Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
850/10.0TTVCT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
EX-CÔNJUGE
CONTRATAÇÃO COLECTIVA
BANCÁRIO
Nº do Documento: RP20140310850/10.0TTVCT.P1
Data do Acordão: 03/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A Lei n.º 4/2007, de 16.1, que aprovou as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, salvaguarda a subsistência dos “Regimes Especiais” vigentes à data da sua entrada em vigor, entre os quais se inclui o ACT para o Sector Bancário.
II – Da cláusula 142.ª do referido ACT resulta que em caso de falecimento do trabalhador apenas o cônjuge sobrevivo tem direito a receber uma pensão de sobrevivência.
III – Tratando-se, como se trata, de um regime especial, o DL n.º 322/90, de 18.10, não é aplicável aos trabalhadores do setor bancário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 850/10.0TTVCT.P1
Relator: M. Fernanda Soares – 1172
Adjuntas: Dra. Paula Leal de Carvalho
Dra. Maria José Costa Pinto

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, em 04.11.2010, acção emergente de contrato de trabalho contra C…, S.A. e D…, pedindo dever ser reconhecido à Autora o direito a obter dos Réus a pensão de sobrevivência, de harmonia com as disposições do DL nº322/90, de 18.10, devendo os Réus ser condenados a pagar a referida pensão desde o momento em que a mesma se considere devida, cujo montante deverá ser relegado para posterior liquidação.
Alega a Autora ter casado, em 23.06.1973, com E…, casamento que foi dissolvido por sentença proferida em 23.04.2002, no processo de divórcio por mútuo consentimento que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Caminha. Em 13.09.2003 o referido E… a contrair casamento com F…, matrimónio que foi dissolvido por óbito daquele, ocorrido em 15.04.2008. No processo de divórcio por mútuo consentimento o ex-cônjuge marido ficou obrigado a pagar à Autora, a título de prestação de alimentos, a quantia mensal de 85.000$00, actualmente, cerca de € 424,00, obrigação que cumpriu até à data da sua morte. O referido E… foi funcionário do G…, posteriormente incorporado no C…. O falecido funcionário do Banco Réu ficou abrangido pelo Fundo de Pensões denominado “D…”, enquanto instrumento de garante dos direitos sociais, designadamente, prestações em caso de invalidez, doença e morte. Contudo, o acordo colectivo de trabalho e o contrato constitutivo do Fundo de Pensões celebrados pelos Réus não prevê o direito à pensão de sobrevivência do ex-cônjuge que, à data da morte do beneficiário/trabalhador recebesse dele pensão de alimentos decretada ou homologada pelo Tribunal. No entanto, não pode a Autora ser prejudicada pelo facto de os Réus não se encontrarem enquadrados no regime geral da segurança social, que prevê o direito à pensão de sobrevivência do ex-cônjuge sobrevivo – Decreto Lei nº322/90, de 18.10 – sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado nos artigos 13º e 63º, nº3 da CRP.
O Réu Banco contestou arguindo a incompetência do Tribunal em razão da matéria, a sua ilegitimidade, requerendo a intervenção de F…, a viúva do referido E…. Refere, também, que nos termos do ACT para o Sector Bancário a pensão mensal de sobrevivência será atribuída desde que o trabalhador, à data do seu falecimento, seja casado há mais de um ano, o que não é o caso, e ainda que a argumentação jurídica da Autora não procede atendendo ao uniformemente decidido pelo STJ nos seus acórdãos de 22.01.1988, 07.02.2007, 03.05.2007 e 12.11.2009. Conclui pedindo a sua absolvição da instância e a total improcedência da acção, ou então, no limite, dever ser o Banco, por intermédio do seu Fundo de Pensões, obrigado a dividir a prestação pensionista entre a Autora e a viúva, nos termos do DL nº322/90 de 18.10.
A 2ª Ré contestou arguindo a incompetência material do Tribunal do Trabalho, a sua ilegitimidade e afirmando que a pretensão da Autora não pode proceder já que o sistema de reforma aplicável ao Sector Bancário constitui um regime especial de segurança social e substitutivo do regime geral, sendo que, e de acordo com o respectivo ACT a beneficiária da pensão de sobrevivência é a viúva F…. Refere ainda que de acordo com a clª2ª do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões a Ré apenas responde pelo pagamento dos benefícios previstos no respectivo plano de pensões, e neste não está incluído a pretensão da Autora. Conclui pedindo a procedência das invocadas excepções e pela improcedência da acção.
