito.
Coloca-se, assim, a questão de saber se, executada a garantia por parte da Autora/senhoria, e percebida por esta, o valor correspondente à garantia prestada pela Ré/arrendatária, no montante de 12 (doze) meses de renda ajustada, incorreu, em todo o caso, a Ré/inquilina em mora, porquanto, comprovadamente deixou de efectuar o pagamento existente para pagamento de rendas vencidas desde Julho de 2009 até à invocada resolução do contrato por declaração de 27 de Outubro de 2010.
Adiantamos que a resposta à questão suscitada deverá ser, por um lado, negativa, isto é, o Tribunal não poderá reconhecer que a Ré/arrendatária retardou o pagamento, porque em mora, quanto às primeiras 12 (doze) rendas mensais vencidas até à invocação da resolução do contrato, entretanto pagas com a execução da garantia prestada para o efeito, sendo, por outro lado, a resposta positiva, isto é, reconhecer-se-á a falta de cumprimento pontual no tocante às últimas 3 (três) rendas mensais vencidas até à invocação da resolução contratual, cuja indemnização a titulo de mora é impetrada pela Autora/Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D….
Vejamos.
Verificando-se um retardamento da prestação, por causa imputável ao devedor, ora Ré/arrendatária, constitui-se esta em mora, e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora Autora - artº. 804º do Código Civil - .
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Como já adiantamos, constituindo-se o locatário em mora, o locador/credor tem direito de exigir no nº. 1, do artº. 1041º, do Código Civil, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido.
Nos termos do artº 805º nºs 1 e 2 a) do Código Civil, o devedor fica constituído em mora, nomeadamente, depois de ter sido interpelado judicialmente para cumprir. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: Se a obrigação tiver prazo certo, como é o caso dos autos.
Demonstrado que não foram pagas as rendas devidas no prazo ajustado entre senhoria e arrendatária, poder-se-ia pensar que há mora da locatária (artºs. 804º nº. 2, 805 nº. 2 alínea a), 1038º alínea a) e 1039º, todos do Código Civil), e, consequentemente o direito da locadora consagrado no artº. 1041º, nº. 1, do Código Civil.
Acontece que nos caso “sub iudice” para além de se ter apurado que a Ré/arrendatária deixou de proceder ao pagamento das rendas desde Julho de 2009, é inquestionável, porque adquirido processualmente que a Autora/senhoria recebeu o montante correspondente àquelas rendas, devidas até 30 de Junho de 2010, ao executar a garantia bancária autónoma existente e prestada para o efeito, o que nos leva a analisar a natureza jurídica da garantia prestada para daí concluirmos se a mora é efectivamente imputável à devedora/arrendatária, ou, se pelo contrário, é assacada à credora/senhoria, sendo que no reconhecimento de que foi esta (credora/senhoria) quem, injustificadamente, omitiu a cooperação necessária para que a devedora/inquilina tivesse cumprido a prestação de sua responsabilidade, não assistirá à Autora/senhoria, direito de percebimento da indemnização a que se reporta o nº.1 do artº. 1041º, do Código Civil.
Para o efeito, temos de convir, será determinante qualificar a garantia prestada e consequente relevância jurídica, chamando à colação o teor do contrato de arrendamento articulado, onde no nº. 2, da cláusula 2ª se estabeleceu “Irá ser entregue ao Senhorio uma garantia bancária autónoma de valor igual a um ano de rendas, que vigorará pelo prazo do arrendamento, e que caucionará as obrigações de pagamento de rendas e de pagamento de eventual indemnização que para o Arrendatário venham a decorrer do presente contrato”.
Na formulação de Galvão Telles, apud, Garantia Bancária Autónoma, O Direito, Ano 120º, 1988,III-IV, página 283, a garantia bancária autónoma, automática ou à primeira solicitação é “a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base) sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o memo contrato.”
E, segundo Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, apud, Garantias de Cumprimento, Almedina, 1994, páginas. 49-50, a garantia bancária ou autónoma implica a “concessão eventual de um crédito equivalente ao do montante garantido, mediante uma contrapartida. O garante recebe uma contraprestação para, na eventualidade de ocorrência de certos factos, pagar uma quantia a terceiro, constituindo-se credor do garantido por essa importância. A garantia representa, portanto, uma determinada soma de dinheiro, independentemente da natureza da obrigação assumida. O garante, perante o credor, responsabiliza-se pelo pagamento de uma obrigação e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido); não se trata de garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas antes de assegurar o interesse económico do credor beneficiário da garantia”.
O contrato de garantia bancária é assim um negócio jurídico inominado, aceite no nosso ordenamento jurídico, em consequência do princípio da liberdade contratual estabelecido no artº. 405º, do Código Civil.
Implicam as garantias autónomas para o garante a obrigação de pagar a quantia estabelecida, com base no mero pedido, solicitação ou exigência do beneficiário, sem que seja permitido ao garante invocar qualquer excepção fundada na relação fundamental entre o ordenante e o beneficiário, o que, no entanto, não exclui a possibilidade de o garante excepcionar o dolo, a má fé ou o abuso de direito, nos termos dos art.ºs 334.º e 762.º, n.º 2 do Código Civil, neste sentido, entre outros, Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2004 (Processo 04B2883) e de 12 de Setembro de 2006 (Processo 06A2211), in www.dgsi.pt).
