Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5475/11.0TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
EXTINÇÃO
SUBSTITUIÇÃO PELOS SÓCIOS
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP201306045475/11.0TBMTS.P1
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I. Em acção instaurada contra uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, uma vez extinta, só pode haver substituição pelos seus sócios se o credor, visando a responsabilidade destes, alegar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito.
II. A falta de observância desse ónus de alegação, por sua iniciativa, após o encerramento da liquidação e em articulado superveniente, ou na sequência da notificação feita nesse sentido, importa a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 5475/11.0TBMTS.P1
Do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos.
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, S.A., com sede na …, …, Matosinhos, instaurou, em 29/7/2011, acção declarativa especial do DL n.º 108/2006, de 8/6, contra C…, Lda., com sede na …, Centro Comercial …, Loja …, Funchal, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 18.407,79 €, acrescida de juros à taxa de 13% sobre a importância de 8.265,00 € e à taxa legal para as dívidas comerciais sobre a quantia de 1.426,07 €, desde 31/7/2011 e até integral pagamento, invocando a resolução do contrato comercial entre ambas celebrado em 14/2/2006, desde 15/5/2006, por incumprimento da ré.

Após várias tentativas frustradas de citação da ré, a autora, por requerimento de 7/2/2013, informou que, em 17/12/2012, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da ré, com a sua consequente extinção, resultante de processo administrativo instaurado oficiosamente, juntando o documento de fls. 58, e requereu a substituição pelos seus dois sócios, D… e E… e a citação dos mesmos.
Em face desse requerimento e porque a responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha dos bens da sociedade, foi a autora convidada a esclarecer se foi ou não declarada a existência de qualquer activo social.
A autora veio, então, informar, em português pouco correcto, que “aceita a dissolução da Ré resultou de um processo administrativo, pelo que a existência de activo ou passivo para liquidar é apenas presumida, não foi declarada por qualquer sócio”.

Seguiu-se, em 6/3/2013, a seguinte sentença:
“Conforme deixamos expresso no anterior despacho, extinta a personalidade jurídica da sociedade ré com o registo da liquidação respectiva e ocorrendo tal extinção no decurso da acção contra ela instaurada, o prosseguimento do processo contra os sócios daquela, nos termos do disposto no art. 163º, al. a) do C.S.C., depende de estes terem recebidos bens/direitos por via da liquidação da sociedade.
Por outro lado, o ónus de alegar e provar que a sociedade ré, entretanto extinta, tinha bens e que tais bens foram partilhados pelos sócios é da autora (cf. nestes sentido, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 26.06.2008 e de 7-02-2003, relatados, respectivamente, pelos Srs. Conselheiros Santos Bernardino e Bettencourt Faria, www.dgsi.pt).
Pelo exposto, porque a exequente não alegou os factos que constituem pressuposto da eventual responsabilização da sócia gerente da executada pela dívida exequenda, não podem os autos prosseguir contra esta.[1]
Assim, face à extinção da personalidade jurídica da executada, ao abrigo do disposto no art. 287º, al. e) do CPC, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Custas pela executada.
Notifique.”

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes extensas e complexas[2] conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. dos autos com a Ref.ª 11494121, que exarou o seguinte: "Conforme deixamos expresso no anterior despacho, extinta a personalidade jurídica da sociedade executada com o registo da liquidação respectiva e ocorrendo tal extinção no decurso da acção contra ela instaurada, o prosseguimento do processo contra os sócios daquela, nos termos do disposto no art. 163.º, al. a) do CS.C., depende de estes terem recebidos bens/direitos por via da liquidação da sociedade.
2. Por outro lado, o ónus de alegar e provar que a sociedade ré, entretanto extinta, tinha bens e que tais bens foram partilhados pelos sócios é da autora (cf. nestes sentido, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 26.06.2008 e de 7-02-2003, relatados, respectivamente, pelos Srs. Conselheiros Santos Bernardino e Bettencourt Faria, www.dgsi.pt).
3. Pelo exposto, porque a exequente não alegou os factos que constituem pressuposto da eventual responsabilização da sócio gerente da executada pela divida exequenda, não podem os autos prosseguir contra esta.
4. Assim, face à extinção da personalidade jurídica da executada, ao abrigo do disposto no art. 287.º, al. e) do CPC, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide."
5. O Meritíssimo Juiz a quo estriba a decisão que tomou na sentença recorrida, numa pretensa ausência de alegação e prova por parte da Exequente, ora Recorrente de que a sociedade executada, ora Recorrida, já extinta, tinha bens e que os mesmos foram partilhados pelo sues sócios.
6. Ora, com o devido respeito, não pode a ora Recorrente de forma alguma concordar com tal entendimento, porquanto, entende que o ónus de alegar e provar que nada receberam na partilha do património social da sociedade extinta, cabe aos sócios da ora Recorrida, ou seja, não cabe à ora Recorrente, enquanto credora fazer prova do contrário.
7. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-03-2011, disponível em www.dgsi.pt: “1- Em acção proposta por credor social contra a generalidade dos sócios de sociedade extinta, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Cód. Soc. Com., cabe àqueles sócios demonstrar que nada receberam na partilha do património social ou que receberam valores inferiores ao do crédito peticionado.
8. IV- A quarta questão a abordar respeita aos limites da responsabilidade do casal réu, enquanto sócios da sociedade F… ..., Lda., extinta em 18.08.08.(...)
9. Mas porque a sociedade já não existe, o mencionado artigo 163.º define uma responsabilidade substitutiva, com o claro objectivo de assegurar o ressarcimento dos credores sociais.(...)
10. Tal significa, julgamos, que a relação jurídica que o credor social traz à lide no caso do artigo 163.º do Cód. Soc. Com. é aquela que se constitui com a sociedade, posto que nenhuma outra, diversa e autónoma, se constituiu com os respectivos sócios. E daqui decorre que ao credor social apenas cabe a prova dos factos constitutivos desse seu direito sobre a sociedade, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Cód. Civ..
11. Correspectivamente, aos sócios cabe invocar e provar (artigo 342.º n.º 2 do Cód. Civ.) que os credores estão impedidos de obter. naquele momento (e dizemos naquele momento, porque poderá haver activo superveniente - artigo 164.º do Cód. Soc. Com.), o ressarcimento total ou parcial do seu crédito sobre a sociedade, uma vez que da liquidação da mesma não resultou qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente.
12. A posição que ora defendemos (...) é a única que assegura ao credor insatisfeito uma situação idêntica à que se verifica caso a sociedade não estivesse extinta. Com efeito, nessa situação, caber-lhe-ia, apenas provar os factos constitutivos do seu direito para obter a condenação da sociedade; (...). Ora, tendo a sociedade sido dissolvida por deliberação dos sócios, como é o caso, e igualmente por estes líquida do o respectivo património (circunstâncias a que o credor social é alheio), não compreendemos porque razão deve ser o credor insatisfeito a suportar os custos acrescidos dessa situação no que respeita aos ónus que processualmente lhe incumbem (sendo a1iás, certo que já sofre as consequências derivadas da cessação do giro comercial da empresa).
13. Acresce que a posição de que discordamos exige ao credor social uma prova que necessariamente pressupõe um conhecimento sobre a situação económico-financeira da sociedade que ele, naturalmente, não terá, em muito dificultando ou, mesmo, inviabilizando a satisfação de um crédito que ele, efectivamente tem. Ao invés, estão os sócios na posição ideal para alegar e provar aquilo que receberam ou não receberam na partilha"
14. Ainda neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da relação e Lisboa, de 09.03.2010, disponível em www.dgsi.pt:
15. "II - Os sócios só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta se houver partilha dos bens desta e na medida dessa mesma partilha;
16. III - Trata-se por dum facto impeditivo do exercício do direito da A., matéria de excepção cujo ónus recai sobre os sócios da primeira R., e agora recorrentes responsabilidade dos mesmos, não representando a escritura prova plena quanto esses factos porque não coberta pela força probatória material que, no artigo 3712 do Código Civil, é reconhecida aos documentos autênticos.
17. IV - Ora, como se demonstrou, os RR. não conseguiram fazer essa prova, mas apenas que os próprios declaram não terem partilhado quaisquer bens da primeira R. na sequência da sua dissolução.
18. V - Face ao referido non líquet há que decidir contra quem tem o respectivo ónus.
19. (...) 3º - Como resulta e bem da sentença recorrida, as declarações prestadas pelos apelantes são da mera
20. 4º - A este respeito refira-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2008 no qual se pode ler que "os credores sociais insatisfeitos podem provar a existência de passivo, mas não estão obrigados a demonstrar que os sócios receberam certos e determinados bens pela partilha, uma vez que, nenhuma presunção decorre daquela declaração.
21. (…) Estamos pois, perante o problema de saber sobre quem recai o ónus de provar a não existência de partilha.
22. Dispõe o art.º 163.º n.º l do Código das Sociedades Comerciais/CSC que:
23. - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante da partilha (...).
24. Quer isto dizer que, os sócios só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta se houve partilha dos bens desta e na medida dessa mesma partilha.
25. Trata-se pois dum facto impeditivo do exercício do direito da A.. matéria de excepção cujo ónus recai sobre os sócios da primeira R. e agora recorrentes – art.º 342.º n.º 2 CC­
26. Não vemos como, segundo um critério de normalidade, se pode exigir ao credor a prova do que se partilhou ou a inexistência de partilha relativamente às sociedades por quotas.
27. Ora, como se demonstrou, os RR. não conseguiram fazer essa prova. mas apenas que os próprios declararam não terem partilhado quaisquer bens da primeira R. na sequência da sua dissolução.
28. Os mesmos sócios também declararam que não havia qualquer passivo e ficou demonstrado que havia uma dívida para com a A..
29. Face ao referido non liquet há que decidir contra quem tem o respectivo ónus.
30. Como lembram Antunes Varela e Pires de Lima, "o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer prova do facto como em determinar o sentido em que deve o Tribunal decidir no caso de não se fazer essa prova" - vide anotação ao art.º 234.º in Código Civil anotado por aqueles Ilustres Professores de Direito -."
31. Em suma, entende a ora Recorrente que o ónus da prova da inexistência da partilha cabe aos sócios, uma vez que estamos claramente perante um facto impeditivo do exercício do direito do credor social, pelo que o Tribunal decidiu erradamente ao atribuir à Recorrente o ónus de alegar e provar que os sócios da Requerida receberam bens por força da partilha do património desta.
32. Como é fácil de constatar, a sentença ora em mérito não aplicou de forma correcta o estatuído no artigo 342.º do Código Civil.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO MERECER INTEGRAL PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA SUB JUDICE, ORDENANDO-SE EM CONSEQUÊNCIA, O PROSSEGUIMENTO DA PRESENTE EXECUÇÃO CONTRA A ORA REQUERIDA (SOCIEDADE EXTINTA) QUE SE DEVE CONSIDERAR SUBSTITUÍDA PELA GENERALIDADE DOS SÓCIOS~ REPRESENTADOS PELOS LIQUIDATÁRIOS, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 163.º, N.ºs 2, 4 E 5, E 164.º, N.ºS 2 E 5, SEM SER NECESSÁRIA QUALQUER HABILITAÇÃO (ARTIGO 162.º DO C.S.C.), SEGUINDO-SE OS ULTERIORES TERMOS DA LEI ATÉ FINAL, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a falta de alegação, pela autora, da existência de bens da sociedade extinta na pendência da acção e a sua partilha pelos sócios é (como decidiu a 1.ª instância) ou não (como defende a apelante) causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

II. Fundamentação

Os factos a considerar na resolução da questão acabada de enunciar são os constantes do antecedente relatório, já que outros não foram dados como provados, sendo de considerar aqui como tal, para melhor precisão, face ao teor da certidão de fls. 58, não impugnada, mais os seguintes:
A) Por decisão de 23/11/2012, proferida no processo administrativo de dissolução instaurado oficiosamente em 2/10/2012, foi declarada a dissolução e o encerramento da liquidação da ré, por não exercer qualquer actividade há mais de dois anos consecutivos e não ter resultado do processo a existência de activo e passivo a liquidar.
B) Essa decisão transitou em julgado no dia 6/12/2012 e a dissolução e o encerramento da liquidação foram inscritos no registo em 17/12/2012, pela apresentação 16.

