Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
167/10.0TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: CONTRATO A TERMO
PREFERÊNCIA NA ADMISSÃO
Nº do Documento: RP20110124167/10.0TTBRG.P1
Data do Acordão: 01/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não basta verificar-se um dos motivos previstos no nº 2 do artigo 249º do CT para que o trabalhador possa ver a sua falta justificada pela entidade patronal. É que sobre si impende ainda a obrigação de comunicar a ausência ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo.
II – Mesmo comunicada atempadamente a ausência, o trabalhador, para ver a falta como justificada, pode ter, caso a entidade empregadora o exija nos 15 dias à respectiva comunicação por si feita, que fazer prova do facto invocada para a justificação, a prestar em prazo razoável [artigo 254º, nº 1 do CT].
III – Não tendo o trabalhador feito oportunamente a prova das exigências justificativas exigidas pela entidade empregadora, a sua prova mais tarde não convalida as faltas injustificadas em justificadas.
IV – Do nº 2 do artigo 351º do CT de 2009 resulta que as faltas injustificadas podem constituir justa causa de despedimento:
a) Se independentemente do seu número, determinarem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa;
b) Se atingirem, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
V – A quantificação do número de faltas pelo legislador deve ter uma consequência e revela uma intenção. Não se afigura todavia que objective a avaliação do comportamento do trabalhador que deve passar pelo crivo dos requisitos gerais da justa causa para que constitua fundamento de extinção do contrato.
VI – Provado que o trabalhador faltou injustificadamente o número de vezes fixado na lei presume-se que o comportamento assume gravidade tal que é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 167/10.0TTBRG.P1 REG.40
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrentes/Recorridos: B………., S.A. e C………..
Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
C………., residente na ………., Cx …, ….-… Braga, intentou, ao abrigo do artigo 98º-C do CPT em conjugação com o artigo 387º do CT, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra, B………., S.A., pessoa colectiva nº ………, com sede na Rua ………., Lotes . e ., opondo-se ao seu despedimento.
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Procedeu-se a audiência de partes não tendo sido possível obter a sua conciliação das partes, tendo o trabalhador optado pela indemnização em substituição da a reintegração.
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A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT onde reitera os factos imputados ao ora Autor na nota de culpa e decisão de despedimento, nomeadamente que o trabalhador no ano de 2009 faltou 212 horas injustificadamente ao trabalho, ou seja, mais de 26 dias.
Os factos provados que lhe são consubstanciam uma violação muito grave dos deveres de pontualidade, assiduidade, zelo e diligência, violando as alíneas b) e c) do artigo 128º do Código do Trabalho, integrando ainda os mesmo factos justa causa para o despedimento que veio a ocorrer, ao abrigo do artigo 351º n.º 1, n.º 2 als. d) e e) do Código do Trabalho.
Pois que, na verdade, a conduta do A. tornou a manutenção do contrato de trabalho pratica e imediatamente impossível.
Sem prescindir, caso viesse a ser declarado ilícito o despedimento do A., à compensação peticionada teriam de ser deduzidas as retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da presente acção (artigo 390º n.º2 do Código do trabalho).
Do mesmo modo e nessa hipótese, teriam ainda de ser deduzidas as importâncias que o A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente a título de subsídio de desemprego. (artigo 390º n.º2 do Código do Trabalho).
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser reconhecida a regularidade e licitude do despedimento preferido pela R., condenando-se a A. nos termos legais.
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O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, negando que tivesse faltado injustificadamente durante 26 dias, mas apenas durante 6 dias interpolados. Refere ainda que as faltas em causa foram dadas apara dar assistência à sua mãe que se encontrava doente, não havendo qualquer outra pessoa que o fizesse em vez dele, e que sempre informou a sua entidade patronal das faltas que ia dar com a devida antecedência, não tendo causado qualquer prejuízo à Ré.
Deduziu, ainda, reconvenção, pedindo que seja “julgado improcedente a justa causa de despedimento invocada pela Ré por não provada e em consequência declarar-se que o despedimento do A. foi ilícito e julgar procedente o pedido reconvencional por provado, condenando-se a Ré a pagar ao A. a quantia de 16.324,74 €, acrescida das retribuições vincendas até transito em julgado da presente acção, juros de mora a contar da entrada do requerimento inicial nos presentes autos.
Para fundamentar o pedido reconvencional, alega que o despedimento é ilícito por não baseado em justa causa.
As faltas justificadas por certificado de incapacidade para assistência a familiares não contam para efeitos de faltas para assistência a familiares previstas no artº 252 do Código do Trabalho.
Sendo ilícito o A. tem direito a indemnização, pela qual desde já faz opção, de antiguidade, na base de 45 dias de salário por ano de antiguidade, o que perfaz o montante de € 12.195,14.,atento o salário mensal de 582,00 € e a antiguidade de 10 anos e 1 mês.
O A. tem direito ainda aos salário vencidos desde 30 dias antes da entrada do presente processo em Tribunal, ou seja, desde 12.01.2010, até transito em julgado da decisão, nesta data vencidos 1629,60 €.
O A. ainda tem direito a reclamar indemnização pelos danos morais que lhe foram causados pela Ré com este despedimento ilícito.
O A. já bastante angustiado com a situação da mãe, ainda mais ficou com o processo disciplinar que lhe foi instaurado e consequente despedimento.
Na verdade, o A. ficou bastante abalado com todo o processo.
O A. apenas faltou ao trabalho porque a sua mãe tinha necessidade absoluta do seu auxilio e por isso mesmo lhe foram passados certificados de incapacidade para assistência à sua mãe.
Agora além de ter de prestar assistência à sua mãe ainda perdeu o emprego.
O A. ficou muito abalado por toda esta situação, que considera uma grande injustiça.
Pelos danos morais em que se traduz toda esta angústia, tristeza e injustiça, o A. reclama da Ré a uma indemnização não inferior a 2.500,00 €.
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A Ré respondeu para impugnar a reconvenção deduzida pelo Autor, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional.
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Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da base instrutória.
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Iniciada a audiência de julgamento, ambos os mandatários das partes prescindiram da prova testemunhal, tendo, ainda, acordado na matéria de facto provada.
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Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“IV – Pelo exposto, julgando improcedente a pretensão da Ré empregadora e procedente, parcialmente, a reconvenção deduzida pelo Autor (trabalhador):
a) declaro a ilicitude do despedimento;
b) condeno a Ré a pagar ao A., a quantia de 6.715,38 €, bem como as retribuições que forem devidas desde 12/07/2010 até ao trânsito em julgado desta sentença, tudo acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano, sendo sobre o montante indemnizatório de 3.223,38 € desde a data do trânsito da presente sentença e sobre o restante desde a citação, e em qualquer dos casos até integral pagamento;
e
c) absolvo a Ré empregadora do restante pedido reconvencional.
*
Custas da acção e reconvenção pelo Autor e Ré, na proporção do respectivo decaimento.»
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Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, concluindo que:
1) O Tribunal a quo fez uma aplicação claramente errada da lei aos factos provados.
2) Mais do que isso, em face dos mesmos factos dados por provados, o Tribunal a quo extraiu conclusões que não encontram qualquer sustentabilidade naquela matéria. 3) Conclusões essas que necessariamente inquinam a apreciação jurídica do processo, inviabilizando uma solução justa.
4) Entendeu o Tribunal a quo que relativamente às faltas mencionadas na alínea N) dos factos provados (ocorridas entre 14/08/2009 e 09/09/2009), apenas 5 são de considerar injustificadas.
5) Para tanto, argumenta o Tribunal que o trabalhador preencheu os requisitos enumerados no n.º 4 do artigo 252º do Código do Trabalho.
6) A Recorrente não pode aceitar tal conclusão.
