Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2083/09.9TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PRÉMIOS SUBSEQUENTES
AVISO DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RP201403272083/09.9TVPRT.P1
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Decreto-Lei 142/2000, de 15/7, tanto antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 122/2005, de 29/7, como na sequência das alterações que lhe foram introduzidas por esse Decreto-Lei 122/2005, estabelecia, em termos impositivos e sonegados à autonomia contratual, que o não pagamento de um prémio de seguro subsequente – decorridos que fossem 30 dias desde o dia em que devia estar concretizado esse pagamento – opera a cessação irreversível do contrato de seguro.
II - Sem prejuízo de eventual responsabilidade civil por facto ilícito da seguradora perante o segurado, esse entendimento não é prejudicado na situação em que a seguradora não envia aviso prévio reportado ao pagamento que veio a faltar, aviso esse previsto no art. 7 do Decreto-Lei 142/2000.
III - Aquela responsabilidade da seguradora com fundamento em responsabilidade civil por facto ilícito quanto a um sinistro que estaria abrangido pelas garantias do contrato de seguro se este se encontrasse em vigor, apoia-se no trecho do art. 483 nº 1 do Código Civil que alude à violação de “disposição legal destinada a proteger interesses alheios” e apoia-se no dito art. 7 do Decreto-Lei 142/2000.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 2083/09.9TVPRT
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Araújo Barros
Segundo Adjunto: Judite Pires

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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B… instaurou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra C…, Companhia de Seguros, Sociedade Anónima, hoje denominada D…, Companhia de Seguros, Sociedade Anónima, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 40.580€, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Sumariamente, alega a autora:
No ano de 1996 a autora celebrou com a ré um contrato de seguro que abrange o risco de furto, tendo como local de risco a residência da autora;
No dia 31/7/2008 essa residência foi alvo de furto perpetrado por desconhecidos, os quais penetraram pela janela da cozinha e portão exterior, por via de arrombamento, dela subtraindo diversos objectos, do tipo jóias, no valor de 40.580€;
A ré recusou indemnizar a autora, invocando que a apólice de seguro se encontrava anulada desde 31/8/2005;
Sucede que a ré nunca tinha comunicado à autora aquela anulação, tratando-se de comunicação que só produziria efeito se fosse conhecida pela autora, conhecimento este que não ocorreu;
Daí que a ré esteja obrigada a suportar o risco que se veio a concretizar, sendo válida e eficaz a apólice.
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Na contestação a ré concluiu que deve ser absolvida do pedido.
Sumariamente, alega a ré:
O contrato de seguro renovava-se por períodos de um ano, salvo havendo a denúncia prevista no art. 18 nº 3 das condições gerais da apólice;
O contrato de seguro foi denunciado pela ré por carta registada, dirigida à autora e para a residência desta em 8/6/2005, invocando a ré como causa da denúncia o elevado índice de sinistralidade, reportando-se a denúncia ao dia 31/8/2005, com cessação de todos os efeitos;
A partir de 31/8/2005 a autora não mais pagou os prémios;
A ré não aceita que tenha ocorrido o furto invocado;
Os bens alegadamente furtados não se encontravam no local de risco;
Os bens alegadamente furtados não correspondem, nem quanto ao respectivo valor, nem quanto à sua identificação, nem quanto à sua descrição, aos bens efectivamente segurados, bens estes que vinham descritos na proposta de seguro.
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Na réplica, a autora especificou as circunstâncias do arrombamento que tinha enunciado na petição inicial e salientou que os bens furtados efectivamente constavam na relação de bens descritos na proposta de seguro, resultando a diferença de verbas da valorização ao longo de anos e de uma avaliação que a autora solicitou a terceiro. Mais alegou que a sua residência/local de risco se situa na cidade do Porto, com código postal ….-…, e que a carta alegadamente remetida em 8/6/2005 ostenta destino “Matosinhos” e código postal ….-…. Acrescentou que paga por via bancária através de débito directo, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade pelo facto de não receber os avisos para pagamento dos prémios, tudo para concluir como na petição inicial.
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No despacho saneador seleccionou-se a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se ao julgamento e proferiu-se despacho com respostas à base instrutória.
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Na sentença decidiu-se julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de 14.477,61€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no mais sendo a ré absolvida do pedido.
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Tanto a autora como a ré apelaram da sentença.
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Proferiu-se acórdão neste Tribunal da Relação no dia 26/9/2013, o qual julgou procedente a apelação interposta pela ré e julgou prejudicado o conhecimento da apelação interposta pela autora, revogando a sentença e absolvendo a ré do pedido.
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A autora deduziu recurso de revista, defendendo que “apenas após o envio do aviso do prémio ao segurado para pagar o prémio e não satisfazendo este tal pagamento é que o contrato se pode considerar resolvido automaticamente”.
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No acórdão de 13/2/2014 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu revogar o acórdão de 26/9/2013 e determinou que o processo regressasse a este Tribunal da Relação “para que aí sejam apreciadas e julgadas as questões cujo conhecimento ficou prejudicada pela decisão posta no acórdão recorrido: 1. Demais fundamentos do recurso da ré/recorrida; e 2. Conhecimento da apelação da autora”.
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Regressados os autos a este Tribunal da Relação do Porto e colhidos novos vistos, cumpre decidir.
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Na apelação que a autora tinha interposto pretende-se que a indemnização seja fixada em 27.344,27€, sendo apresentadas as seguintes conclusões:
1. Segundo as regras de interpretação e integração dos negócios jurídicos, da cláusula 14 das condições gerais do contrato de seguro dos autos, não se extrai que o tomador do seguro esteja gravado com o encargo de, ano após ano e durante toda a vida do contrato, avaliar os bens objecto do seguro e comunicar o resultado dessa avaliação à Companhia Seguradora.