Caracterizada assim a garantia prestada fácil será concluir que estava no domínio da Autora/senhoria o poder deitar mão da garantia prestada para se fazer pagar das rendas vencidas, conforme ajustada entre as partes, até ao limites de 12 (doze) meses de rendas, correspondentes aos primeiros 12 (doze) meses sobre os quais a Autora/senhoria reclama a mora da Ré/arrendatária, equivalente ao valor percebido pela Autora/senhoria quando executou a aludida garantia.
Assim, foi a Autora/senhoria quem, sem razão justificativa deixou de exercer o direito a executar a garantia prestada com o objectivo do pagamento de rendas, protelando a respectiva execução no tempo (E) Face à mora da R, a A accionou a garantia prevista no nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento; F) Tendo recebido em 7 de Outubro de 2010 o valor correspondente a um ano de rendas, o que significa que por esta via ficaram pagas as rendas relativas ao período com início em 1 de Julho de 2009 e termo em 30 de Junho de 2010), deixando de cumprir, tempestivamente, os termos do acordo celebrado com a Ré/arrendatária, pelo que, no reconhecimento da mora da credora/senhoria não assistirá à Autora, direito de percebimento da indemnização a que se reporta o nº.1 do artº. 1041º, do Código Civil, quanto às primeiras 12 (doze) rendas mensais vencidas até à invocação da resolução do contrato, entretanto pagas com a execução da garantia prestada para o efeito.
Ao invés, quanto à reclamada mora atinente aos reclamados últimos 3 (três) meses de rendas vencidas até à invocação do contrato de arrendamento, demonstrado ficou estarem as mesmas por pagar sendo o atraso no respectivo cumprimento imputável à devedora/arrendatária, sendo que tão pouco se alegou e apurou quaisquer factos que sustentem que a credora/senhoria tenha, injustificadamente, assumido conduta donde se conclua ter omitido a cooperação necessária para que a devedora/inquilina tivesse cumprido a prestação de sua responsabilidade, razão pela qual, assistirá à Autora/senhoria, neste particular, direito de percebimento da indemnização a que se reporta o nº.1 do artº. 1041º, do Código Civil, relativamente aos reclamados 3 (três) meses de rendas vencidas em divida, no valor de €98.255,88 (noventa e oito milhares, duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos).
Neste termos, este Tribunal de recurso, na procedência, em parte, das conclusões aduzidas pela Apelante/Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, julga parcialmente procedente o pedido formulado em B) da petição inicial, condenando a Ré/B…, SA., a pagar à Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, a quantia de €98.255,88 (noventa e oito milhares, duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), absolvendo a Ré no demais pedido, a título indemnizatório, pela mora no pagamento das rendas vencidas.

II. 3.5. Conforme já adiantamos (II. 3.3.) caberá aqui, neste segmento do presente acórdão, abordar, conjuntamente, as questões enunciadas, quer pela Ré/Apelante, quais sejam, dever-se-á reconhecer que a Ré tem o direito de resolver o ajuizado contrato, uma vez admitido ter ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença, determinando violação dos deveres de prestação por parte da Autora, outrossim, o consignado reconhecimento à resolução contratual decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), que sustentam uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o articulado contrato?, quer as questões expostas pela Autora/Recorrente, quais sejam, considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, dever-se-á declarar que face à invalidade da declaração de revogação, a declaração de denúncia por iniciativa da Ré só poderia produzir efeitos para 1 de Junho de 2018, o que significa que a mesma é obrigada ao pagamento das rendas até à referida data, a par de que a mora no pagamento das rendas vencidas até à data da invocada resolução, referentes ao período com inicio em 1 de Julho de 2009 e termo em 31 de Outubro de 2010, confere à recorrente o direito de reclamar o pagamento da indemnização igual a 50% do valor devido? (3 e 2)
Atentemos.
Começamos por anotar que já foi apreciada no precedente item II. 3.4., uma das questões suscitadas no recurso da Autora/Recorrente, qual seja, saber se a mora no pagamento das rendas vencidas até à data da invocada resolução (referentes ao período que medeou entre 1 de Julho de 2009 e 31 de Outubro de 2010), confere à Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, o direito a reclamar da Ré/B…, SA., o pagamento da indemnização igual a 50% do valor devido, razão pela qual, ao respristinarmos tudo quanto aí se registou a propósito, nada mais adiantaremos para concluirmos pela parcial procedência das alegações de recurso quanto a esta particular questão.
Apreciemos, pois, todas as outras enunciadas questões trazidas ao conhecimento deste Tribunal de recurso, quer as aduzidas pela Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, quer as invocadas pela Ré/B…, SA., começando a respectiva análise por estas últimas.
