Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
365/13.4TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RP20140317365/13.4TTVNG.P1
Data do Acordão: 03/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O nº 7 da clª 74ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº 9, I série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição «especial» – que acresce à retribuição normal ou de base –, tendo em conta as características e condições em que os trabalhadores motoristas de TIR prestam a sua atividade. Tal retribuição não tem a ver com a efetiva realização de trabalho extraordinário e a referência a «trabalho extraordinário» na referida cláusula prende-se, tão só, com o modo de cálculo da mesma e nada mais.
II - A prestação especial prevista na referida cláusula integra o conceito de retribuição a que alude o artigo 258º do CT/2009.
III - A suspensão operada pelo artigo 7º, nº 4 da Lei nº 23/2012, de 25.06, apenas se reporta ao pagamento da remuneração a título de trabalho suplementar, e nada mais, mantendo-se a clª 40ª do CCT intocável no que respeita ao cálculo da «retribuição especial» prevista na clª 74ª nº 7 da convenção coletiva de trabalho.
IV - A Lei n°23/2012, de 25.06, deixou intocável o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129º, nº l, al. d), do CT/2009.
V - A aplicação do artigo 268º do CT/2009, na redação dada pela Lei nº 23/2012, à clª 74ª nº 7 do CCT implica a violação do referido princípio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º365/13.4TTVNG.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1184
Adjuntas: Dra. Paula Leal de Carvalho
Dra. Maria José Costa Pinto

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

B… instaurou, em 27.03.2013, no Tribunal do Trabalho de Gaia, contra C…, S.A., acção declarativa de condenação, com processo comum, na defesa de direitos respeitantes aos interesses colectivos dos trabalhadores que representa, pedindo sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no nº7 da clª74ª do CTT, bem como a condenação da Ré a devolver os valores retirados à remuneração em causa a cada um dos seus trabalhadores filiados no Autor.
O Autor é uma associação sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exercem a actividade profissional no sector dos transportes rodoviários e urbanos. Na sua relação de trabalho com a Ré, os referidos trabalhadores, sócios do Autor, encontram-se abrangidos pelo CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, de 08.03.1980 e no BTE nº16, de 29.04.1982 e posteriores alterações. O Autor encontra-se filiado na FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações/CGTP, que sucedeu à FESTRU. A Ré encontra-se filiada na ANTRAM. Os associados do Autor, classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia – clª74º, nº7 do CCT. É hoje matéria assente na Jurisprudência que a referida retribuição é devida mensalmente em relação a 30 dias, devendo também ser paga nos meses em que os trabalhadores se encontrem em gozo de férias, e incluída nos subsídios de férias – acórdão do STJ de 09.06.2010. Acontece que a partir de Agosto de 2013, a Ré começou a pagar aos motoristas do serviço TIR, uma importância abaixo do que vinha pagando a título de retribuição prevista no nº7 da clª74ª, quando a mesma nada tem a ver com a remuneração a título de trabalho suplementar, significando, tão só, que a remuneração não pode ser inferior à correspondente ao pagamento de duas horas de trabalho, uma com o adicional de 50% sobre o valor de uma hora normal, e outra com o adicional de 75% sobre o valor de uma hora normal.
A Ré contestou sustentando que o valor estabelecido na clª74ª, nº7 deve oscilar em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração do trabalho suplementar, tendo em conta o estabelecido no artigo 268º do CT, na redacção dada pela Lei nº23/2012 de 25.06, conjugado com o artigo 7º, nº4, al. a) da mesma Lei. Conclui, deste modo, pela improcedência da acção.
Com a contestação a Ré juntou um parecer elaborado pelo Professor Doutor António Meneses Cordeiro.
O Autor veio responder pugnando pela procedência do pedido. Com a resposta juntou três sentenças proferidas pelos Tribunais do Trabalho de Coimbra, Aveiro e Oliveira de Azeméis.
O Mmº. Juiz a quo, por entender possuir todos os elementos para decidir já do mérito da causa, proferiu despacho saneador/sentença, onde consignou os factos dados como provados e julgou a acção procedente considerando ilícitos os «cortes» impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, ao valor da retribuição prevista no nº7 da clª74ª da CCT celebrada entre a ANTRAM e a FESTRU, publicada no BTE de 08.03.1980 e condenando a Ré a devolver aos seus motoristas TIR filiados no Autor os valores subtraídos desde Agosto de 2012 até à reposição da retribuição anteriormente paga a título de clª74ª, nº7 da CCT, valores estes a liquidar, se necessário, oportunamente.