2. O teor literal da cláusula 14 das condições gerais do contrato de seguro não permite inferir, ainda que tenuemente, que tal condição se deva verificar para o propósito nela estabelecido – fixação do capital seguro.
3. Não resultando do teor da referida cláusula que o tomador é obrigado a actualizar, a cada passo da vigência do contrato, os valores dos bens objecto de seguro, deve a indemnização pelo risco corresponder ao valor real dos bens à data deste.
4. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 11.º do Decreto de Lei 446/85 e respectivas alterações, na dúvida deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente.
5. A cláusula 14 das condições especiais do contrato de seguro, dispõe cristalinamente que o capital seguro relativo a conteúdos deve ser automaticamente actualizado de acordo com os índices de variação respectivos.
6. Na fixação do valor a indemnizar, deve atender-se ao prejuízo patrimonial decorrente da verificação do objecto do contrato de seguro – o risco – e ao correspondente desvalor da moeda, ou seja, a indemnização deve espelhar o valor real e corrente dos bens em causa nos autos.
7. A indemnização pela verificação do risco deve obedecer ao dano de cálculo ou abstracto, ou seja, ao valor real e concreto do prejuízo.
8. O capital de €14.777,61 corresponde, à data da verificação do sinistro, a €27.344,27, actualizado em função da tabela aplicável – IRH.
9. O montante indemnizatório a pagar pela R. à A. ora recorrente deve ser fixado em € 27.344,27.
Foram violados: art.º 10º e 11.º do Decreto de Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e respectivas alterações, e artigos 236º e 566º, ambos do C.C.., 439.º do CC.
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Nas contra alegações da apelação que a ré tinha apresentado conclui-se:
- Não há valor actualizado.
- A indemnização é paga pelo valor inicialmente contratado.
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Na apelação que a ré tinha interposto pretende-se a sua absolvição total, sendo apresentadas as seguintes conclusões:
1. Face à prova produzida nos autos, não se pode dar como provado que tivessem sido furtadas quaisquer jóias da Autora.
2. Face à prova produzida nos autos, não se pode dar como provado que tivessem sido furtados as jóias identificadas na resposta ao nº 1 da Base Instrutória.
3. Face à prova produzida nos autos, não se pode dar como provado que o alegado furto tivesse ocorrido por arrombamento da janela da cozinha e do portão exterior da casa de habitação da Autora.
4. Face à prova produzida nos autos, não se pode dar como provado que os bens alegadamente furtados se encontravam no local de risco.
5. Face à prova produzida nos autos, não se pode dar como provado que os prémios do seguro devidos pela Autora foram reclamados.
6. Em face do que se refere nos precedentes números, não se pode dar como provado o que consta das respostas aos nºs 1 e 2 da Base Instrutória, bem como aos nºs 3 e 5 da mesma Base Instrutória.
7. Assim e face à prova produzida nos autos, aos nºs 1 e 2 da Base Instrutória (resposta conjunta) apenas se pode dar como provado que “No dia 31 de Julho de 2008, entre as 21h30m e as 22h30m, ocorreu um furto na residência pertencente à Autora e a sua filha E…, tendo sido furtados objectos que pertenciam a E…”.
8. Assim e face à prova produzida nos autos, ao nº 3 da Base Instrutória tem de se responder nos seguintes termos: “Não provado”.
9. Assim e face à prova produzida nos autos, ao nº 5 da Base Instrutória tem de ser o que nele se pergunta como “Provado” apenas e tão só.
10. Procedendo o que se alega nos números anteriores, a acção tem de improceder, pois que a Autora não provou que os bens furtados lhe pertenciam e a Ré só teria de indemnizar se os bens pertencessem à Autora, como decorre da apólice do seguro.
11. Procedendo o que se alega nos números anteriores, a acção tem de improceder, pois que a Autora não provou que foram furtados os bens, que alega na petição inicial que foram furtados e a Ré só teria de indemnizar se os bens seguros tivessem sido furtados, como decorre da apólice do seguro.
12. Procedendo o que se alega nos números anteriores, a acção tem de improceder, pois que a Autora não provou que o furto ocorreu com arrombamento da janela da cozinha e do portão exterior e a Ré só teria de indemnizar se o furto tivesse ocorrido em tais circunstâncias, como decorre da apólice do seguro.
13. Procedendo o que se alega nos números anteriores, a acção tem de improceder, pois que a Autora não provou que os bens furtados estavam no local de risco e a Ré só teria de indemnizar se os bens seguros estivessem no local de risco, como decorre da apólice do seguro.
14. Procedendo o que se alega nos números anteriores, a acção tem de improceder, pois que a Autora não pagou os prémios de seguro, o que determina a resolução automática do contrato de seguro, como decorre da apólice do seguro.
15. Assim decidindo em contrário do ora exposto, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 397º, 398º, 405º e 406º do Cod. Civil.
16. Mesmo que se mantenha como provado os factos que o Tribunal recorrido deu como provados, sempre a acção tem de improceder, pois que
17. A Autora não provou – como lhe competia, face ao disposto no art. 342º do Cod. Civil – que os bens furtados correspondiam aos bens seguros.
18. Não está feita a prova de que os bens identificados nas respostas aos nºs 1 e 2 da Base Instrutória correspondam a quaisquer bens seguros e identificados na relação que integra a apólice de seguro – bem pelo contrário.