Como já adiantamos, não sofreu qualquer dissensão a qualificação levada a cabo pelo Tribunal recorrido de que a relação negocial trazida a Juízo, uma vez subsumida juridicamente a facticidade demonstrada, integra, no dizer do Mmº. Juiz “a quo” uma relação de contrato de arrendamento comercial, ou mais rigorosamente, uma relação de contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
O aresto recorrido está estruturado segundo um formalismo estribado num relatório, onde, por forma resumida, foram mencionadas as posições assumidas pelas partes e onde se consignaram as vicissitudes do pleito, ao que se seguiu a facticidade apurada e a análise jurídica, levando-se a cabo a subsunção jurídica dos factos provados, precedida da enunciação das questões a resolver, concluindo pelo segmento decisório.
Ao escrutinar o aresto apelado não encontramos qualquer dificuldade em entender o processo cognitivo trilhado pelo Mmº. Juiz “a quo”, o que não significa o seu acolhimento, bem pelo contrário, pois, o mesmo merecerá alguns reparos, a consignar, a seu tempo, por forma mais desenvolvida.
Sem deixar de problematizar as questões trazidas a Juízo, como sejam, “a) Tem a Autora/senhoria, direito a haver para si a totalidade das rendas até ao fim do contrato; b) A Ré/arrendatária, resolveu licitamente o contrato de arrendamento”, o Mmº. Juiz “a quo”, uma vez subsumidos os factos ao direito, qualificando, e bem, conforme já adiantamos, o vínculo jurídico constituído entre as partes como um contrato de arrendamento, e, entendendo a carta datada de 27 de Outubro de 2010, remetida pela Ré/arrendatária à Autora/senhorio, como verdadeira denúncia do contrato, concluiu pela procedência parcial da demanda, e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €524.031,36, correspondente às rendas devidas até 1 de Março de 2011, acrescida de juros de mora à taxa legal, absolvendo a Ré no mais.
Como já anotamos o dissídio da Ré/Apelante manifesta-se ao pugnar pelo reconhecimento do arrogado direito a ver resolvido o ajuizado contrato que, de resto, sublinhamos, não foi acolhido pelo Tribunal recorrido.
A este propósito o Mmº. Juiz “a quo” fez constar do aresto escrutinado, permitindo-nos destacar “A R. enviou à A. carta pela qual vem declarar resolvido o contrato de arrendamento com fundamento em alteração substancial das circunstâncias e bem como na falta de licença de utilização.
(…) É a própria A. que vem alegar ter a R. enviado carta a alegar a resolução do indicado contrato. Sendo que, a A. entende que não se verifica o fundamento do pedido de resolução feito.
Vejamos, então, se porventura terá a Ré fundamento para a sua declaração de resolução, quanto ao contrato aqui em discussão.
Nos contratos vigora o princípio do cumprimento pontual dos contratos – artigo 406.º, do Código Civil –, o qual só é afastado em caso de impossibilidade absoluta de atingir o seu fim. Esse princípio parece que imporia à parte lesada a necessidade de cumprir a obrigação mesmo que tivesse ocorrido uma profunda alteração das circunstâncias (teoria da base do negócio – artigo 437.º e seguintes Código Civil.
É necessário que tenha havido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes basearam a decisão de contratar (alteração anormal, quando dela resulte um agravamento da obrigação de uma das partes que não esteja coberto pelo risco anormal do negócio e que tome o agravamento, a exigência dessa obrigação contrária à boa fé).
À parte lesada é reconhecido o direito de resolver o contrato, ou modificação sobre juízos de equidade.
O direito de resolução, se não for convencionado e, enquanto destruição da relação contratual depende da verificação dum fundamento legal e caracteriza-se por ser um direito potestativo – artigo 432.º do Código Civil.
A parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a demonstrar a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora do incumprimento definitivo – artigos 801.º n.º2 e 802.º n.º1 do Código Civil.
Ora, dos autos, resulta que a situação económica do mundo e do país sofreu alteração.
Crise constituiu ou não uma alteração anormal das circunstâncias?
Os factos dados como provados, demonstram inequivocamente que tal crise económica/financeira do mundo e do país foi (é) de tal modo que teve manifesta interferência no prosseguimento normal da relação contratual, continuando ou não em Portugal a E… (verdadeira arrendatária do locado e interessada no negócio aqui em causa, sucessivas vendas, arrendamentos e sub-arrendamentos).
Sopesando tal factualidade e a Lei – artigo 437.º do Código Civil – entendo que tal alteração da situação económica cai no risco do próprio negócio.
É dos manuais, quase do sendo comum, que a economia tem ciclos, tal qual a sucessão das estações do ano. As partes quando celebram um contrato tendo em visto um vasto período de tempo, têm necessariamente que se precaver para as contingências normais dos ciclos económicos, os altos e os baixos. Não fosse assim, a manutenção das obrigações contratuais estaria sujeita aleatoriamente às contingências da vida.
Por outro lado, a R. alega que o locado, após a E… ter cessado a sua actividade no local, não tem licença de utilização, sendo que o locado padece de vários defeitos.
