Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3528/12.6TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CRIME DE ABANDONO DE POSTO
Nº do Documento: RP201305223528/12.6TDPRT.P1
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não comete o crime de Abandono de posto o soldado da GNR que, quando o superior lhe ordenou que estacionasse a viatura em que seguiam para ele poder descansar, deixou o local, dirigiu-se, a pé, para as instalações do posto onde comunicou o facto ao comandante e deu continuidade à “patrulha de ocorrências”, recorrendo a outra viatura.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3528/12.6TDPRT.P1
1.º Vara Criminal do Porto

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório.
B…[1] interpôs recurso do acórdão que o condenou na pena, especialmente atenuada, de 2 meses de prisão, substituída por 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática de um crime de abandono de posto, previsto e punido pelo artigo 66.º, n.º 1, alínea e), do Código de Justiça Militar, pedindo que o mesmo seja revogado e ele absolvido da acusação que o Ministério Público lhe dirigiu, concluindo a motivação com as seguintes conclusões:
a) O douto acórdão proferido não é justo, nem equilibrado e, em muitos aspectos, até é incompreensível...
b) Penaliza quem cumpre as suas obrigações (o arguido),
c) E desculpabiliza quem não cumpre, não faz e dorme no serviço (o Cabo C…).
d) Da prova produzida não resultaram provados os seguintes factos que, em consequência devem ser julgados não provados:
7.7) ... tendo então o arguido, a dado momento, por sua iniciativa, e contra o determinado pelo Cabo C…, decidido abandonar o local onde se encontravam...
7.11) O arguido sabia que não podia abandonar a patrulha que integrava e que ao fazê-lo, como fez, colocava em causa a capacidade de a mesma cumprir as suas missões;
7.12) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
e) Da mesma forma, não pode o Tribunal a quo considerar não provados os seguintes factos:
Que o Cabo C… tenha referido para o arguido, entre outros dizeres, o seguinte “se queres policiar vai tu, deixa-me em paz» e “desaparece daqui e deixa-me descansar em paz”
Que o Cabo D… autorizou o arguido a prosseguir o policiamento da cidade de Valpaços nos moldes pelo arguido propugnados.
Os dois factos, supra descritos resultaram provados, como se refere no texto.
f) Para que estejamos perante crime de abandono de posto mostra-se necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- a presença do militar em local de serviço,
- no exercício de funções de segurança ou necessárias à prontidão...
- sem motivo legítimo,
- abandonar, temporária ou definitivamente, o posto, local ou área determinados para o correcto e cabal exercício das suas funções...
g) Em primeiro lugar, importa referir que o local de serviço era a cidade de Valpaços, o que se verificou; no entanto, não existiam instruções para realizar policiamento, específico, à estação de camionagem e para, aqui, estacionar...
h) Em segundo lugar, o serviço era o patrulhamento - e não o estacionamento entre duas camionetas...
i) Em terceiro lugar, no local, em concreto (zona da estação de camionagem e entre dois autocarros), não estavam a ser exercidas funções de segurança ou necessárias à prontidão — pelo que falece, mais, um dos pressupostos,
j) Em quarto lugar, o arguido não se ausentou “sem motivo legítimo” — afigura-se-nos que, mesmo no plano, meramente, teórico (sem prejuízo do, supra, exposto), se o arguido se tivesse ausentado sem autorização do Comandante da Patrulha (o que, até, nem sucedeu...), nas circunstâncias concretas, dificilmente se poderia entender o seu comportamento como injustificado e ilegítimo...
k) Em quinto lugar, não existiu qualquer abandono, temporário ou definitivo, do posto, local ou área... sendo certo que, no caso concreto, o local/área não pode ser entendido como o “correcto” para o normal exercício de funções de policiamento/patrulhamento à cidade de Valpaços.
l) Em resumo, não se verificam os pressupostos do art.º 66.º, n.º 1 do CJM, pelo que, sem mais delongas, deve o arguido ser absolvido.

Ao recurso respondeu o Ministério Público, pugnando pelo seu provimento, para o que alinhou a seguinte ordem de ideias:[2]
… [o] acórdão … acaba por falhar em algo essencial: atenta contra o sentido de justiça material.
A factualidade assente resume-se a isto: o arguido, militar da GNR, em serviço no Posto Territorial de Valpaços, entre a 1 e as 9 horas do dia 26/03/2009, estava escalado para o serviço de patrulha, conjuntamente com o seu camarada C…, cabo, por inerência comandante de patrulha.
Naquela situação era missão dos dois militares zelar pela segurança dos cidadãos e da propriedade, procedendo, para o efeito, ao policiamento ininterrupto das ruas e bairros da cidade, tendo especial atenção aos edifícios públicos, zonas comerciais e pontos sensíveis de segurança, estando inclusivamente definidas as horas e os locais onde deveriam circular.
Cerca das 03 horas o referido C… ordenou ao arguido que parasse o veículo na Central de Camionagem argumentando que queria descansar – vulgo dormir.
Não se conformando com esta decisão do seu superior, o arguido tentou convence-lo a prosseguirem com o patrulhamento, tendo aquele permanecido na sua determinação de continuar o descanso.
Inconformado com esta decisão, o arguido abandonou o veículo, agora “dormitório móvel”, regressou ao posto, informou o encarregado de serviço de atendimento do que se havia passado e ele próprio passou a circular com um outro veículo da GNR pelas ruas de Valpaços prosseguindo a patrulha.
Cerca das 7 horas o aludido cabo C…, respondendo a um chamamento do seu colega de atendimento – a sugestão do próprio arguido – regressou ao posto, abandonando o local onde esteve a descansar.
Ora, com base nesta factualidade, entendeu o tribunal que estavam perfectibilizados os elementos típicos do crime de abandono de posto, tanto mais que o arguido “sabia que não podia abandonar a patrulha que integrava e que ao fazê-lo, como fez, colocava em causa a capacidade de a mesma cumprir as suas missões”.
Salvo o devido respeito e o brilho da argumentação utilizada, a decisão do douto tribunal pune quem não devia e, sem ser o seu desígnio, acaba por “premiar” a preguiça e o incumpridor.
É certo que na vida, sobretudo quando se integra uma estrutura hierarquizada e fortemente disciplinadora, como é a GNR, as atitudes voluntaristas podem não ser adequadas e ser até contraproducentes. Porém, não é menos certo que a justiça deva ser insensível e cega a comportamentos que, podendo não ser absolutamente ortodoxos, não deixam de transparecer uma vontade de cumprir os deveres e se recusam a acatar ordens e disposições que contrariam os interesse público que, antes de tudo, se impõe às forças de segurança.
Assim, no caso dos autos, mesmo admitindo que o seu posto era estar dentro de um automóvel fazendo companhia a um “descansador/dorminhoco” e não a efectivamente patrulhar, isto é, percorrer as ruas de Valpaços, afigura-se-me indiscutível que o comportamento do arguido está coberto por causas que excluem a ilicitude e a culpa.
O seu “abandono de posto” naquelas circunstâncias está justificado e é legítimo: saiu dali (vg. de dentro do automóvel) para prosseguir com aquelas que eram as suas obrigações funcionais: percorrer e vigiar as ruas. Sair de dentro do veículo imobilizado não lhe retirava prontidão operacional; nele permanecer acrescentava-lhe inutilidade, desrespeito pelas suas obrigações, incumprimento dos seus deveres. O seu “posto” não era o veículo, o seu posto era a patrulha.
De resto, em boa verdade, quem abandonou a patrulha foi o cabo C… no momento em que desistiu de percorrer a cidade e mandou estacionar o automóvel para nele dormir.
Dizer-se que saindo dali o arguido retirou prontidão operacional à patrulha, apenas porque deixou de estar ao lado do seu colega, pressupõe que houvesse prontidão.
(…)
Por outro lado, sempre com o devido respeito, não se pode afirmar, como se faz no douto acórdão que “é irrelevante (o comportamento posterior do arguido) para julgar do carácter legítimo ou ilegítimo de tal abandono”. Pelo contrário.
O motivo invocado pelo arguido – não querer permanecer dentro do veículo para que um seu colega descansasse inviabilizando o patrulhamento que lhes estava destinado – foi confirmado, materializado, com o seu comportamento posterior: prosseguimento do patrulhamento das ruas de Valpaços.
Pelo que fica dito, é inquestionável, aos nossos olhos, que o comportamento do arguido não preenche todos os elementos típicos do crime em apreço, mas, mesmo que assim se entenda, sempre a sua conduta estaria abrangida por uma causa justificativa de exclusão da ilicitude.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador da República emitiu parecer no mesmo sentido do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, louvando-se nos seguintes fundamentos:[3]
1) — Crime de abandono de posto.
… não vemos que os factos dados por assentes possam conduzir ao preenchimento do tipo incriminador.
Prosaicamente, tudo se resume em saber se comete tal ilícito um militar que cumpre sozinho a missão de patrulhamento de que estava incumbido, num carro diferente do que lhe estava atribuído, por ter abandonado o primeiro veículo devido à circunstância de o seu camarada de missão (e seu superior) ter decidido “descansar”.
Sem embargo da profundidade da argumentação expendida no Acórdão, afigura-se-nos que a resposta só pode ser negativa.
Desde logo, é duvidoso saber se a conduta do arguido configura uma situação de verdadeiro abandono para efeitos de tal normativo. Foi o arguido que abandonou o local determinado para cabal exercício das suas funções (porque se ausentou do carro-patrulha) ou foi o seu superior que o fez (porque suspendeu temporariamente a missão de patrulhamento para se entregar aos braços de E…)?
Por outro lado, é mais do que questionável defender-se que, perante tais circunstâncias, a permanência do arguido no carro-patrulha fosse adequada ao “cabal exercício das suas funções”.
Convenhamos, o serviço para o qual a força militar (constituída por dois agentes) fora escalada era de “patrulha às ocorrências no período compreendido entre a 1 e as 9 horas” (facto dado por provado em 7.2). Mais especificamente “assegurar e registar as ocorrências, manter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometidos e velar pelo cumprimento das Leis e outras disposições regulamentares”, sendo que nos períodos em que não houvesse ocorrências para registar, executaria o “policiamento ininterrupto das ruas e bairros da cidade, tendo especial atenção aos edifícios públicos, zonas comerciais e pontos sensíveis de segurança (CTT, Bancos, Ourivesarias), Largo do Jardim, Santuário, e Zona Industrial” (ponto 7. 4). Ora, não vemos como seria possível compatibilizar-se tal missão com a permanência num veículo imobilizado durante horas a fio (por mais desperto que o arguido se mantivesse). Afigura-se-nos, pois, ousado pretender-se que o correcto e cabal exercício das suas funções seria prosseguido dessa forma, ou seja, através de puro imobilismo, no interior de uma viatura estacionada.
Em suma, no nosso entendimento, falecem dois elementos constitutivos do tipo legal em estudo.

II) — Exclusão da ilicitude.
Mas ainda que assim se não entendesse, sempre teria que se considerar o comportamento do arguido abrangido por uma causa de exclusão da ilicitude, precisamente, o conflito de deveres, previsto no art.º 36.º, n.º 1, do Código Penal.
Como vem entendendo a nossa doutrina mais abalizada, o conflito de deveres pressupõe a existência de dois deveres jurídicos de dação, dos quais só um deles pode ser cumprido. A exclusão da ilicitude nessas circunstâncias assenta na ideia de que, quando dois interesses antagónicos se confrontam e digladiam, haverá que convocar o critério hermenêutico reinante. Estamos a referir-nos obviamente ao — tão esquecido — Principio da Prevalência do Interesse Preponderante.
Na convocação deste principio e na ponderação de interesses em ordem a determinar qual deve prevalecer, afigura-se-nos apodíctico que o interesse social na prossecução da missão de patrulhamento é claramente superior e deve prevalecer sobre o interesse subjacente à unidade de comando e à permanência do militar no respectivo posto.
Ora, o juízo de antijuricidade da conduta do arguido deveria ter sido sopesado pelo tribunal a quo tendo em consideração todas estas cambiantes. E, como bem salienta o Exm.º Magistrado do Ministério Público na primeira instância, independentemente do mérito jurídico do douto Acórdão recorrido, ele acaba por claudicar no essencial já que “atenta contra o sentido de justiça material”.
(…)
Assim, em todos os outros tipos legais de crime, a subsunção formal de uma conduta a determinado tipo pode sempre ser ilidida pela existência de certas circunstâncias que, numa valoração global da ordem jurídica criminal, a excluam”.
Ora, no caso em estudo, a conduta do arguido não poderá ser censurada no plano criminal, uma vez que as circunstâncias que lhe estão subjacentes excluem a respectiva antijuricidade.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do recorrente.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir do mérito do recurso.
***
II - Fundamentação.
1. Da decisão recorrida.
1.1 Factos julgados provados:
7.1) O arguido B… foi alistado definitivamente na Guarda Nacional Republicana (G.N.R.) em 23/03/1992, sendo que a partir de 21/04/2002 passou a exercer as suas funções no Posto Territorial de Valpaços de tal força de segurança;
7.2) No dia 26/03/2009, e por troca com outro militar, o arguido B… foi escalado para o serviço de «patrulha às ocorrências», no período compreendido entre a 01 e as 09 horas;
7.3) Tal patrulha era constituída, para além do arguido, pelo Cabo C…, a quem, pela sua superior graduação, competia o respectivo comando;
7.4) Da guia emitida pelo comandante do Posto Territorial de Valpaços da G.N.R. para a patrulha em apreço constava, como missões da mesma, «[a]ssegurar e registar as ocorrências da Z/A do Posto», «[m]anter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometidos» e «[v]elar pelo cumprimento das Leis e outras disposições regulamentares», sendo que «[n]os períodos em que não haja ocorrências para assegurar e registar, excecut[aria] o seguinte policiamento: Policiamento ininterrupto das ruas e bairros da Cidade, tendo especial atenção aos edifícios públicos, zonas comerciais e pontos sensíveis de segurança (CTT, Bancos, Ourivesarias) (02/02H15 – Largo do Jardim; 03/03H15 – Santuário; 04/04H15 – Zona Industrial; 05/05H15 – C. G. Depósitos)»;
7.5) Em hora não concretamente apurada mas sempre depois das 03 horas do dia 26/03/2009, e quando circulavam na zona da Central de Camionagem de Valpaços, o aludido Cabo C… ordenou ao arguido que estacionasse a viatura em que seguiam, e cuja condução este assegurava, em local que indicou, dando conta da sua intenção de aí permanecer e descansar, de forma a recuperar as suas forças para um serviço que lhe cabia assegurar no dia subsequente;
7.6) O arguido, porém, não concordou com tal decisão, insistindo com o mesmo Cabo C… para que prosseguissem o patrulhamento que vinham realizando, tendo este mantido a sua determinação de permanecer no local onde se encontravam;
7.7) Na sequência do diálogo que travaram, o arguido e o referido Cabo C… acabaram por se desentender, tendo então o arguido, a dado momento, por sua iniciativa, e contra o determinado pelo Cabo C…, decidido abandonar o local onde se encontravam e dirigir-se, a pé, para as instalações do Posto Territorial de Valpaços da G.N.R., o que efectivamente fez;
7.8) Chegado ao aludido Posto Territorial, o arguido deu conta, ao Cabo D…, militar encarregado do serviço de atendimento, do sucedido entre si e o aludido Cabo C… e, bem assim, informou-o de que iria prosseguir no patrulhamento da cidade sozinho;
7.9) Acto contínuo, o arguido pegou nas chaves de uma das viaturas afectas ao serviço do Posto Territorial de Valpaços da G.N.R. e, fazendo-se transportar nela, ausentou-se deste, conduzindo tal veículo por ruas não concretamente identificadas da cidade de Valpaços;
7.10) O mencionado Cabo C…, entretanto, permaneceu no local onde havia determinado fosse imobilizada a viatura em que ele e o arguido se faziam transportar, onde se manteve, aguardando o regresso do mesmo arguido, até que, pelas 07 horas da manhã, e respondendo a uma chamada do referido Cabo D… (que este fez a sugestão do arguido), se apresentou prontamente nas instalações do Posto Territorial de Valpaços da G.N.R.;
7.11) O arguido sabia que não podia abandonar a patrulha que integrava e que ao fazê-lo, como fez, colocava em causa a capacidade de a mesma cumprir as suas missões;
7.12) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
7.13) Foi solicitada, na fase de julgamento, a elaboração de relatório social relativo ao arguido (cfr. fls. 246 e segs.), no qual referem os serviços de reinserção social, no que aqui interessa:
I) O arguido B… é o segundo de três filhos de um casal de condição socio-económica razoável, sendo que o pai trabalhava nos CTT e a mãe era doméstica;
II) Segundo o arguido o relacionamento familiar sempre foi pautado pela compreensão entre todos os membros;
III) Integrou o sistema de ensino sem dificuldades de adaptação às aprendizagem, no entanto reprovou no 4.º ano de escolaridade, tendo concluído mais tarde o 11.º ano e desistido dos estudos;
IV) Contava cerca de 20 anos quando contraiu matrimónio com F…, rapariga da terra, a qual contava 18 anos, data na qual também foi cumprir o Serviço Militar Obrigatório e mais tarde integrou e veio a concluir curso da Guarda Nacional Republicana (G.N.R.) em Portalegre;
V) Permaneceu no exercício da sua actividade profissional em diferentes localidades, 5 anos em Torres Vedras, 2 anos em Braga, 4 anos em Vila Real e por fim Valpaços;
VI) Inicialmente o casal fixou residência na casa dos sogros, contudo posteriormente F… acompanhou o marido enquanto este permaneceu em Torres Vedras mas, mais tarde fixou residência em Valpaços, localidade onde arrendou apartamento e passou a trabalhar nos CTT;
VII) O casal teve um filho, que permaneceu aos cuidados da progenitora, sendo visitado pelo pai nos fins-de-semana e folgas deste;
VIII) O arguido procurou sempre ter a maior proximidade da família possível, e quando se encontrava em Vila Real vinha a casa com maior frequência, quase diariamente;
IX) A situação económica do agregado foi sempre razoável/boa, exercendo ambos os elementos actividade laboral e contribuindo para as despesas da casa;
X) Há cerca de 15 anos construíram vivenda de titularidade própria, tendo recorrido a empréstimo bancário o qual se encontram a pagar;
XI) Actualmente o filho conta 22 anos, frequentando o último ano do curso de enfermagem em Chaves, localidade para onde se desloca diariamente;
XII) O arguido mantém bom relacionamento com a esposa e filho, entreajudando-se entre si, comportamento que o arguido tem igualmente para com a família alargada (pais, sogros, irmãos e cunhados) a maior parte dos quais residentes em Valpaços;
XIII) Os seus sogros foram emigrantes na Suíça, mas regressaram há cerca de 5 anos à aldeia de …, em Valpaços, visitando-os na aldeia regularmente;
XIV) O arguido apesar de ter desenvolvido actividade laboral em diferentes localidades procurou estar sempre presente na educação do filho, existindo entre ambos uma grande proximidade;
XV) É na companhia do filho que pratica diferentes actividades a maior parte delas relacionadas com o futebol e futsal, integrando o grupo desportivo de futsal na localidade, desde o ano de 2005, fazendo competição ao nível do distrito;
XVI) O casal frequentou e concluiu curso de árbitro, mas exerceram esta actividade somente durante 2 anos, denotando grande preferência pelo desenvolvimento desta actividade, a qual gostariam de retomar;
XVII) Nos tempos livres, fins-de-semana e folgas, o arguido por vezes auxilia ainda os sogros nas lides agrícolas, em propriedades destes;
XVIII) À data dos factos que deram origem ao presente processo judicial, o arguido B…, mulher e filho, residiam em vivenda de titularidade própria, em Valpaços, onde o agregado dispunha de boas condições de habitabilidade;
XIX) O casal desenvolvia actividade laboral regular, ele como Guarda da G.N.R. no Posto Territorial de Valpaços e a mulher como funcionária dos CTT na localidade, referindo usufruir de uma situação económica que lhe permitia manter uma vida agradável, sem grandes sobressaltos;
XX) Após a existência do presente processo judicial verificaram-se algumas alterações no modo de vida do arguido, nomeadamente o regresso do filho para junto dos pais e ainda a mudança do local de trabalho;
XXI) O filho do casal tinha iniciado curso de Radiologia, na Escola Superior …, mas desistiu da sua frequência para prestar apoio ao seu progenitor, na sequência do problema laboral/judicial apresentado;
XXII) O jovem desde então passou a integrar curso de enfermagem na Escola … em Chaves, localidade para onde se deslocava diariamente em tempo de aulas;
XXIII) A proximidade de casa teve como finalidade o apoio incondicional à sua família, em especial ao seu progenitor, com quem estabeleceu sempre relação de grande proximidade e conivência;
XXIV) O arguido lidou desde sempre muito mal com o problema que lhe surgiu e teve necessidade de recorrer ao seu médico de família e posteriormente a médico psiquiatra e psicólogo, os quais o têm vindo a acompanhar, reforçando estas consultas sempre que surgem novas diligencias no âmbito deste processo;
XXV) Por indicação médica toma medicação adequada ao seu problema e os turnos no seu serviço foram adequados no sentido deste não fazer trabalho nocturno, afim de não prejudicar a sua saúde;
XXVI) Solicitou a sua transferência para o Posto da G.N.R. de Mirandela, cidade onde se encontra a trabalhar desde 16/05/2011;
XXVII) Nas folgas e fins-de-semana, quando não tem trabalho, convive com amigos da localidade, e participa em torneios de futsal, fazendo competição ao nível do distrito, desporto no qual é acompanhado pelo filho;
XXVIII) No meio social de residência, apesar da situação jurídico-penal do arguido ser do conhecimento da comunidade em geral, este é bem conceituado, mantendo um trato cordial com aqueles com quem interage no seu quotidiano, sendo considerado trabalhador, não lhe sendo conhecidos outros problemas/ conflitos no meio de residência;
XXIX) Apesar disso é por alguns residentes considerado exigente/ rigoroso no trato com os demais;
XXX) Em termos de futuro, gostaria de manter o apoio familiar, e ainda o trabalho que vem a exercer de uma forma regular, o qual foi desde sempre o seu modo de vida;
XXXI) Em sede de entrevista mostrou-se colaborante, denotando ser possuidor de competências pessoais e sociais e capacidade de auto-análise;
XXXII) O arguido B… apresenta um discurso crítico face aos ilícitos de que é acusado, denotando bastante desconforto, situação vivenciada de igual modo pela sua mulher e filho;
XXXIV) O arguido revela consciência da ilicitude desse tipo de conduta e dos danos causados às vítimas;
XXXV) È o seu primeiro confronto com o sistema de justiça, caso venha a ser condenado nos presentes autos, mostra receptividade para cumprir uma medida de conteúdo probatório na comunidade;
XXXVI) Os familiares mostram-se preocupados com o envolvimento do arguido com o sistema de administração da justiça penal, estando disponíveis para lhe prestar o apoio necessário;
XXXVII) Na comunidade não é objecto de rejeição, o presente processo não é do conhecimento geral, pelo que não teve impacto na imagem social do arguido.