19. Nesta conformidade e uma vez que, de acordo com a apólice do contrato de seguro, a Ré apenas tem de indemnizar no caso de haver furto com arrombamento dos bens seguros e uma vez que não está feita a prova do furto dos bens seguros, a acção tinha sempre de improceder.
20. Decidindo em contrário, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 397º, 398º, 405º e 406º do Cod. Civil, pelo que deve ser revogado a douta sentença recorrida.
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Nas contra alegações que a autora tinha deduzido são apresentadas as seguintes conclusões:
1. A decisão profusamente fundamentada, não merece qualquer censura. Antes constitui um exemplo da administração correcta e profícua da justiça, escalpelizando inclusivamente Doutrina e Jurisprudência, a propósito.
2. No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da imediação. Só o Meritíssimo Juiz “a quo” que tem contacto directo e imediato com as testemunhas pode aferir da veracidade do seu depoimento, ponderando o seu comportamento, o modo de se exprimir, as inflexões de voz, os gestos, a postura, captando, de forma atenta e sagaz, o sentimento, a sinceridade, a serenidade, a lucidez, a memória, que traduzem, no fundo, a expressão completa e autêntica que transpira, subtilmente, no que foi dito ou omitido.
Para além disso, o depoimento das testemunhas ouvidas nos presentes autos não deixa qualquer margem de dúvida quanto à matéria em discussão. Assim, deve a matéria de facto manter-se inalterada.
3. O facto de a tomadora de seguro vir a transmitir a propriedade dos valores seguros, nenhuma influência assume sobre a existência ou condições do contrato.
4. O que releva para que funcione o contrato de seguro “multi-riscos” e a consequente obrigação de indemnizar, é que os valores segurados se encontrem no local de risco sendo indiferente e inócua a questão de saber se o objecto do contrato de seguro pertence ao tomador do seguro ou a terceiro.
5. A transferência de propriedade do objecto seguro não é, por si só, susceptível de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências.
6. Não obstante, admitindo que tal questão assumiria relevância – o que não se concede – sempre deveria a Ré, no decurso do depoimento da testemunha, ter requerido ao Tribunal a ampliação da base instrutória da causa, nos termos do disposto no art.º 650º, n.º 2, alínea f) do CPC.
7. Se, no decurso da diligência de prova testemunhal em audiência, se constate que foi referido um facto principal que as partes não tenham alegado nos articulados, podia e devia a Ré – a quem supostamente o facto aproveitaria – ter requerido aquela ampliação, facultando à Autora a proposição de prova em contraditório, nos termos do disposto no art.º 650.º do CPC.
8. Nessa esteira, deveria a Ré seguradora demonstrar que a transferência da propriedade das jóias lhe determinaria diferente vontade contratual.
9. Não o tendo feito em sede própria, o conhecimento de tal questão está prejudicado, devendo ser indeferida.
10. Entende a Ré que a impugnação da matéria de facto há-de fazer-se através da destruição dos fundamentos da convicção do Julgador. O Julgador apreciou mal porque os fundamentos da sua convicção estão errados ou não conduziam à resposta dada. Ou seja, a impugnação da matéria de facto não consiste simplesmente num segundo julgamento. Antes deve tratar-se de um “julgamento” da convicção do Julgador face aos fundamentos invocados.
11. Por isso é que o n.º 2 do art. 712º do CPC expressamente prevê que “a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão (…) sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que haja servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados” (sublinhado é nosso).
12. O douto Tribunal “a quo” detalhadamente descreveu as afirmações das testemunhas que lhe mereceram credibilidade, permitindo responder afirmativamente e negativamente à matéria de facto.
13. Apesar do exposto, o A. apenas refere passagens do depoimento da referida testemunha, esquecendo-se das demais.
14. Como doutamente registou o Tribunal “a quo”, o depoimento das restantes testemunhas, pela sua isenção, razão de ciência e forma como prestaram depoimento, mereceram maior credibilidade.
15. Assim, entende a Autora que a matéria de facto foi exemplar e inatacavelmente julgada, não devendo ser alterada.
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A questão a apreciar prende-se com a subsistência do contrato de seguro no dia 31/7/2008 em virtude de não terem sido pagos prémios.