De novo, os factos provados comprovam tal alegação. Mas, s.d.r., a dar razão ou fundamento à resolução que a R. pretende fazer operar, estaria a fazer tábua rasa do que foi efectivamente acertado entre A. e R., ie, que a R. tinha perfeito conhecimento do estado do local, aqui incluindo, existência de licença de utilização e do estado do locado.
Assim, e pelo exposto, ter-se-á que concluir por a R. não haver demonstrado ter fundamento para resolver o contrato de arrendamento.”
Ao sufragarmos, no essencial, a sustentação vertida na sentença recorrida a este propósito, entendemos sublinhar o enquadramento jurídico perfilhado pelo Mmº. Juiz “a quo” adiantando, desde já, a falta de fundamento das alegações consignadas no recurso interposto pela Ré, que ora somos chamados a conhecer.
Na verdade, nos termos do artº. 1083º, do Código Civil, na versão decorrente da Lei nº. 6/2006, de 27 de Fevereiro (Novo Regime do Arrendamento Urbano), aplicável por força dos artºs. 27º, e 59º deste último diploma, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte, sendo que é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
A discordância da Ré/Apelante quanto à decisão recorrida, consubstanciando a censura que lhe dirige, circunscreve-se à falta de reconhecimento em Juízo da invocada resolução do articulado contrato de arrendamento com fundamento em alteração substancial das circunstâncias que determinaram a outorga do contrato, bem como, na falta da licença de utilização do locado.
Como sabemos, e o aresto apelado não deixou de consignar, o direito de resolução, se não for convencionado e, enquanto destruição da relação contratual depende da verificação dum fundamento legal e caracteriza-se por ser um direito potestativo, sendo que a parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a demonstrar a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora do incumprimento definitivo (artºs. 432º, 801º nº. 2 e 802º nº. 1 todos do Código Civil).
A resolução contratual com fundamento em alteração substancial das circunstâncias, conforme invocada pela Ré, está prevenida no artº. 437º, do Código Civil, com desiderato inequívoco em salvaguardar o equilíbrio contratual, pois, embora a segurança jurídica induza à estabilidade dos vínculos contratuais, de que é expressão máxima o principio segundo o qual os contratos devem ser pontualmente cumpridos, conforme estatuído no artº. 406º, do Código Civil "pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontre obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração. Nestas situações, às vantagens da segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do princípio da estabilidade, opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a resolução ou modificação do contrato" conforme defende, Mário Júlio de Almeida Costa, apud, Direito das Obrigações, 8ª edição, Almedina, 2000, página 285.
Decorre daquele normativo legal que a possibilidade de resolução ou modificação do contrato aplica-se a alterações nas circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, circunstâncias a provar, em todo o caso, por quem se queira prevalecer da resolução ou modificação, sendo que a alteração tem que ser anormal, imprevisível, que provoque prejuízos, sendo que o dano terá de ter a envergadura bastante para justificar o instituto, já que tem de afectar gravemente os princípios da boa fé e a exigência ao lesado do cumprimento das obrigações inicialmente assumidas, e, por fim, a exigência dos deveres assumidos pelo lesado não pode estar coberta pelos riscos próprios do contrato.
Ao não relevar as alterações abrangidas pelos riscos próprios do contrato, temos que para que se verifique o reconhecimento da invocada alteração anormal das circunstâncias, enquanto pressuposto da resolução do contrato, exigem-se dois requisitos, quais seja, alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e a manutenção do conteúdo contratual afectando gravemente os princípios da boa fé e não estando abrangida pela álea própria do contrato.
Interiorizados os requisitos de que depende a resolução pretendida pela Ré, ora recorrente, em confronto com a facticidade apurada nos autos, é para nós claro que não assiste fundamento válido à resolução invocada pela Ré, crendo não ser descabido relembrar, o que a este respeito, se disse na sentença em escrutínio “(…) Ora, dos autos, resulta que a situação económica do mundo e do país sofreu alteração. (…) Os factos dados como provados, demonstram inequivocamente que tal crise económica/financeira do mundo e do país foi (é) de tal modo que teve manifesta interferência no prosseguimento normal da relação contratual, continuando ou não em Portugal a E… (verdadeira arrendatária do locado e interessada no negócio aqui em causa, sucessivas vendas, arrendamentos e sub-arrendamentos). (…) É dos manuais, quase do sendo comum, que a economia tem ciclos, tal qual a sucessão das estações do ano. As partes quando celebram um contrato tendo em visto um vasto período de tempo, têm necessariamente que se precaver para as contingências normais dos ciclos económicos, os altos e os baixos. Não fosse assim, a manutenção das obrigações contratuais estaria sujeita aleatoriamente às contingências da vida. (…) Assim, e pelo exposto, ter-se-á que concluir por a R. não haver demonstrado ter fundamento para resolver o contrato de arrendamento.”
