Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
472/06.0TTSTS-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS PELO PASSIVO SOCIAL
Nº do Documento: RP20140113472/06.0TTSTS-C.P1
Data do Acordão: 01/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários;
II - Os sócios respondem pelo passivo não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam em partilha;
III - Por isso, a dívida da sociedade não se extingue com a extinção da sociedade, antes se opera uma modificação subjectiva e objectiva na obrigação, traduzida na responsabilização do(s) antigo(s) sócio(s) pela mesma, limitada ao montante que recebeu(ram) em partilha;
IV - Contudo, para que os sócios possam responder é necessário que o credor alegue e prove que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 472/06.0TTSTS-C.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …, …, ….-… Santo Tirso) instaurou em 25 de Junho de 2009, por apenso à acção declarativa e com base na sentença condenatória aí proferida, execução contra C…, Lda (NIPC ………, com sede na Rua …, Centro Comercial …, Loja .., ….-… …), para obter o pagamento de € 14.877,24.
Não tendo sido identificados bens à executada, em 2 de Setembro de 2013 veio o exequente requerer o prosseguimento da execução contra os sócios liquidatários da sociedade.
Por despacho de 18-09-2013, foi tal requerimento objecto de indeferimento e, em consequência, julgada extinta a extinção.

Inconformado com o referido despacho, dele veio o recorrente interpor recurso para este tribunal, tendo apresentado alegações que concluiu nos seguintes termos:
«1- Por sentença transitada em julgado, veio a recorrida C…, Lda, condenada a pagar ao recorrente a quantia de € 11.825,08, acrescida de juros de mora à taxa legar de 4% desde 27/07/2006 até integral pagamento, quantia esta devida pela cessação do contrato de trabalho que os vinculava.
2 - Não tendo a recorrida pago qualquer quantia, o recorrente intentou a respetiva ação executiva com vista a ser ressarcida dos créditos que lhe eram devidos pela requerida.
3 – Ora, pese embora a recorrida tenha sido liquidada, certo é que as suas obrigações jurídicas prevalecem e transitam para a esfera jurídica dos seus antigos sócios.
4 - Sucede ainda certo que tendo a recorrida liquidado a empresa em causa – escamoteando assim a existência desta divida - e tendo liquidado todos os seus ativos em proveito próprio, o recorrente requereu o prosseguimento dos autos de execução contra os liquidatários da sociedade.
5- Porém, salvo melhor opinião, e com o devido respeito, mal andou o Tribunal “a quo” ao indeferir a pretensão da ora Recorrente, através do despacho datado de 19-09-2013, o qual consubstancia uma evidente apreciação errónea da Lei.
6- Com efeito, o recorrente requereu o prosseguimento dos autos contra os sócios da recorrida, uma vez que sociedade executada foi liquidada, ao que a Mrt. Juiz “a quo” entendeu pela sua não admissão, declarando extinta a presente execução.
7 – Porém, na extinção da Recorrida, os sócios omitiram a existência de dívidas da sociedade, nomeadamente para com a ora Recorrente.
8 – Sendo que sua liquidação, e consequente extinção, não prejudica a continuação das ações pendentes contra os sócios representados pelos liquidatários – art- 162º. e 163º. do C.S.C, visto que o crédito não desapareceu e, como tal, não se extinguiu a responsabilidade da sociedade.
9 – Não obstante, não foi este o entendimento sufragado pela Mrt. Juiz “a quo” entendendo que o registo do encerramento da liquidação da sociedade executada era datado de 14/11/2006, tendo a presente ação executiva dado entrada neste tribunal no dia 26/06/2009.
10 - Ora, não se pode aceitar o pressuposto em que é assente tal entendimento, uma vez que o direito reclamado na ação executiva é originado por uma ação laboral, à qual foi apensada a ação executiva, e onde a recorrida foi condenada no pagamento da quantia já acima mencionada;
11- Ação essa intentada oportunamente, e onde era de todo impossível o recorrente ter conhecimento da liquidação da sociedade.
12- De onde resultou de tal ação uma sentença condenatória onde consta expressamente “As partes tem personalidade e capacidade judiciária e são legitimas”.
13 - Ou seja, a obrigação que recai sobre a recorrida, era titulada por uma sentença válida e eficaz, sendo esta obrigação anterior à liquidação da empresa.
14 -Não se podendo aceitar deste modo a posição vertida no referido despacho de extinção,
15 - Até porque se a extinção das empresas lhe determinasse automaticamente a perda da sua personalidade jurídica e judiciária, “descartando” todas as obrigações assumidas, este seria um meio com toda a certeza utilizado para se furtarem ao cumprimento das suas obrigações, o que não pode ser aceite.
16 -Por conseguinte, não pode o recorrente, que detém um crédito devidamente reconhecido por sentença, ver o seu direito perdido em virtude de a recorrida, para se furtar às suas obrigações ter, já com o intuito de a ele se furtar, liquidado a empresa e indevidamente omitido esta divida.
17 – Sendo vasta a doutrina e jurisprudência que versa tal assunto.
18 – Onde se admite, inclusive, a possibilidade de no caso de a liquidação ser anterior à execução, o exequente solicitar o prosseguimento contra a generalidade dos sócios, o mesmo acontecendo na sua pendência.
19 – Salvo melhor opinião, andou mal o douto despacho de fls., que julgou extintos autos de execução, visto que pese embora a recorrida ter sido liquidada, não se extinguiram deste modo as suas obrigações.
20 - Tendo a recorrida declarado falsamente na assembleia de liquidação que todos os credores da sociedade estavam satisfeitos ou acautelados, pois pendia sobre esta uma ação que a condenou no pagamento de € 11.825,08, acrescida de juros de mora à taxa legar de 4% desde 27/07/2006 até integral pagamento.
21 - E tendo o recorrente prosseguido os autos de execução contra a sociedade liquidada, tendo posteriormente requerido o prosseguimento dos autos contra os seus sócios, não invalida a questão principal: O CRÉDITO DE QUE É TITULAR, DECORRENTE DE SENTENÇA, É PLENAMENTE VÁLIDO E NÃO FOI SATISFEITO, TENDO A RECORRIDA OMITIDO TAL DIVIDA AQUANDO A SUA LIQUIDAÇÃO, UTILIZANDO ESTE MEIO PARA SE FURTAR AO SEU PAGAMENTO.
22- A douto despacho/sentença violou deste modo por erro de interpretação os arts. 158º., 162º., 163 do Código das Sociedades Comerciais.
23 - Desta forma deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos contra os sócios da recorrida (…)».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir imediatamente nos autos, e com efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, considerando não estar em causa no recurso uma questão de âmbito jus-laboral, concluiu não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e, por consequência, estar-lhe vedado emitir parecer.

Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Questões a decidir e factos
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), a questão a decidir consiste em saber se face à dissolução e liquidação da executada, não tendo sido encontrados bens à mesma deve a execução prosseguir contra os ex-sócios.

Com vista à resolução da referida questão importa atentar aos factos, relevantes, que decorrem quer da presente acção, quer da acção (principal) declarativa condenatória:
1. em 06-11-2006, o aqui exequente propôs acção declarativa de condenação (a acção principal) contra a aqui executada, vindo por sentença de 23-06-2008, transitada em julgado e proferida na referida acção, a ora executada condenada a pagar ao ora exequente a quantia de € 11.825,08 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde 27-07-2006 até integral pagamento;
2. por escrita pública de 13-08-2002 foi constituída a sociedade/executada, com o capital social de € 5.000,00, correspondente à soma de duas quotas, com o valor nominal de € 2.500,00 pertencentes a cada um dos dois sócios;
3. por escritura pública de 31-10-2006 foi a sociedade executada dissolvida, tendo naquela sido declarado não ter activo a liquidar nem qualquer passivo;
4. datada de 14-11-2006, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães a dissolução da sociedade executada e o encerramento da liquidação;
5. em 28-02-2007 o ora exequente deduziu por apenso à acção declarativa (acção principal) incidente de habilitação contra as antigas sócias da sociedade;
6. o referido incidente veio por decisão de 24-10-2007 a ser indeferido, com fundamento que tendo a sociedade sido extinta já na pendência da acção, não se suspende a instância, nem é necessária a requerida habilitação, prosseguindo a acção os seus termos, sendo a sociedade substituída pelos sócios, representados pelos liquidatários judiciais;
5. a presente execução foi instaurada em 25-06-2009.

III. Fundamentação
Como resulta do relatório supra, o exequente, aqui recorrente, requereu ao tribunal a quo o prosseguimento da execução contra os sócios liquidatários da sociedade.
Por despacho de 18-09-2013 foi indeferido o requerido e julgada extinta a execução.
Para tanto, no referido despacho desenvolveu-se a seguinte fundamentação:
«No caso dos autos, o registo do encerramento da liquidação da sociedade executada data de 14/11/2006, tendo a presente acção executiva dado entrada neste tribunal no dia 26/06/2009.
Ora, como decorre das disposições legais supra aludidas, mormente da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, dissolvida a sociedade e efectuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC). Ou seja, perde a sociedade a susceptibilidade de ser parte na acção.
E, a ser assim, como decorre do que já se deixou dito, a execução aqui em causa já não poderia ser intentada, como foi, contra a sociedade executada (cfr. art. 814º, nº 1, al. c), do CPC), assim se impondo o seu arquivamento.
Mas poderia a mesma prosseguir contra os sócios liquidatários da sociedade, tal como pretende o exequente?
Parece-nos que não.
O art. 158º do CSC – sob a epigrafe Responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais, dispõe que «1 - Os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados. 2 – Os liquidatários cuja responsabilidade tenha sido efectivada, nos termos do número anterior, gozam de direito de regresso contra os antigos sócios, salvo se tiverem agido com dolo».
Como vemos, os presentes autos não servem para apurar dessa responsabilidade, que não se encontra assim decidida. Aliás, vista a acção principal, ali se vê que o aqui exequente, ali autor, sabia já da liquidação da sociedade executada, tendo inclusivamente disso sido notificado, após o que declarou, então em acta, que nada queria contra a sócia D… – ver fls. 147 - razão pela qual a mesma desistiu do pedido reconvencional que ali formulara.
Por outro lado, e pese embora no âmbito daquela acção a sociedade ali ré, aqui executada, tivesse sido substituída pelos seus sócios, representados pelos liquidatários sociais, tal como decorre da decisão proferida no apenso de habilitação de adquirente ou cessionário proferida em 24/10/2007, certo é que, ainda assim, o autor ali declarou nada querer contra a sócia D…, o que conduziu depois à sentença que condenou a ré (já liquidada) no pagamento em causa.
Não se compreende, pois, o teor do requerimento feito, na sequência do já constante de fls. 7, em que pretende que a execução, que tem por título uma sentença que condena uma sociedade liquidada, sociedade que logo foi accionada em sede executiva, prossiga contra as sócias E… e D… (de quem declarou nada pretender exigir).
Acresce que a presente acção executiva foi proposta, por força do título executivo, contra uma sociedade já extinta, pelo que, desde logo, falece o pressuposto processual que tal possibilitaria. Na verdade, a possibilidade legal de requerer o prosseguimento da acção contra os sócios da executada apenas seria possível se a presente acção estivesse pendente quando se deu a liquidação, que, como vemos, é bem anterior. Falece pois o pressuposto processual que possibilitaria a continuação a acção (ver art. 162º do CSC).»

Outro é o entendimento do recorrente, que sustenta, ao fim e ao resto, que aquando da extinção da sociedade executada os sócios omitiram a existência de dívidas por parte da mesma, designadamente em relação ao aqui exequente, e que a liquidação e consequente extinção não prejudica a continuação das acções contra os antigos sócios.
Analisemos, então, a questão.

Estabelece o n.º 2 do artigo 160.º, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC) que uma sociedade se considera extinta pelo registo de encerramento da liquidação.
Como resulta dos autos, a sociedade foi dissolvida e encerrada a liquidação, conforme registo comercial efectuado em 14-11-2006, o que significa que nessa data se considera extinta, perdendo, por isso, a personalidade jurídica e judiciária.
Porém, não obstante a extinção, tal não afecta as acções em que a sociedade seja parte, como resulta do disposto nos artigos 162.º, 163.º e 164.º do CSC.
Assim, no que toca às acções pendentes em que a sociedade seja parte, o art.º 162.º estipula, no seu n.º 1, que tais acções continuam após a extinção da sociedade, considerando-se esta substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5 e 164.º, n.ºs 2 e 5. E acrescenta, no seu n.º 2, que a instância não se suspende e que a habilitação não é necessária: em tal situação, as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (n.º 1, da artigo 162.º, do CSC); e os sócios respondem pelo passivo não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam em partilha (n.ºs 1, dos artigo 163.º e 197.º, do CSC).
Como assinala Raúl Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1993, pág. 480) «[e]xpressamente estabelecida na lei a responsabilidade dos sócios, em certa medida, pelas dívidas sociais e a titularidade dos sócios nos bens sociais, uns e outros não incluídos na liquidação, ficam afastadas as teorias que, por qualquer processo técnico-jurídico, concluam ou pela cessação de qualquer titularidade ou que atribuam esta à sociedade. Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.
O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais activo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.
O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes».

Assim, no caso que nos ocupa, a acção (principal) que anteriormente havia sido proposta contra a sociedade não se extinguiu com e por virtude da extinção desta, antes se operou uma modificação subjectiva e objectiva na obrigação, traduzida na responsabilização dos antigos sócios pela mesma, limitada ao montante que receberam em partilha (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2009, Recurso n.º 323/09, disponível em www.dgsi.pt).
Por isso mesmo, face à extinção da sociedade, tendo o ora recorrente intentado incidente de “habilitação de cessionários” contra os antigos sócios da sociedade, foi o incidente indeferido, com fundamento que tendo a sociedade sido extinta já na pendência da acção, a instância não se suspende nem é necessária a habilitação, prosseguindo a acção, com a substituição da sociedade pelos sócios, representados pelo liquidatário.
Decorre, pois, das disposições legais referidas que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da extinção da sociedade, passando esta, em regra, a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
E, concretamente quanto ao passivo social, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha.

Na escritura de dissolução da sociedade os sócios declararam que não havia activo nem passivo e, por isso, consideravam a sociedade liquidada, o que significa que não se procedeu à liquidação nos termos do artigo 146.º, do CSC.
Porém, daí não decorre que não pudessem existir bens a partilhar ou que os sócios não tenham recebido bens.
Como se acentua no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2008, (Proc. n.º 08B1184, disponível em www.dgsi.pt), para um caso em que os sócios fizeram a declaração referida (de inexistência de activo ou passivo), «[…] tal declaração é da mera responsabilidade daqueles, não representando a escritura prova plena quanto a esses factos. Trata-se duma declaração res inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos. Daí que apenas esteja plenamente provado que os sócios, outorgantes na escritura, fizeram aquela declaração, não se tendo já por provado que os factos nela referidos sejam verdadeiros. Podiam, consequentemente, tais factos ser impugnados pela autora, por não estarem cobertos pela força probatória plena do documento».

A questão que ora se coloca consiste em saber como determinar se os antigos sócios da sociedade receberam bens em partilha e o montante dos mesmos ou, dito de outra forma, a quem incumbe o ónus da prova do recebimento por parte dos antigos sócios de bens em partilha.
Ora, como decorre do artigo 163.º, n.º 1, do CSC, os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha, o que significa que era necessário provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados pelos sócios: tratam-se de factos constitutivos do direito do Autor à reparação por parte dos antigos sócios da sociedade (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Neste sentido se pronunciou explicitamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2008, supra referido, e, mais recentemente, o acórdão do mesmo tribunal de 07-02-2013 (Proc. n.º 9787/03.8TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.).
Escreveu-se, a propósito, neste último aresto: «O art.º 163º nº 1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342º do C. Civil nºs 1 e 2».

No caso em apreciação, na acção declarativa o Autor nada provou, nem sequer alegou, sobre a partilha e o recebimento de bens da sociedade por parte dos antigos sócios.
Por isso, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 158.º do CSC – que prevê a responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais –, já que nem sequer se demonstra que tenha existido qualquer partilha de bens da sociedade.
E, destinando-se a acção declarativa condenatória a “exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito” [artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do anterior Código de Processo Civil], esse seria o processo próprio onde o Autor deveria ter alegado e provado que os antigos sócios da sociedade receberam bens em partilha.
Porém, aí nada se alegou nem provou a tal respeito, e a sentença “limita-se” a condenar a Ré/sociedade (aqui executada) no pagamento ao Autor (aqui exequente) de uma determinada quantia.
Não obstante, ainda que se admitisse que na acção executiva o exequente pudesse vir a alegar e provar os factos referidos [note-se que a execução tem por base um título – no caso, a sentença condenatória – que determina o fim e o limite da acção executiva, visando, pois, tão só a realização material coactiva da prestação (artigo 45.º, n.º1, do anterior Código de Processo Civil)], o certo é que o aqui recorrente/exequente também nesta acção nada alegou nem provou a tal respeito, limitando-se, perante a não determinação de bens penhoráveis da executada, a requer que a execução prosseguisse contra as antigas sócias.
Por isso, não tendo sido feita prova que as antigas sócias da executada receberam bens desta em partilha, ao contrário do que sustenta o recorrente não pode a execução prosseguir contra as mesmas.
Nesta sequência, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida, embora com fundamentação jurídica não totalmente coincidente com a dela constante.

Vencido no recurso, o recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do novo Código de Processo Civil).
Isto sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por B… e, em consequência, embora com fundamentação jurídica não totalmente coincidente com a constante da decisão recorrida, confirma-se esta.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 13 de Janeiro de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
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Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do novo Código de Processo Civil:
(i) as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários;
(ii) os sócios respondem pelo passivo não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam em partilha;
(iii) por isso, a dívida da sociedade não se extingue com a extinção da sociedade, antes se opera uma modificação subjectiva e objectiva na obrigação, traduzida na responsabilização do(s) antigo(s) sócio(s) pela mesma, limitada ao montante que recebeu(ram) em partilha;
(iv) contudo, para que os sócios possam responder é necessário que o credor alegue e prove que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património.

João Nunes