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Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos:
1 – Com data de 30/8/1996, a autora celebrou um contrato de seguro multiriscos com a ré, titulado pela apólice MR…….. – fls. 47 – A) da matéria de facto assente;
2 – Nos termos desse contrato, estipularam como local de risco a residência da autora, sita na Rua …, …, …. Porto, e o objecto seguro o respectivo recheio – B) da matéria de facto assente;
3 – O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, renovável por igual e sucessivo período – C) da matéria de facto assente;
4 – Com data de 2/8/2008, a autora comunicou o sinistro e solicitou o agendamento de peritagem, nos termos que constam a fls. 13 – D) da matéria de facto assente;
5 – Em resposta, por e-mail datado de 7/8/2008, a ré informou que a referida apólice de seguro se encontrava anulada desde 31/8/2005, assim declinando a regularização do sinistro – fls. 14 – E) da matéria de facto assente;
6 – A pedido da interessada, denunciou-se que da habitação referida em B) se subtraiu uma taça em porcelana, contendo vários brincos em ouro e prata, uma caixa em madeira com a tampa em prata, contendo várias jóias e um relógio em ouro maciço, tendo sido danificada a janela da cozinha e o portão do exterior – fls. 12 – F) da matéria de facto assente;
7 – O recheio ou conteúdo, todo ele foi descriminado e identificado, bem como indicado o valor de cada um dos objectos seguros e ainda a sua localização na dita casa de habitação – fls. 49 a 57 – G) da matéria de facto assente;
8 – De acordo com as condições gerais e particulares da apólice e face à proposta de seguro, foi contratada, além do mais, a cobertura que inclui o risco de furto ou roubo – H) da matéria de facto assente;
9 – Nos termos do art. 5 ponto 5 das condições gerais da apólice, o risco de cobertura base tem a seguinte definição quanto a furto ou roubo: “aquele que é praticado no interior do local ou locais de risco e que deverá caracterizar-se pelas circunstâncias mencionadas em alguma das seguintes formas: a) praticado com arrombamento, escalamento ou chaves falsas; b) cometido sem os condicionalismos anteriores, quando o autor ou autores do crime se introduzirem furtivamente no local ou nele se esconderem com intenção de furtar; c) praticado com violência contra as pessoas que habitem ou se encontrem no local do risco, ou através de ameaça com perigo iminente para a sua integridade física ou para a sua vida, pondo-as, por qualquer modo, na impossibilidade de resistir” – I) da matéria de facto assente;
10 – No ponto 5.2 do referido art. 5, para efeitos de garantia do risco, entende-se: “a) arrombamento, o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de qualquer elemento ou mecanismo, que sirva para fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, na habitação segura ou lugar fechado dela dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos; b) escalamento, a introdução na habitação segura ou em lugar fechado dela dependente, por telhados, portas, janelas, paredes ou qualquer construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem e, bem assim, por abertura subterrânea não destinada a entrada; c) chaves falsas, as imitadas, contrafeitas ou alteradas; as verdadeiras quando fortuita ou sub-repticiamente estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar; as gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou quaisquer dispositivos de segurança” – J) da matéria de facto assente;
11 – O capital seguro foi estabelecido – no que diz respeito ao conteúdo ou recheio da casa de habitação – no montante de 16.630.000 escudos, ora 82.950,10€, para o conteúdo em geral, e no montante de 14.180.000 escudos, ora 70.729,54€, para o conteúdo especial, o qual ficou assinalado pela letra A) – L) da matéria de facto assente;
12 – No dia 31/7/2008, entre as 21h30m e as 22h30m, a residência da autora referida em B) foi alvo de furto perpetrado por desconhecidos que penetraram pela janela da cozinha e portão exterior, por via de arrombamento, dela subtraindo os seguintes objectos: 1) Argolas de ouro amarelo com espessura de 2 mm e diâmetro de 1,5, no valor de 150€, resultante de estimativa actual assim obtida; 2) Argolas “torcidas” com perno, ouro branco com espessura de 3 mm, com dez brilhantes cada e com o diâmetro de 2 cm, no valor de 1.300€, resultante de estimativa actual assim obtida; 3) Argolas em ouro branco, tipo molas, com brilhantes, no valor de 500€, resultante de estimativa actual assim obtida; 4) Argolas finas de ouro amarelo, com pérolas azuis incrustadas, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida;
5) Pérolas brancas, encastradas em perno de ouro amarelo com encastre tipo flor e com pétalas de ouro envoltas na pérola, no valor de 300€, resultante de estimativa actual assim obtida; 6) Brincos em forma de laços com perno em ouro amarelo, no valor de 400€, resultante de estimativa actual assim obtida; 7) Brincos em forma de nó duplo, tipo mola com perno em ouro amarelo, no valor de 350€, resultante de estimativa actual assim obtida; 8) Brincos de ouro branco com perno e parte frontal rectangular, incrustado com pedras swarowsky, no valor de 350€, resultante de estimativa actual assim obtida; 9) Brincos quadrados com perno em ouro branco, quadrado de pedra azul no centro e brilhantes, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 10) Brincos quadrados com perno, ouro amarelo, quadrado de pedra castanha envolvida em ouro, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 11) Brincos de ouro amarelo, redondos, superfície irregular tipo concha, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 12) Brincos em forma de oito, bizelado, ouro amarelo, no valor de 600€, resultante de estimativa actual assim obtida; 13) Brincos em ouro amarelo, com brilhante na frente do perno e pingente de rubi em forma de lágrima, incrustados em ouro, no valor de 600€, resultante de estimativa actual assim obtida; 14) Brincos pingente prata, compridos, com pingente em bola de lápis azul claro com comprimento de 7 cm, no valor de 150€, resultante de estimativa actual assim obtida; 15) Brincos pingente prata, com três pérolas azuis escuras, comprimento de 5 cm, no valor de 150€, resultante de estimativa actual assim obtida; 16) Brinco com mola, ouro amarelo, parte frontal grossa com 1,5cm, incrustada de diamantes, no valor de 750€, resultante de estimativa actual assim obtida; 17) Brincos com mola, ouro amarelo, parte frontal fina com 0,5 cm, incrustada de brilhantes, no valor de 450€, resultante de estimativa actual assim obtida; 18) Brincos com perno, flor de ónix na parte frontal e brilhante no centro em ouro amarelo, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 19) Brincos