Outrossim, aprovamos a posição acolhida na sentença recorrida no que respeita aqueloutros fundamentos (o locado não tem licença de utilização, a par de que o locado padece de vários defeitos) com vista ao reconhecimento judicial da resolução do contrato ajuizado, pois, ao não ter resultado apurado os alegados factos, bem pelo contrário, apurado ficou que a Ré tinha conhecimento da existência do Alvará de Licença de Utilização nº. ../04, bem como, do estado do locado (clª 5ª do contrato de arrendamento), entendemos ser ponderado, sufragar o que a este propósito também se consignou no aresto recorrido, sendo despiciendo quaisquer outros desenvolvimentos, uma vez que as circunstâncias em que assenta a possibilidade de resolução do contrato devem ser demonstradas, por quem se quer prevalecer da resolução, no caso a Ré/arrendatária/B…, SA., o que de resto não foi o caso, como reconhecemos sem quaisquer reservas.
Apreciando a bondade do aresto apelado, sem deixar de cotejar o argumentário que sustenta a discordância da Ré/Apelante quanto à decisão recorrida, e atendendo ao quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial sustentado, conjugado com a facticidade demonstrada nos autos, entendemos que não merece qualquer censura a decisão posta em crise que não reconheceu a invocada resolução do vinculo jurídico trazido a Juízo, o que não quer dizer, conforme discorreremos de seguida, que sem prejuízo do que ficou decidido quanto à invocada resolução do contrato de arrendamento, sempre a declaração constante da carta remetida pela Ré/arrendatária à Autora/senhoria tende a pôr fim ao contrato de arrendamento.
Soçobram, assim, as conclusões trazidas à discussão pela Ré/Recorrente, não tendo as mesmas, quaisquer virtualidades no sentido de alterarem o destino da presente demanda.
No que tange ao dissídio da Autora/Apelante, recordamos, saber se, face à reconhecida invalidade da declaração de revogação, a declaração de denúncia por iniciativa da Ré só poderia produzir efeitos para 1 de Junho de 2018, o que significa que a mesma é obrigada ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à referida data.
Por facilidade de raciocínio, comecemos por apreciar da relevância jurídica da enunciada missiva da Ré/arrendatária recepcionada pela Autora/senhoria, a merecer resposta por parte desta.
De acordo com o prevenido no artº. 236º, nº. 1, do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Consagra-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”.
Vaz Serra ensina que esta teoria deve ser entendida do seguinte modo: “(…) a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, como o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo o caso no nº.2 do artigo 236º do Código Civil) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração.” apud, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 103, página 287.

Por sua vez, Manuel de Andrade refere: “trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. Por outras palavras: parte-se do princípio de que o declaratário teve conhecimento das circunstâncias que na verdade conheceu, e ainda de todas aquelas outras que uma pessoa razoável, posta na sua situação, teria conhecido; e figura-se também que ele ajuizou dessas circunstâncias, para entender a declaração, tal como teria ajuizado uma pessoa razoável”, apud, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume 2, páginas 309/310.
Pires de Lima e Antunes Varela defendem, igualmente, que “a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante” apud, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., página 223.
Cumpre, assim, averiguar qual o sentido dado pela Ré à aludida comunicação, ou seja, qual é o valor jurídico da declaração que a mesma contém e de que a Autora teve conhecimento.
Na interpretação de um declaratário normal, os termos da enunciada declaração não pode ser lido de outra forma que não seja a inequívoca vontade da Ré em pôr fim ao contrato de arrendamento que havia outorgado com a Autora, concebido, aliás, pela Ré na sua contestação, e parece conformar-se a Autora/Apelante, na suas conclusões de recurso, discordando, apenas quanto ao momento em que aquela declaração de denúncia, por iniciativa da Ré, poderia produzir efeitos, ou seja, para 1 de Junho de 2018, na opinião da Autora, e um ano após a emissão da aludida declaração, concebe a Ré, sendo que, quer uma, quer outra perspectiva arrogada, está em manifesta oposição com o acolhimento vertido na sentença apelada que ao entender a missiva da Ré, como verdadeira denúncia do contrato, e aplicando o regime decorrente do artigo 1110º do Código Civil, considerou que a denúncia só produziu efeitos após decurso dos 120 dias aludidos na Lei, concluindo, assim, serem devidas as rendas vencidas até 1 de Março de 2011, no valor de €524.031,36, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Perspectivada a posição assumida pelo Tribunal “a quo” e aqueloutra sustentada pela Autora/Apelante cremos ser meridiano perceber e poder afirmar que as consignados posição divergem quanto aos factos que sustentam o arrogado contrato de arrendamento ajuizado, constituindo um contrato de duração indeterminada na perspectiva acolhida na sentença apelada, ao passo que, na opinião da Autora/Apelante ainda que se entenda que as partes se exprimiram mal, confundindo denúncia com não oposição à renovação, o que não concede é que a vontade real das partes era a fixação de um prazo de duração mínimo de 10 anos, sendo de acordo com esta vontade que vale a declaração exarada na cláusula segunda do contrato, e, face à manifesta invalidade da declaração de revogação, deverá entender-se que a declaração de denúncia por iniciativa da Ré só poderia produzir efeitos para 1 de Junho de 2018, facticidade esta a subsumir ao regime decorrente do artº. 1100º, conforme se sentenciou em 1ª Instância, ou enquadramento jurídico sustentado no artº 1110º, do Código Civil (versão ditada pela Lei nº. 6/2006, de 27 de Fevereiro), conforme argumenta a Autora/Apelante, uma vez considerada inquestionável a bondade da solução encontrada pelo Tribunal recorrido ao reconhecer a denúncia contratual face aos factos processualmente adquiridos.