7) De acordo com a matéria probatória, para justificação das faltas ocorridas entre 14/08/2009 e 09/09/2009, o Recorrido apenas fez chegar à Recorrente dois certificados de incapacidade para o trabalho por motivo da doença da sua mãe (vide alíneas O e P dos factos provados).
8) Isto é, não resultou provado – por acordo das partes – que o Recorrido tenha entregue à Recorrente o tal atestado da Junta de Freguesia.
9) É porém certo que tal atestado consta do processo disciplinar, tal como refere o juiz a quo. Acontece que tal documento apenas figura no processo porque o Recorrido – então arguido no processo disciplinar – o fez juntar à resposta que apresentou à nota de culpa.
10) Por este mesmo motivo, jamais poderia o Tribunal a quo entender como contemporânea a entrega dos certificados de incapacidade que a Recorrente admite ter recebido para justificação das faltas, com um documento que apenas foi elaborado e chegou ao conhecimento da Recorrente, na pendência do processo disciplinar.
11) Por via disto, não é pois admissível a conclusão do Tribunal, segundo a qual, por via deste atestado, o trabalhador cumpriu o requisito imposto pela aliena b) do n.º 4 do artigo 252º do Código do Trabalho.
12) Andou mal o Tribunal na avaliação dos elementos probatórios, equivocando-se de forma crassa.
13) Mesmo a considerar que a entrega de tal documento tivesse ocorrido tempestivamente – algo que sucederia na sequência do facto provado na aliena O) – o que não veio a suceder, jamais dali se pode extrair que o recorrido provou:
Que vive com a sua mãe;
Que os únicos membros do agregado familiar são ele próprio e a sua mãe;
Que, caso existam outros membros do agregado familiar que exerçam actividade profissional, não faltaram pelo mesmo motivo ou estão impossibilitados de prestar assistência.
14) Na verdade, o atestado a que faz menção, erradamente, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, diz tão pouco que o Recorrido “é filho único, sendo ele, portanto, que dá todo o apoio à sua mãe em caso de doença”.
15) Ora, o facto do Recorrido ser filho único, não demonstra que aquele vive na mesma casa da mãe; não demonstra tão pouco que a sua mãe vive sozinha e, muito menos demonstra que a sua mãe é solteira ou não viva em economia comum com outra pessoa, por exemplo.
16) Mesmo considerando a excepção prevista no n.º 3 do artigo 252º do Código do Trabalho, o Recorrido não estava dispensado de demonstrar qual o agregado familiar da sua mãe e, ainda, que nesse agregado não há outra pessoa que tenha faltado pelo mesmo motivo.
17) É certo que no referido n.º 3 do artigo mencionado, em caso de parente ou afim em linha recta ascendente do trabalhador, não é necessário que este pertença ao mesmo agregado familiar. Ainda sim, tal não dispensa o trabalhador de demonstrar que era o único apto a prestar assistência à sua mãe e que, no agregado familiar daquela, nenhuma outra pessoa o podia fazer ou, mais do que isso, efectivamente fez.
18) Ou seja, muito embora o legislador não impunha como condição a obrigatoriedade do trabalhador integrar o agregado familiar do ascendente em linha recta, não deixa de cair sobre o mesmo trabalhador a incumbência de demonstrar que, efectivamente, aquele foi o único a usufruir das faltas justificadas sob esse motivo para assistir o designado familiar. Se assim não fosse, estaríamos perante um contra-censo e um interpretação manifestamente contrária à letra espírito da lei.
19) Aqui chegados, constata-se pois que o recorrido não deu integral cumprimento ao disposto no artigo 252º do Código do Trabalho, não sendo por isso legítimo que se conclua – como fez o Tribunal a quo – que o trabalhador cumpriu as determinações atinentes à justificação daquelas faltas. Pelo que, teriam as mesmas de se considerar injustificadas.
20) Acresce que, apesar de instado pela Recorrente a fazê-lo – vide alienas k), L), M), N) e O) dos factos provados – o Recorrido não provou nem justificou as suas ausências, como também não demonstrou se as mesmas foram imprevisíveis ou se esteve impossibilitado de comunicar as mesmas com a antecedência prevista no artigo 253º do Código do Trabalho.
21) Também por este motivo, deveria o Tribunal a quo considerar que as faltas ocorridas entre 14/08 de 2009 e 09/09/2009, foram, todas elas, injustificadas.
22) Na fundamentação da sua decisão, considerou o Tribunal a quo que o recorrido não agiu com culpa, porquanto a obrigação de cumprimento do seu dever de assiduidade foi suplantado por um dever legal e moral externo e superior.
23) Tal como resulta dos factos provados nas alíneas K) a O), após a recepção dos certificados de incapacidade para o trabalho entregues pelo Recorrido, a Recorrente interpelou aquele por carta para fazer prova do carácter inadiável e imprescindível das faltas; do agregado familiar da mãe, mas também informou que as faltas por tal motivo estavam limitadas as 15 por cada ano civil, advertindo o Recorrente que as suas ausências iam para além desse mesmo limite.
24) Não obstante o cuidado da Recorrente em alertar o Recorrido para estes factores, este apenas e tão só entregou um atestado médico e nada mais.
25) Em face da documentação entregue, jamais se poderá, por exemplo, concluir que para além do Recorrido, não existiram outras pessoas que fizeram uso do mesmo motivo para, também elas, faltar ao trabalho.
26) Acresce neste particular, que não é despiciendo o facto de estarmos perante um trabalhador que, pouco tempo antes, tinha sido já sancionado disciplinarmente pela violação do seu dever de assiduidade, com perda de dias de férias – vide alínea Q) dos factos provados.
27) Mais que não fosse, esse teria sido motivo plenamente suficiente para que o trabalhador assumisse uma conduta idónea para com a sua entidade patronal, fazendo prova suficiente dos motivos das suas faltas.
28) Mais não se pedia ao recorrido do que ter um comportamento regrado pelo bom senso, segundo os ditames de um “bom pai de família”.
29) Por conseguinte, tendo o Recorrido ignorado as solicitações da Recorrente para a justificação das suas 20 faltas (só naquele período), agiu obviamente com culpa na sua modalidade mais grave (dolo directo), evidenciando total desprezo pelos interesses legítimos do seu empregador.
30) Na verdade, os factos provados no processo apenas permitem concluir, quando muito, que a mãe do Recorrido esteve doente e necessitava de cuidados. Nada mais! A verdade é que o Recorrido não demonstrou mais do que isso. E a verdade também, é que isso não pode ser considerado suficiente para que se desculpabilize a conduta de um trabalhador que despreza as solicitações legítimas da sua entidade patronal, mesmo quando instado a cumpri-las.
31) Se tal conclusão não se pode extrair dos factos provados, como melhor se expôs no capítulo anterior, por maioria de razão também não poderia o mesmo Tribunal concluir que o motivo dessa mesma falta foi efectivamente honroso e forçoso para o recorrido. Por outras palavras, não poderia o Tribunal a quo – porque os factos provados não lhe permitem – concluir que a violação do dever de assiduidade do Recorrido foi suplantado por um efectivo dever legal e moral superior.
32) Refere o Tribunal a quo que a Recorrente não fez prova das perturbações sofridas pelas faltas sem comunicação prévia e injustificadas do Recorrido.
33) A este propósito, cabe desde já recordar que entre as 26 faltas registadas pelo trabalhador, 6 delas – ocorridas entre 3 e 10 de Setembro – são seguidas.
34) Ora, mesmo que se entendesse que a Recorrente não fez prova dessas perturbações no trabalho que alegou, a verdade é que a alínea g) do artigo 351º do Código do Trabalho, determina justa causa de despedimento, independentemente do prejuízo ou risco, cinco faltas seguidas ou dez interpoladas em cada ano civil.