A Autora veio responder pugnando pela improcedência das excepções de incompetência do Tribunal em razão da matéria e de ilegitimidade das Rés, requerendo o chamamento de F… e do Fundo de Pensões do C….
Foi admitido o requerido chamamento à demanda.
O Fundo de Pensões do Grupo C… veio declarar fazer seus os articulados apresentados pela 2ª Ré.
F… veio arguir a incompetência do tribunal em razão da matéria alegando que aos bancários é aplicável o ACT para o Sector e que segundo o mesmo os beneficiários da pensão de sobrevivência são, exclusivamente, o cônjuge sobrevivo e os filhos nas condições referidas no artigo 120º, nº5 da referida convenção colectiva. Conclui pela procedência da excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e pela improcedência do pedido.
A Autora veio responder às contestações apresentadas pelos chamados concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador onde se considerou que “tal como a acção é colocada pela Autora, a questão a decidir prende-se com a aplicação ou não do ACTV do sector bancário à sua situação, matéria que é da competência dos tribunais de trabalho”, e que as partes são legítimas “pois que a questão suscitada se prende, em nossa opinião e com o devido respeito, com a procedência ou não da acção quanto às Rés e não com o pressuposto processual da legitimidade”.
Designado dia para audiência de discussão e julgamento, as partes prescindiram da prova, tendo o Mmº. Juiz a quo consignado a matéria de facto dada como provada e proferido sentença a julgar a acção improcedente e a absolver os Réus do pedido.
A Autora, inconformada, veio recorrer da sentença pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que reconheça à apelante o direito às prestações previdenciais peticionadas e devidas por morte do seu ex-cônjuge, concluindo do seguinte modo:
1. O falecido ex-marido da Autora estava obrigado a pagar-lhe a quantia mensal de € 424,00, a título de alimentos, por sentença judicial proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento com o nº721/2001, do Tribunal Judicial de Caminha, obrigação que o mesmo cumpriu até à data da sua morte.
2. O Mmº. Juiz a quo considera que a Autora não tem direito a receber qualquer quantia a título de pensão de sobrevivência por morte do seu ex-marido, funcionário bancário, fundamentando tal decisão no facto de o ACT aplicável à situação, publicado no BTE, 1ª série, nº48, de 29.12.2001, ao contrário do regime previdencial público e geral, não consagrar a previsão do direito a prestações por morte a favor do ex-cônjuge.
3. Muito embora os bancários tenham um regime previdencial privado e próprio, a verdade é que o carácter jurídico das suas normas não pode deixar de ser havido como de interesse e ordem pública, pelo que, sobretudo no que diz respeito à protecção dos seus beneficiários, esse regime não deve divergir do regime previdencial geral.
4. O que significa que a pensão de sobrevivência aqui reclamada é um direito indisponível da recorrente e que o ordenamento jurídico impõe que lhe seja reconhecido.
5. Os regimes previdenciais especiais deverão, quanto aos seus beneficiários, respeitar o elenco previsto no regime previdencial geral, pois que, só assim se obterá a certeza, a harmonia e a unidade do direito, objectivos que sempre devem estar presentes na actividade legislativa. Com efeito, os destinatários dos regimes previdenciais, sejam eles quais forem, são precisamente os seus beneficiários, pelo que, é nas regras que os contemplam enquanto tais, que se exige um maior esforço no sentido de impedir divergências e dessa forma gerar maior igualdade e certeza.
6. A específica e concreta regulamentação relativa ao regime previdencial do sector bancário, ao não contemplar o direito à pensão de sobrevivência a favor do ex-cônjuge, está a impedir o exercício de um direito indisponível directamente tutelado por normas constitucionais, pondo em causa a igualdade de tratamento com qualquer beneficiário do regime geral público da segurança social.