Neste particular, não deixaremos de chamar à colação, todos os ensinamentos acolhidos, já enunciados em breves traços, atinentes à relevância jurídica das declarações negociais, conforme discorremos ao interpretar o que o direito substantivos civil refere a propósito, concretamente, o estabelecido no artº 236º do Código Civil.
Assim, importa divisar qual o sentido dado pelos outorgantes ao conteúdo da clausula 2ª do escrito que sustenta o ajuizado contrato de arrendamento, assente em Juízo, ou seja, qual é o valor jurídico da declaração que a mesma contém, determinante da vontade que os outorgantes tiveram.

Na interpretação de um declaratário normal, os termos da declaração não pode ser lido de outra forma que não seja a inequívoca vontade dos outorgantes em outorgar um contrato de arrendamento com um prazo de duração de 10 anos (com inicio em 1 de Junho de 2008, e término em 31 de Maio de 2018), sendo renovado automaticamente por períodos de 3 (três) anos, a não ser que venha a ser denunciado por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 12 (doze) meses, em relação ao período inicial ou a cada um dos períodos de vigência seguintes (abrimos parêntesis para deixarmos registado não entendermos a referência feita pelo Tribunal “a quo” na sua douta sentença ao consignar “o contrato foi celebrado a 1 de Junho de 2008, pelo prazo de 20 anos”).
Como sabemos, a denúncia aparece como forma autónoma de extinção dos contratos (vocacionada, em regra, para os contratos estabelecidos por tempo indeterminado), possui carácter unilateral e exprime uma vontade discricionária, não vinculada a qualquer justa causa que a lei estabeleça, neste sentido, Professor Pessoa Jorge, apud, Direito das Obrigações, lições policopiadas, ano 75/76, página 212, tomando-se ainda em consideração que sendo a denúncia do contrato de arrendamento uma declaração receptícia, esta apenas se torna eficaz na data em que a declaração emitida pela arrendatária foi recebida pela senhoria (artº. 224º nº. 1 do Código Civil).
Como todas as vicissitudes contratuais relatadas nos autos ocorreram no decurso da vigência da redacção inicial do Novo Regime do Arrendamento Urbano (Lei nº. 6/2006 de 27 de Fevereiro), desde a celebração do contrato até à respectiva denúncia, ter-se-á em atenção a redacção que resulta deste diploma em razão do prevenido no direito substantivo civil (artº. 12º nº. 1 do Código Civil), em matéria de direito transitório, determinando, pois, que não cuidemos das alterações, entretanto introduzidas ao Regime do Arrendamento Urbano pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto.
Retomando a apreciação da questão em apreço temos de convir, porque determinante para divisar quais as regras a aplicar do Novo Regime do Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro), que estamos, não só no domínio da cessação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, por denúncia, como também que no contrato de arrendamento não habitacional articulado foi fixado um prazo de duração e um prazo de denúncia.
Assim, é essencial adiantar que, uma vez que o ajuizado contrato cessou por denúncia, sendo um contrato por prazo certo de 10 (dez) anos, renovado automaticamente por períodos de 3 (três) anos, a não ser que venha a ser denunciado por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 12 (doze) meses em relação ao período inicial ou a cada um dos períodos de vigência seguintes, ou seja, estipulou-se um efectivo prazo para o contrato (10 anos), acordando-se, outrossim, o prazo a aplicar em matéria de denúncia (12 meses), dever-se-á atender ao artº 1110º do Código Civil, na versão ditada pela Lei nº. 6/2006, de 27 de Fevereiro (embora se trate de normativo do Código Civil, este artº. 1110º foi reintroduzido no Código Civil pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano), que estatui que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação (nº. 1).
Mesmo concebendo que não concedendo que, locadora e locatária não ajustaram prazo de denúncia, perfilhamos o entendimento de que a efectiva estipulação do prazo de duração do contrato é suficiente para que se tenha por suprida a ausência de estipulação quanto à antecedência mínima que a arrendatária teria de respeitar na denúncia, valendo para esse suprimento a regra contida nº. 2, do artº. 1110º, do Código Civil ao estabelecer “Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a 1 ano”.
O perfilhado entendimento está, assim, suportado na letra do mencionado artº. 1110º, nº. 2, do Código Civil, condizente, em todo o caso, àquela que julgamos ser a solução mais acertada, uma vez que faz concordar a antecedência mínima de 1 ano na denúncia por parte do arrendatário, tanto nos casos em que as partes fixaram expressamente prazo de duração do contrato de 10 anos, como nos casos em as partes não fixaram prazo algum (e sem clausularem expressamente duração indeterminada) mas em que aquele artº. 1110º, nº. 2, faz prevalecer o mesmo prazo de 10 anos.
Reconhecendo que a coerência do ordenamento jurídico importa que situações juridicamente idênticas tenham tratamento similar, mal se conceberia que a lei pretenda estabelecer um prazo de denúncia com uma antecedência mínima de 1 ano quando as partes nada estipulam sobre o prazo de duração do contrato, supletivamente considerando como contrato celebrado com prazo certo pelo período de 10 anos, e, paralelamente, pretenda estabelecer um prazo de denúncia com uma antecedência não inferior a 120 dias para um contrato em que as partes estipularam prazo de duração do contrato de 10 anos, por aplicação do disposto no artº. 1098º, nº. 1, do Código Civil.
Na Doutrina, e neste sentido, Professor, Menezes Leitão, apud, Arrendamento Urbano, 5ª edição, página 176 e nota 162, e Professora Maria Olinda Garcia, apud, Arrendamento Urbano Anotado, onde sustenta “(…) o prazo de denúncia previsto no nº. 3, do artº. 1098º, não terá aqui aplicação, por ser afastado pela disposição específica do nº. 2, do artº. 1110º”.
No contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional em que as partes estabelecem prazo certo de duração do contrato e estabelecem a antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar quando pretende denunciar o contrato dentro daquele prazo de duração, dever-se-á reconhecer a liberdade contratual conforme prevenido no mencionado artº. 1110º, nº. 1, do Código Civil, sendo válida a acordada antecedência mínima em relação ao termo pretendido para o contrato.
Cotejada a facticidade apurada e levado a cabo o que julgamos ser a correcta subsunção jurídica temos de concluir que a Autora/senhoria e a Ré/arrendatária devem cumprir as regras relativas à cessação do contrato por denúncia, livremente estabelecidas, no contrato de arrendamento para fins não habitacionais, por si outorgado.
Assim, considerando-se celebrado o articulado contrato com prazo certo, pelo período de 10 (dez) anos, poderia/deveria a Ré/arrendatária denunciá-lo com a antecedência mínima de 12 (doze) meses, mantendo-se até ao final do decurso desse ano, em vigor o arrendamento, bem como, a obrigação de pagamento das rendas, por parte da Ré.
Ao deixar de cumprir o contrato nos termos demonstrados, está a Ré/arrendatária obrigada ao pagamento das rendas vencidas correspondentes aquele período de tempo, qual seja, 12 (doze) meses de rendas com o valor mensal de €65.503.92 (sessenta e cinco milhares, quinhentos e três euros e noventa e dois cêntimos), no total de €786.047,04 (setecentos e oitenta e seis milhares, quarenta e sete euros e quatro cêntimos).
Mais uma vez consignamos, porque à particular questão em apreço interessa, verificando-se um retardamento da prestação, por causa imputável ao devedor, ora Ré/arrendatária, constitui-se esta em mora, e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora Autora - artº. 804º, do Código Civil - .
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo que nos termos do artº. 805º nºs. 1 e 2 a) do Código Civil, o devedor fica constituído em mora, nomeadamente, depois de ter sido interpelado judicialmente para cumprir.
Demonstrado que a Ré/arrendatária deixou de cumprir as regras relativas à cessação do contrato por denúncia, livremente estabelecidas no contrato de arrendamento para fins não habitacionais por si outorgado, não cuidando de observar a antecedência mínima de 12 (doze) meses, acordada com a Autora/senhoria, constituindo-se na obrigação de pagamento das rendas, uma vez que se mantém em vigor o arrendamento, até ao final do decurso desse período de 12 (doze) meses, há mora da Ré/arrendatária depois de ter sido interpelada judicialmente para cumprir, nos termos das disposições enunciadas.
Acresce que a Autora peticiona na presente demanda o pagamento das rendas devidas desde 1 de Julho de 2010 até ao termo do contrato, o que não foi reconhecido na plenitude conforme acabamos de discorrer. No entanto, atendendo a que demonstrado ficou nos autos que a Ré/arrendatária deixou de pagar as três últimas rendas vencidas até à invocada resolução do contrato de arrendamento, reconhecer-se-á o direito à Autora/senhoria em perceber estas reclamadas rendas vencidas, uma vez que, conforme já adiantamos, decorre do artº. 1038º, alínea a), do Código Civil, ser obrigação fundamental do locatário pagar a renda estipulada ao senhorio, nos termos estabelecidos no sequente artº. 1039º, do Código Civil, sendo esta obrigação periódica ou repetida, importando o seu incumprimento, a satisfação do direito que assiste ao senhorio traduzido no percebimento das rendas em atraso.
Do exposto resulta que a Ré/arrendatária pagará também à Autora/senhoria, a quantia de €196.511,76 (cento e noventa e seis milhares, quinhentos e onze euros e setenta e seis cêntimos) relativa às reclamadas 3 (três) últimas rendas não pagas, vencidas até à invocação da resolução do contrato de arrendamento articulado, sem deixar de sublinhar o já reconhecido, e declarado, direito arrogado pela Autora ao percebimento, a título indemnizatório, pela mora no pagamento das consignadas rendas vencidas, no valor €98.255,88 (noventa e oito milhares, duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), nos termos prevenidos no nº. 1, do artº 1041º do Código Civil.
Reconhecemos, pois, na procedência parcial das conclusões do recurso interposto pela Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, virtualidades bastantes no sentido de alterarem o destino da presente demanda.

III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7, do Novo Código de Processo Civil)

1. Há contradição entre respostas à facticidade alegada quando a resposta dada a um determinado facto colide com a(s) resposta(s) dada(s) a outro ou outros factos alegados, ou seja, a resposta a um alegado facto é contraditória quando o sentido nela expresso colidir com a resposta dada a outro ou a outros factos.
2. O novo texto adjectivo civil, tornou inequívoco que na falta de especificação separada das excepções deduzidas, os respectivos factos não se consideram como admitidos por acordo, o que, de resto, diga-se, mesmo em face dos artºs. 488º, e 505º, do anterior Código Processo Civil, já era reconhecido, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência.
3. A nulidade em razão da omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar está relacionada com o comando fixado na lei adjectiva civil, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.
5. As garantias bancárias autónomas importam para o garante a obrigação de pagar a quantia estabelecida, com base no mero pedido, solicitação ou exigência do beneficiário, sem que seja permitido ao garante invocar qualquer excepção fundada na relação fundamental entre o ordenante e o beneficiário, o que, no entanto, não exclui a possibilidade de o garante excepcionar o dolo, a má fé ou o abuso de direito.
6. Sendo prestada a garantia bancária a favor da Autora, está no domínio desta o poder deitar mão da garantia prestada para se fazer pagar das rendas vencidas, pelo que, tendo esta deixado de exercer o direito a executar a garantia prestada com o objectivo do pagamento de rendas, protelando a respectiva execução, reconhecemos que o atraso no pagamento das rendas constitui mora imputável à credora/senhoria, pois esta omitiu a cooperação necessária para que a devedora/inquilina tivesse cumprido a prestação de sua responsabilidade, não assistindo à Autora/senhoria, direito de percebimento da indemnização a que se reporta o artº. 1041º, do Código Civil.
7. O direito de resolução, se não for convencionado e, enquanto destruição da relação contratual depende da verificação dum fundamento legal e caracteriza-se por ser um direito potestativo, sendo que a parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a demonstrar a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora do incumprimento definitivo.
8. Decorre do direito substantivo civil que a possibilidade de resolução ou modificação do contrato aplica-se a alterações nas circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, circunstâncias a provar, em todo o caso, por quem se queira prevalecer da resolução ou modificação, sendo que a alteração tem que ser anormal e determinar prejuízos com tal envergadura que afectem gravemente os princípios da boa fé e a exigência ao lesado do cumprimento das obrigação assumidas, sendo quer a exigência dos deveres assumidos pelo lesado não pode estar coberta pelos riscos próprios do contrato.
9. A denúncia constitui uma forma autónoma de extinção dos contratos, estando vocacionada, em regra, para os contratos estabelecidos por tempo indeterminado, possui carácter unilateral e exprime uma vontade discricionária tornando-se eficaz na data em que a declaração emitida é recebida pela contraparte.
10. Mesmo concebendo que não concedendo que locadora e locatária não ajustaram prazo de denúncia perfilhamos o entendimento de que a efectiva estipulação do prazo de duração do contrato é suficiente para que se tenha por suprida a ausência de estipulação quanto à antecedência mínima que a arrendatária teria de respeitar na denúncia, valendo para esse suprimento a regra contida nº. 2, do artº. 1110º, do Código Civil.

IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/B…, SA., e, parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D….
Consequentemente, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:
1. Em julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pela Ré/B…, SA.
Custas da apelação pela Ré/B…, SA.
2. Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €524.031,36, acrescida de juros de mora à taxa legal, sendo que no mais, absolveu a Ré, com custas pela Autora e Ré, na proporção do decaimento.
Em resultado da procedência parcial da apelação da Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, condena-se a Ré/B…, SA., a pagar à Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, a quantia de global de €1.080.814,68 (um milhão, oitenta milhares e oitocentos e catorze euros e sessenta e oito cêntimos) [correspondente a €65.503,92 x 12 (doze) rendas + €65.503,92 x 3 (três) rendas + 50% de €65.503,92 x 3 (três) rendas)], acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre a quantia de €786.047,04 (setecentos e oitenta e seis milhares, quarenta e sete euros e quatro cêntimos), correspondente ao valor das 12 (doze) rendas em divida, vencidos desde a citação, conforme reclamado, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do remanescente do pedido.
Custas em ambas as Instâncias, pela Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D… e Ré/B…, SA.R., na proporção do respectivo vencimento e decaimento.
Notifique.

Porto, 24 de Março de 2014
Oliveira Abreu
António Eleutério
Maria José Simões