35) Significa portanto que a Recorrente não tinha sequer que fazer prova do prejuízo que sofreu no planeamento do trabalho dos seus colaboradores, pois que nem a isso a lei obriga.
36) Ainda assim, os prejuízos invocados são aqueles que obviamente sempre decorrem da falta imprevisível de um trabalhador.
37) No caso vertente, como consta das alienas A) e B) dos factos provados, o Recorrido trabalha numa grande superfície comercial da Recorrente que, mesmo na ausência dos seus colaboradores, não pode encerrar o estabelecimento nem deixar de satisfazer as necessidades dos seus clientes que passam pela disposição dos artigos para venda.
38) Como é do conhecimento público, o ritmo comercial imposto por esta actividade, como é do conhecimento comum, não se compadece com contingências deste tipo, sob pena de comprometer de forma séria e irremediável a sustentabilidade do negócio.
39) Aqui chegados, as consequências da conduta do Recorrido não podem deixar de ser consideradas graves, pois estamos até perante uma conduta que é reiterada no tempo, de um trabalhador reincidente.
40) Para a verificação da justa causa, exige-se que estejamos perante um comportamento que comprometa irremediavelmente a manutenção do contrato de trabalho, nomeadamente pelo facto de provocar a quebra da confiança que a sustenta o vínculo laboral.
41) No caso vertente, o Tribunal a quo não ponderou – mas devia ter ponderado – que estamos perante um trabalhador reincidente na violação do mesmo dever.
42) Na verdade e como o processo evidencia, a Recorrente assumiu desde sempre uma postura condescendente para com o Recorrido, fazendo tudo o que lhe era possível para prover pela manutenção do contrato de trabalho e das condições para tal.
43) Desde logo porque, antes do processo que levou ao despedimento, a Recorrente – por factos em tudo semelhantes – aplicou uma sanção conservadora do contrato de trabalho, penalizando o Recorrido com a perda de dias de férias. Tal sanção visou por parte da empresa manter a expectativa de que o Recorrido emendaria a sua conduta e se tornaria cumpridor dos seus deveres.
44) Note-se, porém, que não se pretendia com isso que o Recorrido não mais faltasse ao trabalho. Apenas e só se pretendia que apenas faltasse quando tivesse legítima justificação para tal e o demonstrasse perante a sua entidade patronal.
45) Pese embora esta atitude salutar da Recorrente, esta não deixou de se voltar a ver confrontada com um comportamento da mesma índole, agravado ainda pelo facto do mesmo trabalhador ter feito “orelhas moucas” à interpelação e advertência que a mesma Recorrente efectuou quando remeteu a carta a que faz menção o facto provado sob a alínea O).
46) Tal comportamento é obviamente demonstrativo da total indiferença que o trabalhador fez questão de demonstrar para com o cumprimento dos seus deveres, colocando em causa a autoridade da empresa perante comportamentos semelhantes de outros seus colegas que pudessem enveredar por esse mesmo caminho.
47) Por via disso, julga-se claramente ajustada a sanção de despedimento com justa causa, não sendo pois legítimo impor à recorrente a manutenção de um contrato de trabalho com um colaborador que nada faz para cumprir o seu dever primordial: comparecer para trabalhar.
48) Na verdade, o comportamento do Recorrido consubstanciou uma violação muito grave dos deveres de pontualidade, assiduidade, zelo e diligência, violando as alíneas b) e c) do artigo 128º do Código do Trabalho.
49) Integrando ainda os mesmo factos justa causa para o despedimento, ao abrigo do artigo 351º n.º 1, n.º 2 als. d) e e) do mesmo Código.
Sem prescindir,
50) Caso viesse a ser declarado ilícito o despedimento do A., o que não se concede mas que por mero exercício de patrocínio se acautela, à compensação peticionada teriam de ser deduzidas as retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da presente acção (artigo 390º n.º2 do Código do trabalho;
51) Do mesmo modo e nessa hipótese, teriam ainda de ser deduzidas as importâncias que o A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente a título de subsídio de desemprego. (artigo 390º n.º2 do Código do Trabalho).
52) Em sede do seu articulado, requereu a R. expressamente o ofício à Segurança Social antes de proferida Sentença, a fim desta informar os autos sobre os rendimentos auferidos pelo A. após o despedimento.
53) Muito embora não tenha o Tribunal a quo procedido a tal notificação, a verdade é que na condenação deveria obrigatoriamente ter previsto as deduções obrigatórias e previstas no artigo 390º do Código do Trabalho.

Nestes termos, requer se julgue procedente por provado o presente recurso, substituindo a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” por outra que julgue lícito e regular o despedimento do Recorrido.
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O Autor apresentou recurso subordinado, concluindo que:
I[2] – As faltas justificadas por certificado de incapacidade temporária para o trabalho não contam para o limite legal de 15 faltas para assistência a membro do agregado familiar.
II – As faltas justificadas por certificado de incapacidade temporária para o trabalho apenas são justificadas por intermédio daquele documento, não sendo aplicável o artº 252 do Código do Trabalho.
III – O artº 252 do Código do Trabalho aplica-se às situações de assistência a familiares em que não há certificado de incapacidade.
IV – Por isso mesmo no artº 254 do Código do Trabalho refere que a prova da situação de doença é feita por declaração do estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico.
V – O certificado de incapacidade já é passado pelo centro de saúde, não seria necessário novo documento para prova da situação de doença.
VI – O A./recorrido não faltou injustificadamente 12 dias, das quais 6 dias seguidos.
VII – O despedimento do A. foi sem justa causa, devendo ser fixada indemnização não inferior a 30 dias de salário por cada ano de antiguidade.

Nestes termos e nos demais de direito julgando procedente o recurso subordinado, declarando o despedimento do A. sem justa causa e fixando indemnização não inferior a 30 dias por cada mês de antiguidade do A.
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O autor respondeu, ainda, ao recurso da Ré, formulando as seguintes conclusões:
A – O Tribunal a quo não cometeu qualquer erro crasso, pois que na sentença é dito “foi ainda junto ao processo disciplinar informação médica da referida doente, bem como um atestado passado pela Junta de Freguesia de ………., concelho de Vila Verde, onde se atesta que o ora autor é filho único de D………., sendo ele a dar todo o apoio à sua mãe em caso de doença”.
B – Não se pode dizer que o recorrido faltou ao trabalho levianamente.
C – Em face da doença da mãe e com todos os riscos e custos para si o recorrido assistiu e cuidou da sua mãe.
D – O recorrido não poderia deixar a sua mãe abandonada quando a mesma necessitava de assistência efectiva.
E – O recorrido ao faltar não agiu com dolo ou culpa.
F – O comportamento do A. é de louvar nos dias que correm.
G – Faltas que nunca empresa do tamanho e dimensão da recorrente seriam sempre insignificante, atendendo a que era apenas um operador de caixa que faltava em dezenas de operadores a funcionar.
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A Ré respondeu ao recurso subordinado, tendo concluindo da seguinte forma:
1) Em recurso subordinado, vem o A. invocar que faltas justificadas por certificado de incapacidade temporária para o trabalho, não contam para o limite legal de 15 faltas E………. (06-12-2010 13:37:55) Página 267 de 2907/10 para assistência a membro de agregado familiar. Conclui, peticionando ao Tribunal que reconheça como justificadas, por essa via, todas as faltas.
2) Ora, para além de se discordar dos fundamentos do recurso subordinado do A. – como adiante melhor se verá – a verdade é que tal recurso não pode ser atendido e deverá ser julgado deserto.
3) Dispõe o artigo 682º do C.P.C.:”Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”.
4) Ora, no caso sub júdice o Tribunal de 1ª Instância decidiu dar provimento parcial ao pedido do A., apenas absolvendo a R. da parte do pedido reconvencional onde eram peticionados danos morais pelo A.
