Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2997/11.6TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CASO JULGADO
EXCEPÇÃO
AUTORIDADE
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201403132997/11.6TBMTS.P1
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nada impede a invocação duma excepção não deduzida [na oposição à execução] (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido” ou (e) à condenação do exequente numa indemnização ao executado.
II - A sentença proferida sobre uma oposição de mérito [à execução] é […] dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando fôr de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da pretensão executiva ou excepção peremptória contra ela), não impedindo nova acção de apreciação baseada em outra causa de pedir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção ordinária 2997/11.6TBMTS do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

O B…, SA, requereu, em 03/09/2008, nos juízos do TJ da Maia, execução (que ficou com o n.º 7583/08.5TBMAI) contra C… e D…, para pagamento de 444.724,43€, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, servindo de títulos executivos escrituras públicas de contratos de mútuo celebrados com os executados, em 25/01/2002 e 18/10/2005, nos montantes de 198.953,05€ e 250.000€, respectivamente; no requerimento executivo foi invocado o incumprimento daqueles contratos.
Os executados deduziram oposição à execução por requerimento que deu entrada em 26/05/2009, dizendo, no essencial, que: em relação ao segundo contrato (de 2005) desde a assinatura do mesmo aconteceram graves divergências entre exequente e executados pois os executados sempre foram cumpridores das suas obrigações; foi o B… que não cumpriu as condições acordadas nos contratos, nomeadamente nas taxas de juros que estavam a ser cobradas, e ao longo dos anos não lhes enviou a documentação necessária referentes aos pagamentos efectuados para efeitos de IRS; nem o B… apresentou a totalidade das responsabilidades que a sua sociedade teria para com ele, razão pela qual, no próprio dia da escritura os executados só após muitas promessas é que aceitaram assinar o contrato, pois julgavam estar a tratar com pessoas de bem e de boa fé, de onde resultaria que no domínio de relações entre B… e executados, foram os executados enganados; a questão é a de saber se a execução apesar de se alicerçar em contratos de mutuo e de respectivas hipotecas e de serem títulos executivos, basta para se considerar que estamos perante e exequibilidade dos títulos; sem prescindir…, dizem, a quantia exigida é incerta, e há factos modificativos da obrigação nos termos da alínea e) e g); o B… até à presente data nada fez para satisfazer as pretensões dos executados, pois se o fizesse certamente já teria recebido as quantias; os executados nunca se recusaram a cumprir as suas obrigações, o que estão dispostos a fazer desde que o B… cumpra o acordado.
A oposição do executado foi indeferida liminarmente por extemporânea.
Na contestação à oposição, o B… veio impugnar os pagamentos invocados pelos executados, os incumprimentos que lhe eram imputados e as falsidades das invocações e insinuações restantes.
Em 03/05/2011, os executados vieram intentaram a presente acção contra o B…, pedindo que seja: (i) declarado que o contrato de mútuo com hipoteca que as partes outorgaram por escritura de 18/10/2005 é nulo e de nenhum efeito (ou padece do vício da anulabilidade), ou, subsidiariamente, que o B… seja condenado a entregar aos autores 250.000€; (ii) que se declare que as prestações em dívida pelos executados ao B… relativas ao contrato outorgado em 25/01/2002, não são exigíveis até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos; (iii) que seja ordenado o cancelamento do registo da hipoteca constituída pela escritura de 18/10/2005; e, por último, (iv) o B… seja condenado a pagar uma indemnização aos executados pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, que venham a sofrer em consequência da execução contra eles instaurada pelo B…, e que a presente acção não possa evitar.