A Ré, inconformada, veio recorrer da sentença, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que a absolva dos pedidos, concluindo do seguinte modo:
1. Por via do disposto na clª74ª do CCTV firmado entre a ANTRAM e a FESTRU, as partes outorgantes conferiram aos trabalhadores deslocados no estrangeiro o direito a um acréscimo remuneratório e definiram como critério para a sua quantificação o equivalente a duas horas de trabalho extraordinário.
2. As partes outorgantes do CCTV, podendo estipular um qualquer outro valor a atribuir à retribuição especial em causa – poderiam, desde logo, tão só, ter previsto uma percentagem da própria retribuição base – optaram expressa e deliberadamente por fazer corresponder a sua quantificação por referência à retribuição do trabalho extraordinário.
3. Na formulação do preceito em causa – quer numa perspectiva literal, quer numa perspectiva de unidade do sistema – não foi alheia a intenção de se vir a remunerar efectivamente os trabalhadores abrangidos segundo os critérios de quantificação definidos para o cálculo do trabalho extraordinário.
4. Não há razão para não fazer oscilar o valor da clª74ª, nº7 do CCTV em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar.
5. A remissão feita na referida cláusula para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, há-de ser encarada, necessariamente, como uma remissão dinâmica, abstraindo da concreta retribuição existente à data da criação da norma, numa intenção clara de que a retribuição especial dos trabalhadores acompanhasse a evolução salarial dos demais trabalhadores no que concerne à prestação de trabalho suplementar, isto porque, manifestamente, não será possível sustentar que uma posterior alteração da clª40ª do CCTV – no sentido de aumentar os acréscimos ali previstos – também não tivesse o correspectivo acréscimo na clª74ª, nº7.
6. O legislador, deliberadamente, assumiu o propósito de ver reduzidas as retribuições por trabalho suplementar, no âmbito de aplicação do regime ínsito no artigo 7º da Lei nº23/2012, de 25.06.
7. À oscilação do valor da clª74ª, nº7, em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar, também não obstará o princípio da irredutibilidade da retribuição, ínsito no artigo 129º, nº1, al. d) do CT, isto porque conforme resulta do referido preceito legal, o que se visa proibir é a diminuição de retribuição por acto unilateral do empregador e sem qualquer fundamento legal, não deixando a própria lei de ressalvar a possibilidade de diminuição da retribuição, quer por imperativo legal, quer por força de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
8. A solução mais conforme à vontade do legislador – quer partindo da análise do texto, quer ponderando o elemento decisivo de interpretação (unidade do sistema jurídico) no confronto com o princípio da igualdade, ínsito na CRP – será aquela que aponta no sentido da redução deliberada do valor de trabalho suplementar se vir a repercutir igualmente em todas as componentes retributivas dele dependentes, como é o caso da clª74ª, nº7.
9. A redução operada pela recorrente no valor da retribuição da referida cláusula devida aos representados do recorrido é, assim, amplamente lícita.
10. Ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida a clª74ª, nº7 do CCTV, o artigo 7º da Lei nº23/2012 e o artigo 129º, nº1, al. d) do CT.
O Autor contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo do seguinte modo:
1. O que se discute nos presentes autos é saber de os «cortes» impostos pelas alterações ao CT, nomeadamente se o disposto na al. a) do nº4 do artigo 7º da Lei nº23/2012 de 25.06, tem alguma relevância na retribuição prevista na clª74ª, nº7 do CCTV aplicável.
2. Não restam dúvidas que tal normativo, fez com que os acréscimos previstos na clª40ª do CCTV – retribuição pela prestação de trabalho suplementar – deixassem de estar em vigor, pelo menos durante dois anos, passando a ser aplicados os valores constantes do nº1 do artigo 268º do CT.