Vejamos.
Estabelece o art.º 287.º, n.º 1, al. e) do C.P.C. que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Estes casos de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir deixa de ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cfr. Alberto Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, págs. 367-373 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, 2.ª ed., pág. 555).
No presente caso, a instância foi declarada extinta, porque a autora não alegou que a ré, extinta na pendência da acção, tinha deixado bens e que eles haviam sido partilhados pelos sócios e porque a eventual responsabilidade destes dependia do que haviam recebido daquela.
Coloca-se, assim, a sub-questão do ónus dessa alegação que constitui o núcleo fulcral do recurso, tendo também relacionado o ónus da prova.
A recorrente não põe em causa a extinção da ré, ocorrida na pendência da acção.
E, de facto, assim é.
Recorde-se que a acção foi intentada em 29/7/2011, contra a sociedade ré e que esta foi extinta com a inscrição no registo do encerramento da liquidação que ocorreu em 17/12/2012.
Tal como já escrevemos no nosso acórdão de 11/9/2012, no processo n.º 81/05.0TBMAI.P2, que aqui vamos seguir, tanto mais que não há razões para alterar a nossa posição, e porque acabou de ser confirmado pelo STJ por recente acórdão de 22/5/2013, é sabido que o regime de extinção das sociedades é distinto do referente à sua fase de dissolução e liquidação. São realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos.
No regime da fase de dissolução e liquidação, a sociedade persiste, continuando a ter personalidade jurídica e judiciária, sendo distinta da dos seus sócios (art.ºs 5.º e 6.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais – CSC-, a que pertencerão os restantes sem menção de origem).
Assim, dissolvida a sociedade, esta entra em liquidação (art.º 146.º, n.º 1), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (art.º 146.º, n.º 2). Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art.º 151.º, n.º1), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art.º 152.º, n.º 3). Com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade (art.º 157.º, n.º 4) um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (art.º 157.º, n.º 1). Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação – e é com este registo que, finalmente, a sociedade exala o último suspiro, isto é, se considera “extinta, mesmo entre os sócios” e sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes (cfr. Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 3.ª ed., pág. 546).
Com a inscrição no registo do encerramento da liquidação, verifica-se a extinção, que constitui o último acto da complexa fattispecie extintiva, sendo a extinção o efeito legal daquele registo (cfr. Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, pág. 436).
É o que claramente consagra o art.º 160.º, n.º 2, ao preceituar que “A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, ainda que não se extingam as relações jurídicas de que a sociedade era titular, como flui do disposto nos art.ºs 162.º, 163.º e 164.º, mas nos exactos termos neles previstos.
Estes normativos tratam de matérias conexas, todas derivadas da subsistência de relações jurídicas depois de extinta a sociedade.
O primeiro respeita às acções pendentes, prevendo:
“1 – As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5 e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2. A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
O art.º 163.º, referindo-se ao passivo superveniente, determina no n.º 1 que “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada”. E, no n.º 2, acrescenta, na primeira parte, que “As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados legais representantes daqueles, para este efeito, incluindo a citação”; e, na parte final, que “sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles”.
Por sua vez, o art.º 164.º reporta-se ao activo superveniente, para aqui irrelevante, pelo que nos dispensamos de tecer mais considerações.
Tal como decorre do preceituado no art.º 162.º, existindo acções pendentes, verifica-se um regime de substituição da sociedade extinta, “pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários” e apenas para os efeitos do disposto nos art.ºs 163.º, n.ºs 2, 4 e 5 e 164.º, n.ºs 2 e 5.
Nestes casos, as acções continuam após a extinção da sociedade, a qual se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem que haja lugar a suspensão da instância e sem ser necessária a habilitação.
Contudo, importa ter presente que, “nos termos da lei, a sociedade se considera substituída pela generalidade dos sócios: são estes que passam a ser parte na lide, representados pelos liquidatários. Os liquidatários, que já funcionavam no processo como representantes da própria sociedade, passam a ser considerados como representantes legais da generalidade (ou seja, da totalidade) dos sócios. A lei comete-lhes o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, já vinham exercendo.
E os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha. A sua responsabilidade pessoal (falamos de sócios de sociedades de responsabilidade limitada) não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais: eles são responsáveis até esse montante.”
Das disposições legais acima referidas decorre inequivocamente, segundo cremos, que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da sua extinção e que aquela passa a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, quer do lado activo quer passivo.
E, no que toca ao passivo social, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
Todavia, para que os sócios possam ser condenados com base no disposto no art.º 163.º é necessário que se alegue e prove que a sociedade tinha bens e que esses bens foram por eles partilhados, sendo que o ónus de alegação e prova desses factos compete ao respectivo credor, por se tratar de factos constitutivos do correspondente direito (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil) - (cfr., neste sentido os acórdãos do STJ de 23/4/2008, proferido no processo n.º 07S4745 e de 26/6/2008, exarado no processo n.º 08B1184, donde foram extraídas as citações acima feitas, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, encontrando-se o segundo também publicado na CJ – STJ - ano XVI, tomo II, págs. 138-141, e ainda, os acórdãos desta Relação de 30/4/98, sumariado no BMJ 476/490 e de 5/7/2012, lavrado no processo n.º 316/2001.P1, acessível no correspondente sítio em www.dgsi.pt).
Ainda neste sentido, foi proferido o recente acórdão do STJ de 12/3/2013, no processo n.º 7414/09.9TBVNG.P2.S1, disponível no mesmo sítio da internet, que concluiu nos seguintes termos tal como consta do respectivo sumário: “Uma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade”.
No caso destes autos, a ré era uma sociedade por quotas, pelo que se encontra excluída a responsabilidade ilimitada dos seus sócios.
Com efeito, neste tipo de sociedades, o capital social está dividido em quotas e os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, mas não são obrigados a outras prestações, excepto quando a lei ou o contrato, autorizado por lei, assim o estabeleçam; só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, embora seja lícito estipular no contrato que um ou mais sócios, além de responderem nos termos referidos, respondem também perante os credores sociais até determinado montante (art.ºs 197.º e 198.º).
Como não se mostra alegado que do contrato social se tenha estipulado algo sobre o agravamento da responsabilidade dos sócios relativamente aos credores sociais, a conclusão a retirar será que a responsabilidade social dos sócios se encontra limitada por aqueles parâmetros.
Aliás, a única demandada foi a ré, a qual foi dissolvida, tendo a sua liquidação sido declarada encerrada, por inexistência de activo e passivo a liquidar, que foi registada em 17/12/2012, através da apresentação 16/20121217, na sequência de procedimento administrativo desenvolvido pela respectiva Conservatória. Nesse procedimento, deu-se cumprimento ao disposto no art.º 11.º, n.º 4 do RJPADLEC (Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais), anexo ao DL n.º 76-A/2006, de 29/3, que estabelece: “Se do requerimento apresentado, do auto elaborado pelo conservador ou dos demais elementos constantes do processo resultar a inexistência de activo e passivo a liquidar, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial”.
Desconhece-se se existiu partilha dos bens sociais.
É certo que, na decisão do procedimento administrativo oficiosamente instaurado, se refere “não ter resultado do processo a existência de activo e passivo a liquidar”. Porém, isso não significa que, na realidade, não tenha existido uma partilha de bens entre os sócios, já que apenas se poderá ter como assente o que consta daquela declaração, mas não a sua exactidão.
Contudo, teria que ser a autora a alegar e provar a existência de tais bens e a sua partilha entre os sócios para os poder responsabilizar.
Sucede que a autora nada alegou nesse sentido e aceita a dissolução e a liquidação nos termos em que foram feitas.
Porque a ré foi extinta e dado que a responsabilidade dos seus sócios era limitada ao que eventualmente receberam na sua liquidação, foi a autora notificada para esclarecer se foi ou não declarada a existência de activo social.
Na sequência dessa notificação, a autora limitou-se a informar o que já se sabia, ou seja, que a dissolução da ré resultou de um processo administrativo e não da declaração de qualquer sócio, omitindo o esclarecimento pretendido.
Não há dúvida de que, tendo sido extinta, a ré perdeu a personalidade jurídica e judiciária, sendo insusceptível de qualquer condenação, não obstante a manutenção das relações jurídicas de que era titular, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 163.º.