Alegam em síntese, que em 18/10/2005 executados e B… celebraram uma escritura pública denominada de "mútuo com hipoteca”, nos termos do qual aqueles se confessaram devedores ao B… de 250.000€, por empréstimo que o mesmo lhes concedeu, a liquidar em 25 anos; em 03/09/2008, o B… intentou a referida execução a qual se fundou em alegados incumprimentos, por parte dos autores, do contrato de mútuo identificado; nela o B… alegava que os executados só pagaram as prestações que se venceram até Outubro de 2006, e que nada mais pagaram, porém a verdade é que os executados não pagaram nenhuma das prestações que, segundo a letra do contrato outorgado, se teriam vencido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006, e não as pagaram, nem as que se venceriam posteriormente, porque nada devem ao B… com base nesse declarado contrato; com efeito, aquando da outorga da escritura de 18/10/2005, os executados eram sócios de uma sociedade comercial, que passava por inesperadas dificuldades económicas e financeiras, para superar as quais o B… acedeu em abrir um crédito de 250.000€, em favor dos executados, em forma de conta corrente caucionada por mais uma hipoteca a constituir pelos executados sobre um prédio destes; através deste esquema os executados financiariam a sociedade com os meios financeiros que o B… lhes disponibilizaria; mas, ao contrário do que consta da escritura o B… não emprestou tal quantia aos autores, nem nunca lhes entregou tal quantia, nem creditou, por esse valor, qualquer conta de depósitos dos executados, nem estes utilizaram semelhante quantia, nem sequer autorizaram qualquer operação de crédito, débito ou compensação, que significasse a utilização da mesma; poucos dias após a outorga da escritura, os executados ficaram a saber que o B… o que pretendia era liquidar dividas daquela sociedade com o empréstimo que nunca lhes fizera, ficando os executados com a obrigação de pagar as dividas que assim tinham sido saldadas; o modo como o B… convenceu os executados a outorgar a escritura de 18/10/2005 traduz-se num artifício ilícito, que integra o disposto no art. 253 e cujos efeitos são os previstos nos arts 254, 287 e 289, todos do Código Civil; por outro lado, o contrato de mútuo só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa; sem essa entrega, o contrato é nulo ou então não foi cumprido pelo B… e os autores não estarão obrigados a cumprir a sua parte.
O B… contestou esta acção, entre o mais excepcionando a litispendência com a oposição, na medida em que a oposição à execução, sendo o meio adequado e idóneo à alegação por parte dos executados de todos os factos cuja prova conduz à improcedência do pedido exequendo, não pode ser posta em crise pela dedução de acção declarativa posterior. Toda a matéria invocada na presente acção teria de ser invocada em sede de oposição à execução.
Entretanto a execução prosseguiu os seus termos, tendo sido, já na pendência desta acção, proferida sentença, com trânsito em julgado (em 14/12/2011), na oposição à execução, a qual julgou a mesma improcedente e determinou o prosseguimento da execução. Por isso, o B… veio dizer que a excepção de litispendência se convolava na de caso julgado.
Nessa sentença diz-se o seguinte na parte que pode interessar aos autos:
A questão que importa solucionar circunscreve-se a saber se a exequente exigia o pagamento de juros superiores aos contratados nos acordos que fundamentam a presente execução e se a executada foi "iludida" a assinar o documento dado à execução e datado de 18-10-2005.
[…]
[…] constata-se que não resultou provado em sede de audiência de discussão e julgamento a versão apresentada pela oponente. […]
[…]
Assim, considerando que a executada não logrou provar a factualidade acima descrita e sendo a esta a quem incumbia o ónus de prova (art. 342 do CC), terá, desde logo, de proceder o pedido formulado nestes autos.”
No despacho saneador foi julgada verificada a excepção de caso julgado e, em consequência, absolveu-se o B… da instância.
Os executados/autores interpuseram recurso - para que esta decisão seja revogada e o processo prossiga -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões úteis:
“[…]
4ª Os autores opuseram-se a essa execução dizendo, singelamente, que existia uma incerteza respeitante à quantia exigida correlacionada com factos modificativos da obrigação nos termos dos arts 814/alíneas e) e g) do CPC, a aplicação errada de taxa de juro acrescida apesar da não existência de qualquer incumprimento por parte dos autores e a inexequibilidade dos títulos executivos, mas não provaram estes factos pois não produziram prova.
5ª o despacho saneador […] diz-se que a excepção de caso julgado não é afastada pela circunstância de se tentar aqui fazer vingar argumentos que não foram invocados no local próprio e no momento oportuno. Por isso o tribunal concluiu que “…o caso julgado terá que abranger as excepções deduzidas e dedutíveis no âmbito da oposição à execução.”.