3. Só que no entender do Autor, tais «cortes» nenhuma relevância tem no que diz respeito ao pagamento da retribuição prevista no nº7 da clª74ª do CCTV uma vez que a Ré quando efectua tal pagamento não o faz para compensar os trabalhadores pela prestação de trabalho suplementar.
4. Fá-lo, isso sim, para compensar os seus trabalhadores pela maior penosidade, esforço e risco inerentes ao desempenho de funções no estrangeiro.
5. É indubitável, para a Jurisprudência, que a retribuição especial prevista na referida cláusula não visa pagar trabalho suplementar efectivamente prestado, mas que tem como critério base de fixação o equivalente a duas horas de trabalho desse por dia.
6. Ou seja, essa retribuição faz parte da retribuição global, e não depende da realização efectiva de trabalho suplementar.
7. Logo, a referência às duas horas de trabalho suplementar teve um carácter puramente instrumental.
8. Na formulação do preceito em causa optou-se por recorrer a um critério conhecido no sistema retributivo – pagamento do trabalho suplementar – deixando claro que esse é apenas o critério base mínimo, já que, como se disse, o que se visa compensar não é a prestação de trabalho suplementar (compensação essa que aumenta na mesma proporção das horas prestadas de trabalho), mas sim a maior penosidade, esforço e risco inerentes unicamente aos motoristas do sector internacional.
9. Logo forçoso será concluir, como fez o Tribunal a quo, que o critério das duas horas extraordinárias tenha sido previsto apenas como supletivo e como base para um cálculo mínimo.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso “Dado que o artigo 268º, nº1, do CT/2009, na redacção dada pela Lei nº23/2012, de 25.06, e que o artigo 7º, nº4, al. a), desta Lei nº23/2012, não foram declarados inconstitucionais, e tendo em conta a fundamentação do Tribunal Constitucional no seu acórdão nº602/2013, para esse efeito, não se vê qualquer motivo válido, para que a clª74ª, nº7 do CCT, celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1ª série, nº9, de 08.03.1980, não seja suspensa por dois anos, ou seja, desde 01.08.2012 a 01.08.2014, nos termos e para efeitos de acréscimos de pagamento superiores aos estabelecidos pelo CT, nomeadamente os consagrados na clª74ª, nº7 da CCTV aplicável”.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumprir decidir.
* * *
II
Matéria de facto dada como provada e a ter em conta na decisão do recurso.
1. O Autor, B…, é uma Associação Sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exerçam a sua actividade profissional no sector de transportes rodoviários e urbanos.
2. Assim, representa vários trabalhadores seus associados que exercem a sua actividade profissional remunerada, por conta e sob a direcção e fiscalização da Ré.
3. A qual se dedica ao transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias.
4. O Autor encontra-se, actualmente, filiado na FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações/CGTP, que sucedeu, para todos os efeitos, à FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos/CGTP, conforme consta dos Estatutos, publicados no BTE nº47, 1ª série, de 22.12.2007.
5. A Ré encontra-se filiada na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias.
6. Os associados do Autor, que estão classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias e que, efectivamente, exercem as funções inerentes a tal categoria, têm recebido, de acordo com o disposto no nº7 da clª74ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU «uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia».
7. Por isso, e a tal título, todos os associados do Autor que estejam classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias recebem, desde as datas das suas respectivas admissões, uma importância regular, periódica e constante.
8. A qual tem reflexo no planeamento económico/financeiro da família do trabalhador.
9. Sucede, porém, que a Ré, a partir de Agosto de 2012, começou, sem qualquer aviso prévio, a pagar aos seus trabalhadores classificados como motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título de retribuição prevista no nº7 da clª74ª.
10. De facto, até Julho de 2012, os trabalhadores auferiam, consoante terem vencido o direito a uma, duas, três, quatro ou cinco diuturnidades, as seguintes importâncias, respectivamente: € 323,87; € 332,31; € 340,75; € 349,18 e € 357,62.
11. E, a partir de Agosto de 2012, os trabalhadores passaram a auferir, consoante terem vencido o direito a uma, duas, três, quatro ou cinco diuturnidades, as seguintes importâncias, respectivamente: € 261,60; € 268,50; € 274,80; € 282,00 e € 289,20.
* * *
III
Questão em apreciação.