7. Os artigos 13º e 63º, nº3 da CRP, ao consagrarem o princípio da igualdade dos cidadãos no que respeita à dignidade social e à protecção da velhice e viuvez, consideram-se normas de interesse e ordem pública que, a manter-se a decisão sob recurso que não reconhece o peticionado direito à pensão por parte da recorrente, são frontalmente violadas, o que, de resto, constitui entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa – acórdão proferido no processo nº1430/07.2TTLSB.L1-4, disponível no sítio www.gde.mj.pt
8. Uma vez que o direito em causa se trata de um direito social, ou seja, um direito fundamental, este é indisponível e indivisível. Não se pode fazer com os direitos fundamentais o que bem se quer, pois eles, possuem eficácia objectiva, isto é, importam não apenas ao próprio titular, mas sim a toda a colectividade. Assim como, não podem tais direitos serem analisados de maneira separada e isolada, uma vez que o desrespeito a um deles é, na verdade, o desrespeito a todos.
9. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 13º e 63º, nº3 da CRP e a previsão do artigo 7º, nº1, al. a) do DL nº322/90 de 18.10.
F… veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo:
1. De acordo com o disposto no nº5 do artigo 120º do Acordo Colectivo de Trabalho do Grupo C…, SBC, SBN e SBSI, aplicável ao sector bancário, os beneficiários da pensão de sobrevivência são, exclusivamente, o cônjuge sobrevivo e os filhos nas condições referidas na alínea b) do citado normativo.
2. O ACT aplicável ao sector bancário é, efectivamente, o diploma que regula a atribuição da pensão de sobrevivência resultante do óbito de um funcionário bancário.
3. Aos bancários não é aplicável o Regime Geral da Segurança Social mais o ACT daquele sector – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.10.2008, disponível em www.dgsi.pt
4. Os trabalhadores bancários gozam de um regime próprio e privativo de Segurança Social, que terá de ser aplicado aos trabalhadores bancários em detrimento do Regime Geral da Segurança Social, consagrado no DL nº322/90 de 18.10 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2010, disponível em www.dgsi.pt
5. A aplicação do regime especial privado não determina a violação de qualquer direito fundamental.
6. Não faz qualquer sentido que o regime especial aplicável ao sector bancário deva integrar uma norma do sistema geral, que num caso concreto, possa ser mais favorável.
7. Pois que, conforme refere o acórdão supra citado “uma tal exigência levaria, patentemente, à subversão do equilíbrio negocial de que emergiu o regime especial privado”.
A 2ª Ré e a chamada Fundo de Pensões do Grupo C… vieram contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida, e concluir do seguinte modo:
1. Enquanto trabalhador bancário e atenta a data da sua contratação, o falecido ex-marido da Autora não estava sujeito ao Regime Geral da Segurança Social, estando antes sujeito ao regime específico plasmado no ACT do Grupo C…, SBN, SNC e SBSI publicado no BTE, 1ª série, nº48, de 29.12.2001, com as sucessivas revisões.
2. Nos termos e ao abrigo do disposto na Lei de Bases da Segurança Social, a lei reconhece, em articulação com o sistema fiscal, os diferentes regimes do sistema complementar convencionados no âmbito da contratação colectiva.
3. Assim sendo, o sistema de reforma aplicável ao sector bancário constitui um regime especial de segurança social e substitutivo do regime geral.
4. Do artigo 120º do ACT aplicável, são beneficiários da pensão de sobrevivência exclusivamente o cônjuge sobrevivo e os filhos, incluindo os nascituros e adoptados plenamente, até perfazerem 18 anos, ou 21 e 24 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino médio ou superior e, sem limite de idade, os que sofrerem de incapacidade permanente e total para o trabalho, nas proporções consignadas no nº6 e segundo as regras previstas nos números 7, 8 e 9.
5. A Autora por força do divórcio não se encontra contemplada no benefício atribuído pelo ACT aplicável.
6. O sistema de Segurança Social Geral não pode, assim, ser entendido como regime supletivo dos sistemas privatísticos consagrados em instrumentos de regulamentação colectiva.
7. O facto do direito à pensão de sobrevivência que a Autora peticiona não estar consagrado no ACT, não permite, em termos legais, que a recorrida proceda a esse pagamento, nos termos do disposto no artigo 11º do DL nº12/2006, de 20.01.
8. O facto da pensão de sobrevivência de que a Autora se arroga no direito não estar consagrada no Plano de Pensões aplicável, não consubstancia qualquer inconstitucionalidade.
9. Na verdade, a lei ao reconhecer outros sistemas em paralelo ao sistema geral da Segurança Social, reconhece também a sua autonomia e autodeterminação.
10. Resulta claro que o regime de previdência dos bancários é autónomo ao regime geral da Segurança Social, pelo que não resulta qualquer inconstitucionalidade se num caso concreto o regime geral for mais favorável.
O Réu Banco veio contra alegar pugnando pela improcedência do recurso e apresentou as seguintes conclusões:
1. Atenta a data dos factos da presente acção, não havia lugar a uma sujeição ao Regime Geral da Segurança Social, estando os trabalhadores bancários sujeitos a um regime específico e que lhes era próprio, plasmado nos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho aplicáveis ao Sector Bancário. Trata-se de um regime próprio dos trabalhadores bancários, um regime privativo de segurança social dos bancários.
2. Não prevendo o ACT aplicável ao presente caso a concessão da pensão de sobrevivência nos caso de ex-cônjuges, não assiste razão à Autora no pedido formulado nos presentes autos, não reunindo a mesma as condições estabelecidas no referido ACT para atribuição de uma pensão de sobrevivência.
3. O sistema privativo de pensões dos bancos constitui um regime especial de segurança social substitutivo do regime geral da segurança social, trata-se de um regime privativo.
4. É um regime privativo de segurança social, havendo que aplicá-lo em bloco, não fazendo sentido complementá-lo, onde, pontualmente, o mesmo é mais desfavorável, nomeadamente como a autora pretende, com regras do regime geral da segurança social, sendo certo que, na sua globalidade, o ACT é mais favorável ou seja, em alguns pontos terão os trabalhadores bancários que beneficiam e/ou beneficiaram do referido regime direitos que outros cidadãos não terão ou não tiveram pois aplica-se-lhes – a estes últimos – o regime geral da segurança social.
5. O direito à referida protecção social, no caso, pagamento de uma pensão de sobrevivência, apenas se efectivaria caso a Autora reunisse os pressupostos para a sua atribuição, pressupostos esses plasmados na clª120ª do ACT.
6. No presente caso a Autora não reúne as condições estabelecidas no regime privativo aplicável para ser considerada beneficiária de uma pensão de sobrevivência – ACT melhor indicado nos autos – visto que no normativo em causa não surgem os ex-cônjuges, não reunindo assim a Autora os pressupostos necessários para a atribuição de uma pensão de sobrevivência.
O Réu Banco juntou cópia do acórdão do STJ, datado de 05.03.2013, e referenciado nas contra alegações.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria de facto dada como provada e a ter em conta na decisão do recurso.
1. A Autora contraiu casamento com E…, na freguesia …, concelho de Lisboa, no dia 23.06.1973.
2. Este casamento foi dissolvido por sentença proferida em 23.04.2002, no processo de divórcio por mútuo consentimento que, com o nº721/2001, correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Caminha.
3. Posteriormente, em 13.09.2003, o referido E… veio a contrair casamento com F….
4. Matrimónio que perdurou até à data da sua morte, ocorrida em 15.04.2008.
5. No processo de divórcio por mútuo consentimento referido em 2, o falecido E… ficou obrigado a pagar, a título de prestação de alimentos, a quantia mensal de € 424,00.
6. O falecido E… foi funcionário do G…, posteriormente incorporado no Réu C… e nessa qualidade foi aposentado, situação em que se encontrava à data da morte.
* * *
III
Questão em apreciação.
Se à Autora deve ser reconhecido o direito à pensão de sobrevivência por morte do seu ex-marido, trabalhador bancário, o qual estava obrigado a prestar-lhe alimentos.
Na sentença recorrida – a qual seguiu de perto o acórdão do STJ de 02.10.2010, proferido no processo 1430/07.2TTLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt – concluiu-se não ser “possível considerar a Autora como beneficiária do direito que aqui pretende fazer valer”, atendendo ao consignado na clª120ª do ACT publicado no BTE, 1ª série, nº48, de 29.12.2001, aplicável ao caso, na medida em que na referida convenção colectiva não foi prevista a situação da Autora.
A apelante – citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.02.2010 – proferido no processo 1430/07.2TTLSB.L1, publicado em www.dgsi.pt – defende que o regime previdencial privado dos bancários não deve divergir do regime previdencial geral quando estão em causa direitos indisponíveis, sendo que a assim não ser entendido ocorre violação do princípio da igualdade previsto nos artigos 13º e 63º, nº3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Vejamos então.