5) Significa portanto que a intentar o A. recurso subordinado, o objecto do mesmo apenas poderia recair sobre a parte da decisão em que aquele foi vencido e que, como se referiu, era apenas circunscrita ao pedido de danos morais que foi julgado improcedente.
6) Não obstante, quer da motivação quer das conclusões desse recurso, não consta qualquer alegação nesse sentido.
7) O A., em sede de recurso subordinado, pretende apenas que o Tribunal da Relação aprecie uma questão (documento justificativo das faltas) na qual foi vencedor em primeira instância. Para tal, o A. teria então de ter requerido a ampliação do âmbito do recurso interposto pela aqui R., nos termos previstos no artigo 684ºA do C.P.C.
8) Ao não ter agido deste modo, deve pois o recurso subordinado ser julgado deserto.
Sem prescindir,
9) O que releva para o enquadramento das faltas ao trabalho no âmbito da assistência à família (e por consequência o regime do artigo 252º do Código do Trabalho – doravante CT) é o motivo que efectivamente subjaz a essa falta.
10) No artigo 252º do CT pretendeu o legislador limitar o número de faltas que sejam motivadas por assistência a terceiros, melhor dizendo, agregado familiar.
11) E para justificação dessas faltas, veio o legislado estabelecer no artigo 254º do mesmo diploma, diversos meios admissíveis. Entre eles, documento emitido por centro de saúde.
12) Ora, para justificação das faltas dadas, foi o próprio trabalhador quem – tardiamente – veio referir que se tinham motivado por assistência à família, nomeadamente a mãe. 13) Mais do que isso, para pretender justificar as faltas, o A. juntou ao processo judicial os certificados de incapacidade para o trabalho que referem expressamente “O familiar doente”, como sendo a sua mãe.
14) Nesses mesmos certificados, é identificado o grau de parentesco do familiar em relação ao A., e, nos “Elementos relativos ao estado de incapacidade”, está expressamente assinalada a opção: “Acompanhamento a familiar”.
15) Acresce que, tal documento, é apenas e só aquilo que o artigo 254º do CT reputa de “Prova de motivo justificativo da falta”.
16) O facto de ser um certificado de incapacidade, não deixa de revestir uma prova que o trabalhador ofereceu para justificar, pretensamente, as suas ausências.
17) Mais do que isso, esta é uma prova que está até prevista pelo próprio legislador no número 2 daquele preceito.
18) Refere-se aí que “A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico.”.
19) Sucede que, o certificado de incapacidade para o trabalho é precisamente emitido pelo centro de saúde.
20) É por isso profundamente falsa a conclusão inserta na alínea J) das conclusões das alegações do A., pois que, os certificados pelo mesmo apresentados referem-se expressamente a assistência a familiares.
21) A vingar a tese do A., estava então descoberta a forma de subverter por completo o espírito do legislador e a própria letra da lei.
22) Pois, por essa via, deixava então de existir qualquer limite de faltas que um trabalhador poderia registar para assistência a agregado familiar.
23) Mais do que isso, deixaria de ter a obrigação de provar todos os factos invocados no n.º 1 do artigo 252ºCT, como por exemplo o carácter inadiável e imprescindível da assistência.
24) Mesmo a considerar que estamos apenas perante um certificado de incapacidade temporária que nada tem a ver com as faltas para assistência à família, o A. nunca ficava dispensado de comunicar previamente as ausências, nem de reiterar a justificação (ainda que por via daquele certificado) com o prolongamento das faltas.
25) É isso que impõe o n.º 4 do artigo 253º do CT e que, como melhor se alcança pelos factos provados e pelas alegações apresentadas pela R. Recorrente, o A. nunca logrou fazer.
26) Na verdade, aquele preceito refere expressamente aquela obrigação, mesmo nos casos em que estejamos perante a suspensão do contrato de trabalho.
27) Efectivamente, o A. nunca comunicou tempestivamente as suas faltas; não fez prova inadiável das mesmas nem as justificou em tempo, de acordo com o artigo 254º.
28) Por outro lado, a existência e sistematização do n.º 4 do artigo 253º do CT, permite concluir de forma evidente que o legislador não pretendeu fazer qualquer distinção entre faltas justificadas por documento ou declaração médica, daquelas que são justificadas por certificados de incapacidade, como é o caso dos presentes autos.

Nestes termos, requer a Vossas Excelências se dignem julgar deserto o recurso subordinado ou, caso assim não se entenda, seja o mesmo julgado improcedente por não provado, dando integral procedência ao recurso de apelação da R. Recorrente, substituindo a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” por outra que julgue lícito e regular o despedimento do Recorrido.
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O Ex.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de improcederem os recursos interpostos.
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Recebidos os recursos foram colhidos os vistos legais.
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II – Fundamentação
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
A – Do Recurso interposto pela Ré/entidade patronal:
1. A questão prévia da admissibilidade do recurso subordinado.
2. Erro de julgamento:
- Saber se determinadas faltas devem ser ou não justificadas e existência de justa causa para o despedimento.
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B – Do Recurso subordinado interposto pelo Autor/trabalhador:
1. Se deve ser fixada indemnização pelo despedimento não inferior a 30 dias de salário por cada ano de antiguidade.
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III – FUNDAMENTOS
1. De facto
São os seguintes os factos que a sentença recorrida deu como provados:
a) A Ré é uma sociedade que, na prossecução do seu escopo social, se dedica à construção, administração e exploração de Centros Comerciais, de Hipermercados e de outros estabelecimentos congéneres e o exercício de todas as actividades complementares, directa e indirectamente relacionadas.
b) O Autor, por sua vez, foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho celebrado em 16/10/2002, detendo ao momento do seu despedimento a categoria profissional de operador especializado.
c) Exercia as suas funções no estabelecimento da Ré, denominado “B……….”, sito em Braga.
d) Por factos ocorridos entre 14 de Janeiro e 10 de Setembro de 2009, foi remetida a nota de culpa ao Autor onde se articularam os factos que lhe eram imputados, comunicando-se a intenção de despedimento com justa causa e concedendo-se o prazo de dez dias úteis para apresentar a sua defesa.
e) O Autor respondeu à nota de culpa, não tendo requerido nenhuma diligência probatória.
f) No dia 27 de Novembro de 2009 o Autor recebeu a decisão do processo disciplinar que consistiu no seu despedimento com justa causa.
g) O Autor não compareceu no seu posto de trabalho nos dias 14/01/2009, 11/04/2009, 21/07/2009 a 24/07/2009, 14/08/2009 a 17/08/2009, 19/08/2009 a 22/08/2009, 24/08/2009 a 28/08/2009, 01/09/2009 a 05/09/2009, 07/09/2009, 09/09/2009 e 10/09/2009 (durante 4 horas).
h) O Autor não havia pedido autorização para não cumprir o horário nos referidos dias, nem avisou previamente a Ré de que iria faltar.
i) No dia 07/07/2009, o Autor informou a sua superior hierárquica de que iria apresentar uma baixa médica.
j) Contudo, no dia 21/07/2009 não compareceu no seu posto de trabalho, sendo certo que o dia anterior era o seu dia de descanso complementar.
k) No dia seguinte foi à loja entregar a referida “baixa”, que compreendia o período entre 08/07/2009 e 19/07/2009.
l) Nesse dia, a Chefe de Área de Bazar tentou, por diversas vezes, contactar telefonicamente o Autor, mas sem sucesso.
m) Deixou-lhe ainda uma mensagem no seu telemóvel a informá-lo que deveria comunicar as suas faltas, sob pena de lhe ser instaurado um processo disciplinar.
n) Posteriormente, apresentou duas “baixas” para assistência à família: a primeira, compreendia o período de 14/08/2009 a 25/08/2009; e, a segunda, compreendia o período de 26/08/2009 a 09/09/2009.
o) Em 01/09/2009, a Ré solicitou ao Autor a prova do carácter inadiável e imprescindível da assistência, bem como declaração de que os outros membros do agregado familiar estavam impossibilitados de prestar assistência, ou, caso exercessem actividade profissional, não faltaram ao trabalho pelo mesmo motivo, informando-o ainda que as faltas para assistência a membro do agregado familiar têm um limite legal de 15 dias.
p) O Autor entregou, então, à Ré apenas um atestado médico, onde constava que a assistência à família que ocorreu no período de 29/08/2009 a 10/09/2009, teve carácter inadiável e imprescindível.
q) Em 2008 o Autor já havia sido alvo de um processo disciplinar, como consequência do seu absentismo injustificado, na sequência do qual foi sancionado com perda de dois dias de férias.
r) Inicialmente, o período de férias programado pela entidade patronal para o Autor era de 17/08/2009 a 21/08/2009.
s) A 25 de Março de 2009, o Autor assinou documento relativo a pedido de férias, no âmbito do qual tinham sido alteradas as férias que o Autor tinha proposto, alteração essa que foi confirmada e aceite pela Ré.
t) À data do despedimento, o Autor auferia o salário mensal de 582,00 €.
Porque relevantes acrescentam-se ainda os seguintes factos[3]:
u) O Autor na resposta á nota de culpa do processo disciplinar, datada de 02 de Novembro de 2009, juntou um atestado da Junta de Freguesia ………., datado de 30/10/2009, no qual se atesta que o autor «é filho único sendo ele, portanto, aquele que dá todo o apoio à sua mãe em caso de doença.»
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2. De Direito
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes, passaremos a apreciar as questões a decidir.
A) Questão Prévia:
Da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso subordinado.
O autor interpôs recurso subordinado com o qual pretende que se condene a Ré a pagar-lhe pelo despedimento sem justa causa uma indemnização não inferior a 30 dias por cada mês de antiguidade do A.
A Ré nas resposta às alegações refere que tal recurso não pode ser atendido e deverá ser julgado deserto. Isto porque dispõe o artigo 682º do C.P.C.:”Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado” e, no caso sub júdice o Tribunal de 1ª Instancia decidiu dar provimento parcial ao pedido do A., apenas absolvendo a R. da parte do pedido reconvencional onde eram peticionados danos morais pelo A.
Significa portanto que a intentar o A. recurso subordinado, o objecto do mesmo apenas poderia recair sobre a parte da decisão em que aquele foi vencido e que, como se referiu, era apenas circunscrita ao pedido de danos morais que foi julgado improcedente.
O A., em sede de recurso subordinado, pretende apenas que o Tribunal da Relação aprecie uma questão (documento justificativo das faltas) na qual foi vencedor em primeira instância. Para tal, o A. teria então de ter requerido a ampliação do âmbito do recurso interposto pela aqui R., nos termos previstos no artigo 684ºA do C.P.C.
Ao não ter agido deste modo, deve pois o recurso subordinado ser julgado deserto.
Vejamos a questão:
O artigo 682.º do CPC, sob a epígrafe, “Recurso independente e recurso subordinado”, refere no seu nº 1, que “ Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado».
Por sua vez, o artigo 684.º-A, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”, dispõe que «No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação», nº 1, podendo «ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas», nº 2.
O legislador prevê duas situações distintas em que a parte vencedora poderá fazer valer as suas posições que não tiveram vencimento na decisão recorrida:
- uma, ocorrerá quando face a um determinado pedido forem apresentados vários fundamentos (causas de pedir) e o tribunal a quo tenha julgado a acção procedente com base em determinado fundamento, mas tenha considerado algum ou alguns dos outros fundamentos improcedentes;
- outra, verificar-se-á quando tenham sido deduzidos vários pedidos - cumulativos ou subsidiários – e algum deles tenha sido julgado improcedente, pese embora outro ou outros tenham procedido.
No primeiro caso a lei permite que o recorrido lance mão do estipulado no art.º 684.º-A, n.º 1, do CPC e, aproveitando as suas contra-alegações, requeira e deduza aí a ampliação do âmbito do recurso.
Na segunda situação, a lei prevê que a parte deduza atempadamente recurso subordinado, nos termos previstos no art.º 682º, nº 1 do CPC e 81º, nº 4 do CPT.
Do confronto destas normas legais resulta que o legislador quando fala em “fundamentos da acção ou da defesa” está a reportar-se a causas de pedir inerentes a determinado pedido, enquanto que no art.º 682.º se fala em decisões desfavoráveis, estas, logicamente reportadas a pedidos julgados improcedentes.
“A parte contra quem é dirigido o recurso principal em vez de se limitar á defesa, contraditando a argumentação desenvolvida pelo recorrente a fim de o recurso ser julgado improcedente, pode, por sua vez, interpor recurso quanto á parte da decisão que lhe foi desfavorável, para o tribunal superior reapreciar, na sua totalidade, a decisão impugnada”[4]. No entanto, «só o pode fazer se não for totalmente vitoriosa». Sendo-o, não pode interpor recurso subordinado, a pretexto de obter a reforma da sentença impugnada na parte em que desatendeu um dos fundamentos em que apoiava a sua pretensão, mesmo a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação. Numa situação destas, pode a parte recorrida requerer, na respectiva alegação, a ampliação do objecto do recurso, sem contudo assumir o estatuto de recorrente, de harmonia com o que se dispõe no art. 684º-A»[5].
Ora, no caso dos autos o autor pretende que em vez de uma indemnização fixada em 15 dias que o tribunal a quo fixou se condene a ré a pagar-lhe pelo despedimento sem justa causa uma indemnização não inferior a 30 dias por cada mês de antiguidade. E, se tivermos em conta que o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização tendo por base 45 dias de salário por ano de antiguidade, viu o seu pedido parcialmente improcedente, na medida em que o Tribunal a quo apenas condenar a ré numa indemnização tendo por base 15 dias a de salário por ano de antiguidade.
Sendo assim, o autor além de poder ter interposto recurso independente, podia interposto recurso subordinado já que nesta parte não saiu totalmente vitorioso. O que está aqui em causa é o decaimento parcial de um pedido e não a improcedência de algum dos fundamentos em que baseava esse pedido.
É, assim, salvo melhor opinião, admissível o recurso subordinado.
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2. Erro de julgamento:
a) Saber se determinadas faltam devem ser ou não justificadas.
b) Existência de justa causa para o despedimento.
Alega a recorrente que a decisão recorrida errou ao não considerar que as faltas dadas pelo trabalhador e que se consideram não justificadas não constitui justa causa para o despedimento. Por outro lado, entende que as parte das faltas que o tribunal considerou como justificadas devem ser consideradas injustificadas.
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3. Comecemos por analisar se parte das faltas que a decisão recorrida considerou coo justificadas devem ou não ser consideradas injustificadas.
Autor e Ré, como é pacífico e aceite por todos, estabeleceram entre si, em 16/10/2002, um contrato de trabalho [cfr. artigo 1º da LCT e actualmente artigo 11º do CT].
Um dos elementos essenciais do contrato de trabalho é a prestação da actividade laboral, por parte do trabalhador, sendo o seu dever principal.
Conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho[6], podemos delimitar o conceito de actividade laboral a três critérios:
«i) Do ponto de vista da qualificação jurídica, a actividade laboral é uma prestação de facto positiva, uma vez que se analisa numa conduta humana activa para satisfazer as necessidades de outra pessoa. Esta qualificação jurídica é, naturalmente, compatível com actividades materiais de simples presença e até com actividades materialmente negativas.
ii) Do ponto de vista do cumprimento, a actividade laboral exige uma actuação positiva do trabalhador, mas também se considera cumprida em situações pontuais de inactividade, desde que o trabalhador se mantenha na disponibilidade do empregador e que essa disponibilidade seja real e não meramente aparente.
iii) Do ponto de vista do conteúdo, a actividade laboral caracteriza-se pela heterodeterminação, no sentido de que as tarefas concretas em que se traduz carecem de ser definidas ao longo da execução do contrato, pelo empregador-credor.»

Sendo assim, o trabalhador para prestar o seu dever principal – a actividade laboral – deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade [artigo 128º, nº 1, alínea b) do CT], durante o período normal de trabalho [artigo 198º do CT].
Não comparecendo ou ausentando-se do local em que devia desempenhar a sua actividade durante o período normal de trabalho incorre o trabalhador em falta [artigo 248º, nº 1 do CT].
A falta pode ser justificada ou injustificada [artigo 249º, nº 1 do CT]. A lei faz no nº 2 do artigo 249º do CT a enunciação das faltas que considera justificadas, contrapondo no nº 3, que as restantes, ou seja aquelas que não estão previstas no nº 2, se consideram injustificadas.
Mas não basta verificar-se um dos motivos previstos no nº 2 do artigo 249º do CT para que o trabalhador possa ver a sua falta justificada pela entidade patronal. É que sobre si impende ainda a obrigação de comunicar a ausência ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo. Se a ausência for previsível, a comunicação deve ser feita com a antecedência de cinco dias e, em caso, de ausência imprevisível, a deve ser feita logo que possível [artigo 253º, nºs 1 e 2 do CT].
No entanto, mesmo comunicada atempadamente a ausência, o trabalhador, para ver a falta como justificada, pode ter, caso a entidade empregadora o exija nos 15 dias à respectiva comunicação por si feita, que fazer prova do facto invocada para a justificação, a prestar em prazo razoável [artigo 254º, nº 1 do CT].
Sendo a falta injustificada o trabalhador violou o seu dever de assiduidade, além de a mesma determinar a perda de retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade do trabalhador [artigo 256º, nº 1 do CT].
Para o que aqui interessa refere o artigo 249º, nº 2, alínea e) do CT de 2009, que se considera justificada «motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar de trabalhador, nos termos dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º, respectivamente».
Já o artigo 252.º, sob a epígrafe, Falta para assistência a membro do agregado familiar, refere que «o trabalhador tem direito a faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, parente ou afim na linha recta ascendente ou no 2.º grau da linha colateral» (nº 1).
E, segundo o nº 3 do mesmo normativo «no caso de assistência a parente ou afim na linha recta ascendente, não é exigível a pertença ao mesmo agregado familiar».
No entanto, o nº 4, permite que «para justificação da falta, o empregador pode exigir ao trabalhador:
a) Prova do carácter inadiável e imprescindível da assistência;
b) Declaração de que os outros membros do agregado familiar, caso exerçam actividade profissional, não faltaram pelo mesmo motivo ou estão impossibilitados de prestar a assistência;
c) No caso do número anterior, declaração de que outros familiares, caso exerçam actividade profissional, não faltaram pelo mesmo motivo ou estão impossibilitados de prestar a assistência».
No caso, o trabalhador/autor apresentou duas “baixas” para assistência à família: a primeira, compreendia o período de 14/08/2009 a 25/08/2009; e, a segunda, compreendia o período de 26/08/2009 a 09/09/2009.
Em 01/09/2009, a Ré solicitou ao Autor a prova do carácter inadiável e imprescindível da assistência, bem como declaração de que os outros membros do agregado familiar estavam impossibilitados de prestar assistência, ou, caso exercessem actividade profissional, não faltaram ao trabalho pelo mesmo motivo, informando-o ainda que as faltas para assistência a membro do agregado familiar têm um limite legal de 15 dias.
O Autor entregou, então, à Ré apenas um atestado médico, onde constava que a assistência à família que ocorreu no período de 29/08/2009 a 10/09/2009, teve carácter inadiável e imprescindível.
Sem pôr em questão de saber se o atestado médico apresentado pelo autor ao referir que a assistência em causa teve “carácter inadiável e imprescindível”, encerra um juízo conclusivo, já que deveria concretizar e não concluir, esvaziando, assim, a possibilidade de avaliação pela entidade empregadora e pelo Tribunal, a verdade, é que o autor não deu cumprimento às restantes exigências que a sua entidade patronal lhe fez (declaração de que os outros membros do agregado familiar estavam impossibilitados de prestar assistência, ou, caso exercessem actividade profissional, não faltaram ao trabalho pelo mesmo motivo), não tendo, assim, satisfeito as restantes alíneas do nº 4 do artigo 252º do CT. Como tal, as faltas têm de se considerar injustificadas. E, não é o facto de mais tarde ter o autor na resposta à nota de culpa apresentado um atestado da Junta de freguesia de ………., datado de 30/10/2009, no qual se atesta que o autor «é filho único sendo ele, portanto, aquele que dá todo o apoio à sua mãe em caso de doença», que faz com que se considerem como justificadas faltas que já eram injustificadas, ou seja, não tendo o trabalhador feito oportunamente a prova das exigências justificativas exigidas pela entidade empregadora, a sua prova mais tarde não convalida as faltas injustificadas em justificadas. Por outro lado, o atestado em causa não comprova, e isto apesar de se dizer ser filho único, que os outros membros do agregado familiar ou da família estavam impossibilitados de prestar assistência, ou, caso exercessem actividade profissional, não faltaram ao trabalho pelo mesmo motivo.
Assim sendo, ao contrário do decidido pelo Mº Juiz a quo, entendemos que estas faltas têm de se considerar como injustificadas.
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4. Analisemos agora a existência ou não de justa causa para o despedimento.
No elenco das sanções disciplinares (art. 328º) o despedimento é a mais gravosa.
O artigo 53º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da estabilidade no emprego proibindo os despedimentos sem justa causa. Princípio este que cede quando a permanência do trabalhador na empresa ponha em causa a existência ou a eficácia da estrutura produtiva, fruto de um seu comportamento culposo ou ilícito.
Na aplicação das sanções disciplinares, face ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 330º do Código do Trabalho, é necessário ponderar a gravidade da infracção e a culpa do infractor.
De acordo com o disposto no artigo 351º, nº 1, do C. T. constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
A definição de justa causa assenta assim num particular juízo de censura sobre um comportamento culposo do trabalhador, violador dos respectivos deveres laborais[7].
Entendido o despedimento como a pena de morte das sanções disciplinares, a sua aplicação só é legítima e válida quando a gravidade da falta cometida o justifica.
A gravidade calcula-se pela infracção em si, pelo grau de culpabilidade do trabalhador e pelas consequências em que ocorreu a sua prática.
A existência de justa causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
1º-um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador – é o elemento subjectivo da justa causa;
2º-a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral – é o elemento objectivo da justa causa;
3º-a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.[8]
No que concerne ao primeiro dos elementos – o subjectivo – convém esclarecer, conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho,[9] “A exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art. 351º, nº 1[10], mas constituiu um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento[11], uma vez que, se a actuação for lícita, ele não incorre em infracção que possa justificar o despedimento.”
O acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, não sendo necessário que essa violação ocorra no local de trabalho[12], podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso.
A culpa do trabalhador (a título de dolo ou negligência) há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, isto é, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador[13]. Neste contexto, também devem ser relevadas e valoradas as circunstâncias atenuantes e as causas de exclusão da culpa que possam ter existido[14], nomeadamente, o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante[15].
Para que se verifique a justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade[16] e consequências, leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível.
No entanto, a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos[17], e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (art.º 351.º, n.º 3, do CT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.
O conceito de justa causa é assim um conceito indeterminado, pois não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, aponta para modelos de decisão a elaborar em concreto e, constituindo a mais grave das sanções disciplinares, visa o sancionamento da conduta do trabalhador que, pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva, torna impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe[18].
A inexigibilidade há-de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador[19].
Assim enquadrado o conceito geral de justa causa, importa apurar se a mesma se verificou no caso concreto.
A decisão recorrida entendeu que o comportamento do arguido não se enquadrava no conceito de justa causa para o despedimento, pelo que, considerou ter o autor sido alvo de um despedimento ilícito. Fundamentou a sua posição nos seguintes argumentos:
“Ora, na situação dos autos, cremos que a prova do carácter e imprescindível da assistência foi feita com a apresentação por parte do trabalhador do aludidos certificados de incapacidade temporária que abrangem o período entre 14/08/2009 e 09/09/2009, complementados com a informação médica/avaliação de incapacidade.
Quanto à segunda das provas exigidas para justificação das faltas, cremos que foi devidamente satisfeita com a apresentação do atestado da Junta de Freguesia, considerando que o Autor é filho único.
Tratam-se, pois, de faltas justificadas, na medida em que foram motivadas para dar assistência inadiável e imprescindível na doença da mãe do Autor.
Contudo, o número de faltas dadas pelo Autor e justificadas, ultrapassou o limite legal, em 5 dias.
Por isso, da totalidade das faltas dadas pelo Autor em 2009, que deram origem ao processo disciplinar que concluiu com o seu despedimento, 12 são injustificadas, sendo que 6 delas foram seguidas (de 03/09/2009 a 10/09/2009).
Ora, como é sabido, qualquer falta injustificada constitui uma infracção disciplinar, uma vez que se reconduz à violação não justificada de um dever do trabalhador (no caso o dever de assiduidade), a que corresponderá a sanção disciplinar que o empregador julgue adequada, tendo sendo em conta o princípio da proporcionalidade.
Importa, por isso, verificar se a sanção adequada era a que lhe foi aplicada: o despedimento com justa causa.
Como já havíamos dito, nos termos do nº 1 do artigo 351º do CT constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
E, como especifica o seu nº 2, alínea g), constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número da faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas.
No caso em apreço está provado que o Autor faltou 11 dias de trabalho completos, mas isso só por si não basta para se concluir pela verificação da justa causa.
Na verdade, como tem sido pacificamente entendido para jurisprudência e pela doutrina, a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias não basta para que se considere preenchida a justa causa.
Importa sempre formular um juízo – apelando para tanto ao critério geral de justa causa – sobre os efeitos reais e concretos, na relação de trabalho em apreço, da infracção praticada pelo ora Autor.
Por outras palavras, é sempre necessário que o trabalhador tenha sempre agido com culpa e que a gravidade e consequência do seu comportamento tornassem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Ora, pelo menos no que respeita às faltas dadas em Setembro de 2009, consideradas injustificadas, temos de concluir que elas ocorreram por motivo externo ao Autor, não dependendo apenas da sua vontade, uma vez que a necessidade de prestar assistência à sua mãe se manteve para além do limite legal de 15 dias/ano. Não podemos, por isso, concluir que o Autor tivesse agido com culpa ao violar, dessa forma, o seu dever de assiduidade, que, na situação, foi suplantado por um dever legal e moral superior, que era o de ajudar a sua mãe numa altura em que esta estava dependente de terceiros, devido a doença.
É ainda preciso ter em conta que na apreciação da justa causa deve atender-se “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” (artigo 351º, nº 3 do CT).
Mas, quanto a esta matéria, nada se apurou, na situação dos autos.
Embora alegado pela Ré o respectivo factualismo (artigos 35º, 36º e 37º da contestação), não ficou provada qualquer perturbação causada à ora Ré, referente a tais faltas, não podendo, assim, concluirmos pela impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, o que, consequentemente, torna o despedimento ilícito (artigo 381º, alínea b) do CT).”

Já se referiu que quanto às faltas dada no período compreendido entre 14/08/2009 e 09/09/2009 têm de se considerar injustificadas.
Também não acolhemos o entendimento vertido na decisão recorrida que quanto a estas faltas o autor não agisse com culpa, na medida em que «elas ocorreram por motivo externo ao Autor, não dependendo apenas da sua vontade, uma vez que a necessidade de prestar assistência à sua mãe se manteve para além do limite legal de 15 dias/ano. Não podemos, por isso, concluir que o Autor tivesse agido com culpa ao violar, dessa forma, o seu dever de assiduidade, que, na situação, foi suplantado por um dever legal e moral superior, que era o de ajudar a sua mãe numa altura em que esta estava dependente de terceiros, devido a doença.». Não se põe em causa a natureza das faltas, os motivos invocados e o dever do filho para com os pais, no caso, para com a mãe. É que se o motivo das faltas pode ser compreensível tendo em conta o que lhes subjaz, já o comportamento do autor o não é. É que a sua culpa deriva do facto de apesar de devidamente instado pela Ré para fazer a prova dos requisitos que lhe exigiu, bem como tendo-o advertido de que as faltas para assistência a membro do agregado familiar têm um limite legal de 15 dias, o não fez. Ora, ao não ter apresentado ou ao não ter apresentado atempadamente as provas exigidas, não se pode dizer que o autor agiu sem culpa, pois deveria e poderia tê-las apresentado. Como se sabe em matéria de responsabilidade contratual – como é o caso –, funciona a presunção de culpa, pelo que é ao devedor que compete provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – artigo 799º, nº 1[20].
Por outro lado, como refere Pedro Romano Martinez[21], qualquer incumprimento de trabalho, por parte do trabalhador ou do empregador, presume-se culposo. E mais adiante afirma”Cabe ainda acrescentar que da recepção explícita do texto do art. 798º do CC – parcialmente transcrito no art. 363º do CT – resulta a aplicação dos arts. 798º e ss. do CC, designadamente a regra da presunção de culpa(art. 799º, nº 1, do CC)”.
Sempre se dirá, que se motivo existe para as faltas compreendidas ente o período de 14/08/2009 e 09/09/2009, já inexiste qualquer motivo para as restantes. Sendo certo, que o autor não logrou elidir a presunção de culpa que sobre si impende.
Haverá, assim, motivo para o despedimento do autor? Constituirão as faltas justa causa para o despedimento?
O nº 2 do artigo 351º do CT de 2009, refere que «constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento» as «faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco».
Deste normativo resulta que as faltas injustificadas podem constituir justa causa de despedimento:
a) Se independentemente do seu número, determinarem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa;
b) Se atingirem, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
A questão que se coloca, neste momento, é saber se basta a verificação objectiva do número de faltas previstas no nº 2 do artigo 351º para que se preencha o conceito de justa causa, ou se, pelo contrário, é necessário apreciar a culpa do trabalhador e filtrar a existência de justa causa à luz da cláusula de apreciação geral prevista no nº 1 do artigo 351º.
Há uns que defendem uma tese e outros a segunda. Por nós, seguimos a posição formulado por Pedro Madeira de Brito[22], segundo o qual, «a quantificação do número de faltas pelo legislador deve ter uma consequência e revela uma intenção. Não se afigura todavia que objective a avaliação do comportamento do trabalhador que deve passar pelo crivo dos requisitos gerais da justa causa para que constitua fundamento de extinção do contrato. Já foi defendido que intenção do legislador e a de inverter o ónus da prova quanto à existência de justa causa: “ se tiver apurado, como dado certo, a existência de cinco faltas injustificadas, o empregador nada mais terá que provar, incumbindo então ao trabalhador o ónus da prova da inexistência de justa causa”[23]. Esta posição intermédia explica a quantificação feita pelo legislador, embora se afigure demasiado ampla na sua formulação e, para além do mais, não determina a fonte de inversão do ónus da prova. No entanto, parece-nos que a perspectiva da quantificação das faltas justificadas como uma questão do ónus da prova é correcta.
Há inversão do ónus da prova nos casos previstos no artigo 344º do CC. Das figuras aí previstas aquela que se parece ajustar á situação é a da existência de uma presunção legal. Verificado certo facto a lei dá como provado um outro; no caso concreto, provado que o trabalhador faltou injustificadamente o número de vezes fixado na lei (alínea g) do nº 1 do artigo 9º da LCCT[24]) presume-se outro facto. De acordo com esta conclusão discorda-se é que esse outro facto seja a justa causa de despedimento, porque isso aproximaria esta situação de justa causa objectiva. Portanto, o facto presumido não parece que seja a verificação automática da justa causa, mas antes que o comportamento assume gravidade tal que é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho [sublinhado nosso]. Deste modo, mantém-se a necessidade de a entidade empregadora demonstrar o comportamento ilícito e culposo do trabalhador, mas já não de prova que não lhe é exigível manter aquele trabalhador ao seu serviço.»
No caso temos que o Autor não compareceu injustificadamente no seu posto de trabalho nos dias 14/01/2009, 11/04/2009, 21/07/2009 a 24/07/2009, 14/08/2009 a 17/08/2009, 19/08/2009 a 22/08/2009, 24/08/2009 a 28/08/2009, 01/09/2009 a 05/09/2009, 07/09/2009, 09/09/2009 e 10/09/2009 (durante 4 horas). Sendo assim, estando perante mais de cinco faltas seguidas ou de dez interpoladas, as mesmas constituem justa causa de despedimento, independentemente de prejuízo ou risco causados à entidade patronal, pelo que não tem qualquer sentido trazer à colação esta questão do prejuízo ou do risco.
Assim sendo, não tendo o trabalhador elidido quer a presunção de culpa, quer a presunção de que o seu comportamento assume gravidade tal que é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho por parte da entidade patronal, as faltas injustificadas que ele deu, violando, assim o seu dever de assiduidade, constituem justa causa de despedimento.
E, mesmo apelando ao critério da apreciação da justa causa, prevista no nº 3 do artigo 351º do CT de 2009, não podemos de chegar à mesma conclusão, até porque o autor já é reincidente nas faltas injustificadas. Na verdade, ficou provado que em 2008 o Autor já havia sido alvo de um processo disciplinar, como consequência do seu absentismo injustificado, na sequência do qual foi sancionado com perda de dois dias de férias. Ora, e apesar disso, o autor no ano seguinte, continuou a faltar de forma injustificada ao trabalho. E, não foram, assim, tão poucas as faltas, o que demonstra só por si uma atitude de desprezo pelos seus deveres, aliás, pelo seu principal dever. E, seria de todo insustentável, exigir a uma empresa do tipo da Ré, que mantivesse ao seu serviço um trabalhador que sistematicamente falta sem justificação. Tal comportamento, independentemente de qualquer presunção, compromete irremediavelmente a existência da relação laboral, pondo em crise a confiança que deve existir entre as partes.
Deste modo, tendo o autor violado o dever de assiduidade, torna-se impossível a manutenção do vínculo contratual, não sendo exigível à ré que mantenha ao seu serviço um trabalhador que executou condutas destruidoras da necessária confiança que deve sempre existir nas relações empregadora/empregado.
Daqui resulta que existindo justa causa de despedimento este é licito, pelo que a sentença recorrida terá de ser revogada.
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5. Face ao decidido prejudicadas ficam as restantes questões suscitadas pela recorrente, bem como o recurso subordinado.
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6. As custas da acção e dos recursos ficam a cargo do autor [artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento à apelação, assim revogando a sentença impugnada.
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Condenam o autor no pagamento das custas da acção e dos recursos, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 24 de Janeiro de 2011
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “ Autor” ao trabalhador. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” á entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ Ré”, utilizando as expressões “trabalhador”e “ empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “Autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Numeração da nossa autoria.
[3] Isto tendo em conta o disposto no artigo 712º, nº 1, alínea b) do CPC. Por outro lado, conforme refere o Acórdão da Relação de Évora de 23-06-1992, BMJ, 418º – 890, “ O Tribunal de Recurso não só pode, como deve, lançar mão de todos os elementos que resultem do processo disciplinar que entenda relevantes para a boa decisão da causa.”
[4] Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, pág. 93.
[5] Amâncio Ferreira, obr. cit. pág.93.
[6] Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição.
[7] Guilherme Machado Dray, Justa Causa e Esfera Privada, Estudos do Instituto de Direito do trabalho, Vol. II, Justa causa de Despedimento, pág. 66.
[8] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 899/900 e a jurisprudência aí mencionada na nota 239.
[9] In obr. Citada, pág. 900/901.
[10] Normativo do actual Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja redacção é igual à do artigo 396º, nº 1 do CT de 2003 e aqui aplicável.
[11] No mesmo sentido o acórdão do STJ de 25/02/2009, processo 08S2461, www.dgsi.pt; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852 e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1994, pág. 820/821. Sobre o assunto ver ainda Nuno Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, pág.71/75.
[12] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2ª edição, pág. 481.
[13] António Menezes Cordeiro, obr. citada, pág. 821/822, Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 901.
[14] Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 901.
[15] Cfr. Nuno Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, pág.76.
[16] Como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 902, a gravidade pode ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral.
[17] Cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 15.ª edição, p. 592/598.
[18] Cfr. António Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 819.
[19] Cfr. Monteiro Fernandes, obr. cit. pág. 595.
[20] Cfr. Acórdão do STJ de 07/10/2003, processo 02S3784, www.dgsi.pt.
[21] In Incumprimento do Contrato de Trabalho, pág. 8/9, in revista do CEJ, 1º semestre 2005, número 2.
[22] Justa Causa de Despedimento com Fundamento na Violação dos deveres de Assiduidade, Zelo e Diligência, in Estudos do Instituto de Direito do trabalho, Volume II, Justa Causa de Despedimento, Almedina, pág. 127/128.
[23] Luís Morais, Dois Estudos Justa Causa e Motivo Atendível de Despedimento/Trabalho Temporário, Lisboa 1991, p.34.
[24] Corresponde ao actual artigo 351º, nº 2, alínea g) do CT de 2009.
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SUMÁRIO
I – Não basta verificar-se um dos motivos previstos no nº 2 do artigo 249º do CT para que o trabalhador possa ver a sua falta justificada pela entidade patronal. É que sobre si impende ainda a obrigação de comunicar a ausência ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo.
II – Mesmo comunicada atempadamente a ausência, o trabalhador, para ver a falta como justificada, pode ter, caso a entidade empregadora o exija nos 15 dias à respectiva comunicação por si feita, que fazer prova do facto invocada para a justificação, a prestar em prazo razoável [artigo 254º, nº 1 do CT].
III – Não tendo o trabalhador feito oportunamente a prova das exigências justificativas exigidas pela entidade empregadora, a sua prova mais tarde não convalida as faltas injustificadas em justificadas.
IV – Do nº 2 do artigo 351º do CT de 2009 resulta que as faltas injustificadas podem constituir justa causa de despedimento:
a) Se independentemente do seu número, determinarem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa;
b) Se atingirem, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
V – A quantificação do número de faltas pelo legislador deve ter uma consequência e revela uma intenção. Não se afigura todavia que objective a avaliação do comportamento do trabalhador que deve passar pelo crivo dos requisitos gerais da justa causa para que constitua fundamento de extinção do contrato.
VI – Provado que o trabalhador faltou injustificadamente o número de vezes fixado na lei presume-se que o comportamento assume gravidade tal que é praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

António José da Ascensão Ramos