A intervenção dos sócios, para com eles poder prosseguir a acção, como verdadeira parte, em substituição da ré, após o registo do encerramento da sua liquidação e da inerente extinção, dependia da alegação de que haviam recebido bens na partilha do património da sociedade.
Acontece, porém, que a autora não alegou, muito menos provou, que a extinta sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito.
Competia à autora alegar, para depois poder provar, aqueles factos, visto que, operada a substituição da sociedade pelos sócios e estando a responsabilidade destes legalmente definida, se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam na partilha».
Tal alegação devia ter sido feita, logo que tomou conhecimento do registo do encerramento da liquidação da ré, da extinção da sociedade que esse registo implica e da consequente substituição pelos sócios, em articulado superveniente, nos termos do art.º 506.º do CPC, ou quando para tal foi expressamente notificada.
Não o tendo feito, não pode obter a condenação dos antigos sócios da ré, que nem sequer pediu, não bastando, para tanto, o pedido de citação dos mesmos, muito menos da sociedade que se encontra extinta.

Não faz, por isso, qualquer sentido o prosseguimento da acção contra a ré, pois com a sua extinção ocorreria a sua substituição pelos seus sócios, que passariam a ser parte na lide, mas apenas para poderem responder nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 163.º.
A extinção da ré na pendência da acção, com o seu inerente desaparecimento, e a falta de alegação de factos sobre a atribuição de bens, na sequência da liquidação da sociedade, aos sócios, contra os quais não foi deduzido qualquer pedido, torna a decisão a proferir despida de qualquer efeito útil, tornando-se, por isso, a instância inútil ou mesmo impossível.
Com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que o ónus de alegação e prova de que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados pelos sócios compete ao respectivo credor, por se tratar de factos constitutivos do correspondente direito, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, como supra se referiu, e não aos sócios da sociedade extinta, em virtude de se tratar de factos impeditivos, como sustenta a autora/recorrente, socorrendo-se das decisões que transcreve parcialmente nas suas alegações e repete nas conclusões.
Para além de tais arestos dizerem respeito a realidade diversa, o ónus de alegação e prova é sempre do credor, por se tratar de factos constitutivos do direito por si invocado.
Por maioria de razão o será nos casos, como o presente, em que a acção é proposta contra a sociedade, entretanto dissolvida e liquidada, e consequentemente extinta, na pendência da acção, e em que contra os sócios não é dirigido qualquer pedido, nem é alegado que receberam quaisquer bens, factualidade indispensável para que possam ser responsabilizados ao abrigo do disposto no art.º 163.º.
Admitir que o ónus de alegação e prova de tais factos era dos sócios da sociedade extinta, equivalia a onerar uma parte que nem sequer foi demandada e a deixar prosseguir uma acção sem sujeito, sem pedido e sem causa de pedir, necessários à condenação dos substitutos da ré, o que cremos ser legalmente inadmissível!

Não colhe, pois, a argumentação tecida pela autora/recorrente e improcede tudo o que em contrário alegou e concluiu na sua minuta recursiva, o que determina a improcedência da apelação e a confirmação da sentença recorrida.

Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC:
I. Em acção instaurada contra uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, uma vez extinta, só pode haver substituição pelos seus sócios se o credor, visando a responsabilidade destes, alegar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito.
II. A falta de observância desse ónus de alegação, por sua iniciativa, após o encerramento da liquidação e em articulado superveniente, ou na sequência da notificação feita nesse sentido, importa a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

III. Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 4 de Junho de 2013
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
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[1] Escreveu-se “exequente” e “sócia gerente da executada pela dívida exequenda”, certamente por lapso, já que não estamos em sede de execução, mas de acção declarativa, devendo querer dizer-se “autora” e “sócios gerentes da ré pela quantia pedida”.
[2] Apesar disso, e não obstante a técnica errada de repetir as alegações e transcrever a decisão recorrida, bem como os sumários e trechos dos acórdãos que cita, não se observou o disposto no art.º 685.º-A, n.º 3, do CPC para evitar mais delongas e porque raramente surte efeito o correspondente convite.