pingente, prata, com duas pérolas em marfim branco e um coração de marfim rosa, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 20) Brincos pingente, ouro amarelo, pingente em formato flor-de-lis, comprimento de 0,6 cm, no valor de 500€, resultante de estimativa actual assim obtida; 21) Brincos pingente, prata, com pingente em ónix, comprimento de 5 cm, no valor de 150€, resultante de estimativa actual assim obtida; 22) Brincos com perno, bola redonda, ouro amarelo, no valor de 130€, resultante de estimativa actual assim obtida; 23) Brincos com perno, bola redonda, ouro amarelo, com a superfície entrançada, no valor de 100€, resultante de estimativa actual assim obtida; 24) Brincos de contas de Viana, no valor de 1.200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 25) Brincos em ouro branco, perno, com três pérolas à frente na perpendicular, encastradas em ouro, no valor de 1.200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 26) Brincos, ouro amarelo, com um pingente de pérola em forma de coração e uma pérola e rubis encastrados no perno, no valor de 250€. Tudo no total de 9.680€, resultante de estimativa actual assim obtida – resposta a 1 da base instrutória;
13 – Bem como: 1) Fio de ouro antigo, três voltas, com cerca de 2,5 cm, malha grossura média, no valor de 1.300€, resultante de estimativa actual assim obtida; 2) Pulseira “escrava” ouro amarela, com dobradiça e fecho de segurança, com metade toda em diamantes incrustados, no valor de 5.000€, resultante de estimativa actual assim obtida; 3) Alfinete redondo em forma de grinalda de flores, com diamantes e safiras alternados a formar coroa de flores, em ouro branco, no valor de 1.000€, resultante de estimativa actual assim obtida; 4) Fio fino em ouro branco com uma volta com 45/50 cm e com uma cruz pequena de ouro branco, com um diamante incrustado, no valor de 200€, resultante de estimativa actual assim obtida; 5) Pingente de fio de safira azul clara, de formato redondo, encastrado em ouro branco, no valor de 800€, resultante de estimativa actual assim obtida; 6) Alfinete antigo tipo “camafeu” de coral, no valor de 700€, resultante de estimativa actual assim obtida; 7) Relógio de senhora, com pulseira de largura de um dedo e encaixe do mostrador em ouro maciço amarelo com mostrador quadrado, no valor de 15.000€, resultante de estimativa actual assim obtida; 8) Anel de ouro amarelo, tipo aliança dupla, com safiras ovais entre as duas alianças a toda a volta, com largura de 6 mm, no valor de 2.000€, resultante de estimativa actual assim obtida; 9) Anel de ouro amarelo fino, com 7 brilhantes na parte superior com largura de 1 a 2 mm, no valor de 750€, resultante de estimativa actual assim obtida; 10) Anel de ouro amarelo com pérolas (6/8) na parte superior e no centro destas uma esmeralda (largura atrás de 3 mm, largura frontal de 6 mm), no valor de 850€, resultante de estimativa actual assim obtida; 11) Fio fino amarelo com cerca de 65 cm com uma cruz de ouro amarelo, gravada em azul, no valor de 300€, resultante de estimativa actual assim obtida; 12) Fio fino branco, com comprimento de 75/80 cm, com pérolas de 5 em 5 cm, no valor de 1.000€, resultante de estimativa actual assim obtida; 13) Fio ouro amarelo com cerca de 50 cm, fino, com pingente no centro em forma de cornucópia, esta incrustada de diamantes, no valor de 1.000€, resultante de estimativa actual assim obtida; 14) Colar de pérolas antigo com cerca de 50 cm preciosas de tamanho crescente a partir do centro para cada lado, no valor de 1.500€. Tudo no total de 30.900€, resultante de estimativa actual assim obtida – resposta a 2 da base instrutória;
14 – Esses bens encontravam-se no local de risco – 3 da base instrutória;
15 – A ré, com data de 8/6/2005, enviou para a morada indicada no documento junto a fls. 58, carta registada, nela apondo o nome da autora, a informar não ser possível aceitar a renovação do contrato a partir do próximo vencimento, a partir do qual o mesmo se deveria considerar findo – resposta a 4 da base instrutória;
16 – Após carta cuja cópia se encontra junta a fls. 58, os respectivos prémios não foram reclamados e, como tal, pagos – resposta a 5 da base instrutória.
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O art. 621 do Código de Processo Civil (CPC aprovado pelo art. 1 da Lei 41/2013, de 26/6) estabelece que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos não dirime a seguinte objecção formulada na revista: “apenas após o envio do aviso do prémio ao segurado para pagar o prémio e não satisfazendo este tal pagamento é que o contrato se pode considerar resolvido automaticamente”.
Aquele acórdão resume a apreciação do acórdão deste Tribunal da Relação à parte em que se entende que a autora não pagou os prémios do seguro tão só porque não quis.
Sucede que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça omite pronúncia sobre as decorrências para a subsistência do contrato inerentes ao próprio não pagamento de três anuidades de prémio.
No acórdão deste Tribunal da Relação afirmou-se que o contrato de seguro terminou antes do dia 31/7/2008, dia esse em que ocorreu possível sinistro, com concretização de ter cessado “às 24 horas do dia 29/9/2005”, ou, em sub-tese enunciada à cautela, com a afirmação de nunca o contrato de seguro ter visto a sua eficácia ultrapassar “as 24 horas do dia 29/9/2006”.
É claro o entendimento em tal acórdão de extinção ope legis por inerência singular do não pagamento do prémio, entendimento esse que se continua a ter como correcto à vista do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, mas não só, por aí não existir pronúncia sobre a objecção de “apenas após o envio do aviso do prémio ao segurado para pagar o prémio e não satisfazendo este tal pagamento é que o contrato se pode considerar resolvido automaticamente”.
Com efeito, no acórdão deste Tribunal da Relação autonomizou-se o não pagamento do prémio como causa singular de extinção do contrato, assumindo-se para essa asserção – dentro de situação hipotética que “mais poderia desfavorecer a ré” [sic] – uma situação que se equipara à pura e simples inexistência da carta datada de 8/6/2005 e o (comprovado) facto de a ré não ter enviado os avisos de pagamento correspondentes às três anuidades não pagas – o que, à luz do art. 7 nº 1 do Decreto-Lei [DL] 142/2000, de 15/7, convolaria a omissão do envio de três avisos de pagamento para uma situação de mora da credora/ré/seguradora no cumprimento de uma obrigação prevista na lei, sem que fosse circunstância inerente ao convencimento da ré de que nada mais era devido pela autora por via do fim do contrato –, bem como se abstraiu, para a mesma asserção, da motivação que a autora tenha tido ou não tenha tido para não pagar.
Para tanto escreveu-se: “Mas têm de se discutir as decorrências do não pagamento de prémios de seguro, as quais veremos poderem ser autonomizadas das prerrogativas de denúncia ou de resolução por parte da ré […]”.
No confronto entre o que se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e os fundamentos do acórdão deste Tribunal da Relação, aquele acórdão só convence este último tribunal de não se poder ter como demonstrado que a autora não pagou os prémios do seguro tão só porque não quis.
Mas como não existiu pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça sobre o não pagamento do prémio como causa singular de extinção do contrato, asserção essa que se entendeu como autónoma e auto-suficiente para a decisão deste tribunal – além de prejudicar o conhecimento de outras questões suscitadas nas duas apelações –conclui-se que não existe caso julgado imposto pelo Supremo Tribunal de Justiça com a precisa eficácia de este Tribunal da Relação ter de passar a entender que o não pagamento do prémio não é causa singular de extinção do contrato.
Feito este considerando indispensável, passar-se-á a decidir.
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A resposta a 5 da base instrutória tem o significado de não terem sido pagos os prémios do contrato de seguro que se venceriam em 30 de Agosto dos anos 2005, 2006 e 2007, significado esse que vem reiterado nos fundamentos da sentença quando se escreve “à autora não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo não pagamento dos prémios”.
Aceitemos, em tese, as seguintes premissas:
- A autora não recebeu a carta da ré datada de 8/6/2005;
- A autora não conheceu de outra forma o conteúdo dessa carta e só com a comunicação de 7/8/2008 ficou ciente que a ré considerava o contrato de seguro findo desde 31/8/2005;
- A ré sabia que a autora não tinha recebido a carta datada de 8/6/2005, tal como sabia que a autora não tinha conhecido de outra forma o conteúdo dessa carta e ainda sabia, a ré, que só com a comunicação de 7/8/2008 a autora ficaria ciente que a ré considerava o contrato de seguro findo desde 31/8/2005;
- Em 31/7/2008 ocorreu evento que seria sinistro coberto pelo contrato de seguro, se então estivesse em vigor.
Certo é que a ré não enviou à autora avisos escritos para pagar cada prémio que se venceria em 30/8/2005, em 30/8/2006 e em 30/8/2007.
Tendo em atenção a conclusão 14 da apelação da ré, assentes tais premissas hipotéticas e as premissas reais quanto à ausência de avisos de pagamento e ao não pagamento de 3 prémios, continuemos.
O contrato de seguro teve início de vigência em 31/8/1996 e cada anuidade de renovação teria início no dia 31 de Agosto.
Vigorava naquele dia 31/8/1996 o DL 105/94, de 23/4, quanto ao regime de pagamento dos prémios de seguro.
Na tese pressuposta e como se sustenta na sentença, o contrato não foi denunciado nem resolvido pela ré, por ausência – antes de 7/8/2008 – de comunicação da ré à autora que seria necessária e suficiente para a extinção do contrato.
Mas têm de se discutir as decorrências do não pagamento de prémios de seguro, as quais veremos poderem ser autonomizadas das prerrogativas de denúncia ou de resolução por parte da ré, focadas na sentença particularmente por via da carta datada de 8/6/2005.
O primeiro dia em que se discute a subsistência do contrato é o dia 30/8/2005, ou seja o dia em que a ré, pela primeira vez, deixou de pagar o prémio.
Nesse dia 30/8/2005 o dito DL 105/94 já tinha sido revogado pelo art. 14 do referido DL 142/2000, sendo a versão então vigente do DL 142/2000 a que foi conferida pelo DL 248-B/2000, de 12/10, e pelo DL 150/2004, de 29/6.
Sucede que ao DL 142/2000 veio a ser conferida pelo art. 1 do DL 122/2005, de 29/7, uma nova versão, a qual, numa apreciação liminar – que veremos não ser totalmente correcta por também se aplicar ao prémio pagável em 30/8/2005 –, só se aplicaria ao prémio que se venceria em 30/8/2006, por via da alteração ao art. 5 nº 2 do DL 122/2005 introduzida pelo artigo único do DL 199/2005, de 10/11 – “prémios […] que se vençam a partir de 1/3/2006”.
Todos esses Decretos-Leis vieram a ser revogados pelo art. 6 nº 1 do DL 72/2008, de 16/4, mas o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado por esse DL 72/2008, não tem aplicação no assunto dos autos, por só ter entrado em vigor no dia 1/1/2009 e o sinistro ter ocorrido em data anterior (31/7/2008).
Retomando o DL 142/2000 só com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis 248-B/2000 e 150/2004, importa deixar claro que o regime jurídico aí vigente é imperativo, não deixando autonomia de regulação na matéria do pagamento dos prémios às disposições contratuais contidas na apólice MR20688498.
Com efeito, o art. 1 nº 2 do DL 142/2000 estabelece que “o presente diploma é aplicável a todos os contratos de seguro”, não integrando o seguro ora em causa nenhuma das excepções previstas nesse mesmo art. 1 nº 2.
Na tese pressuposta, o prémio que se vencia em 30/8/2005 é um prémio subsequente, noção que tem como única alternativa prevista no DL 142/2000 o prémio inicial.
Para o prémio subsequente, o art. 7 nº 1 do DL 142/2000 estabelece que “A empresa de seguros encontra-se obrigada, até 30 dias antes da data em que os prémios ou fracções subsequentes sejam devidos, a avisar, por escrito, o tomador do seguro, indicando a data do pagamento, o valor a pagar e a forma de pagamento”.
