Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
846/07.9TBPRG-A.P1
Nº Convencional: JTRP00042553
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
SENHORIO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP20090507846/07.9TBPRG-A.P1
Data do Acordão: 05/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 3^SECÇÃO - LIVRO 798 - FLS 108.
Área Temática: .
Sumário: Na falta de contrato (de arrendamento) escrito, não dispõe o senhorio do título executivo (extrajudicial) previsto no art. 15º, nº1, al. e), 1ª parte, do NRAU.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo nº 846/07.9TBPRG-A.P1
Tribunal Recorrido: .º Juízo do Tribunal Judicial da Régua
Relator: Carlos Portela (147)
Adjuntos: Des. Joana Salinas
Des. Maria Catarina Gonçalves



Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto


I-Relatório:
B………. e C………., intentaram a execução para entrega de coisa certa, contra D………., Ldª, pedindo assim a entrega do imóvel que lhe haviam arrendado, invocando a falta de pagamento das rendas devidas há mais de três meses.
Para tanto juntaram a notificação judicial avulsa, feita ao executado em 27.9.2007 e constante de fls.9 e seguintes dos autos a estes apensos.
Devidamente citadas nos termos do artigo 928º do Código de Processo Civil, veio a executada deduzir a presente oposição, alegando em suma, o seguinte:
A presente execução é manifestamente infundada e por isso deveria ter sido liminarmente rejeitada.
Isto porque com a mesma, os exequentes visam o despejo do local arrendado, utilizando como título executivo e nos termos do disposto no artigo 1084º, nº1 do Código Civil, a notificação judicial avulsa acima já referida.
Mas esta só operaria se aguardados 3 meses subsequentes à notificação, os executados não pusessem fim à mora, pelo que, efectuada a notificação em 27.9, e intentada a execução em 2.11., a mesma é intempestiva e não tem fundamento, já que além do mais, a executada irá por fim à situação de mora em que se encontra.
Recebida a oposição e notificados os exequentes, para querendo, contestarem a mesma, vieram estes confirmar que em 20.12 haviam recebido um cheque para pagamento das rendas em divida, no montante de 7.096,24 €, que devolveu aos executados por o considerar intempestivo e insuficiente para liquidação integral dessas rendas.
Alegam ainda que não cumpriria esperar pelos três meses invocados pelos AA, já se tendo assim operado a mora e concluem pela improcedência da oposição deduzida.
Designada uma tentativa de conciliação, não foi possível a resolução consensual do litígio.
A fls.54 e seguintes dos autos, foi proferida decisão na qual se julgou procedente por provada a oposição à execução, dada a inexequibilidade do título executivo e, consequentemente extinta a execução.
Desta decisão recorreu o Exequente.
Tal recurso foi considerado tempestivo e legal, admitido como sendo de agravo, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
Os Agravantes alegaram e a Agravada contra alegou.
O Tribunal sustentou a decisão recorrida.
Recebido o processo nesta Relação, foi proferido despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento, cumpre apreciar o presente recurso.
*
II-Enquadramento de facto e de direito:
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 684º, nº3 e 690º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC) e sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso, o objecto deste agravo está definido pelo teor das conclusões dos Agravantes na suas alegações de recurso.
E estas são do seguinte teor:

…………………………………………
…………………………………………
…………………………………………

Quanto à Agravada esta pugna pela manutenção da decisão recorrida, por considerar que a mesma interpretou e aplicou correctamente as normas dos supra citados artigos.
*
O Tribunal “a quo” e por considerar os mesmos relevantes, para a decisão a proferir, deu como provados os seguintes factos:
1.Por comunicação operada em 27.9.2007, os exequentes comunicaram à executada aqui oponente, a resolução do contrato de arrendamento entre ambos celebrado, por falta de pagamento das rendas, nos termos constantes da notificação judicial avulsa junta à execução apensa a fls. 9 e seguintes cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2.Com base em tal comunicação e em 2.11.2007, os exequentes instauraram a execução para entrega de coisa certa apensa.
3. A executada, em 20.12.07, enviou aos exequentes o cheque no montante de € 7026,54 destinado ao pagamento das rendas em falta, há mais de três meses, até essa data acrescido da indemnização de 50 %.
4.Por carta junta aos autos a fls. 27 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e pelos fundamentos aí constantes, aos exequentes devolveram à executada o cheque referido em 3).
*
Verificamos pois que a questão que importa ser aqui abordada, tem a ver com o facto dos exequentes e ora agravantes serem ou não detentores de título executivo bastante para intentaram contra a executada/agravada a execução de que esta oposição é processualmente dependente.
É por todos sabido, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites (cf. artigo 45º do CPC).
Tal peça processual é pressuposto ou condição geral de qualquer execução, sendo elemento necessário e suficiente à instauração de uma acção executiva.
Á execução apenas podem servir de base os títulos melhor enumerados nas alíneas a) a d) do nº1 do artigo 46º, sempre do CPC.
Como decorre do advérbio apenas, a enumeração dos títulos executivos é taxativa, pelo que qualquer outro título que não venha incluído na referida prescrição poderá ser utilizado como documento em processo de declaração, mas não terá a virtualidade de ser gerador de uma acção executiva (cf. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, a pág.24 da 10ª edição).
Da análise do citado artigo 46º, nº1, verifica-se que ao lado das sentenças condenatórias, que constituem os chamados títulos executivos judiciais, perfila-se um alista de outros documentos, os denominados títulos executivos extrajudiciais, também eles susceptíveis de servirem de base à execução.
Nestes últimos, incluem-se os documentos exarados ou autenticados por notário, os documentos particulares, os documentos a que seja atribuída força executiva e os títulos exarados em país estrangeiro.
No que concerne a esta última “espécie” e perante a situação em apreço, parece-nos relevante aludir ao que actualmente decorre do artigo 15º da Lei nº6/2006 de 27.02. com a as alterações introduzidas pela Declaração de rectificação nº24/2006 de 17.04 (comummente apelidado NRAU).
Assim no nº1 deste artigo, consigna-se o seguinte:
“Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa “, enumerando-se de seguida nas várias alíneas do mesmo normativo, as situações em relação às quais a lei substantiva considera estar-se perante verdadeiros títulos executivos, como já vimos de natureza extrajudicial.
E como é do conhecimento geral o NRAU trouxe novidades no direito adjectivo da acção de despejo.
Desde logo, quando afasta a obrigatoriedade de recurso à acção de despejo por falta de pagamento de rendas, antes permitindo ao senhorio usar da resolução extrajudicial, através da devida comunicação (cf. artigos 1083º, nº 3 e 1084º/1 do CC e 9º/7 da Lei nº 6/2006).
Não desocupando o arrendado na sequência dessa resolução, pode o senhorio lançar mão da acção executiva (para entrega de coisa certa) para obter o arrendado livre e desocupado (cf. art.º 15ºº, nº2 da Lei nº 6/2006).
Como já vimos, foi este exactamente o meio processual aqui utilizado pelos exequentes e ora agravantes.
Sendo assim importa pois apurar se no caso, se encontram preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para que tal meio processual pudesse ter sucesso.
Ora, como refere Gravato Morais, no Novo Regime do Arrendamento Comercial, Almedina, 2006, págs.104 e 105, “ Nos termos do disposto no art.1083º, nº3, do Código Civil (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda.
Por força do disposto no art.1084, nº1, a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista naquele nº3, opera por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida.
Tal resolução, no entanto, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses (nº3, do art.1084º).
A referida comunicação é efectuada mediante notificação avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução (art.9º, nº7, da Lei nº6/2006, de 27/2 – Nova Lei do Arrendamento Urbano – NLAU).
Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação, serve de base à execução para entrega de coisa certa, sendo igualmente título executivo para a acção de pagamento de renda (art.15º, nºs 1, al. e) e 2, da NLAU).”
Na sentença recorrida, a Senhora Juiz defendeu a ideia de que no caso dos autos, os exequentes para além de não terem esperado pelos 3 meses a que alude o n.º 3 do 1084.º do CC, prazo durante o qual a execução poderia ficar sem efeito, recusaram ainda, a prestação que lhe foi oferecida pelo devedor, no montante de € 7026,54, suficiente para por fim à mora, e ainda oferecido dentro do prazo de 3 meses, contados desde a notificação da resolução do contrato -20.9,2008.
Por isso, concluiu no sentido de que o título dado à execução, é inexequível.
Desde já podemos dizer que o despacho recorrido nos merece censura.
Na verdade, sendo certo que ao arrendamento em apreço nos presentes autos se aplica o regime da já citada Lei nº 6/2006, de 27.02, por força do disposto no seu art.º 65º, nº 2 e do art.º 12º, nº 1, Código Civil, não pode aceitar-se a tese acolhida pelo despacho recorrido de que o senhorio apenas pode resolver extrajudicialmente o contrato de arrendamento de prédio urbano por falta de pagamento da renda devida pelo inquilino após três meses de falta de pagamento da renda mensal devida, por comunicação à contraparte através de notificação judicial avulsa, assim interpretando as disposições dos artigos 1083º, nºs 2 e 3 e 1084º Código Civil, redacção do NRAU e artigos 9º, nº7 e 14º do NRAU.
No entendimento da decisão recorrida o senhorio, no caso os exequentes, estariam obrigados a esperar o decurso do prazo de três meses, contados da comunicação operada no sentido da resolução do contrato por falta de pagamento de rendas para só depois fazer uso da via executiva nos termos já suficientemente referidos.
Como aliás se defendeu no Acórdão desta RP de 31.01.2008, (Madeira Pinto), proferido no processo nº0736573, em www.dgsi.pt/jtrp, tal interpretação seria desde logo manifestamente inconstitucional por violação clara do direito à Justiça consagrado no art.º 20º, nº 1, Constituição da República Portuguesa de 1976 e de que é corolário o disposto na norma do nº 2, do art.º 2º do Código de Processo Civil.
Refere-se ainda na citada decisão, que mesmo numa leitura literal do disposto no art.º 1083º, nº 3, CC, na redacção do NRAU, relevante é a mora superior a três meses no pagamento da renda para efeitos de não ser exigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento, sendo certo que a renda é mensal é devida no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior ao que diz respeito, aliás de acordo com o disposto nos artigos 1075º, nº2, 1041º, 1038º, al. a), 804º, nº 2 e 805º, nº 2, al. a), todos do Código Civil vigente.
Mas, nem sequer é exigível ao senhorio esperar pela mora superior a três meses no pagamento de uma das prestações correspondentes à renda mensal para recorrer à via judicial e ver declarada a resolução do contrato por esse fundamento, em virtude da violação contratual do inquilino, de acordo com o disposto nos artigos do Código Civil imediatamente atrás referidos e ainda, nos artigos 1047º, 1048º e 1083º, nºs 1 e 2, CC, redacção do NRAU, nos artigos 2º, nº2 do CPC e no artigo 20º, nº 1da CRP.
A lei, reconhecendo a sabida demora no recurso à via judicial devido à “saturação processual” nos tribunais portugueses, veio permitir ao senhorio o recurso a resolver o contrato de arrendamento urbano por via extrajudicial nos termos e condições previstos expressamente nos referidos artigos 1083º, nº 3 e 1084º, nºs 1, 3 e 4, CC, na redacção do NRAU, em duas situações em que a situação que confere direito à resolução contratual se apresenta manifestamente comprovada: mora superior a três meses no pagamento de renda e oposição do inquilino à realização de obra ordenada por autoridade pública.
Tudo aponta pois, no sentido de se considerar não ser exigível ao senhorio, aguardar pelo prazo de três meses, contados a partir da comunicação a que alude o nº1 do artigo 1084º do CC, para que lhe seja possível recorrer à via executiva.
Será igualmente esta a posição defendida por Fernando Baptista de Oliveira, a pág.83 da sua obra Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, quando a dado passo afirma:
“O senhorio é que escolherá: ou aguarda pelo decurso dos três meses para a resolução extrajudicial, através da comunicação por carta registada com aviso de recepção, instaurando, então, a competente acção executiva; ou avança logo que o arrendatário esteja em mora no pagamento da renda por período de (apenas) um ou dois meses, recorrendo, então, à acção declarativa (…)”.
Voltando ao caso concreto e tendo nomeadamente em conta o que ficou assente nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto provada, nada nos levaria a daí retirar que o título dado à execução carece de inexequibilidade.
No entanto, tal conclusão deve decorrer do conjunto de razões que passamos a descrever.
Como já antes afirmamos o artigo 15º do NRAU nas suas várias alíneas, enumera os títulos que servem de base à execução para entrega da coisa arrendada.
Assim, são hoje títulos executivos extrajudiciais, os seguintes:
a) O contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no nº2 do artigo 1082º do CC, em caso de cessação por revogação;
b) O contrato escrito donde conste a fixação do prazo, em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável por ter sido celebrado para habitação não permanente ou fim especial transitório;
c) O contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC, em caso de cessação por oposição à renovação;
d) O contrato de arrendamento, acompanhado dos comprovativos das comunicações previstas na alínea c) do artigo 1101º do CC e no artigo 1104º do mesmo diploma, em caso de denúncia por comunicação;
e) O contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº1 do artigo 1084º do CC, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra, em caso de resolução por comunicação;
f) O comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento da resposta do arrendatário, em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos do nº5 do art.º 37º do NRAU ou do art.º 43º do mesmo diploma.
Afigura-se-nos claro, que a situação em apreço nos autos é enquadrável na supra referida alínea e) do artigo 15º do NRAU e por isso aos exequentes cabia juntar na execução da qual esta oposição é processualmente dependente, a prova documental aí expressamente aludida.
Ora como os próprios exequentes alegaram no requerimento executivo inicial, não existe contrato escrito já que o arrendamento em apreço foi verbalmente celebrado há mais de 40 anos.
Refira-se que tal facto não foi de nenhum modo impugnado pela executada, designadamente no âmbito desta oposição à execução.
Sendo assim e na falta de contrato escrito, estava vedado aos exequentes o recurso à via executiva, nos termos dos dispositivos legais, antes melhor aludidos (cf. Acórdão da Relação de Lisboa, CJ, ano XXXII, tomo III, a págs. 94 e seguintes).
Deste modo e tendo em conta o disposto na alínea a) do artigo 814º do CPC, a consequência necessária a retirar será pois a da procedência da presente oposição.
E a tal não obsta a circunstância desta questão não ter sido suscitada pelas partes no âmbito deste recurso, já que por força do preceituado no artigo 820º, nº1 do CPC, esta é daquelas onde o conhecimento oficioso se impõe.
Em conclusão e ainda que com razões jurídicas diversas, não deve pois ser revogada a decisão recorrida.
*
III-Decisão:
Pelo exposto, acorda-se pois em negar provimento ao presente agravo e ainda que com base em fundamentos diversos, confirma-se a decisão recorrida.
*
Custas a cargo dos Agravantes (artigo 446º, nº1 e 2 do CPC).
*
Notifique.

Porto, 7 de Maio de 2009
Carlos Jorge Ferreira Portela
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Maria Catarina Ramalho Gonçalves