7.14) O arguido goza de boa reputação entre os seus amigos, colegas de profissão e superiores;
7.15) Do certificado de registo criminal relativo ao arguido, junto a fls. 168, nada consta.

1.2. Factos julgados não provados:
8. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da presente causa, e designadamente, para além dos demais que, alegados na contestação apresentada pelo arguido, não se levaram à factualidade dada por assente, que a discussão entre este e o aludido Cabo C… seguiu a precisa dinâmica e teve o conteúdo ali descrito, em especial que por este foi, entre outros dizeres, referido «se queres policiar vai tu, deixa-me em paz...» e «desaparece daqui e deixa-me descansar em paz», ou que o militar de atendimento em serviço no Posto Territorial de Valpaços da Guarda Nacional Republicana aquando da ocorrência dos factos aqui em apreço, Cabo D…, autorizou o arguido a prosseguir o policiamento da cidade de Valpaços nos moldes por este propugnados.

1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto:
9. No que tange à matéria que se levou aos parágrafos 7.1) a 7.4), a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos de fls. 97 e segs. (folha de matrícula do arguido), 46 (escala de serviço para o dia 26/03/2009) e 56 (guia de patrulha para a patrulha de ocorrências que o arguido integrou). Esta matéria não foi, aliás, posta em causa pelo arguido, que a confirmou sem reservas.
10. Quanto à restante matéria dada por assente, por seu turno, também no essencial se mostrou a mesma consensual; arguido e testemunhas C… e D…, mostraram-se de acordo quanto à dinâmica dos factos tal como dada por assente: os dois primeiros referindo um diferendo entre ambos (surgido da discordância do primeiro relativamente à decisão do segundo de permanecer na Central de Camionagem), que culminou com a «partida» do arguido para o Posto Territorial de Valpaços (situado próximo do local onde a «altercação» ocorrida se verificou), onde, uma vez aí chegado, este anunciou ao terceiro que iria prosseguir sozinho o patrulhamento, após o que se ausentou do dito Posto numa viatura afecta ao serviço do mesmo e ao mesmo só terá regressado já próximo das 7 horas da manhã, altura em que insistiu para que o dito Cabo D… chamasse ao Posto o aludido C…, o que aquele fez.
11. Este consenso só não se verificou, no fundo, no tocante à razão que levou o arguido a agir nos moldes em que agiu: segundo ele, porque o Cabo C… pretendia imobilizar a viatura em que seguiam (e fazer cessar o patrulhamento da cidade de Valpaços) para dormir e recuperar forças para um serviço que teria de assegurar no dia subsequente; segundo este Cabo, porque o arguido se queixou do frio que sentia e pretendia prosseguir a marcha, quando ele entendia que deveriam permanecer no local onde se encontravam e, discordando desta decisão do seu comandante de patrulha, resolveu «desaparecer».
12. Quer a versão do arguido quer a versão do Cabo C… têm aspectos verosímeis e inverosímeis. No caso da narrativa do arguido, há que reconhecer que o carácter inusitado do seu comportamento – tendo até em consideração o que parece ter sido um comportamento profissional anterior isento de reparo – dá credibilidade à ideia de que constituiu o mesmo a reacção a uma situação também inusitada, como seguramente não deixaria de o ser uma decisão de um comandante de patrulha de «fazer uma sesta» durante o seu turno de serviço. Mas a referência que o arguido foi fazendo ao desconforto que sentia pelo frio que se fazia sentir para justificar também a sua insistência em que fosse retomado o policiamento de que a «patrulha às ocorrências» estava encarregada e, bem assim, o seu afastamento do seu camarada (argumento que também reproduziu ao Cabo D…), o não ter ele prosseguido com a marcha da viatura que, aliás, lhe cabia conduzir, a sua decisão de prosseguir num patrulhamento com prejuízo da unidade da patrulha que integrava sem autorização do militar de atendimento (o dito Cabo D… que, no entanto, em julgamento, contra o que foi reconhecido pelo arguido, até afirmou que validou a decisão deste), a não comunicação imediata da situação a um superior que pusesse termo à situação anómala que, na sua opinião, havia sido criada (e que podia ter feito a qualquer hora, precisamente porque há sempre um superior hierárquico de prevenção para resolver situações imprevistas) ou a ausência de insistência, junto do militar de atendimento, para que chamasse o aludido Cabo C… às suas responsabilidades (como acabou por fazer por volta das 7 horas da manhã), tudo isso, na verdade, leva a questionar as verdadeiras motivações do arguido e mina, de alguma forma, a credibilidade da sua versão.
13. Repare-se, por outro lado, que o próprio arguido referiu não conhecer em detalhe a guia de patrulha que continha as instruções de policiamento que competia à patrulha que integrava, mas não deixou de alegar que procedeu ao patrulhamento devido (afirmando que as guias de patrulha «eram sempre iguais» e referiam, sempre, o policiamento da cidade); e que nem sequer sabia qual a viatura que utilizou (sendo que o Posto Territorial de Valpaços da G.N.R. não tem, propriamente, uma frota automóvel considerável afecta ao serviço) para o «patrulhamento» que realizou, e que o Tribunal acabou por identificar por análise da quilometragem de todas as viaturas em questão, uma das quais apresenta 29 km percorridos e não contabilizados (cfr. fls. 279, 297 e segs., 303-304 e 329 e segs.).
14. Por último, o arguido não manteve contacto permanente com o militar de atendimento, que referiu desconhecer o que aquele fez ou deixou de fazer, e/ou por onde circulou, depois de deixar novamente as instalações do Posto Territorial de Valpaços (o que não deixa, mais uma vez, de pôr em causa a eficácia do «patrulhamento» alegadamente efectuado).
15. Já no que tange à narrativa do Cabo C…, se a mesma parece inverosímil precisamente na parte respeitante às razões da discordância com o arguido e à reacção que este terá tido devido ao desentendimento entre ambos havido quanto à permanência da patrulha que constituíam na zona da Central de Camionagem de Valpaços (ausentando-se pura e simplesmente do local), o certo é que não deixou ele de se manter no local durante o resto da noite, quando, sabendo que o arguido não deixaria de dar conhecimento do ocorrido, porventura a um superior hierárquico, não se dirigiu ao Posto Territorial de Valpaços nem procurou, de imediato, resolver o problema surgido (eventualmente contactando o militar de atendimento ou um superior), o que parece indiciar que o arguido não terá esclarecido exactamente as suas intenções, nem anunciou que se ia deslocar para as instalações do Posto Territorial de Valpaços, o que deveria ter feito se, de facto, estivesse a reagir ao que via como um comportamento inadequado do seu comandante de patrulha. Para além disso, se a temperatura atmosférica era tão baixa que o arguido a usou (também) como fundamento para se opor à paragem determinada pelo seu comandante de patrulha, não se vê como é que este pretendia, ainda assim, dormir «regaladamente», nos moldes mencionados pelo arguido.
16. Finalmente, o depoimento que poderia ser decisivo para avaliar da credibilidade das versões do arguido e do seu camarada C…, mostra-se também afectado por inverosimilhanças: assim, a testemunha D…, o militar responsável pelo atendimento no Posto Territorial de Valpaços da G.N.R. na «fatídica» madrugada aqui em causa, e, nesse período de actividade reduzida, responsável pela movimentação da «patrulha às ocorrências», informado do que havia ocorrido entre o arguido e o seu comandante de patrulha nada fez para, de imediato, resolver o problema (alegadamente porque «nem lhe passou pela cabeça», pois «nem tudo lembra» a um militar com os seus anos de experiência e conhecimento das normas de funcionamento interno da Guarda Nacional Republicana), sendo certo que tinha ele poderes para – e, portanto, a responsabilidade de –o fazer, de forma simples e expedita. Mais, mostrando uma parcialidade evidente a favor do arguido, mas sempre tentando não «comprometer» demasiado o seu camarada C…, a testemunha em apreço foi adiantando que até comunicou ao arguido a sua concordância com o seu curso de acção, quando é certo que o próprio arguido diz que a posição por ele tomada foi um «gim», isto é, não manifestou nem aprovação nem reprovação, perante o que o lhe foi comunicado, na prática «lavando as mãos» relativamente ao que se passava e passou posteriormente.
17. Em suma, pois: o Tribunal não tem dúvidas que o Cabo C… e o arguido divergiram quanto à decisão daquele de fazer permanecer a patrulha que constituíam na Central de Camionagem de Valpaços; que aquele persistiu na sua decisão e que o arguido se recusou a seguir a mesma, insistindo em que prosseguissem no patrulhamento que vinham realizando às artérias da cidade de Valpaços; e que, na sequência de tal desentendimento, e da persistência do comandante de patrulha em manter o que havia decidido, o arguido abandonou o local, dirigiu-se às instalações do Posto Territorial da mesma cidade e aí, depois de comunicar o que havia ocorrido (e a sua decisão de prosseguir o serviço de patrulhamento à cidade sozinho) ao militar responsável pelo atendimento, decidiu utilizar, como utilizou, numa viatura afecta ao serviço do mesmo Posto e percorreu várias ruas, não concretamente identificadas, da cidade de Valpaços.
18. O mais que alegado foi pelo arguido, e que o Cabo C… contestou (como seria de esperar, dadas as motivações que lhe foram imputadas), no tocante às razões deste para fazer permanecer a patrulha que comandava na zona da Central de Camionagem de Valpaços, é algo que o Tribunal não logrou apurar com segurança, já que ambas as versões apresentadas são, como se disse, equivalentes, tanto nos seus pontos fortes como nos seus pontos fracos.
19. Sendo assim, e em estrita obediência ao princípio in dubio pro reo (porque, na versão do arguido, tal lhe será mais favorável), dá o Tribunal como assente que a motivação para a decisão do Cabo C… era a intenção deste de descansar de modo a recuperar as suas forças para um serviço que lhe cabia assegurar no dia subsequente. Significa isto que o Tribunal não afirma que a versão do arguido é plenamente convincente e credível, mas que resolve a dúvida que se gerou em sentido favorável ao arguido (pois que se trata de matéria que ele próprio invocou e pretendeu ver provada).
20. Já quanto às razões que levaram o arguido, pelas 7 horas da manhã, a convencer o Cabo D… a chamar o Cabo C… ao Posto Territorial de Valpaços, não segue o Tribunal o mesmo raciocínio porque a prontidão com que este Cabo correspondeu à chamada que lhe foi dirigida não quadra com a imputação, insinuada, de que estaria ele, então, a dormir à vista de toda a gente que se encontrasse na zona da Central de Camionagem de Valpaços. Nesta parte, na verdade, a rejeição, por parte do aludido Cabo C…, das imputações que lhe são dirigidas ganha credibilidade e, por isso, não há aqui nenhuma dúvida que importe resolver pela aplicação do citado princípio jusprocessual penal.
21. A matéria que se levou ao parágrafo 7.11) não foi posta em causa pelo arguido, que demonstrou conhecer perfeitamente a sua obrigação de não se afastar da patrulha que constituía com o aludido Cabo C…, limitando-se, no fundo, a alegar ter razões legítimas para a sua conduta; para além disso, o comportamento por ele adoptado não podia deixar de limitar a capacidade da patrulha que integrava (e que não é por acaso que era constituída por dois militares da G.N.R.) de cumprir a respectiva missão, facto que sendo evidente a qualquer pessoa, o é ainda mais a um militar da Guarda Nacional Republicana com a experiência do arguido.
22. No tocante à primeira parte do parágrafo 7.12), nada nos autos permite concluir – nem o arguido alegou – que o comportamento aqui em causa não foi deliberado (no sentido de intencional), livre e consciente.
23. Quanto à matéria que se levou à segunda parte do mesmo parágrafo, entende o Tribunal que o arguido, militar há vários anos da G.N.R., não podia deixar de saber que a sua conduta constituía comportamento contrário à lei (aliás, uma testemunha arrolada pelo próprio arguido, G…, comentou, no decurso do seu depoimento, precisamente, que achou estranho tê-lo visto, na noite em que ocorreram os factos aqui em causa, sozinho, face ao conhecimento que tinha do funcionamento da G.N.R. e que lhe advinha de o seu progenitor ter sido, também, militar de tal força de segurança); a ideia de que só não reportou o sucedido aos seus superiores porque não quis prejudicar o seu comandante de patrulha afigurou-se inverosímil face ao comportamento que anteriormente havia adoptado e a comunicação que fez ao Cabo D…, sendo certo que ao alegadamente assumir, sozinho, o patrulhamento da cidade de Valpaços não pôde tal deixar de visar também o afastamento da eventual responsabilidade que lhe poderia advir do seu comportamento, já que lhe bastaria permanecer nas instalações do Posto Territorial de Valpaços, às ordens de quem tinha autoridade (o militar de atendimento) para determinar o serviço que deveria realizar, para que não pudessem imputar-lhe qualquer responsabilidade pela conduta do Cabo C….
24. Por outro lado, o arguido também não ignorava que se encontrava escalado para integrar uma patrulha com o Cabo C… e sob seu comando, estando, por isso, sujeito às suas ordens e não apenas às instruções recebidas do Comandante do Posto, superior imediato de ambos, a que só em casos contados poderia desobedecer. Tendo ignorado o determinado pelo seu aludido camarada, não podia também o arguido, dado o seu tempo de serviço e o seu conhecimento das regras aplicáveis à execução do serviço territorial, desconhecer que dessa forma afrontava as determinações de quem procedeu à sua nomeação para o serviço que devia executar e do seu comandante de patrulha.
25. Quanto à matéria que se levou aos parágrafos 8.21) a 8.23), fundou o Tribunal a sua convicção no relatório social e no certificado de registo criminal aí mencionados, bem como nos depoimentos das testemunhas abonatórias indicadas pelo arguido e ouvidas no decurso da audiência.
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[4] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[5] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença ou do acórdão e das suas nulidades que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[6] E uma vez que se não detecta qualquer vício ou nulidade na douta sentença recorrida de entre os que se devesse conhecer ex officio, com excepção do invocado in dubio pro reo ao qual nos referiremos adiante, as questões a apreciar neste recurso sejam apenas as seguintes:
1.ª A declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos pelas testemunhas Cabos C… e D… impunham que tivesse sido considerado como não provados os factos enumerados em 7.7, 7.11 e 7.12 e provado que o primeiro destes disse àquele «se queres policiar vai tu, deixa-me em paz...» e «desaparece daqui e deixa-me descansar em paz»?
2.ª Não sendo esse o caso, ainda assim deve ser absolvido por se considerar que os factos praticados não correspondem aos elementos do tipo de crime de abandono de posto?
3.ª Devendo em qualquer dos casos o recorrente ser absolvido?
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2.2. Apreciemos então a primeira das questões atrás enunciadas.
É comummente aceite que o julgamento da causa é o que se realiza em primeira instância e que o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto. Pelo que em caso algum possa servir para obter um novo julgamento, agora em segunda instância.[7] O objecto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dita.[8] E óbvias razões existem para que assim seja.
Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de primeira instância e no respeito de dois princípios fundamentais: o da oralidade[9] e o da imediação.[10] E com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento em processo penal: o da livre apreciação da prova por parte do julgador.[11]
O princípio da imediação pressupõe um contacto directo e pessoal entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem,[12] sendo esses depoimentos que irá valorar e servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.[13] E é precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em primeira instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e que de todo em todo o tribunal do recurso não dispõe.[14] Há na verdade que atender e valorar factores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam ou a linguagem que utilizam, verbal ou não verbal, a espontaneidade com que depõem, as hesitações e o tom de voz que manifestam, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, movimento repetido e descontrolado de mãos ou de pés, encolher de ombros, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece.[15]
Por isso é que quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode exercer censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção trilhado ofende as regras da experiência comum. O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, só podendo o tribunal de recurso modificar aquela decisão quando não encontrar qualquer suporte nos meios de prova produzidos no processo.[16] A menos que a convicção formada pelo julgador contrarie as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.[17]
Tanto mais assim é que a alteração do decidido em primeira instância só poderá ocorrer, de acordo com a alínea c), do n.º 3, do a art.º 412.º do Código de Processo Penal, se a reavaliação das provas produzidas impuserem diferente decisão, mas não já se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum.[18] Em suma, sempre que a convicção do julgador em primeira instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso.[19] E não é a circunstância, consabidamente recorrente nos processos judiciais, sejam eles de natureza criminal ou outra, de terem sido apresentadas versões distintas acerca de determinados factos ou até mesmo parte inverosímil de determinado depoimento, que impõe ao julgador ter de os aceitar ou recusar in totum, antes se impondo a tarefa de os cotejar para detectar em cada um deles o que lhe merece ou não crédito e em que termos.[20]

Baixando ao caso sub iudicio, não restam dúvidas de que a colisão das declarações do recorrente com o depoimento da testemunha principalmente envolvida na questão ora em dissídio, o Cabo C…, como ele militar da Guarda Nacional Republicana e que com ele compunha, com funções de comando, a patrulha a quem havia sido determinada, pela estrutura de comando do Posto Territorial daquela força na cidade de Valpaços, a missão de assegurar e registar as ocorrências da sua área de competência, manter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometidos e velar pelo cumprimento das Leis e outras disposições regulamentares, sendo que nos períodos em que não houvesse ocorrências para assegurar e registar, executar o policiamento ininterrupto das ruas e bairros da Cidade, tendo especial atenção aos edifícios públicos, zonas comerciais e pontos sensíveis de segurança (CTT, Bancos, Ourivesarias) (02/02H15 – Largo do Jardim; 03/03H15 – Santuário; 04/04H15 – Zona Industrial; 05/05H15 – C. G. Depósitos) permitiam mas não impunham, de per si, a solução a que chegou o acórdão recorrido bem como a propugnada no recurso. Pelo que, como acima referimos, a menos que a valoração da prova colida com as regras da experiência comum, a decisão da matéria de facto não deverá ser alterada mas mantida. Pelo que importa apurar mais de perto o que cada um daqueles sujeito processuais disse em abono das respectivas teses.

Segundo o recorrente, o Cabo C… determinou que «estacionasse na Estação de Camionagem, entre dois autocarros»,[21] com o fito, concretizado,[22] de descansar um pouco[23] e, perante o propósito manifestado pelo recorrente de continuar a efectuar a patrulha de policiamento à cidade, disse-lhe que fosse ele.[24] É verdade que o recorrente se manifestou assim invocando que sentia frio,[25] mas sempre deixando bem claro que a sua maior preocupação com essa postura se prendia com o incumprimento da missão que lhes estava distribuída,[26] para além da imagem da Guarda Nacional Republicana que projectava na opinião pública da cidade.[27] Pelo que se deslocou para o Posto e de tudo informou o terceiro militar de serviço, de resto em funções de comando dos demais por ser o mais graduado.
Analisando criticamente as declarações do arguido, não oferece grandes dúvidas de que o por ele relatado está conforme às regras da experiência comum, sendo por isso de afastar qualquer preocupação de que apenas visou dar lastro à sua própria defesa. Isto porque se o recorrente se quisesse furtar ao cumprimento da missão de que fora encarregado, fosse por sentir frio, como sustentou o Cabo C…,[28] fosse por qualquer outra razão, seguramente que teria optado por reclinar o banco do automóvel da Guarda onde se sentava e também ele descansar durante o remanescente do período de tempo que duraria o serviço de patrulha. Mas não, ao invés disso preferiu dirigir-se ao Posto da Guarda e dar conhecimento ao comandante de ambos do que se estava a passar com a testemunha Cabo C…,[29] coisa inimaginável numa estrutura hierarquizada caso não fosse verdade. O depoimento da testemunha Cabo D… acrescenta anda mais crédito à versão do recorrente de que as coisas se passaram como pretende quando, interrogado pelo Exm.º Sr. Procurador da República, respondeu:
Procurador da República: Quando chamou o C…?
Testemunha: Aproximadamente em volta das sete. Porque o B…, em volta das sete, aproximou-se do Posto e eu chamei o C…. E chegou… assim… um bocado atrapalhado… estava já o B… à espera dele… eu chamei e saíram novamente.[30]
Nesta altura do interrogatório, o Exm.º Sr. Procurador da República insistiu por diversas vezes por saber a razão pela qual a testemunha Cabo D… apenas chamara o Cabo C… pelas sete horas mas apenas recebeu respostas evasivas e sem qualquer relevo. Prosseguiu o interrogatório como segue:
Procurador da República: Não será que às sete nascia o Sol em Valpaços e… nascendo o Sol, podia-se ver o que estava a acontecer dentro dos carros… não terá sido por isso, senhor D…? Percebe a minha pergunta?
Testemunha: Podia repetir, senhor doutor?
Procurador da República: Eu tento ser mais subtil... Não será porque ele… às sete horas era de dia e o homem estava a dormir dentro do carro e podia-se ver?
Testemunha: Pois com certeza, nessa altura até se via porque os motoristas andavam lá e…
(…)
Procurador da República: O senhor não disse que ele estava nervoso… o senhor não usou esta expressão… atrapalhado!
Testemunha: Com certeza. De dormir.
Procurador da República: Diga?
Testemunha: Com certeza. De dormir… assim um bocado… atrapalhado…[31]

Destarte, tivesse o Cabo C… vontade de cumprir a missão que lhe fora atribuída e seguramente que teria deixado isso bem claro ao recorrente, o qual, se persistisse na suposta conduta de abandono do posto, naturalmente que corria risco sério de ser imediatamente detido, por desobediência, além de poder ser alvo de participação disciplinar, não sendo despiciendo levar-se em linha de conta na análise das duas versões dos factos que dos dois militares era aquele e não este o mais graduado. De resto, não faria sentido que as coisas tivessem ocorrido de outra forma pois que, na sequência daquele episódio, o recorrente foi policiar a cidade,[32] como inicialmente competia à patrulha, o que manifestamente deixara de ser feito na sequência do comportamento assumido pelo Cabo C… na Central de Camionagem. Daí que se ajuste às regras da experiência comum que o Cabo C… tenha efectivamente dito ao recorrente que, se quisesse, fosse ele policiar a cidade, conforme este sustentou quando prestou declarações na audiência de julgamento.[33] É que se o tempo estava frio, como indubitavelmente resulta do que disseram todos os militares envolvidos, naturalmente que assim se manteve durante o período em o recorrente policiou sozinho a cidade de Valpaços, pelo que não podia ter sido isso a motivar a saída do recorrente do veículo automóvel da Guarda na Estação de Camionagem. Acresce, de resto, que a justificação dada pela testemunha cabo C… para não ter dado conhecimento à cadeia de comando do suposto abandono de posto não se mostra conforme às regras da experiência comum: evitar que também ele se entalasse, como se vê da resposta que deu a questão colocada pelo Exm.º Sr. Procurador da República:
Procurador da República: Então… o senhor… não se… não fica preocupado… não acha estranho… não faz nada… um camarada seu sai do carro invocando que está frio…
Testemunha: Sim, senhor doutor, fiquei. Vim cá fora… a ver se via alguém, né, pois que só não quis dar… para ninguém se entalar, nem eu nem ele, não é?[34]

E mais adiante:
Procurador da República: Porque é que o senhor está a dizer… que acha que se entalava, ó sen…
Testemunha: Porque é assim: ele por sair e eu também ia arranjar… íamos arranjar problemas, né?
Procurador da República: Mas não percebo porquê, ó senhor…
Testemunha: Porque é assim: se eu participasse dele, né…
Procurador da República: Ummm…
Testemunha: … estava a prejudicar um colega, né?
Procurador da República: Sim.
Testemunha: … também me entalava eu, independentemente disso. E não achei que aquilo fosse coisa de…
Procurador da República: Se o senhor… no seu modo de ver, fez tudo o que… devia… fez tudo o que devia ter feito, como é que o senhor se entalava? Não percebo.
Testemunha: Não, eu não fiz tudo. Para fazer tudo, tinha que fazer uma participação!
Procurador da República: Calma… não… o senhor diz: não fiz a participação porque me entalava; eu não entendo porque é que não fez a par…
Testemunha: E também porque o prejudicava a ele, não é, ia ser mau pa…
Procurador da República: Tá bem, a ele percebo. A ele percebo…
Testemunha: Não queria fazer… prontos, aquilo ficava assim entre nós dois, pronto… e…
Procurador da República: Mas afinal, você não tinha assim tanta amizade por ele! Quer dizer…
Testemunha: Não tinha, mas não tinha… não ter amizade é uma coisa, agora, prejudicá-lo, é outra, né…[35]

A incongruência do depoimento da testemunha Cabo C… é, pois, evidente, no sentido de que não era obviamente para defesa do recorrente que não participou hierarquicamente a ocorrência mas, isso sim, para encobrir a sua própria conduta. Só a perplexidade manifestada pelo Exm.º Sr. Procurador da República perante a impossibilidade da testemunha poder ser afectada pelo incumprimento do seu dever por parte do recorrente o levou a inflectir a justificação para a não participação superior do caso (não querer prejudicá-lo).
Acresce que se as coisas tivessem sido como pretendeu a testemunha Cabo C… não se perceberia a razão pela qual continuou, impávido e sereno, durante quase quatro horas, dentro do carro da Guarda Nacional Republicana, estacionado entre dois autocarros, no Parque de Camionagem da cidade,[36] quando a sua missão era bem diferente dessa. É que não lhe ordenou de forma veemente que lá ficasse, se necessário sob pena de desobediência; não comunicou a quem comandava as ocorrências, no Posto; não se dirigiu para lá para pessoalmente informar quem o comandava de toda essa anomalia, que de resto punha em crise o cumprimento da sua missão; e nem tão-pouco justificou que vigilância ali pretendia fazer ou fez durante todo esse período de tempo.
Assim sendo as coisas, porque a versão do recorrente é a única que se harmoniza com as regras da experiência comum, não poderá deixar de ser aceite. Pelo que se não pode dizer que abandonou o posto, como foi julgado provado (em 7.7) nem, consequentemente, que sabia que não podia abandonar a patrulha que integrava e que ao fazê-lo, como fez, colocava em causa a capacidade da mesma cumprir as suas missões e que agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, factos julgados provados (em 7.11 e 7.12) como decorrência daquele, o que se decidirá; devendo, pelo contrário, julgar-se provado que o recorrente saiu do veículo automóvel da Guarda estacionado na Central de Camionagem na sequência de conversa com o Cabo C… na qual lhe disse que «se queres policiar vai tu, deixa-me em paz...» e «desaparece daqui e deixa-me descansar em paz». E a alteração da decisão da matéria facto julgada no acórdão recorrido importa, como consequência, a absolvição do recorrente. Pelo que deixa de ter interesse saber se a conduta dele em qualquer caso não preenchia os elementos do tipo de crime em apreço.
***
III - Decisão.
Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência:
i. se altera a decisão da matéria de facto do acórdão recorrido, julgando-se agora não provados os factos ali julgados provados em 7.7 (excepto que o arguido e a testemunha Cabo C… se não entenderam quanto ao modo de cumprimento da missão da patrulha naquela madrugada), 7.11 e 7.12; e provados os factos nele julgados não provados que o Cabo C… disse ao recorrente, no interior da viatura da Guarda Nacional Republicana, então estacionada na Central de Camionagem de Valpaços, «se queres policiar vai tu, deixa-me em paz» e «desaparece daqui e deixa-me descansar em paz» e
ii. absolve o recorrente da acusação que o Ministério Público lhe dirigira.

Sem custas (art.º 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
*
Porto, 22-05-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
Edorindo Ferreira, Major-General
________________
[1] Guarda da Guarda Nacional Republicana, à data colocado no Posto Territorial de Valpaços.
[2] Apesar de ausência de conclusões na resposta e do perigo de tornarmos demasiado extenso o acórdão, por considerarmos manifestamente pertinente para a apreciação do recurso aqui espelharemos, não tão resumidamente como é habitual, a posição nela assumida pelo recorrido Ministério Público.
[3] Valem aqui os considerandos da nota anterior.
[4] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[5] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[6] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[7] Prof. Germano Marques da Silva, em Forum Justitiæ, Maio de 1999, citado no Acórdão da Relação de Guimarães, de 20-03-2006, visto em www.dgsi.pt, onde sustentou que «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.»
[8] Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18 de Janeiro, Processo n.º 199/2005, da 2.ª Secção, consultado em http://w3b.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060059.html, de onde respigámos o seguinte trecho: «O que a decisão recorrida disse (e quis dizer) é que o julgamento é efectuado na 1.ª Instância: esse é o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa. O recurso para a Relação, mesmo em matéria de facto, não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada (ou todas as questões abordadas na decisão da 1.ª Instância) é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente (ou tornaria a decidir as questões suscitadas). Antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. O Tribunal Superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito). Assim, o julgamento em 2.ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas alegações escritas). Este o entendimento presente na afirmação do acórdão recorrido que constitui um dado adquirido no estádio actual de evolução do processo penal, entre nós, e que não enferma de nenhum pecado constitucional.»
[9] Art.º 96.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[10] Art.º 340.º e seguintes do Código de Processo Penal.
[11] Art.º 127.º do Código de Processo Penal.
[12] E também, naturalmente, com as coisas, nestas incluindo os documentos.
[13] Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-04-2009, processo n.º 2912/06.9TALRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[14] Acórdão da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[15] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, visto em http://www.dgsi.pt.
[16] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[17] Art.º 127.º do Código de Processo Penal. Neste mesmo sentido vd. os Acórdãos da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1 e da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt.
[18] No Acórdão da de 22-04-2009, tirado de http://www.dgsi.pt.
[19] Acórdão da Relação do Porto, de 12-05-2004, processo n.º 0410430, visto em http://www.dgsi.pt.
[20] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, visto em http://www.dgsi.pt.
[21] Declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravadas em suporte magnético de 11:38:30 ms a 12:16:14 ms, passagem de 08:04 ms a 08:15 ms, aqui como adiante sempre a perguntas do Mm.º Juiz Presidente do Colectivo.
[22] Declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravadas em suporte magnético de 11:38:30 ms a 12:16:14 ms, passagem de 16:00 ms a 16:35 ms: «… eu continuei o policiamento, andei então nos bairros, fui passar, várias vezes, lá no local onde o… o meu camarada tinha ficado, a primeira vez ele levantou-se assim que o carro… passei com o jeep perto do carro… ele sentiu e até se levantou a cabeça e viu-me, viu-me… e voltou-se a inclinar para trás… voltou a deitar-se para trás… Passei lá várias vezes e ele, algumas vezes que passei lá, ele continuou lá sempre. Eram sete da manhã e iam começar a chegar os motoristas dos autocarros, para irem buscar os estudantes, para começarem a... a… e eu cheguei ao posto e disse ao atendimento: “olha, ele continua lá deitado e acho que não fica bem ficar ali deitado, estão as pessoas a chegar, eu acho que deves chamá-lo.” E foi quando ele pegou no rádio e… chamou via rádio e ele regressou.»
[23] Declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravadas em suporte magnético de 11:38:30 ms a 12:16:14 ms, passagem de 08:17 ms a 08:27 ms: «… mandou-me estacionar e eu estacionei. E é neste acto contínuo… ele deitou o banco por trás… deitou o banco dele… onde ele estava… deitou… deitou para trás e deitou-se.»
[24] Declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravadas em suporte magnético de 11:38:30 ms a 12:16:14 ms, passagem de 11:04 ms a 11:13 ms: «… e ele respondeu-me que queria descansar, que fosse eu. Se quiseres policiar, vai tu, que eu quero descansar… que eu quero descansar… vai tu.»
[25] Declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravadas em suporte magnético de 11:38:30 ms a 12:16:14 ms, passagem de 11:16 ms a 11:20 ms: «… homem, por amor de Deus, eu não me tou aqui a sentir bem, tá frio pra estarmos aqui parados…»
[26] Declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravadas em suporte magnético de 11:38:30 ms a 12:16:14 ms, passagem de 11:21 ms a 11:24 ms: «… não é a nossa missão, não é esta, temos que andar a patrulhar e… e… não acho correcto isto.» E mais adiante, na passagem de 11:33 ms a 11:43 ms: «Eu que fiz… perante aquilo… perante aquilo que ele me disse… e pronto, achava que aquilo não estava a ser correcto e que não estava a cumprir a minha missão, desloquei-me ao posto… dei conhecimento ao atendimento…»
[27] Cfr nota 22.
[28] Depoimento prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 13:59:14 a 14:33:06, passagem de 13:26 ms a 13:29 ms, quando, questionado pelo Exm.º Sr. Procurador da República, respondeu: «Diz que também tinha frio… e foi-se embora.»
[29] O que foi confirmado pela testemunha Cabo D…, como se vê do seu depoimento prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 14:33:07 ms a 14:33:11 ms, passagem de 04:25 ms a 04:27 ms, quando, questionado pelo Mm.º Juiz Presidente, respondeu: «Sim, sim, que [o Cabo C…, entenda-se] estava a dormir, com certeza.»
[30] Depoimento da testemunha Cabo D…, prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 14:33:07 ms a 14:33:11 ms, passagem de 07:09 ms a 07:21.
[31] Depoimento da testemunha Cabo D…, prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 14:33:07 ms a 14:33:11 ms, passagem de 08:10 ms a 09:35.
[32] Conforme ele disse, nas declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 13:59:14 ms a 14:33:06 ms, passagem de 13:42 a 13:46: «Patrulhei as ruas e bairros da cidade, pois sabia que era isso que havia que patrulhar… era a nossa missão…»; o que foi confirmado, na medida em que lhe era possível confirmar, pela testemunha Cabo D…, no depoimento prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 14:33:07 ms a 14:33:11 ms, passagem de 04:43 a 04:54: «A seguir… aaah… o B… chegou ao posto… agarrou num carro… uma vez que a cidade não estava a ser policiada… e foi ele sozinho policiar a cidade.» E que o jeep circulou é incontroverso, pois resulta da análise efectuada ao seu conta-quilómetros
[33] Declarações prestadas pelo recorrente na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético declarações prestadas na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 13:59:14 ms a 14:33:06 ms, passagem de 10:56 a 11:13: «Já passava muito tempo, chamei à atenção duas ou três vezes e ele não… até que a uma certa altura que eu disse… insisti… voltei mais uma vez a insistir para irmos policiar e ele respondeu que… que queria descansar, que fosse eu... se quiseres policiar vai tu, que eu quero descansar. Quero descansar, vai tu»
[34] Depoimento prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 13:59:14 a 14:33:06, passagem de 10:20 ms a 10:37 ms.
[35] Depoimento prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 13:59:14 a 14:33:06, passagem de 15:10 ms a 15:58 ms.
[36] Depoimento prestado na audiência de julgamento no dia 08-11-2012 e gravado em suporte magnético de 13:59:14 ms a 14:33:06 ms, passagem de 07:16 ms a 07:23 ms, questionado pelo Exm.º Sr. Procurador da República: «Estive das 3 às sete… menos qualquer coisa.» [«O senhor ficou sempre ali?»] «Fiquei.»