6ª Apesar do juízo de valor que fez, antes disso o tribunal não fez, como devia, a demonstração de que aquilo a que chamou argumentos não eram factos - que são coisas diferentes. Na verdade, o argumento é o mesmo que raciocínio, enquanto o facto implica o juízo. Por isso o tribunal deveria ter demonstrado que estávamos perante argumentos e não factos indiciadores de que não havia identidade de sujeitos, causa de pedir e pedidos, não cumprindo assim os postulados do Estado de Justiça, consagrados em princípios e direitos, nos arts. 1, 2, 3, 20/1 e 202, nº.s 1 e 2 da Constituição.
7ª Lendo-se as peças de ambos os processos, desde logo salta à vista que, apesar da identidade de sujeitos, no que respeita às causas de pedir e aos pedidos as diferenças são enormes, como se recolhe da comparação entre os respectivos articulados, impossíveis de especificar em conclusões (sob pena de perversão da noção de conclusão), no que tange às posições dos autores.
8ª Na verdade, na oposição à execução anterior os autores limitaram-se a contrapor os argumentos descritos na conclusão 4ª, enquanto nos presentes autos os autores alegam factos que, caso se provem, podem relevar nos domínios do instituto da nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, em favor dos autores, nomeadamente por actuação dolosa do réu; no do direito à excepção de cumprimento dos contratos por parte dos autores por nunca lhe ter sido colocada à disposição a quantia alegadamente mutuada, no do princípio da boa-fé contratual e pré-contratual; e no do direito a indemnização por danos causados aos autores.
9ª Os factos que relevam nestes domínios […] estão suficientemente descritos na petição e não constam, salvo num ou noutro pequeno detalhe, da oposição à execução, e, com base neles, foram formulados os pedidos evidenciados na petição, em que nenhum deles corresponde a pedido que os autores tenham feito na acção anterior, na qual nem formularam pedido algum, sendo certo que não há coincidência de causas de pedir, até pelo facto, de, na oposição à execução, não haver propriamente causa de pedir (apenas alusões conclusivas).
[…]
11. […] O tribunal recorrido não fez o uso devido do disposto no art. 202/2 da Constituição, relevando os factos alegados à luz das normas ("inter alia") invocadas […], pois, caso o tivesse feito, teria concluído pela inexistência de caso julgado. […]”
O réu contra-alega concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso, secundando, no essencial, os argumentos da decisão recorrida.
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Questões a decidir: se não se verifica a excepção do caso julgado; se se verifica alguma inconstitucionalidade.
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O saneador julgou procedente a excepção do caso julgado com base, no essencial, no seguinte:
“A excepção do caso julgado traduz-se na imposição absoluta de uma determinada decisão a todos os tribunais, quando sejam chamados a pronunciar-se sobre a mesma relação jurídica controvertida, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social. O caso julgado tem como fundamento último garantir um mínimo de certeza do Direito e de segurança jurídica, indispensável ao comércio jurídico e à aplicação da Justiça.
O instituto do caso julgado encerra em si duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (cfr. ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/09/2011, in dgsi.pt).
A segunda vertente enunciada prende-se com o conceito de caso julgado material, que impõe a decisão com força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que outro tribunal possa definir em termos diferentes o direito aplicável à relação material litigada.
Diferentemente, o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz altere a decisão, embora não impeça que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes.
A sentença produz sempre, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art. 672).
Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual, distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado).
Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificadores da acção em que foi proferida a sentença, as partes, o pedido e a causa de pedir (arts 497 e 498) e só na exacta correspondência do seu comando.
Todavia, para além do elemento formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, a jurisprudência tem considerado que deve funcionar simultaneamente como critério aferidor do caso julgado um elemento material, traduzido na possibilidade de o tribunal ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, nos termos consignados no art. 497/2 do CPC. O que releva em primeira e última instância, para além de qualquer elemento meramente formal, é a possibilidade de o tribunal se contradizer ou reproduzir decisão anterior (conferir, entre outros, acs. do STJ de 8/04/1997; de 6/06/2000; de 13/05/2003; de 29/04/1999; e de 2/11/2006, todos publicados em www.dgsi.pt).
Por outras palavras, o alcance e autoridade do caso julgado não se pode limitar aos estreitos contornos definidos nos arts 497 e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente”.
Na definição da identidade das partes, há que atender à qualidade jurídica em que autor e réu intervêm.
As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. Não tem de existir coincidência física, sendo indiferente a posição que assumam em ambos os processos. Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as mesmas assumam em ambos os processos.
Na definição da identidade do pedido, há que atender ao objecto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem.
A segunda acção proposta não poderá exercer uma função limitativa da primeira, nem reportar-se a uma parte não individualizada do objecto do direito (cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, vol. II, Coimbra Editora, p. 320/321). Não deixa de ser idêntico o pedido, embora apenas parcialmente, quando numa segunda acção se pede menos do que o que foi pedido e reconhecido na primeira.
Além disso, não poderá criar uma situação contraditória com a que primeiramente é definida (ex. pedido de declaração de inexistência do direito reconhecido).
Por último, preclude as excepções invocadas ou invocáveis contra o pedido deduzido, assim obstando a que se proponha nova acção com fundamento na excepção peremptória já invocada, ou em excepção que devesse ter sido invocada na primeira acção.
Este efeito preclusivo dos meios de defesa que podiam ou deviam ser deduzidos na contestação tem sido integrado pela doutrina no âmbito do caso julgado, o qual abarca não só o que foi objecto de discussão no processo, mas também tudo aquilo que, a ela respeitando, tivesse o réu o ónus de submeter também à discussão.
No caso em apreço, é manifesto que, tendo os autores deduzido oposição à execução no âmbito do processo 7583/08.5TBMAI […] a qual foi julgada improcedente, por sentença transitada em julgado, não podem agora deduzir nova defesa, não invocada naquela oposição.
De facto, a oportunidade de dedução de oposição à execução no âmbito daquele processo esgotou o direito de defesa dos autores, impedindo-os de deduzir nova acção declarativa destinada a invocar outros factos não alegados naquela oposição.
Tendo a questão sido definitivamente julgada naqueles autos, por sentença transitado em julgado, não se pode vir suscitar novamente a questão em acção autónoma, repetindo a pretensão formulada (que tanto nesta acção como naquela visava a extinção do direito de crédito do réu), embora com outros fundamentos.
Se assim não fosse, estaríamos a admitir a possibilidade de discutir interminavelmente, através de acções declarativas sucessivas, o direito de crédito invocado, bastando para tal a invocação de causa de nova pedir.
Temos, assim, que concluir que, no caso em apreço, o caso julgado terá que abranger as excepções deduzidas e dedutíveis no âmbito da oposição à execução.
A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto (cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, págs. 178 e segs).
Por tudo o exposto, entendemos que, efectivamente, ocorre excepção de caso julgado, não sendo processualmente legítima a pretensão dos autores de colocar em crise a decisão proferida na oposição à execução.”
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Todas as considerações gerais tecidas neste saneador recorrido estão correctas em termos gerais, mas, em relação às sentenças das oposições às execuções, há que ter em conta as ressalvas que Lebre de Freitas (base daquelas considerações) fazia.
Antes de continuar, diga-se que o regime que está em causa é o do CPC61, na redacção que estava em vigor à data, e não o novo do CPC2013, onde agora existe uma norma, que é a do nº. 5 do art. 732 do CPC2013, que resolve parte da questão [este artigo não o diz, mas está a referir-se ao caso julgado material, como é pressuposto por Lebre de Freitas, A acção executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 216].
As ressalvas referidas são, por um lado, as que se referem às preclusões; dizia Lebre de Freitas (A acção executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, págs. 190/191):
“12.4.2
[..]
[…] na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invo­car no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. […]. Com uma diferença, porém, relativamente ao processo declarativo: enquanto neste o efeito preclusivo se dissolve, com a sentença, no efeito geral do caso julgado, tal não acontece no processo executivo, em que não há caso julgado, pelo que nada impede a invocação duma excepção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido.” [os itálicos são do próprio autor – que em texto das págs. 193/194 e em notas (64) e (65) vai referindo também a possibilidade daquela decisão poder também conduzir à condenação do exequente numa indemnização ao executado].
E são, por outro lado, as que se referem ao caso julgado; dizia Lebre de Freitas:
“12.43. Formação de caso julgado
[…] Constituindo a oposição à execução uma acção declarativa, a deci­são nela proferida será dotada dos atributos do caso julgado material? [em nota acrescenta: A questão é independente da da formação de caso julgado na própria acção executiva e assume sobretudo relevo quando a esta é dada uma resposta negativa]
A questão é controvertida.
[…], a doutrina divide-se entre aqueles que circunscrevem ao processo executivo, baseado num título executivo determinado, a eficácia do caso julgado formado na acção de oposição e os que atribuem à decisão da opo­sição de mérito eficácia de caso julgado material.”
E depois, tomando posição (págs. 194/195 - em termos que a seguir se adaptam de modo a evitar as considerações que não têm importância para o caso dos autos):
Defende a formação de caso julgado na acção de embargos de executado, tendo como pressuposto que, ao estatuir que a oposição do executado dá lugar a uma acção declarativa que, a partir dos articulados, segue a forma de processo ordinário ou sumário, consoante o valor, a lei processual estabelece para os embargos de executado uma forma quase tão solene como a do processo comum. Uma vez que o princípio do contraditório nela é plenamente assegurado, não se justifica admitir posteriormente outra acção com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda. É assim possível concluir que, no caso de oposição de mérito, a procedência dos embargos não se limita a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objectivos definidos pelo pedido executivo, goza de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica de direito substantivo reinante entre as partes (no caso, por exemplo, do pagamento de dívida constante do título, a sentença não declara tanto que a execução não é já possível com base nesse título como que a obrigação exequenda está extinta pelo facto do pagamento, só indirectamente [em nota escreve, entre o mais, ainda com adaptações: Não se trata, pois, de atribuir aos fundamentos da sentença da oposição a força de caso julgado, que, no nosso direito, os fundamentos, em regra, não têm […]: a apreciação da subsistência do direito exequendo é o próprio objecto da oposição; a eliminação da eficácia executiva do título é uma sua consequência] daí resultando a ineficácia do título). A sentença proferida sobre uma oposição de mérito é, pois, dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando fôr de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da pretensão executiva ou excepção peremptória contra ela), não impedindo nova acção de apreciação baseada em outra causa de pedir [em nota acrescenta: A preclusão do direito de invocar outras excepções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente, mas não opera para além dele (supra, 12.4.2)]. [os sublinhados foram introduzidos neste acórdão]
Dito de outro modo (Lebre de Freitas, a anotação ao ac. do STJ de 11/07/2006, processo 2342/06, publicada nos Cadernos de Direito Privado, nº. 26, 2009, págs. 35 a 47, especificamente pág. 43; os sublinhados são agora introduzidos):
Assim, não é admissível que em acção declarativa posterior se venha pôr em causa a decisão proferida nos embargos de executado sobre a existência da obrigação exequenda: sendo os embargos […i]mprocedentes, não será possível, na nova acção, sustentar que a obrigação exequenda afinal não existia, por não se verificar o mesmo fundamento da pretensão executiva que nos embargos foi julgado verificar-se ou por se verificar a mesma excepção peremptória que nos embargos foi julgado que não ocorria.
[em nota acrescenta: A decisão de procedência da acção forma caso julgado absoluto, enquanto a decisão de improcedência forma caso julgado relativo, não impedindo a propositura de nova acção em que o mesmo pedido se baseie em outra causa de pedir […] Aplicando este esquema à oposição à execução que vise negar a existência da obrigação exequenda (acção de apreciação negativa), a causa de pedir consiste no fundamento para tanto invocado (por exemplo, determinada causa de nulidade do contrato ou o pagamento da dívida), pelo que é, depois da sentença de improcedência, admissível uma acção em que a existência da mesma obrigação seja negada com outro fundamento (outra causa de nulidade ou a prescrição, por exemplo), sem prejuízo de os fundamentos de oposição à execução não invocados não poderem mais ser feitos valer, directa ou indirectamente, no âmbito do processo executivo, onde a sentença proferida na nova acção não terá qualquer eficácia […]]
A posição de Lebre de Freitas torna-se ainda mais clara com a concretização dela num exemplo dado por Jorge de Almeida Esteves (A formação de caso julgado na decisão de oposição à execução, Themis, 2010, nº. 18, pág. 68):
“Tendo sido instaurada uma acção executiva com base num determinado contrato para obter o pagamento de uma quantia monetária e tendo o executado deduzido embargos nos quais invocou a anulabilidade do negócio, esta decisão produziria efeitos de caso julgado no que à questão da anulabilidade respeita.[o sublinhado foi agora introduzido]
E pode-se ver concretizada no ac. do TRP de 11/09/2012 (7073/08.6TBMTS-B.P1) em que para se fazer a afirmação da procedência da excepção de caso julgado se compararam os fundamentos da oposição à execução com os da acção declarativa.
Ou seja, para Lebre de Freitas o caso julgado material da sentença proferida sobre uma oposição de mérito na acção de oposição circunscreve--se nos termos gerais pela causa de pedir invocada (pelo executado na petição de oposição) e a preclusão não tem efeitos para além do processo executivo.
Assim, seguindo esta posição, para se concluir que no caso dos autos a sentença proferida na oposição possibilita a dedução da excepção de caso julgado, teriam que se comparar os fundamentos invocados pelos executados na oposição, com a causa de pedir por eles invocada nesta posterior acção declarativa, não se podendo dizer, como o faz o saneador recorrido, que os fundamentos que eles podiam ter deduzido na oposição, mas não deduziram, ficaram precludidos e já não podem ser invocados nesta acção declarativa.
A posição de Lebre de Freitas (seguida por grande parte da jurisprudência - veja-se, por mais recente, o ac. do STJ de 16/02/2012, 286/07.0TVLSB.L1.S1: V - Se a causa de pedir dos embargos […] não foi a suscitada em acção declarativa – […], a[…] sentença[…] nos mesmos proferida[…] não t[e]m força e autoridade de caso julgado material e nada impede a propositura de uma acção, com o fito na restituição do indevido (art. 476/1 do CC); XVI - A falta de invocação de factos integradores de uma excepção – que não respeite à configuração da relação processual executiva – em embargos de executado não impede a sua invocação noutro processo, designadamente na acção referida em XI, nem constitui confissão dos factos alegados na execução; este acórdão também está publicado na ROA 2012, II/III, págs. 763 e segs, com anotação desfavorável coincidente com a posição da parte que ficou vencida nesta questão), é a que vai mais longe no sentido de as questões concretas invocadas pelos executados na oposição se poderem considerar decididas em definitivo e não poderem ser discutidas de novo numa posterior acção declarativa.
Pois que outros autores, consideram que a oposição à execução não é configurada como uma acção declarativa autónoma, em que o objecto do processo é definido pelo oponente, mas antes como uma contestação do direito que se pretende fazer valer por via da execução, sendo o objecto do processo de oposição constituído pelo pedido e causa de pedir invocados pelo exequente, pelo que o invocado pelo executado surge como uma excepção e não como objecto do processo. E, por isso, no exemplo dado acima da questão da anulabilidade, o caso julgado não abrangeria a questão da anulabilidade em si mesmo considerada, na medida em que ela não integraria o objecto da oposição; o caso julgado não é sobre a questão que constitui o fundamento da oposição. Ou seja, o regime legal restringe o objecto da oposição no âmbito da execução, do pedido e da causa de pedir invocados pelo exequente, restrição esta que acautela a possibilidade de se poderem discutir autonomamente outras questões em sede declarativa, nomeadamente aquelas que na oposição à execução foram invocadas a título de excepção (é a posição de Jorge de Almeida Esteves, no estudo citado acima, págs. 68 a 74, o qual sugere que foram estas considerações que serviram de base aos acórdãos de que ele faz uma resenha naquele estudo) [o sublinhado foi introduzido agora].
Num outro estudo (de Carlos Oliveira Soares - O caso julgado na acção executiva, Themis, 2003, nº. 7, págs. 241 a 259, especificamente na pág. 242), colocam-se, entre outras hipóteses, estas três:
3. C3 move uma acção executiva contra D3 fundada num documento escrito que formaliza um contrato de mútuo. O executado opõe-se à execução invocando o pagamento da divida. A oposição é julgada improcedente e, após a entrega a C3 do dinheiro resultante da penhora de depósito bancário, a execução extingue-se. Poderá D3, mais tarde, propor uma acção de restituição do indevido contra C3, pedindo a anulação desse contrato por coacção e a restituição da quantia recebida por C3 na precedente acção executiva?
4. C4 propõe uma acção executiva contra D4, o qual não deduz oposição. O produto da venda dos bens penhorados a D4 é entregue a C4 e a execução extingue-se. D4 vem a saber, mais tarde, que a obrigação havia já sido cumprida por T1. D4 poderá reaver o valor com que C4 se locupletou?
5. D5 deduz oposição à execução que contra si foi proposta por C5, com fundamento em que a obrigação se encontra extinta pelo pagamento voluntário. A oposição é julgada improcedente por falta de demonstração da verificação do pagamento, e C5 vem a lograr, na execução, o pagamento coercivo. Mais tarde, D5 obtém um documento de que não tinha podido fazer uso na oposição à execução e que prova o pagamento alegado. Poderá reaver o valor com que C5 se locupletou?
Na lógica do que se diz atrás, o autor deste estudo, na pág. 259, embora aceite que a sentença que decide uma oposição de mérito à execução faz caso julgado material (vejam-se as págs. 256 a 258), conclui que em todos eles o caso julgado não servirá de fundamento à defesa do réu na segunda acção, acrescentado em relação à hipótese 3: “o caso julgado da oposição não impede, nos termos gerais, a propositura de uma nova acção declarativa com outra causa de pedir: cfr. Lebre de Freitas, A acção executiva…”. [o sublinhado foi agora introduzido]
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Assim sendo, o que importa ao caso dos autos é comparar aquilo que foram efectivamente [não os que podiam ter sido e não foram] os fundamentos da oposição, com os fundamentos desta acção declarativa.
Ora, aquilo que, da oposição à execução, poderá ter a ver com a causa de pedir invocada nesta acção, é a alegação, sintetizada acima, de que o B… não teria cumprido uma obrigação de apresentação de dados que seriam necessários para os executados assinarem o contrato e que estes mesmo assim teriam assinado o contrato, por julgarem estar a tratar com pessoas de bem e de boa fé, de onde resultaria que teriam sido enganados, podendo ver-se aqui a alegação de um vício na formação da vontade de celebração do contrato – erro sobre os motivos provocado por dolo (art. 252 do CC) ou de uma declaração de vontade determinada por dolo (arts. 253 e 254, ambos do CC) – por mais incompleta ou inconcludente que ela pudesse ser. Isto embora se possa discutir se era isso mesmo que os executados pretendiam colocar em jogo, já que logo a seguir eles se dizem prontos a cumprir o contrato se o B… cumprisse, por sua parte, o acordado.
Só que esta eventual causa de anulabilidade do contrato não é a mesma que está em causa na petição inicial desta acção declarativa, que trata antes de um eventual erro na declaração (art. 247 do CC) ou de um eventual erro no objecto do negócio (art. 251 do CC) ou de uma vontade determinada por dolo diferente do que foi antes alegado (arts. 253/254 do CC).
Na outra parte da oposição, o que se discutia eram os alegados incumprimentos dos contratos por parte do B…, matéria esta que não é objecto desta acção declarativa.
Assim sendo, não há identidade (de pedido e de causas de pedir) entre aquilo que se discutiu na oposição à execução e aquilo que se discute agora nesta acção declarativa. Pelo que não existe o caso julgado material invocado como fundamento do saneador recorrido.
Não deixe de se dizer, ainda, que a questão de mérito nunca chegou sequer a ser discutida com o executado porque a petição deste foi logo liminarmente indeferida e os indeferimentos liminares nunca fazem caso julgado material (o art. 671/1 do CPC61, na última redacção, falava das sentenças e dos despachos saneadores que decidem do mérito da causa, não dos indeferimentos liminares), pelo que quanto a ele a excepção de caso julgado nem sequer se podia pôr.
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A questão da inconstitucionalidade fica prejudicada.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão que julgou procedente a excepção de caso julgado, substituindo-a por esta outra que a julga improcedente.
Custas do recurso pelo réu.

Porto, 13/03/2014
Pedro Martins
Judite Pires
Teresa Santos