Está assente que não existiu esse aviso.
Discute-se se a omissão de aviso de pagamento e a efectiva ausência do pagamento sobre o qual deveria ter existido aquele aviso prévio se transmuta em mora da ré – mora do credor, na acepção do art. 813 do Código Civil (CC), ou seja o não cumprimento pelo credor de actos necessários, ou instrumentais, ao cumprimento da obrigação pelo devedor –, ou se tem consequência jurídica sensivelmente decalcada da omissão do pagamento do prémio inicial, consequência esta que vem prevista na primeira parte do art. 6 nº 1 do DL 142/2000: “A cobertura dos riscos apenas se verifica a partir do momento do pagamento do prémio ou fracção inicial […]”.
Foi essa dúvida que veio a determinar a aprovação do DL 122/2005, o qual se institui como lei interpretativa do DL 142/2000, com integração repristinada da disciplina assim aclarada na lei interpretada, conforme art. 13 nº 1 do CC.
Para o preciso efeito de ser lei interpretativa do DL 142/2000, escreveu-se na introdução justificativa do DL 122/2005: “importa aplicar em toda a sua extensão o princípio que já resultava da versão originária do diploma, segundo o qual o contrato de seguro só deve produzir os seus efeitos com o pagamento do prémio ou fracção por parte do tomador de seguro. Na falta de pagamento do prémio ou fracção, o risco não deve estar coberto pelo contrato. Deste modo, o seguro apenas é válido, produzindo os seus efeitos, com o pagamento do prémio ou fracção, não sendo eficaz, quanto às obrigações de ambas as partes, se não se verificar o pagamento. Neste sentido, tanto o prémio ou fracção inicial como os prémios ou fracções subsequentes são devidos numa determinada data, mas o contrato apenas produz os seus efeitos, na parte correspondente ao prémio ou fracção em dívida, a partir do momento do seu pagamento”.
Nessa decorrência e com o efeito repristinado referido no art. 13 nº 1 da CC, salvo um detalhe que se referirá adiante, deixou de existir possibilidade de distinção quanto ao efeito da omissão do pagamento do prémio inicial, quando comparada com o efeito da omissão do pagamento de prémio subsequente, corporizada no teor indistinto que foi dado ao transcrito art. 6 nº 1, o qual passou a ter a seguinte redacção: “A cobertura dos riscos apenas se verifica a partir do momento do pagamento do prémio ou fracção”.
Não sendo pago qualquer prémio, inicial ou subsequente, deixa de existir a cobertura de risco, o que é um objecto principal e indispensável do contrato de seguro.
O contrato, sem tal objecto, extingue-se ope legis, a ponto de o legislador, na dita introdução justificativa, referir que basta o não pagamento atempado do prémio para o tomador “se ver livre” do contrato e desonerado de comunicações à seguradora para lhe pôr fim (cfr. referência ao art. 18 nº 1 do DL 176/95, de 26/6).
Aquele art. 6 nº 1 descaracteriza mora da credora/ré/seguradora na omissão do envio de aviso de pagamento se o efeito for o de perpetuar a eficácia do contrato de seguro com prémios subsequentes não pagos, embora se ressalve uma única diferença quanto ao momento em que o seguro deixa de produzir efeito (só no caso em que ocorre omissão de pagamento de prémio subsequente): o contrato de seguro continua a vigorar durante 30 dias.
Esse prazo de 30 dias vem previsto no art. 8 nº 1 do DL 142/2000 e o nº 2 do mesmo art. 8 determina que nesse período de 30 dias que se segue ao não pagamento do prémio subsequente, mesmo no contexto de falta de aviso, o contrato produz todos os seus efeitos. Nos termos do art. 10 do DL 142/2000, a seguradora, até poderá vir a cobrar prémio específico só para esses 30 dias, isso numa altura em que o contrato já está automaticamente extinto – efeito ope legis do citado art. 8 nº 1 – pelo não pagamento do prémio subsequente.
Em suma: por via da interpretação autêntica do DL 142/2000 conferida pelo DL 122/2005, a qual se repristina à situação vigente em 30/8/2005, mesmo ocorrendo omissão do aviso legal para ser pago prémio subsequente que se venceria naquela dia 30/8/2005, o não pagamento desse prémio subsequente determinou o fim do contrato de seguro às 24 horas do dia 29/9/2005, sendo este o trigésimo dia que se sucede a 30/8/2005.
Na tese pressuposta, existiu mora da ré no cumprimento da obrigação de avisar a autora para pagar o prémio subsequente que se venceria em 30/8/2005.
Trata-se da obrigação legal prevista no transcrito art. 7 nº 1 do DL 142/2000 – mantida na nova versão do mesmo art. 7 nº 1 introduzida pelo DL 122/2005, o qual só altera a antecipação do aviso de 30 para 60 dias.
Mas não se pode aceitar a tese da sentença no sentido de a omissão daquela obrigação legal da ré redimir indefinidamente a obrigação que a autora tem de pagar o prémio. É uma decorrência exorbitante, uma vez que confere cobertura de risco num sinistro que ocorre, por exemplo, 19 anos depois da última anuidade paga, só porque nesses 19 anos a ré não enviou avisos de pagamentos de prémios subsequentes. E só não se alude a situações ocorridas mais de 20 anos depois da última anuidade paga porque se admite que a seguradora virá invocar a prescrição ordinária, mas nem isso se afigura como incontroverso perante a tese da sentença de indefinida redenção da autora enquanto não for alertada em casa com aviso de pagamento de prémio.
Na tese pressuposta, a omissão dos avisos de pagamento é ilícito da ré, mas o que sobreleva é o não pagamento dos prémios subsequentes, sendo essa omissão de pagamento que impede – ope legis e por força do transcrito art. 6 nº 1 – a perpetuação do contrato.
Se, de qualquer modo, não se entender que o contrato deixou de subsistir às 24 horas do dia 29/9/2005, o que só se equaciona em tese, então o contrato passaria ser integralmente abrangido pela disciplina que o DL 122/2005 introduziu no DL 142/2000, por forma a abranger o prémio subsequente que se venceria em 30/8/2006 (data esta que é posterior ao dia 1/3/2006, por seu turno instituído como dia inicial da dilação de eficácia daquele DL 122/2005 através do artigo único do DL 199/2005).
Ou seja e nessa sub-tese, o contrato sempre deixaria de vigorar às 24 horas do dia 29/9/2006, por aplicação do art. 8 do DL 142/2000 na redacção introduzida pelo DL 122/2005.
Na tese pressuposta e segundo o entendimento que se perfilha, o contrato findou às 24 horas do dia 29/9/2005, mas numa sub-tese, enunciada à cautela, também nunca terá visto a sua eficácia ultrapassar as 24 horas do dia 29/9/2006.
Assim sendo, no dia 31/7/2008 já não vigorava o contrato de seguro, o que determina a absolvição da ré do pedido, na medida em que só poderia responder perante a autora com base nesse contrato.
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A ré não enviou os três avisos de pagamento porque assumiu que o contrato tinha cessado em 31/8/2005 e que os prémios em causa deixaram de ser devidos.
Na tese pressuposta, a autora não recebeu a carta da ré datada de 8/6/2005 e nunca conheceu o seu conteúdo até ao recebimento, em dia posterior ao dia do sinistro, de uma outra comunicação da ré (de 7/8/2008).
Nesse contexto de declaração receptícia (art. 224 do CC), efectivamente não recebida nem de outro modo conhecida pela destinatária em tempo útil, a omissão do envio de três avisos de pagamento convola-se em situação de mora da credora/ré/seguradora no cumprimento de uma obrigação prevista no art. 7 nº 1 do DL 142/2000 e deixa de relevar o convencimento da ré de que nada mais era devido pela autora.
Sucede que a causa de pedir da presente acção se funda na subsistência do contrato no dia do sinistro.
Ou seja, dentro da tese pressuposta, o ilícito da ré traduzido na não emissão de três avisos de pagamento não pode ser acolhido na presente acção como causa para a sua responsabilização perante a autora, uma vez que a autora não alega que foi por não ter recebido esses avisos que se esqueceu de pagar os prémios e/ou não averiguou junto da ré por que é que esta não estava a reclamar o prémio junto do banco, sabendo a ré que o seu valor aí estaria à sua disposição, ficando a autora a conhecer nessa averiguação a notícia da não renovação do contrato operada pela carta datada de 8/6/2005.
Não é alegado um nexo de causalidade adequada entre a omissão do aviso de pagamento e a própria omissão do pagamento.
Se assim fosse alegado pela autora, abrir-se-ia o caminho para a responsabilidade civil da ré por facto ilícito, na forma de violação de “disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, conforme trecho do art. 483 nº 1 do CC, reportada, no caso, ao art. 7 nº 1 do DL 142/2000.
A presente acção não serve para responsabilizar a ré no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, no caso por omissões ilícitas (cfr. art. 486 do CC).
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A tese pressuposta corresponde à situação que mais poderia desfavorecer a ré, mas como, mesmo assim, ela tem de ser absolvida, resta considerar prejudicadas todas as outras questões suscitadas pela ré na sua apelação – as que não estão na conclusão 14 da apelação da ré –, bem como, face à conclusão de que nada é devido pela ré à autora, também resta considerar prejudicada a pretensão desta última no sentido de ver o capital da indemnização ampliado de 14.477,61€ para 27.344,27€, tudo ao abrigo da excepção de juízo prejudicado prevista nos arts. 608 nº 2 e 663 nº 2 do CPC.
Sumário previsto no art. 663 nº 7 do CPC:
1. O Decreto-Lei 142/2000, de 15/7, tanto antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 122/2005, de 29/7, como na sequência das alterações que lhe foram introduzidas por esse Decreto-Lei 122/2005, estabelecia, em termos impositivos e sonegados à autonomia contratual, que o não pagamento de um prémio de seguro subsequente – decorridos que fossem 30 dias desde o dia em que devia estar concretizado esse pagamento – opera a cessação irreversível do contrato de seguro.
2. Sem prejuízo de eventual responsabilidade civil por facto ilícito da seguradora perante o segurado, esse entendimento não é prejudicado na situação em que a seguradora não envia aviso prévio reportado ao pagamento que veio a faltar, aviso esse previsto no art. 7 do Decreto-Lei 142/2000.
3. Aquela responsabilidade da seguradora com fundamento em responsabilidade civil por facto ilícito quanto a um sinistro que estaria abrangido pelas garantias do contrato de seguro se este se encontrasse em vigor, apoia-se no trecho do art. 483 nº 1 do Código Civil que alude à violação de “disposição legal destinada a proteger interesses alheios” e apoia-se no dito art. 7 do Decreto-Lei 142/2000.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar procedente a apelação da ré e prejudicado o conhecimento da apelação da autora, pelo que revogam a sentença e absolvem a ré do pedido.
Custas pela autora.
Após trânsito em julgado, devolva o inquérito criminal.

Porto, 27/3/2014
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros
Judite Pires