Se é de aplicar à Clª74ª, nº7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU o disposto no artigo 268º do CT, na redacção dada pela Lei nº23/2012 de 25.06, por força do determinado no artigo 7º, nº4, al. a) da mesma Lei.
Na sentença recorrida concluiu-se pela procedência da acção essencialmente com base nos seguintes argumentos: (…) “apelando, de novo, à interpretação da norma contida na clª74ª nº7 do CCT em causa, no sentido de que por ela se visa compensar trabalhadores abrangidos pela maior penosidade e pelo esforço inerentes ao tipo de actividade em que se ocupam e de que não depende da prestação efectiva de qualquer trabalho extraordinário (cabendo, pois, no conceito legal de retribuição normal), não pode deixar de se concluir que a aplicação a tal cláusula da nova fórmula de cálculo da retribuição do trabalho suplementar é ilegítima. Estão em causa diferentes situações: numa um acréscimo retributivo independente de qualquer prestação efectiva do trabalhador e decorrente apenas da categoria profissional; noutra a efectiva prestação de trabalho suplementar cuja retribuição os trabalhadores poderão ver calculada, desde o início de vigência da nova lei, de forma diferente mas que, por que ligada a factos futuros – efectiva prestação de trabalho suplementar – não só não contende com quaisquer direitos adquiridos como não resulta em diminuição da retribuição (já convencionada ou fixada)” (…) “Concluímos, pois, que nem o Memorando, nem na sua letra nem no seu espírito, nem a Lei 23/2012, na sua literalidade ou teologia (vista esta à luz do referido Memorando), nem a interpretação acima feita da natureza da retribuição prevista no artigo 74º, número 7 do CCT, permitem que esta passe a ser calculada de acordo com a nova fórmula de cálculo no que tange aos contratos de trabalho vigentes” (…)
A apelante defende que do teor da referida cláusula, conclui-se que as partes outorgantes do CCT definiram, como critério para a quantificação da remuneração aí expressa, o equivalente a duas horas de trabalho extraordinário, e como tal, foi intenção acompanhar a evolução salarial dos demais trabalhadores no que respeita à prestação de trabalho para além do horário normal. E tendo a Lei nº23/2012 de 25.06 assumido, claramente, a diminuição da retribuição pelo trabalho suplementar prestado, terá a clª74ª, nº7 de seguir tal entendimento para efeitos de cálculo da remuneração nela prevista. Reafirma a apelante que tal entendimento não viola o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artigo 129º, nº1, al. d) do CT. Vejamos então.
O sentido da cláusula 74ª, nº7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980 e no BTE nº16, 1ª série de 29.04.1982 e posteriores alterações publicadas nos BTE nº18/86, 20/89, 10/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97.
A clª74ª, nº7 do CCT, sob a epígrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro”, diz o seguinte: “Os trabalhadores têm o direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
O nº7 da clª74ª prevê uma retribuição – que acresce à retribuição normal ou de base – a que chamaríamos de «especial», tendo em conta as características e condições em que os trabalhadores motoristas de TIR prestam a sua actividade. Tal retribuição não tem a ver com a efectiva realização de trabalho extraordinário e a referência a «trabalho extraordinário» na referida cláusula prende-se, tão só, com o modo de cálculo da mesma e nada mais.
É este o entendimento unânime do STJ, conforme acórdão de 29.10.2003 onde é referido o seguinte: (…) “A retribuição prevista na clª.74ª, nº7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE” (…) “destina-se a compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerente à sua actividade” (…) “ tratando-se de uma retribuição mensal fixa, calculada no montante mínimo de duas horas de trabalho extraordinário, o seu pagamento não depende da prestação efectiva de qualquer trabalho dessa espécie ou da realização de transporte internacional, constituindo antes uma prestação regular e periódica que integra o conceito de retribuição normal, nos termos do artigo 82º da LCT” – Sumários de acórdãos do STJ, nº74, Outubro de 2003, página 250. No mesmo sentido é o acórdão do STJ de 05.02.2009 – proferido no processo 08S2311 e publicado em www.dgsi.pt – onde se defende que “A retribuição especial prevista no nº7 da cláusula 74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU” (…) “destina-se a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho extraordinário. Assim, o direito à aludida compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito”.
E tal posição foi reafirmada no acórdão do STJ com o nº7/2010 (publicado no DR, 1ªsérie, de 9.7.2010) e que se passa a transcrever: “A retribuição mensal prevista no nº7 da cláusula 74ª, do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº16, de 29 de Abril de 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário”. Aí se defende que “A especial característica de retribuição mensal, supra-assinalada, de compensação de uma acordada disponibilidade, tornando-a alheia à efectiva prestação de trabalho extraordinário, não tem qualquer ligação com o período normal de trabalho, que compreende os dias úteis do mês; por outro lado, diversamente da remuneração por trabalho extraordinário, é uma atribuição patrimonial regular que radica na possibilidade do exercício da actividade em particulares condições de penosidade e risco, e não em situações excepcionais referidas ao tempo normal de trabalho. O elemento sistemático, assente nos distintos regimes, correspondentes às distintas características da retribuição mensal especial e da remuneração por trabalho extraordinário, aponta, por conseguinte, no sentido de a primeira, apesar de ter como base mínima pecuniária de cálculo o mesmo valor diário da última, nada mais ter em comum com esta” (…).
E mesmo recorrendo às regras de interpretação previstas no artigo 9º do C. Civil, não podemos concluir que o legislador pretendeu que o pagamento da dita retribuição especial correspondesse, por mês, apenas ao montante de duas horas de trabalho extraordinário, ou que fosse devida tão só com referência aos dias de trabalho efectivo, sendo certo que o recurso ao disposto na clª40ª do CCT, como já se disse, apenas tem a ver com o modo de cálculo dessa retribuição.
Por isso, a prestação especial prevista na referida cláusula integra o conceito de retribuição a que alude o artigo 258º do C. do Trabalho de 2009.
Resta acrescentar que a retribuição especial a que alude a clª74ª, nº7 do CCT é similar à retribuição especial para o trabalho prestado em regime de isenção de horário previsto no artigo 265º do CT/2009. Na verdade, e como defende Francisco Liberal Fernandes, (…) “A retribuição especial prevista para o trabalho prestado em regime de isenção de horário tem por objectivo compensar o acréscimo de actividade e de disponibilidade que, por norma, aquele implica. Trata-se de um plus retributivo que tem carácter regular e periódico, pelo que, enquanto aquela perdurar, deve ser levado em conta para todos os efeitos retributivos que tenham por base a remuneração normal auferida pelo trabalhador (designadamente, para calcular os subsídios de férias ou de Natal, ou a compensação por extinção do contrato)” (…) – O Tempo De Trabalho, Comentário aos artigos 197º a 236º do Código do Trabalho [revisto pela Lei nº23/2012, de 25 de Junho], página 188.
Em conclusão: a retribuição especial a que se alude na clª74ª, nº7 do CCT é uma prestação com carácter regular e periódico, paga pelo empregador ao trabalhador que presta serviço no estrangeiro, não relacionada com qualquer efectivo trabalho prestado pelo trabalhador para além do horário normal de trabalho, apenas tendo como base mínima de cálculo a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, sendo devida em todos os dias do mês.
O trabalho suplementar e a sua remuneração antes e depois da Lei nº23/2012 de 25.06.
Nos termos da clª40ª do CCT – sob a epígrafe “Retribuição do trabalho extraordinário” – “1. O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais: a) 50% para as primeiras quatro horas extraordinárias; b) 75% para as restantes”. A referida cláusula sofreu alteração em 1990 passando a ter a seguinte redacção: “1. O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% na primeira hora; b) 75% nas horas ou fracções subsequentes” – BTE, nº19, 1ª série, de 22.05.1990.
A Lei nº23/2012 de 25.06 veio reduzir o valor do trabalho suplementar, ao alterar os acréscimos de retribuição estabelecidos no artigo 268º do CT/2009. Mas a referida Lei não se ficou por aqui e veio ainda estabelecer, no nº4 do seu artigo 7º que “Ficam suspensas durante dois anos, a contar da entrada em vigor da presente lei [de 01.08.2012 a 01.08.2014] as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre: a) Acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho; b) Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”.
Decorre do acabado de referir que a clª40ª do CCT em análise fica suspensa entre 01.08.2012 e 01.08.2014 [O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº602/2013, de 29.09.2013, e em sede de fiscalização abstracta e sucessiva, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 268º, nº1 e nº3 do CT/2009, na redacção dada pela Lei nº23/2012 de 25.06, e não declarou inconstitucional a norma do artigo 7º, nº4 da mesma Lei, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho], passando a aplicar-se o estabelecido no artigo 268º do CT/2009 na redacção dada pela referida Lei, apenas e durante esse espaço de tempo [o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7º, nº5 da Lei nº23/2012, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56º, nº3 e nº4 e 18º, nº2 da Constituição, norma onde se estabelecia que «decorrido o prazo de dois anos referido no número anterior sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho»].
Relembremos aqui que estamos a falar do pagamento de retribuição devida pela prestação de trabalho suplementar. Ou seja, sempre que a empregadora, aqui Ré, tiver que proceder ao pagamento de trabalho suplementar prestado pelos seus trabalhadores terá de observar, no referido período, os limites impostos no artigo 268º do CT/2009, na redacção dada pela Lei nº23/2012, e não o determinado na referida clª40ª do CCT.
E tal imposição abrange igualmente o pagamento da retribuição a que alude a clª74ª, nº7 do CCT? É o que vamos analisar.
Da remissão da clª74º, nº7 do CCT para a clª40ª do mesmo CCT.
Cumpre aqui citar, previamente, o que o Exmo. Professor Doutor António Menezes Cordeiro refere a tal respeito no parecer junto aos autos: (…) “O saber, perante uma remissão de normas, se estamos perante a modalidade estática ou a dinâmica é questão de interpretação. No presente caso, a cláusula 74ª/7 apela, em abstracto, para o trabalho suplementar. Não teve em conta a concreta retribuição que, em 1982, existiria. Pelo contrário; resulta de toda a ambiência interpretativa que os parceiros laborais colectivos pretenderam que, daí para o futuro, os trabalhadores TIR vissem a sua situação acompanhar a evolução salarial dos demais: para o bom e para o mau. Mercê da crise e das leis de emergência que ela ocasionou, houve que reduzir percentualmente o acréscimo devido pelo trabalho suplementar. A natureza dinâmica da remissão da cláusula 74ª/7 funciona, equilibrando, nesse mesmo sentido, a retribuição nela prevista” (…).
E lembremos também o que escreveu António Nunes de Carvalho [em Tempo de Trabalho, em RDES, ano LIII, Janeiro/Junho, ano de 2012, números 1-2, páginas 45/46] a respeito da remissão: “Quanto à Convenção Colectiva, podemos figurar várias hipóteses. Pode suceder que a convenção se limite a remeter para a regra legal, que se refira genericamente ao valor da hora de trabalho suplementar ou que articule essa referência com a definição do próprio valor de trabalho suplementar (remetendo para tal definição). Mas, em qualquer dos casos, a questão com que nos defrontamos é a mesma: a remissão operada para o critério de retribuição do trabalho suplementar torna esse critério como mero facto, que incorpora na regulação do montante do subsídio de isenção do horário de trabalho, ou, pelo contrário, torna-o como verdadeiro critério normativo, válido imediatamente para a definição do subsídio de isenção de horário de trabalho? Parafraseando BAPTISTA MACHADO, diríamos que “no primeiro caso, dada a sua própria intenção ou função regulamentadora, o elemento ou efeito normativo a que ela se refere não pode ser visado senão como um facto”, enquanto “no segundo caso, esse elemento ou efeito não pode ser visado senão como um critério normativo a que se quer atribuir validade”. Dizendo de outro modo, é necessário apurar se a remissão para o critério de retribuição do trabalho suplementar é uma remissão material ou uma remissão formal. Tratando-se de um problema de interpretação da norma remissiva, é, neste caso, crucial ter presente que em algumas situações se trata de remissão intra-sistemática (para outra cláusula da convenção colectiva que não foi alterada pelas partes, sofrendo apenas suspensão na respectiva vigência), enquanto noutras situações teremos remissão extra-sistemática, para a lei. Deve, igualmente, ponderar-se que o preceito remissivo nasce de um acordo, expressão da autonomia privada, ora na sua vertente negocial, ora como autonomia colectiva. Tendemos a considerar que quando a convenção colectiva, remetendo para o critério de remuneração do trabalho suplementar, o faz para uma sua cláusula (isto é, para um critério que ela própria define, ainda que em termos paralelos aos da lei), essa remissão deve ser interpretada em sentido material. E, nessa medida, não é relevante que essa cláusula, como critério normativo, tenha a sua eficácia suspensa por força do n.º 4 do art.º 7º da Lei n.º 23/2012: continuará a ser eficaz, nos seus precisos termos, por força e para os estritos efeitos da remissão (remissão estática). Pelo contrário, a mera remissão operada pelo instrumento de regulamentação colectiva para o critério legal de pagamento do trabalho extraordinário terá o sentido de uma remissão formal (e dinâmica)”.
Posto isto voltemos à cláusula 74ª, nº7.
Do seu teor resulta, como já referido, que ela remete para a clª40ª e não para a lei geral laboral. Esta cláusula não é objecto de alteração desde 1990. Ou seja, estamos perante uma remissão intra-sistemática e não extra-sistemática, dependente, assim, apenas e tão só, das futuras alterações dadas pelas partes outorgantes da respectiva convenção colectiva às referidas cláusulas.
E se assim é, então, a suspensão operada pela Lei nº23/2012 apenas de reporta ao pagamento da remuneração a título de trabalho suplementar, e nada mais, mantendo-se a referida clª40ª intocável no que respeita ao cálculo da «retribuição especial» prevista na clª74ª, nº7 da convenção colectiva de trabalho.
E com o devido respeito, que é muito, não podemos acompanhar as conclusões a que se chegou no parecer elaborado pelo Senhor Professor Doutor António Meneses Cordeiro quando afirma, nas suas conclusões, que “A cláusula 74ª/7 da CCT ANTRAM/FESTRU (FECTRANS) prevê, para os trabalhadores TIR, um trabalho suplementar precisamente estimado em duas horas. Essa orientação confirma-se pela natureza da situação e pela aplicação que, dela, tem sido feita. À retribuição suplementar assim devida aos trabalhadores TIR aplica-se a nova redacção do artigo 268º do Código do Trabalho, com suspensão, por dois anos, da cláusula 40ª da CCT” (…).
Tal entendimento conduziria, salvo o devido e muito respeito, à violação do direito à não diminuição da retribuição consagrado no artigo 129º, nº1, al. d) do CT/2009 [do teor da Lei nº23/2012 resulta que a mesma deixou intocável o direito do trabalhador consagrado no artigo 129º, nº1, al. d) do CT/2009, ou seja, a retribuição só pode ser diminuída nos caso previstos no CT/2009 ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho], tendo em conta o que atrás se deixou referido quanto ao sentido/alcance atribuído unanimemente pela Jurisprudência à clª74ª, nº7. No sentido aqui referido é o recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23.01.2014 – proferido no processo nº117/13.1T4AVR.C2, em www.dgsi.pt
Em conclusão:
1. O nº7 da clª74ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição – que acresce à retribuição normal ou de base – que é «especial», tendo em conta as características e condições em que os trabalhadores motoristas de TIR prestam a sua actividade. Tal retribuição não tem a ver com a efectiva realização de trabalho extraordinário e a referência a «trabalho extraordinário» na referida cláusula prende-se, tão só, com o modo de cálculo da mesma e nada mais.
2. A prestação especial prevista na referida cláusula integra o conceito de retribuição a que alude o artigo 258º do C. do Trabalho de 2009.
3. A suspensão operada pelo artigo 7º, nº4 da Lei nº23/2012 de 25.06 apenas se reporta ao pagamento da remuneração a título de trabalho suplementar, e nada mais, mantendo-se a clª40ª do CCT intocável no que respeita ao cálculo da «retribuição especial» prevista na clª74ª, nº7 da convenção colectiva de trabalho.
4. A Lei nº23/2012 de 25.06 deixou intocável o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129º, nº1, al. d) do CT/2009.
5. A aplicação do artigo 268º do CT/2009, na redacção dada pela Lei nº23/2012, à clª74ª, nº7 do CCT implica a violação do referido princípio.
Deste modo, improcede o recurso.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 17/03/2014
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto