Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0817858
Nº Convencional: JTRP00042423
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: FURTO QUALIFICADO
VALOR DIMINUTO
Nº do Documento: RP200904150817858
Data do Acordão: 04/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 575 - FLS 109.
Área Temática: .
Sumário: Desconhecendo-se o valor dos bens objecto de tentativa de furto, a dúvida sobre se o valor de tais bens é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 7858/08



Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

No .º juízo criminal da comarca de Matosinhos, no final de julgamento em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foi proferido acórdão que condenou o arguido B………., nas penas de
-2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do CP;
-9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 73º, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do mesmo código; e, em cúmulo, na pena única de
-2 anos e 9 meses de prisão.

O arguido interpôs recurso, sustentando, em síntese, na sua motivação:
-O tribunal recorrido errou ao dar como provados os factos descritos sob os nºs 6 a 13, pois não se fez prova suficiente de o recorrente os haver cometido.
-Foi violado o princípio in dubio pro reo.
-Mesmo que se entenda que esses factos se provaram, o crime de furto respectivo não é qualificado, por não haver escalamento.
-É excessiva a pena aplicada pelo crime de furto consumado.
-Bem como a pena aplicada ao concurso.

Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido pronunciou-se no sentido do provimento parcial do recurso.
Este foi admitido.
Nesta instância, o senhor procurador-geral-adjunto emitiu parecer naquele sentido.
Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP, nada tendo sido dito.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação:
Matéria de facto:
Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. A hora não concretamente apurada do período compreendido entre as 15:00 e as 18:50 horas do dia 31 de Outubro de 2005, o arguido B………. dirigiu-se à residência situada no edifício com o nº …, da Rua ………., em ………., área da comarca de Matosinhos, pertencente ao denunciante C……….., residência essa onde, na altura, não se encontrava qualquer pessoa, com o propósito de na mesma se introduzir e daí retirar, fazendo-os seus, dinheiro e/ou objectos de valor que aí encontrasse.
2. Assim, na sequência desses desígnios, o arguido B………., após haver partido, por processo não concretamente apurado, a janela do hall de entrada da referida habitação, logrou abri-la, por aí entrando em tal residência contra a vontade do dito proprietário.
3. Percorrendo então divisões da referida residência, o arguido pegou numa máquina de calcular, no valor estimado de cento e cinquenta euros, na posse da qual abandonou o local, saindo da dita residência, sendo que esse objecto, até ao momento, não foi recuperado.
4. Com a descrita actuação, o arguido causou estragos na mencionada residência em montante que o proprietário estimou em cento e cinquenta euros.
5. Quando assumiu a conduta descrita, o arguido B………. agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de se apoderar do objecto supra referido, o qual fez coisa sua, tal como era seu objectivo, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia, que tinha dono e que agia sem consentimento e contra a vontade daquele.
6. No dia 1 de Novembro de 2005, momentos antes das 9:50 horas, o arguido dirigiu-se à residência situada no edifício com o nº .. da ………., na localidade de ………., área da comarca de Matosinhos, com o propósito de na mesma se introduzir e daí retirar, fazendo-os seus, dinheiro e/ou objectos de valor que aí encontrasse, residência essa pertencente ao denunciante D………. .
7. Na sequência destes desígnios, após haver saltado para o muro de vedação do edifício com o nº …. da referida ………., passou deste para o do dito edifício com o nº .. e, introduzindo-se no espaço anexo a tal habitação, aproximou-se da respectiva porta da cozinha.
8. Seguidamente, encontrando esta porta aberta, por ali entrou na dita residência.
9. Contudo, encontrando no interior de tal habitação E………., neta do denunciante D………. e que de igual forma também o avistara, o arguido fugiu dali, saindo pela porta por onde entrara.
10. Quando assumiu a conduta descrita, o arguido B………. agiu também deliberada, livre e conscientemente, com intenção de se apoderar de dinheiro e objectos de valor que encontrasse no interior da residência supra referida, tal como era seu objectivo, o que só não conseguiu por, conforme se referiu, ter sido, entretanto, descoberto e, portanto, por razões alheias à sua vontade.
11. O arguido sabia que actuava contra a vontade do dono da referida residência, o qual não consentia na apropriação que pretendia efectuar.
12. Sabia de igual forma o arguido que a aludida residência não lhe pertencia e no entanto nela se introduziu, sem para tal estar autorizado, igualmente bem sabendo que actuava contra a vontade do legítimo dono.
13. Estava o arguido B………. ciente que todo o descrito comportamento era proibido e punido por lei.
14. O arguido, o mais novo de 4 irmãos, ficou órfão de pai aos 2 anos de idade.
15. A morte do pai constituiu um duro golpe na sustentabilidade do agregado familiar, dependente das receitas auferidas por aquele na empresa F………. em Matosinhos.
16. Em consequência, a progenitora entrou no mercado de trabalho, como empregada de cantina do F………., o que se repercutiu num certo afastamento do processo educativo dos filhos.
17. Foi neste contexto que o arguido se vinculou à figura da avó materna, mais próxima afectivamente e que o acompanhou de forma permanente até ao seu falecimento, contava o B………. 8 anos de idade.
18. O percurso escolar foi pouco investido, registando no seu currículo a conclusão do 5º ano de escolaridade.
19. Com 15 anos, experimentou os primeiros consumos de drogas, ainda que de forma esporádica.
20. Não obstante os hábitos aditivos que mantinha, inseriu-se profissionalmente, tendo trabalhado 9 anos como pasteleiro e depois, de forma mais esporádica, como pintor da construção civil e industrial.
21. Com 18 anos, casou com G…………, natural de Baião, com quem tem 4 filhos. Fixaram residência em Matosinhos durante 6 anos, mudando-se depois para a freguesia de …………, concelho de Baião, onde residem os sogros do arguido.
22. A transição foi negativa para o arguido, que intensificou os consumos de estupefacientes, adoptando um estilo de vida sem regras, inactivo e penalizador da manutenção do agregado familiar.
23. À data dos factos e no período posterior, o arguido vivia com o cônjuge e com os 4 filhos, no …………, freguesia de ………., concelho de Baião.
24. O arguido não tinha ocupação profissional, mantinha hábitos aditivos, colocando em risco a manutenção do seu agregado familiar.
25. Entretanto, a segurança social interveio no âmbito de processo de promoção e protecção social, levando à institucionalização dos filhos.
26. A retirada dos filhos e a sua reclusão criaram alguma instabilidade no relacionamento intra conjugal, conduzindo ao processo de divórcio em Maio de 2008.
27. Apesar da dissolução do matrimónio, a ex-mulher tem promovido os contactos entre B………. e os filhos, acompanhando-os nas visitas ao EPR de Lamego.
28. Quando regressar ao meio livre, B………. irá residir junto da progenitora e do padrasto em Matosinhos, retomando se possível a actividade de pasteleiro para a qual apresenta algumas competências.
29. Na comunidade, talvez porque B………. viveu durante os últimos anos em Baião, é desconhecida a sua actual situação de reclusão.
30. B………. está recluído no EPR de Lamego desde 23.02.2006, onde entrou na situação de preventivo, à ordem do processo nº ../06.1GBBAO, indiciado pelo delito de furto qualificado.
31. Actualmente, cumpre, em cúmulo jurídico, uma pena de prisão de 6 anos ao abrigo do processo nº ../06.9GBBAO, por crimes contra a propriedade.
32. Tem dois processos pendentes: um com o nº ../05.0GAMCN e outro com o nº …/05.3GBMCN.
33. O arguido exprime preocupação face ao actual processo, percebendo-se sinais de ansiedade por há muito tempo não ter contactos com o exterior.
34. Em meio prisional, tem visitas mensais da progenitora e de forma mais irregular dos seus filhos.
35. Frequenta o 3º ciclo e regista várias sanções disciplinares.
36. Em conclusão, B………. apresenta reduzidas habilitações escolares e baixa qualificação profissional, resultando em períodos de grande instabilidade com repercussões na situação económica e na funcionalidade do seu agregado familiar.
37. Em consequência de consumos intensos de estupefacientes, foi adoptando condutas desviantes que gradualmente o afastaram das responsabilidades familiares, colocando em risco a manutenção do seu agregado e a segurança dos seus descendentes que conheceram experiências de internamento em instituições do Estado.
38. Divorciado há alguns meses, a sua ex-mulher tem assegurado, no entanto, algumas visitas dos filhos ao EPR de Lamego, tal como a progenitora, seu principal suporte familiar, havendo disponibilidade para o apoiar em medidas de flexibilização da pena e futuramente na altura da sua restituição à liberdade.
39. Como se vê do seu CRC, o arguido foi condenado
- em 18.11.02, por crime de injúrias, por factos praticados em 8.2.01, na pena de 85 dias de multa (extinta pelo pagamento);
- em 24.6.2003, por crime de injúrias, por factos praticados em 8.2.01, na pena de 56 dias de multa;
- em 6.10.2005, por crime de furto, por factos praticados em 7.11.04, na pena de 40 dias de multa (extinta pelo pagamento);
- em 2.10.06, por 1 crime de burla (tentado), por 1 crime de furto qualificado, e por 4 crimes de falsificação de documentos, por factos praticados em 3.04, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão;
- em 4.12.2006, por crime de furto qualificado e por crime de falsificação de documentos, por factos praticados em 6.10.05, na pena de 4 anos e seis meses de prisão;
- em 26.4.2007, por crime de falsificação de documentos, por factos praticados em 21.9.04, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.
- em 20.12.2007, por crime de furto, por factos praticados em 12.7.05, na pena de 5 anos e 7 meses de prisão.
- em 14.4.2008, em cúmulo jurídico, na pena de 6 anos de prisão.

Questão prévia:
O recorrente discorda da decisão proferida sobre matéria de facto, defendendo que não se fez prova de que praticou os factos considerados provados sob os nºs 6 a 13, que por isso devem ser tidos como não provados.
Verifica-se, porém, uma circunstância que prejudica o conhecimento dessa questão, como se passa a explicar:
Esses factos foram considerados integradores de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 73º, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do CP. Mas, provando-se, integram apenas um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 203º, nºs 1 e 2, 22º, 23º, nº 2, e 74º, nº 1, alíneas a) e b), do CP. Não há lugar à qualificação, designadamente por escalamento, como se considerou na decisão recorrida, por aplicação da norma do nº 4 do artº 204º: «Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor».
Na verdade, desconhece-se o valor dos bens que o arguido pretendia e poderia subtrair, podendo ser diminuto. A dúvida sobre se o valor do objecto da tentativa de furto é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples. Neste sentido decidiu o STJ em acórdão de 12/11/1997, CJ, acs. STJ, 1997, III, 232. E também, em relação a crime de roubo, em acórdão de 17/12/1997, proferido no processo nº 1037/97, ainda que com anotação discordante do Conselheiro Simas Santos na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Julho-Setembro de 1998, páginas 459 e seguintes.
Sobre a matéria vale a lição de Figueiredo Dias: “ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (…), de exclusão da culpa (…) e de exclusão da pena (…), bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado prova completa da circunstância favorável ao arguido” (Direito Processual Penal, Volume I, 1974, página 215).
Ora, o procedimento criminal pela tentativa de furto simples depende de queixa, como se vê do nº 3 do artº 203º. E a queixa tem de ser apresentada no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores, sob pena de extinção do respectivo direito – artº 115º, nº 1. No caso, o ofendido, D………., teve conhecimento desses dados logo no dia dos factos, em 01/11/2005, através de sua neta, E………., que se encontrava no interior da habitação. E a queixa, consubstanciada em declaração de que desejava procedimento criminal contra o arguido contida no auto de fls. 180, só teve lugar em 16/11/2006.
Assim, a queixa, por se haver extinguido o respectivo direito antes de ser apresentada, é inoperante, tudo se passando como se não tivesse existido. Nesta parte não pode, pois, haver procedimento, por falta de legitimidade do MP.
Em consequência, eliminam-se dos factos considerados provados os descritos sob os nºs 6 a 13.

Medida da pena:
Para além das questões relacionadas com aqueles factos, o recorrente insurge-se contra a medida da pena aplicada pelo crime de furto qualificado – 2 anos e 6 meses de prisão –, pretendendo que foram desconsiderados o reduzido valor do objecto do crime, a confissão e o facto de ser à data dos factos toxicodependente.
Vejamos.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, nos termos do artº 71º do CP, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que aí se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.
À questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a prevenção responde o artº 40º, ao estabelecer, no nº 1, que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, no nº 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe um papel limitador, constituindo a sua medida um tecto que não pode ser ultrapassado.
Estas regras vêm sendo explicitadas na obra de Figueiredo Dias, podendo afirmar-se na esteira dos seus ensinamentos:
A pena tem como finalidade primordial a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, traduzida na necessidade de tutela da confiança e das expectativas comunitárias na manutenção da vigência da norma violada. Por outras palavras, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”.
Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”.
Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas, 79 a 82).
Noutra obra, sintetizando estes ensinamentos, o mesmo autor escreveu:
“(...) o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é “aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente” (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril – Dezembro 1993, páginas 186 e 187).
A pena abstractamente prevista para o crime é, no caso, de 2 a 8 anos de prisão.
O dolo é intenso, pois o arguido, para subtrair a máquina de calcular, entrou em casa do ofendido em pleno dia, sujeitando-se a ser visto, e teve de vencer dificuldades para o fazer, como subir a uma janela e parti-la, o que revela uma vontade muito determinada de praticar o facto.
O grau de ilicitude não é muito elevado, mas também não é reduzido, como pretende o recorrente, visto que, se é baixo o valor da coisa furtada, houve outra consequência da sua conduta: a fractura da janela por onde entrou na casa.
Assim, perante aquele dolo intenso e esta ilicitude, a culpa pode considerar-se média.
O recorrente pretende que a culpa se deve considerar diminuída, por ser à data dos factos toxicodependente, circunstância que lhe diminuía «a capacidade de determinação livre da vontade», na medida em que «a sensação de carência a que chega o toxicodependente o torna obcecado para tudo tentar no sentido de obviar a esse estado». Mas o que se provou foi apenas que à data dos factos o arguido era consumidor de produtos estupefacientes, e não que actuou em estado de carência do consumo desses produtos, ou seja, nenhuma relação foi estabelecida ou pode ser estabelecida entre o consumo de estupefacientes por parte do arguido e a prática do crime em análise.
Ao contrário do que alega, a confissão não foi dada como provada. O que se diz na motivação da decisão de facto, não nesta, é que o arguido disse não ter na altura «consciência do que fazia», admitindo «ter sido o autor do assalto à casa do ofendido», uma vez que «encontrou no seu bolso uma máquina de calcular que não era sua». De qualquer modo, esse gesto de admitir que terá sido o autor da subtracção foi de pouco relevo para a decisão, visto que os factos sempre se teriam como provados com base nos relatórios periciais sobre os vestígios deixados pelo arguido dentro da casa.
Por outro lado, são muito significativas as necessidades de prevenção especial, em face das várias condenações já sofridas pelo arguido, quatro delas por crimes da mesma natureza da do crime aqui em julgamento – furto –, a revelarem propensão para a prática deste tipo de crime.
E são consideráveis as exigências de prevenção geral, em função da insegurança que o número crescente de assaltos a casas de habitação vem criando na comunidade e da facilidade com que o arguido se determinou à prática do crime, revelada nas circunstâncias que o rodearam.
Neste contexto, o mínimo de pena imprescindível ao restabelecimento da confiança colectiva na validade da norma violada situa-se bem acima do limite mínimo da moldura penal que, como se viu, é de 2 anos de prisão. Tendo a pena sido fixada em 2 anos e 6 meses de prisão, muito perto desse limite mínimo e muito longe do limite máximo que, relembra-se, é de 8 anos, claramente não foram desrespeitados em desfavor do arguido os indicados critérios de determinação da medida da pena. E por isso nada a censurar à decisão recorrida nesta parte.

Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em
-revogar o acórdão recorrida na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 203º, nºs 1 e 2, 22º, 23º, nº 2, e 74º, nº 1, alíneas a) e b), do CP, por ilegitimidade do MP para exercer a acção penal;
-negar provimento ao recurso na parte em que o arguido pretendia ver reduzida a medida da pena aplicada pelo crime de furto qualificado consumado.
O recorrente vai condenado a pagar as custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs. Os honorários do seu defensor oficioso são os fixados na tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.

Porto, 15/04/2009
Manuel Joaquim Braz
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima