Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
371/09.3TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: LICENÇA POR PATERNIDADE
DECISÃO CONJUNTA DOS PAIS
Nº do Documento: RP20110411371/09.3TTOAZ.P1
Data do Acordão: 04/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: O direito do trabalhador ao gozo da licença por paternidade, por decisão conjunta dos pais, não se verifica se a mãe for trabalhadora independente ou sócia gerente de uma sociedade por quotas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 371/09.3TTOAZ.P1 Reg. Nº 67
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente: B…, S.A.
Recorrido: C…

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto:

1. C…, casado, residente na Rua …, nº …, …, …, Oliveira de Azeméis, deduziu contra B…, S.A., com sede na Rua de S. José, 20, Lisboa, a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que a acção considerada provada e procedente e, por via disso, a Ré ser condenada a:
a) reconhecer que o autor tinha direito a gozar licença por paternidade, por decisão conjunta, ao abrigo do disposto na alínea c) do artº 36º do Código do Trabalho, nos termos requeridos em 12 de Setembro de 2007, ou seja, de 25 de Outubro de 2007 a 9 de Fevereiro de 2008
b) reembolsar o Autor da quantia de € 2.687,92, que ilegalmente lhe descontou, devidamente discriminada, justificada e documentada no art. 34º e doc.s 6, 7, 8 e 9 deste articulado;
c) pagar-lhe, ainda juros de mora sobre tal quantia, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento, computado-se os vencidos nesta data – 27.04.2008 – em €152.;
d) pagar-lhe a quantia de 2.500,00 €, como reparação dos danos morais que lhe causou, ao impedi-lo de gozar a licença supra descrita , acrescida de juros de mora, á taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Para o efeito alegou, em suma, que em Maio de 1981 foi admitido ao serviço da Ré para desempenhar as funções de carteiro, auferindo, actualmente, a retribuição mensal de € 915,10, a que acrescem 6 diuturnidades e uma diuturnidade especial, no montante global de €187,71, bem como um subsídio de alimentação de € 8,63 por cada dia em que efectue mais de 3 horas de trabalho efectivo.
Em 12 de Setembro de 2007, o Autor solicitou à Ré, o gozo de licença por paternidade, por decisão conjunta, no período de 25 de Outubro de 2007 a 9 de Fevereiro de 2008, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2, do artº 36º do Código do Trabalho.
Na sequência do seu pedido o Autor iniciou o gozo da requerida licença em 25.10.2007.
Porém, já após ter iniciado tal licença, veio ao conhecimento do Autor que a Ré não considerava a mesmo como “ licença por paternidade”, mas antes como “licença parental” por um período de 3 meses, sem direito a retribuição.
Entretanto, veio a ser informado pelo seu superior hierárquico, o D… de S. João da Madeira, E…, que tal licença cessava no dia 8 de Janeiro de 2008 e não no dia 24 de Janeiro de 2008, como antes lhe havia sido comunicado pela própria Ré.
As decisões da Ré carecem de qualquer fundamento legal.
O nº 2 do artº 36º do Código do Trabalho, não condiciona o direito a gozar a licença por paternidade aí prevista, à qualidade de trabalhadora subordinada da mãe.
Tal exigência não resulta, de forma directa ou indirecta da letra da lei, e é fortemente contrariada pela sua ratio.
Efectivamente, o que a lei pretende salvaguardar é a igualdade de direitos/deveres de ambos os progenitores, na formação de uma família sadia e com um crescimento harmonioso dos filhos, em que ambos os progenitores tenham activa participação e partilhem as responsabilidades. E isto, visando concretizar o que se encontra expressamente consagrado nos artºs 36º e 68º da Constituição da República, e designadamente no nº 4 do art.º 68º.
Se não existisse da parte do legislador, a intenção clara e inequívoca, de equiparar a situação das mães que estejam enquadradas no regime do trabalho independente ou autónomo, e das mães que são trabalhadoras por conta de outrem, no que à protecção da maternidade diz respeito, não faria sentido que a lei tivesse vindo atribuir àquelas trabalhadoras, um subsídio por maternidade, nos mesmos termos e com a mesma duração daqueles a que têm direito as trabalhadoras por conta de outrem – vide art.º 1º nº 2 e art.º 14º nº 1 do Decreto – Lei nº 154/88 de 29 de Abril e art.º 15º do Decreto – Lei nº 327/93 de 25 de Setembro.
Com a atribuição de tais subsídios, visou o legislador, permitir a interrupção da actividade da mãe trabalhadora independente ou autónoma, pelo mesmo período a que têm direito as trabalhadoras por conta de outrem, e nas mesmas condições, ou seja, visou permitir à mãe trabalhadora independente ou autónoma o gozo de uma «licença de maternidade» em tudo idêntica àquela a que têm direito as trabalhadoras por conta de outrem.
Assim sendo, a situação do casal em que a mãe é trabalhadora autónoma ou independente e o pai trabalhador por conta de outrem, é, em termos legais, absolutamente equiparável à do casal em que ambos são trabalhadores por conta de outrem, não existindo qualquer fundamento válido para recusar o direito ao gozo da licença, repartidamente, a ambos, por decisão conjunta, naquele primeiro caso.
E não se diga, que a interpretação do nº 2 do art.º 36º do Código do Trabalho, que defendemos, é contrariada pela exigência imposta pela alínea c) do nº 3 do art.º 69º da Lei 35/2004 de 29-7.
Desde logo, porque o nº 3 do art.º 69º da RCT, não regula o direito à licença por paternidade e as condições de atribuição desse direito, limitando - se a regulamentar o modo de exercício do direito, nomeadamente, o pré-aviso a que deve obedecer a comunicação do seu exercício e os meios de prova que a devem acompanhar.
Por outro lado, porque a exigência constante da alínea c) do artº 69º da RCT, visa tão somente obstar a que, por deficiente informação, ambos os progenitores possam gozar um direito que só pode ser gozado por um deles, nada mais podendo daí retirar-se.
Assim, não pode deixar de concluir-se que, num casal em que o pai seja trabalhador por conta de outrem e a mãe seja trabalhadora independente ou autónoma, o pai tem o direito de gozar licença por paternidade, por decisão conjunta, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2, do artº 36º do Código do Trabalho.
E em consequência, não pode deixar de considerar-se que o Autor, trabalhador por conta de outrem, casado com a sócia gerente de uma sociedade por quotas, tinha direito a gozar licença por paternidade, por decisão conjunta, nos termos requeridos à Ré, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artº 36º do Código do Trabalho.
Pelo que, ao impedir o Autor de gozar licença por paternidade, por decisão conjunta, nos termos requeridos em 12 de Setembro de 2007, no período de 25 de Outubro de 2005 a 9 de Fevereiro de 2008, a Ré violou a lei, e nomeadamente, o disposto na alínea c) do artº 36º do Código do Trabalho.
Por outro lado, ao agir da forma supra descrita, impedindo o Autor de gozar licença por paternidade, por decisão conjunta, no período de 25 de Outubro a 9 de Fevereiro, a Ré, causou a este e ao seu agregado familiar, graves danos patrimoniais e não patrimoniais.
Com efeito, ao contrário da licença por paternidade requerida pelo Autor, que é integralmente remunerada, a licença parental de três meses que a Ré autorizou o Autor a gozar, só é remunerada nos primeiros 15 dias.
Em consequência de tal facto, no período em que foi considerado em licença parental e não em licença de paternidade, o Autor deixou de receber, a título de vencimento e diuturnidades, a quantia de € 2.903,67.
Quantia essa que a Ré tem obrigação de pagar ao Autor, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento, computado-se os vencidos nesta data – 11.05. 2008 – em €152.
Por outro lado, o não pagamento da Ré ocorreu num período particularmente sensível da vida familiar do agregado familiar do Autor que viu os seus encargos aumentar de forma significativa, mergulhando, assim o agregado familiar do Autor, numa dificílima situação económica, durante vários meses, o que causou profunda angústia, instabilidade e perturbação à vida familiar do Autor, impedindo-o a si e a sua esposa de desfrutar, com tranquilidade, o nascimento de seu filho; para além de grande perturbação e mágoa ao Autor, bem como o sentimento constante de estar a ser injustamente discriminado face aos seus colegas em idêntica situação, mas casados com trabalhadoras por conta de outrem.
A Ré causou, pois, com a sua conduta culposa, danos não patrimoniais relevantes ao Autor, que tem obrigação de indemnizar em montante não inferior a 2 500,00 €.
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2. Frustrada a audiência de partes a Ré apresentou contestação, tendo alegado, que o A. solicitou à Ré o gozo de licença de paternidade, por decisão conjunta, no período de 25 de Outubro de 2007 a 9 de Fevereiro de 2008, em substituição da mãe.
No entanto, o A. não tinha direito ao gozo da licença referida na al. c) do n.º 2 do art. 36.º do C.T.
Ao contrário do que vem alegado, o A. não iniciou a licença de paternidade a 25/10/2007.
Como o A. bem sabe, visto que tomou conhecimento da posição e decisão da Ré no dia 8/10/2007, sendo certo que, por lapso, foi considerada a data de fim da licença dia 24 de Janeiro de 2007, quando tal licença – de 3 meses, terminava efectivamente no dia 7 de Janeiro de 2007
Não se compreende, por isso, a consideração de que a ordem de regresso ao serviço dada ao A. pelo seu superior hierárquico seja considerada uma ordem ilegal.
Nestes termos, o que o A. gozou – de facto – foi uma licença parental de 3 meses que, com excepção da retribuição, não determina a perda de quaisquer direitos, sendo considerada para todos os efeitos como prestação efectiva de trabalho.
Por via disso, foi justamente descontado, a título de vencimento e diuturnidades a quantia de 2 687,92 Euros (e não 2 903,67 Euros).
No que aos danos morais diz respeito, é sabido que – nos termos do disposto nos arts. 483.º e 496.º, n.º 1 do C.Civ. – só são ressarcíveis se verificados os pressupostos da responsabilidade civil e desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.
O nascimento de um filho é, sempre foi, um período sensível na vida de qualquer pai/mãe trabalhador ou não.
Apesar de toda a alegria que o nascimento de uma criança acrescenta à vida familiar, também é verdade que de um ponto de vista material, tal facto provoca um acréscimo elevado nas despesas diárias do agregado familiar.
O A. tinha pleno conhecimento de que a estava a gozar de licença parental, com as devidas consequências a nível retributivo.
Esteve na sua opção, gozar ou não da referida licença.
Pelo que não pode alegar qualquer expectativa de manutenção do vencimento.
A discriminação que o A. aponta, relativamente a outros colegas que, casados com trabalhadoras por conta de outrem podem gozar da licença de paternidade, não pode ser imputada a Ré.
Por força do n.º 3 do art. 69º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho (adiante LRCT), o trabalhador que pretenda gozar a licença por paternidade, por decisão conjunta dos pais, deve informar o empregador com a antecedência de 10 dias e, para além de ter de apresentar documento no qual conste a decisão conjunta, deve ainda declarar qual o período de licença por maternidade gozado pela mãe, que não pode ser inferior a seis semanas a seguir ao parto e provar que o empregador da mãe foi informado da decisão conjunta.
O disposto naquele normativo, pressupõe inequivocamente a existência de uma relação de trabalho subordinado, pelo que o direito ao gozo da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, só se verifica caso se conclua, como primeiro pressuposto objectivo, que a mãe detém uma relação de trabalho em que se obriga a prestar a outrem - o empregador, a sua actividade intelectual ou manual, sob a autoridade e direcção deste.
O que não é o caso, visto a mãe do seu filho ser trabalhadora independente.
Nesse sentido, entende a Ré que, nos termos do disposto no art. 36.º do C.T., o A. só teria direito ao gozo de licença de paternidade nas seguintes situações: tratando-se de mãe não trabalhadora, nos casos de morte ou incapacidade física ou psíquica da mesma; tratando-se de mãe trabalhadora, igualmente naquelas situações e ainda no caso de decisão conjunta, mas somente se a mãe possuir uma relação de trabalho subordinado.
Pelo exposto, nada deve a Ré ao Autor, a título retributivo ou outro.
Termina pedindo pela sua absolvição.
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3. Saneado o processo, foi dispensada a fixação de matéria de facto assente e da base instrutória.
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4. Procedeu-se a julgamento após a que o Tribunal respondeu à matéria de facto, não tendo havido reclamações.
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5. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Nestes termos julga-se a acção provada e parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor:
1 – A quantia de 2.903,67 €, a título de restituição de remuneração indevidamente retida, a que devem acrescer juros, como forma de ressarcimento pela mora no seu pagamento, à taxa legal e a contar, em relação a cada uma das remunerações mensais retidas desde a data dos seus vencimentos;
2 – A quantia de 1.500 € a indemnização por danos morais a acrescer juros, à taxa legal, desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.
Custas por ambas as partes na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e notifique.”
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6. Inconformada com o assim decidido a Ré interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A questão que cumpre apreciar é saber se o Autor tinha direito a gozar licença por paternidade, por decisão conjunta dos pais.
II. O Autor solicitou à Recorrente, o gozo de licença por paternidade, por decisão conjunta, no período de 25 de Outubro de 2007 a 9 de Fevereiro de 2008, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2, do art. 36º do C.Trab.
III. Em 8/10/2007, a Recorrente deu conhecimento ao Autor de que não tinha direito a gozar licença de paternidade mas que poderia gozar de licença parental por três meses.
IV. É entendimento da Recorrente que, tendo o Autor conhecimento de que não lhe foi concedida a licença de paternidade, o mesmo gozou – conscientemente – licença parental de 3 meses que, com excepção da retribuição, não determina a perda de quaisquer direitos, sendo considerada para todos os efeitos como prestação efectiva de trabalho.
V. A Recorrente fundamentou a sua decisão, e mantém posição de que a sua conduta é lícita, nos termos do n.º 3 do art. 69º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que pressupõe inequivocamente a existência de uma relação de trabalho subordinado da mãe.
VI. Nos termos daquele normativo, o direito ao gozo da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, só se verifica caso se conclua, como primeiro pressuposto objectivo, que a mãe detém uma relação de trabalho em que se obriga a prestar a outrem – o empregador, a sua actividade intelectual ou manual, sob a autoridade e direcção deste.
VII. Ao contrário do que se diz na sentença recorrida, que defende que o que está em causa é a qualidade do trabalhador que quer exercer o direito, não o da pessoa de cuja vontade conjunta depende o exercício de tal direito, a lei distingue se a mãe é trabalhadora dependente ou independente; mais, a lei faz depender a possibilidade de gozo de paternidade do facto de a mãe ser trabalhadora por conta de outrem.
VIII. Nesse sentido, e nos termos do disposto no art. 36.º do C.T., o A. só teria direito ao gozo de licença de paternidade nas seguintes situações: tratando-se de mãe não trabalhadora, nos casos de morte ou incapacidade física ou psíquica da mesma; tratando-se de mãe trabalhadora, igualmente naquelas situações e ainda, no caso de decisão conjunta, mas somente se a mãe possuir uma relação de trabalho subordinado.
IX. Entendimento que vai de encontro à orientação defendida pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, expressa nos pareceres n.º 41/CITE/2004 e 17/CITE/2005, sendo que este último se refere ao direito à dispensa diária para aleitação.
X. No entanto, ali se defende a contrario que o pai só pode substituir-se à mãe trabalhadora independente no caso de esta estar incapacitada fisicamente, o que pressupõe que não seja possível o exercício do direito por decisão conjunta.
Por outro lado,
XI. A Recorrente entende e aceita que a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes a proteger pela sociedade e pelo Estado, no entanto, o legislador laboral distingue e fez subordinar o direito ao gozo da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, ao facto de a mãe deter uma relação de trabalho subordinado.
XII. Este aspecto é, aliás, suficiente para se concluir que a prática da empresa foi correcta e, não existiu, qualquer violação legal.
Consequentemente,
XIII. E no que aos danos morais diz respeito, é sabido que – nos termos do disposto nos arts. 483.º e 496.º, n.º 1 do C.Civ. – só são ressarcíveis se verificados os pressupostos da responsabilidade civil e desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.
XIV. Ora, o A. tinha pleno conhecimento de que a estava a gozar de licença parental, com as devidas consequências a nível retributivo; por via disso, não podia ter qualquer expectativa de manutenção do vencimento.
XV. Foi oportuna a comunicação da Recorrente, sendo que o A. podia ter optado por gozar ou não gozar a referida licença.
Por outro lado,
XVI. A discriminação que o A. apontou, e a que o Tribunal a quo acedeu, relativamente a outros trabalhadores que podem gozar da licença de paternidade, por a mãe ser trabalhadora por conta de outrem, não pode ser imputada a Ré, já que a sua conduta é lícita, estando de acordo com a lei.
XVII. Assim, não se compreende a indemnização estipulada por danos morais sofridos pelo Autor, já que os mesmos, atendendo ao que ficou dito, não são razoáveis nem justificam a atribuição de uma indemnização.
XVIII. A Mª Juiz a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, o Direito vertido nos arts. 69.º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho e 36.º do C.Trab. e ainda, o disposto nos arts. 483.º e 496.º, n.º 1 do C.Civ..

Nestes termos, e nos mais de direito, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada a Sentença Recorrida e substituída por outra que julgue a improcedência da Acção com a consequente total absolvição do pedido.”
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7. O Autor apresentou contra-alegações, pedindo a manutenção da sentença recorrida, concluindo do seguinte modo:
a) o Autor tinha direito ao gozo da licença de paternidade que requereu. Pelo que,
b) a Ré lhe descontou indevidamente a retribuição correspondente;
c) tendo, por isso, a obrigação de lhe devolver a quantia descontada.
d) Sendo certo que, com a sua conduta, ilícita e culposa, a Ré causou danos não patrimoniais ao Autor que tem obrigação de indemnizar, tendo a sentença recorrida fixado os mesmo de forma parcimoniosa. Assim sendo,
e) não violou a sentença recorrida a lei e, em especial as normas dos art.s 69º do RCT e 36º do C.T / 2003 , nem o disposto nos art.s 483º e 496º , n º 1 do C.P.C.. Pelo que,
f) deve ser julgada improcedente a Apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
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8. O Ex.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de que a apelação deve improceder.
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9. Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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II – Questões a Decidir
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a questão a decidir consiste em saber se o autor, sendo a sua esposa trabalhadora independente, tinha direito ao gozo da licença de paternidade.
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III – FUNDAMENTOS
1-Fundamentos de facto resultantes da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC):
1 - A Ré admitiu o A. em Maio de 1981, para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante retribuição, desempenhando funções de carteiro.
2 - Actualmente, o Autor pertence ao Grupo Profissional/Categoria CRT/J (Carteiro) desempenhando as funções de divisão, separação e distribuição de correspondência, no CDP 3 700 São João da Madeira;
3 - Auferindo a retribuição mensal de € 915,10, a que acrescem 6 diuturnidades e uma diuturnidade especial, no montante global de € 187,71, bem como um subsídio de alimentação de € 8,63 por cada dia em que efectue mais de 3 horas de trabalho efectivo.
4 - O Autor é sócio do F…
5 - Em 12 de Setembro de 2007, o Autor solicitou à Ré, o gozo de licença por paternidade, por decisão conjunta, no período de 25 de Outubro de 2007 a 9 de Fevereiro de 2008, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2, do artº 36º do Código do Trabalho.
6 - O pedido foi acompanhado dos seguintes documentos: a) documento comprovativo da decisão conjunta;
b) declaração do período de licença por maternidade gozado pela mãe - 13 de Setembro a 25 de Outubro;
c) documento comprovativo da comunicação ao «G…, Ldª », do gozo da licença por paternidade, por decisão conjunta.
7 - O Autor iniciou o gozo de licença em 25.10.2007.
8 - Entretanto, veio a ser informado pelo seu superior hierárquico, o D… de S. João da Madeira, Sr. E…, que tal licença cessava no dia 8 de Janeiro de 2008 e não no dia 24 de Janeiro de 2008, como antes lhe havia sido comunicado pela própria Ré.
9 – Com o nascimento do seu filho o Autor viu os seus encargos aumentar de forma significativa.
10 – Face ao não pagamento das retribuições perdidas pela concessão de licença parental o agregado familiar do Autor, ficou numa situação económica difícil.
11 - O que causou perturbação à vida familiar do Autor.
12 - Impedindo-o de desfrutar com tranquilidade o nascimento de seu filho;
13 – O Autor, sentiu-se discriminado face aos seus colegas em idêntica situação, mas casados com trabalhadoras por conta de outrem.
14 – Em 8/10/2007, a Ré deu conhecimento ao Autor de que não tinha direito a gozar licença de paternidade mas que poderia gozar de licença parental por três meses nos termos da declaração de fls. 22, subscrita pelo Autor naquela data.
15 – Por causa do gozo de licença foi descontado ao Autor, a título de vencimento e diuturnidades a quantia de 2 687,92 €.
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2. De Direito.
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, passaremos a apreciar a questão a decidir.
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2.1. Gozo do direito da licença de paternidade por parte do Autor
Convém trazermos à colação que a questão a decidir será apreciada de acordo com o Código do Trabalho de 2003 e respectiva regulamentação, atenta a data da matéria em discussão (artigo 7º, nº 1 do actual Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro).

Sobre a problemática que nos ocupamos haverá que lançar mão dos seguintes normativos:
Do Código do Trabalho
ARTIGO 33.º
MATERNIDADE E PATERNIDADE
1 - A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
2 - A mãe e o pai têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação.
ARTIGO 36.º
LICENÇA POR PATERNIDADE
1 - O pai tem direito a uma licença por paternidade de cinco dias úteis, seguidos ou interpolados, que são obrigatoriamente gozados no primeiro mês a seguir ao nascimento do filho.
2 - O pai tem ainda direito a licença, por período de duração igual àquele a que a mãe teria direito nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou ao remanescente daquele período caso a mãe já tenha gozado alguns dias de licença, nos seguintes casos:
a) Incapacidade física ou psíquica da mãe, e enquanto esta se mantiver;
b) Morte da mãe;
c) Decisão conjunta dos pais.
3 - No caso previsto na alínea b) do número anterior o período mínimo de licença assegurado ao pai é de 30 dias.
4 - A morte ou incapacidade física ou psíquica da mãe não trabalhadora durante o período de 120 dias imediatamente a seguir ao parto confere ao pai os direitos previstos nos nºs 2 e 3.

Do Regulamento ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 27 de Julho:
ARTIGO 69º
LICENÇA POR PATERNIDADE
1 - É obrigatório o gozo da licença por paternidade prevista no n.º 1 do artigo 36.º do Código do Trabalho, devendo o trabalhador informar o empregador com a antecedência de cinco dias relativamente ao início do período, consecutivo ou interpolado, de licença ou, em caso de urgência comprovada, logo que possível.
2 - Para efeitos do gozo de licença em caso de incapacidade física ou psíquica ou morte da mãe, nos termos do n.º 2 do artigo 36.º do Código do Trabalho, o trabalhador deve, logo que possível, informar o empregador, apresentar certidão de óbito ou atestado médico comprovativo e, sendo caso disso, declarar qual o período de licença por maternidade gozado pela mãe.
3 - O trabalhador que pretenda gozar a licença por paternidade, por decisão conjunta dos pais, deve informar o empregador com a antecedência de 10 dias e:
a) Apresentar documento de que conste a decisão conjunta;
b) Declarar qual o período de licença por maternidade gozado pela mãe, que não pode ser inferior a seis semanas a seguir ao parto;
c) Provar que o empregador da mãe foi informado da decisão conjunta.

A decisão requerida, entendeu, que a Recorrente impediu o Recorrido de gozar a licença de paternidade, prevista no nº 2 do artigo 36º do Código do Trabalho. Para o efeito referiu que «nem o Código de Trabalho nem o seu regulamento, nos preceitos acima transcritos, distinguem a situação dos trabalhadores que tenham que tomar a decisão conjunta de gozo da paternidade com trabalhadores subordinados dos que a tenham que a tomar em conjunto com trabalhadores não subordinados.
O requisito do Regulamento do Código de Trabalho é de natureza forma, claramente de intuitos instrutórios e visa controlar, evitando-a, a possibilidade de ambos os trabalhadores estarem a gozar licença que tem como fito a protecção da parentalidade no interesse do menor sendo que é manifesta a intenção do legislador de a não permitir em conjunto mas alternativamente a um ou outro dos progenitores.
Manifestamente quem é trabalhador independente não pode provar documentalmente o não gozo de tal direito. Donde, aí, não pode o legislador exigir tal prova. Por outro lado, no caso de trabalhadores não subordinados, isto é, que prestam serviços ou exploram por conta própria actividade económica, pode presumir-se que o gozo de tal licença traz perda ou pelo menos grave diminuição de rendimentos.
O artigo 36º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa prevê: “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
O artigo 13º, nº 2, por sua vez, prevê: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
O artigo 9º, alínea h) elenca entre as tarefas do Estado a de que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Tendo tais preceitos presentes importa relembrar um outro princípio hermenêutico de consensual aceitação e que decorre da hierarquia legal. É ele o de que uma norma deve ser interpretada de forma a não se colocar em lógica contradição com regras de hierarquia superior, sob pena de ser tornada inválida mercê de princípios elementares do concurso de normas: lex superior derogat legi inferiori.
Ora, que sentido faz tratar diferentemente um progenitor que divida tal função com outro que seja trabalhador independente só porque aquele é do sexo masculino (se for a mãe trabalhadora dependente e o pai independente não lhe fica vedado o gozo da licença de maternidade)?
Não se diga que a protecção à maternidade justifica tal distinção. Não há dúvidas de que esta tem uma protecção mais ampla do que a da paternidade por razões parcialmente biológicas e ligadas à amamentação e ao puerpério e, há que admiti-lo, também ainda por razões culturais que impõem que os primeiros cuidados à criança sejam dados pela mãe.
Admitindo, pois, que a referida protecção seja de diferentes graus - o que se estriba nas razões acima sumariamente referidas – não temos dúvidas em afirmar que a dita gradação está suficientemente reflectida pelo legislador.
Senão, veja-se a limitação imposta pelo artº 69º, nº 3 em que se estabelece um mínimo de seis semanas de gozo de licença por parte da mãe.
Isto dito, não pode descortinar-se na lei, senão pelas razões de necessidade de instrução formal do pedido de paternidade, qualquer alusão que fomente a diferenciação entre géneros quanto a quem é progenitor em conjunto com um trabalhador não subordinado.»

A questão que se coloca nestes autos, é assim, saber se um trabalhador com contrato de trabalho subordinado – pai – sendo a mãe, sua esposa, trabalhadora independente, tem direito ao gozo da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, nos termos do artigo 36º, nº 2, alínea c).
O Autor/trabalhador dependente em 12 de Setembro de 2007, solicitou à Ré/Recorrente, o gozo de licença por paternidade, por decisão conjunta, no período de 25 de Outubro de 2007 a 9 de Fevereiro de 2008, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2, do artº 36º do Código do Trabalho, tendo tal pedido sido acompanhado de documento comprovativo da decisão conjunto; declaração do período de licença por maternidade gozado pela mãe – 13 de Setembro a 25 de Outubro e de documento comprovativo da comunicação ao «G…, Ldª», do gozo da licença por paternidade, por decisão conjunta.
Em 8/10/2007, a Ré/Recorrente deu conhecimento ao Autor de que não tinha direito a gozar licença de paternidade mas que poderia gozar de licença parental por três meses nos termos da declaração de fls. 22, subscrita pelo Autor naquela data.
A Recorrente, devido ao gozo de licença ao Autor, descontou a título de vencimento e diuturnidades a quantia de 2.687,92 €.

De acordo com o que dispõe o nº 3 do artigo 69º do RCT o trabalhador que pretenda gozar a licença por paternidade, por decisão conjunta dos pais, (1) deve informar o empregador com a antecedência de 10 dias, devendo, ainda (2) apresentar documento de que conste a decisão conjunta; (3) declarar qual o período de licença por maternidade gozado pela mãe, que não pode ser inferior a seis semanas a seguir ao parto e (4) provar que o empregador da mãe foi informado da decisão conjunta.
Todos estes requisitos são cumulativos, pelo que a falta de um implica a não concessão da mencionada licença por paternidade.
Ora, da conjugação e interpretação das normas referentes a esta questão, parece-nos que este normativo impede que o trabalhador por conta de outrem possa gozar da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, uma vez que não pode comprovar que o outro progenitor informou o respectivo empregador da aludida decisão conjunta, pelo simples facto do outro progenitor, não sendo trabalhador ou sendo trabalhador independente, não ter empregador[2].
Não pomos em causa que a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes e que tanto a mãe como o pai têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação.

É a própria Constituição da República Portuguesa que no seu artigo 68º, sob a epígrafe «Paternidade e maternidade» dispõe que:
1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
Mas também dispõe no nº 4 que «[a] lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.».

Ora, e é precisamente a lei reguladora dessa atribuição que impede que o trabalhador por conta de outrem possa gozar licença por paternidade, por decisão conjunta dos progenitores, no caso do outro progenitor ser trabalhador independente, ou como no caso, sócia gerente de uma sociedade por quotas.

Como é sabido, o Código do Trabalho de 2003 transpôs no Livro I («Parte Geral»), Título II («Contrato de trabalho»), Capítulo I («Disposições gerais»), Secção II («Sujeitos»), Subsecção IV(«Protecção da maternidade e da paternidade»), a Directiva nº 96/34/CE do Conselho, de 3 de Junho de 1996, relativa ao acordo quadro sobre a licença parental celebrado entre pela União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa (UNICE), pelo Centro Europeu das Empresas Públicas (CEEP) e pela Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), conforme resulta do artigo 2º, alínea h) da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.
Segundo o Considerando 10 de tal Directiva a mesma teve a sua origem no desejo de as partes signatárias celebrarem «um acordo-quadro que previsse prescrições mínimas referentes à licença parental e às faltas ao trabalho por motivo de força maior e confiasse aos Estados-membros e/ou aos parceiros sociais a definição das condições de aplicação da licença parental, para ter em conta a situação, designadamente a da política familiar, existente em cada Estado-membro nomeadamente no que se refere às condições de concessão da licença parental e de exercício do direito à licença parental;». E, segundo o respectivo preâmbulo, tal acordo-quadro «representa um compromisso da UNICE, do CEEP e da CES para aplicar prescrições mínimas sobre a licença parental e as faltas ao trabalho por motivo de força maior, enquanto meio importante de conciliar a vida profissional e a vida familiar e de promover a igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres.».
Tal acordo quadro estabelece ainda no ponto 9 das considerações gerais «que o presente acordo é um acordo-quadro que enuncia prescrições mínimas e disposições sobre licença parental, distinta da licença de maternidade, e sobre faltas ao trabalho por motivo de força maior, remetendo para os Estados-membros e para os parceiros sociais a criação das condições de acesso e das normas de execução, a fim de ter em conta a situação de cada Estado-membro.»
A cláusula 1, de tal acordo quadro, dispõe no ponto 2. que «[o] presente acordo é aplicável a todos os trabalhadores, de ambos os sexos, com um contrato ou uma relação de trabalho definidos na legislação, nas convenções colectivas ou nas práticas vigentes em cada Estado-membro.»
Por sua vez, a cláusula 2, no ponto 1. refere que «[p]or força do presente acordo, e sob reserva do nº 2 da presente cláusula, é concedido aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adopção de um filho, para dele poderem cuidar durante pelo menos três meses até uma determinada idade, que poderá ir até aos oito anos de idade, a definir pelos Estados-membros e/ou pelos parceiros sociais.». Dispondo, ainda, no ponto 3. que «[a]s condições de acesso e as regras de execução da licença parental serão definidas na lei e/ou nas convenções colectivas dos Estados-membros, no respeito das prescrições mínimas do presente acordo.».

Deste acordo quadro resulta que o mesmo tem aplicação a todos os trabalhadores, de ambos os sexos, com um contrato ou uma relação de trabalho definidos na legislação, nas convenções colectivas ou nas práticas vigentes em cada Estado-membro e que as condições de acesso e as regras de execução da licença parental serão definidas na lei e/ou nas convenções colectivas dos Estados-membros, no respeito das prescrições mínimas do presente acordo.
E, salvo melhor opinião, parece-nos que tal respeito das prescrições mínimas do mencionado acordo estão plasmadas no Código do Trabalho. Podemos ou não concordar com as mesmas, e até podemos legitimamente por a questão de que o Código poderia e deveria ter ido mais além. É por esse motivo que compreendemos a enunciação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP que a decisão recorrida, em certos pontos, se socorre para decidir como decidiu.
No entanto, no caso concreto, não é uma igualdade formal que está em causa, pelo que não podemos deixar de atender a índices de diferenciação material. Um desses índices é a situação laboral da progenitora mãe: ter ou não ter actividade profissional determina uma primeira diferenciação, e ter ou não ter uma actividade por conta de outrem determina outra diferenciação.
Assim sendo, nada impede que o legislador, nestas situações, preveja um tratamento diferenciado para os trabalhadores, cujos progenitores sejam ambos trabalhadores dependentes ou, apenas um, sendo o outro trabalhador independente, criando, assim, um nível de protecção social superior para os primeiros, por essa mesma dupla dependência.
Assim, pretender fazer valer uma igualdade formal em matéria de uma regalia específica ou norma específica, desconsiderando todo o universo de diferenças que a justifica, bem como o sentido da própria regulamentação globalmente considerada que a impõe, seria desconsiderar o próprio sentido do princípio da igualdade, que exige o tratamento diferenciado do que é diferenciado tanto quanto exige o tratamento igual do que é igual. Sendo certo, aliás, que a igualação de uma circunstância pode, no conjunto, agravar a desigualdade – basta que tal igualização se faça a favor da parte mais favorecida em todas as outras circunstâncias, menos naquela.[2]
O Acórdão n.º 1007/96 do TC (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Dezembro de 1996), realçou que o princípio da igualdade "obriga que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não meramente formal”, para “…que haja violação do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, preliminarmente, a existência de uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação".
Sobre o princípio da igualdade, além do referido anteriormente, muitos são os acórdãos do Tribunal Constitucional que sobre ele se debruçaram.
Assim, podemos dar como exemplos:
O Acórdão nº 188/90 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 12 de Setembro de 1990) dispôs que «Na sua dimensão material ou substancial, o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário (...). Todavia, este princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
Por outras palavras, o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot).
O Acórdão n.º 39/88 (Diário da República, 1ª série, de 3 de Março de 1988) estabelece que: «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes., Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º». E, no Acórdão n.º 157/88 (Diário da República, 1ª série, de 26 de Julho de 1988), escreve-se: «Retomando aqui, uma vez mais, o entendimento que este Tribunal vem perfilhando (na esteira, de resto, da Comissão Constitucional e da doutrina) acerca do sentido e alcance do princípio da igualdade, na sua função 'negativa' de princípio de 'controle'..., tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade conformadora ou constitutiva ('discricionariedade' legislativa), que se traduzem na ideia geral de proibição de arbítrio. Ou seja: tudo estará em saber se essa desigualdade se revela como 'discriminatória' e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou fundamento material bastante), atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista (e logo o objectivo do legislador) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins constitucionais (isto é, a desigualdade não há-de buscar-se num 'motivo' constitucionalmente impróprio)»
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.»
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2.2. Por todas estas razões estamos convictos de que não existe qualquer discriminação no tratamento diferenciado da situação relatada, inexistindo, pois, qualquer violação do princípio da igualdade ou da equiparação.
E, se assim é, deve a decisão recorrida ser revogada, sendo lícita, na nossa óptica, a posição assumida pela Recorrente, bem como o desconto efectuado.
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2.3. E, quanto aos danos não patrimoniais, se é verdade que se deu como provado que com o nascimento do seu filho o Autor viu os seus encargos aumentar de forma significativa e que face ao não pagamento das retribuições perdidas pela concessão de licença parental o agregado familiar do Autor, ficou numa situação económica difícil, o que causou perturbação à vida familiar do Autor, impedindo-o de desfrutar com tranquilidade o nascimento de seu filho, tendo-se, ainda, sentido discriminado face aos seus colegas em idêntica situação, mas casados com trabalhadoras por conta de outrem, tal não é suficiente para que se possa condenar a Recorrente em qualquer quantia a título indemnizatório. É que, para além do dano, como elemento constitutivo do direito à indemnização, a conduta da Recorrente teria de ser ilícita e culposa, conforme resulta do nº 1 do artigo 483º, nº 1 do Código Civil. Ora, como a ilicitude, nem a culpa se verificam, não pode ser a recorrente condenada a indemnizar o Autor pelos danos sofridos.
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3. As custas do recurso ficam a cargo do Recorrido (artigo 446º do CPC).
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso, assim revogando a decisão recorrida, absolvendo a Recorrente B..., S.A. do pedido contra ela formulado pelo Recorrido C....
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Condenam o recorrido no pagamento das custas.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 11 de Abril de 2011
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Estamos de acordo com o teor do parecer 17/CITE/2005. Se é verdade, conforme se diz na decisão recorrida, que tal parecer trata duma outra situação – Aleitação a efectuar pelo pai, em virtude de a mãe trabalhadora independente se encontrar comprovadamente impossibilitada fisicamente de o fazer -, não deixa de ser também verdade que no fundo a questão colocada reveste a mesma natureza e tem por base os mesmos fundamentos, tendo o normativo em referência para o caso – artigo 73º, nº 2 do RCT – redacção praticamente coincidente com a do artigo 69º, nº 2 que apreciamos.
[2] Acórdão Tribunal Constitucional nº 663/99, de 07/12/1999.
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Sumário
O direito ao gozo da licença de paternidade, por decisão conjunta dos pais, previsto no artigo 36º, nº 2 do Código do trabalho 2003 e no artigo 69º, nº 3 do seu Regulamento, pelo pai, trabalhador dependente, só se verifica se a mãe detém uma relação de trabalho em que se obriga a prestar a outrem – o empregador, a sua actividade intelectual ou manual, sob a autoridade e direcção deste e, não, se for trabalhadora independente ou sócia gerente de uma sociedade por quotas.

António José da Ascensão Ramos