À data da morte do ex-cônjuge da Autora – 15.04.2008 – estava em vigor a Lei nº4/2007 de 16.01, a qual aprovou as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social.

Nos termos do artigo 63º da CRP “1. Todos têm direito à segurança social. 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as situações de falta de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho” (…).
Segundo o disposto no artigo 2º da referida Lei “1. Todos têm direito à segurança social. 2. O direito à segurança social é efectivado pelo sistema e exercido nos termos estabelecidos na Constituição, nos instrumentos internacionais aplicáveis e na presente lei”.
O artigo 103º da Lei nº4/2007 determina que “Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação”.
A Lei nº4/2007 salvaguarda – como decorre do artigo 103º – a existência dos “Regimes Especiais”, no caso, o regime estabelecido no ACT para o Sector Bancário publicado no BTE nº4, de 29.01.2005 [vigente na data do falecimento do ex-cônjuge da Autora], o que significa que o sistema de segurança social, universal, integral e unificado não está ainda a funcionar.
Passemos, então, à análise da referida convenção colectiva.
Incluída no Capítulo XI – “Benefícios Sociais” e na Secção I – “Segurança Social” – existe uma cláusula, a clª142ª, sob a epígrafe “Falecimento” e que dispõe o seguinte: “1. Por morte do trabalhador, as instituições concederão a) Um subsídio por morte” (…) “b) Uma pensão mensal de sobrevivência” (…) “c) À pensão mensal de sobrevivência prevista na alínea anterior acresce um subsídio de Natal e um 14º mês de valor igual à maior mensalidade que ocorrer no ano a que respeitar” (…) “3. São beneficiários da pensão de sobrevivência, do subsídio de Natal e do 14º mês: a) Cônjuge sobrevivo; b) Filhos, incluindo os nascituros e adoptados plenamente” (…)
Do teor da referida cláusula resulta que em caso de falecimento do trabalhador apenas o cônjuge sobrevivo tem direito a receber uma pensão de sobrevivência.
O DL nº322/90 de 18.10 – que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social (artigo 1º, nº1), dando, deste modo, concretização aos objectivos determinados no nº3 do artigo 63º da CRP – exclui a sua aplicação aos beneficiários da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (artigo 1º, nº2).
Assim sendo, não é aplicável aos trabalhadores do Sector Bancário o DL nº322/90, nomeadamente o disposto nos seus artigos 7º, nº1, al. a) e 11º [«1.A titularidade do direito às prestações é reconhecida às seguintes pessoas: a) Cônjuges e ex-cônjuges» e «O cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida»].
No entanto, cumpre ainda referir o seguinte.
Deveria o ACT – o qual regula e concretiza o direito à segurança social dos trabalhadores bancários – prever a protecção dada ao ex-cônjuge do trabalhador falecido nas circunstâncias definidas no artigo 11º do DL nº322/90 de 18.10?
O artigo 63º da CRP estabelece um direito fundamental: o direito constitucional à segurança social.
E como se defende no acórdão do STJ de 12.12.2001 – publicado na CJ., acórdãos do STJ, ano 2001, tomo 3, página 287 – “constituindo o sistema privado de reforma de alguns bancos um regime especial de segurança social substitutivo do regime geral da segurança social do Estado – afigura-se-nos que o primeiro não pode deixar de ter garantias de indisponibilidade equivalentes às do sistema estatal. Sendo o direito à segurança social um direito fundamental dos cidadãos consagrado na Constituição da República Portuguesa, todas as normas da lei ordinária que respeitem à protecção na doença, no desemprego, na velhice, na viuvez e na orfandade e à defesa de outras situações de desprotecção social, são normas de interesse e ordem pública” (…). No mesmo sentido é o acórdão do STJ de 03.05.2007 – processo 07B839 publicado em www.dgsi.pt – “Definindo a lei constitucional os direitos sociais dos cidadãos, todas as normas ordinárias que se referem a esses direitos devem considerar-se como normas de interesse e ordem pública. E muito embora os bancários tenham um regime privado próprio de segurança social, também as respectivas normas se devem considerar da mesma natureza” (…) “Assim, a pensão de sobrevivência aqui reclamada é um direito indisponível” (…).
Ora, se o Estado admite a existência de “Regimes Especiais” – como o regime privado de segurança social dos bancários – “implicitamente está a conferir às normas da contratação colectiva que o regulam uma força equivalente à da lei. É o Estado a permitir que determinadas entidades o substituam em tarefas de segurança social, que reconhecidamente a ele competem, numa primeira linha” (…) – acórdão do STJ de 12.12.2001 atrás referido, pagina 288.
Ora, se a «lei/convenção colectiva» do sector bancário não acolheu a situação em análise nos autos, então não se pode concluir, como pretende a Autora, que a sua situação, carecendo de regulamentação, deverá ser equiparada à dos cidadãos que se encontram na mesma situação que ela mas abrangidos pelo regime geral da segurança social do Estado.
Na verdade, é o próprio Estado, ao admitir os “Regimes Especiais” que permite e autoriza que a concretização do regime de segurança social privativo dos trabalhadores bancários seja regulado por este Sector de forma autónoma e distinta.
E salvo o devido respeito não parece que no caso ocorra violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição, na medida em que qualquer ex-cônjuge de trabalhador bancário falecido não tem, dentro do sistema de segurança social do Sector Bancário, os benefícios previstos no artigos 7º, nº1, al. a) e 11º do DL nº322/90 de 18.10.
Ocorre, porém, violação do princípio da igualdade quando se compara a situação da Autora, que não é trabalhadora bancária, com a de um qualquer cidadão do regime geral em idêntica situação. No entanto, e por tal «desigualdade» de tratamento não podem os Réus ser responsabilizados.
Neste sentido é o acórdão do STJ de 02.10.2010 proferido no processo 1430/07.2TTLSB.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt e cujo sumário é o seguinte: “I. A Constituição da República Portuguesa, apesar de anunciar que todos têm o direito à Segurança Social e prever, no seu artigo 63º, nºs. 1 e 2, que é dever do Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de Segurança Social unificado e descentralizado, não concretiza o conteúdo do direito à Segurança Social e também não estabelece prazos para essa concretização. II. A principal incumbência do Estado, no domínio do direito fundamental social da previdência, consiste na organização do sistema de Segurança Social, subordinado a cinco requisitos constitucionais: deve constituir um sistema universal; deve ser um sistema integral; deve constituir um sistema unificado; deve ser um sistema descentralizado; finalmente, deve ser um sistema participado. III. Ao nível ordinário, as Leis de Bases da Segurança Social salvaguardam a subsistência dos denominados “Regimes Especiais”, entre os quais se inclui o ACTV/1986 para o Sector Bancário. IV. Deste modo, os trabalhadores bancários gozam de um regime próprio e privativo de Segurança Social, corporizado nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis ao sector. V. As últimas Leis de Bases da Segurança Social admitem o princípio da diferenciação positiva, pretendendo que os diversos regimes se adaptem ao condicionalismo de cada grupo social ou profissional. VI. O caso específico dos ACTV`s para o Sector Bancário é paradigmático: o seu regime, no tocante à Segurança Social, não constitui novidade recente, e integra relevantes especificidades, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento. VII. Tratando-se de um regime especial – salvaguardado expressamente por lei – haverá que aplicá-lo em bloco – até porque ele é, na sua generalidade, mais favorável que o regime geral – não fazendo sentido complementá-lo, porventura onde ele seja, pontualmente, mais desfavorável, com outras regras que provenham do regime geral. VIII. Neste contexto, e porque a cláusula 144ª do ACTV para o sector bancário apenas concede pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo do beneficiário falecido e, acrescidamente, ainda impõe que o casamento perdurasse há mais de um ano relativamente à data do decesso, não é de reconhecer à Autora, com apelo ao disposto no artigo 11º do DL nº322/90 de 18 de Outubro” (…) “o direito àquela pensão, ainda que a demandante preencha os requisitos previstos neste último diploma”. E mais recentemente o acórdão do STJ de 05.03.2013 – junto pelo Réu Banco – que considerou, com fundamentos semelhantes, “inaplicável o regime geral da segurança social, em virtude da existência de um regime especial de segurança social substituto do regime geral, e não consagrando este último a concessão de uma pensão de sobrevivência, a favor do sobrevivente da união de facto, resta insubsistente a pretensão deste”.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da Autora.
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Porto, 10/03/2014
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto