Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2041/10.0TJPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
RESOLUÇÃO CONDICIONAL
REQUISITOS
MÁ FÉ
PRESUNÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RP201312052041/10.0TJPRT-C.P1
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A resolução de actos em benefício da massa insolvente é um mecanismo que visa dar ao administrador o poder de, com celeridade e eficácia, fazer reingressar naquela bens ou direitos que tenham sido alienados por actos que prejudiquem a satisfação dos credores que vieram reclamar os seus créditos na insolvência.
II - Nas cartas de resolução, tem o administrador de enunciar os fundamentos de facto e de direito em que se estriba, apenas carecendo todavia de os indicar de forma genérica e sintética.
III - A resolução prevista no artigo 120º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas pode ser efectuada relativamente a actos praticados dentro dos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência, desde que sejam prejudiciais à massa e o terceiro neles interveniente esteja de má-fé.
IV - Dependendo da verificação de tais requisitos, é denominada como resolução condicional, por contraponto à resolução incondicional regulada no artigo 121º.
V - É legítima a presunção judicial de que a venda de vários imóveis pelo insolvente, poucos meses antes de se apresentar à insolvência, seja acto prejudicial à massa insolvente.
VI - Deve-se outrossim presumir que a filha do insolvente, estudante, com 22 anos de idade e a viver com os pais, quando adquiriu a estes vários imóveis para uma sociedade da qual era única administradora e accionista maioritária, poucos meses antes de o seu pai se apresentar à insolvência, sabia que este se encontrava em situação de insolvência iminente e o carácter prejudicial de tal acto.
VII - A enumeração das pessoas especialmente relacionadas com o devedor, constante dos nºs 1 e 2 do artigo 49º do CIRE, não é taxativa.
VIII - Para efeito da verificação da presunção juris tantum de má fé do terceiro, contemplada no nº 4 do artigo 120º do CIRE, deve ser considerada pessoa especialmente relacionada com o insolvente a sociedade cuja única administradora e sócia maioritária é uma sua filha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 2041/10.0TJPRT-C.P1
Juízos Cíveis do Porto – 1º Juízo Cível

SUMÁRIO
(artigo 713º, nº 7, do Código de Processo Civil)
I - A resolução de actos em benefício da massa insolvente é um mecanismo que visa dar ao administrador o poder de, com celeridade e eficácia, fazer reingressar naquela bens ou direitos que tenham sido alienados por actos que prejudiquem a satisfação dos credores que vieram reclamar os seus créditos na insolvência
II - Nas cartas de resolução, tem o administrador de enunciar os fundamentos de facto e de direito em que se estriba, apenas carecendo todavia de os indicar de forma genérica e sintética
III - A resolução prevista no artigo 120º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas pode ser efectuada relativamente a actos praticados dentro dos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência, desde que sejam prejudiciais à massa e o terceiro neles interveniente esteja de má-fé
IV - Dependendo da verificação de tais requisitos, é denominada como resolução condicional, por contraponto à resolução incondicional regulada no artigo 121º
V - É legítima a presunção judicial de que a venda de vários imóveis pelo insolvente, poucos meses antes de se apresentar à insolvência, seja acto prejudicial à massa insolvente
VI - Deve-se outrossim presumir que a filha do insolvente, estudante, com 22 anos de idade e a viver com os pais, quando adquiriu a estes vários imóveis para uma sociedade da qual era única administradora e accionista maioritária, poucos meses antes de o seu pai se apresentar à insolvência, sabia que este se encontrava em situação de insolvência iminente e o carácter prejudicial de tal acto
VII - A enumeração das pessoas especialmente relacionadas com o devedor, constante dos nºs 1 e 2 do artigo 49º do CIRE, não é taxativa
VIII - Para efeito da verificação da presunção juris tantum de má fé do terceiro, contemplada no nº 4 do artigo 120º do CIRE, deve ser considerada pessoa especialmente relacionada com o insolvente a sociedade cuja única administradora e sócia maioritária é uma sua filha


Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
b…, SA, veio, por apenso ao processo especial de insolvência requerida pelo próprio insolvente e ao abrigo do disposto no artigo 125º CIRE, instaurar a presente acção de impugnação da resolução em benefício da massa contra a Massa Insolvente de c…, representada pelo administrador da insolvência, pedindo que se declarem nulos e/ou ineficazes os actos de resolução praticados pelo administrador dos contratos de compra e venda, relativos aos imóveis identificados no artigo 1º da p. i., celebrados entre o insolvente e a autora.
Alegou, em síntese, que tais negócios foram celebrados no âmbito da actividade da autora, realização de investimentos imobiliários. Os imóveis foram postos à venda, uma vez que o insolvente e a sua mulher se incompatibilizaram e pretendiam dividir o seu património. Foram vendidos pelo valor de mercado, tendo o insolvente e a mulher recebido o respectivo preço. Apesar de a filha do insolvente, aquando dos negócios, ser accionista e administradora da impugnante, tal situação não invalida os ditos negócios. À data, o insolvente não se encontrava em situação de incumprimento, pelo que não se verificou qualquer prejuízo para os seus credores. Referiu ainda não ser possível resolver os contratos, dado que a mulher do insolvente não foi declarada insolvente, nem foi nem é parte nestes autos, razão pela qual a resolução é ineficaz relativamente a esta. Mais argumentou que é alheia à situação patrimonial do insolvente, sendo que a desconhecia.
Notificada, a demandada massa insolvente apresentou-se a contestar, pugnando pela improcedência da acção. Alegou, em súmula, que o insolvente, ao alienar todo o seu património, prejudicou os credores. A sua filha D…, então única administradora e sócia maioritária da impugnante e de diversas empresas que constituiu, as quais adquiriram o património do insolvente, era naquela ocasião estudante e tinha apenas 22 anos, não justificando a proveniência do dinheiro. Vivia com o insolvente e com a mãe, razão pela qual conhecia perfeitamente a sua situação patrimonial daquele.
A impugnante apresentou resposta, negando o essencial dos factos alegados na contestação e reiterando o seu pedido.
Após a solicitação pelo tribunal de diversos documentos, foi proferido despacho saneador, após o qual, por se ter entendido que o processo continha todos os elementos que permitiam aceder ao mérito, foi proferida sentença, que julgou improcedente a impugnação, mantendo as resoluções a favor da massa insolvente efectuadas pelo administrador da insolvência.
Inconformada, veio a impugnante interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Juntou as respectivas alegações.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS E MOTIVAÇÃO
Nos precisos termos da sentença recorrida, factualidade assente com pertinência para o “thema decidendum”, por acordo das partes, atenta a falta de impugnação e face às certidões e aos documentos juntos.
1. Em 19/02/2010, através de escritura pública, foi outorgado entre C… e mulher E… e a firma “B…, S.A.”, esta última representada pela sua única administradora, D…, um contrato denominado “compra e venda”, através do qual os primeiros outorgantes declararam vender à segunda a fracção designada pela letra “ D”, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar esquerdo, com uma garagem e uma arrecadação na cave, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs .. e .. e …, n.º… e …, da freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 1649º (…), inscrito na matriz predial sob o art. 3624º, pelo preço de 151.000 euros, que os primeiros declararam já ter recebido (cfr. documento junto, a fls. 118 a 122 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
2. Sobre a mencionada fracção incidiam as hipotecas constituídas a favor do F… (constantes da descrição predial de fls. 48 e 49 do presente apenso, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
3. Em 01/03/2010, através de escritura pública, foi outorgado entre C… e mulher, E…, e a B…, S.A”, esta última representada pela sua única administradora, D…, um contrato denominado “compra e venda”, através do qual os primeiros outorgantes declararam vender à segunda, pelo preço global de 35.000 euros, que aqueles declararam já terem recebido, os seguintes prédios rústicos:
3.1 sito em … - …, na freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 2830 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 1977;
3.2. sito em … – …, na freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 2999 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º1968º - … (cfr. doc. de fls. 223 a 227 dos autos principais, aqui dado por inteiramente reproduzido).
4. Em 01/03/2010, através de escritura pública, foi outorgado entre C… e mulher, E…, e a B…, S.A., esta última representada pela sua única administradora, D…, um contrato denominado “compra e venda”, através do qual os primeiros outorgantes declararam vender à segunda, pelo preço global de 92.000 euros, que aqueles declararam já terem recebido, os seguintes prédios rústicos:
4.1 denominado “G…” ou “H...” ou “I…”, sito em … ou …, na freguesia de …, concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 631º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º 1784;
4.2. denominado “J…” ou “K…” ou “I…”, sito em … ou …, na freguesia de Arcos, concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 633º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º 1752 - Arcos (cfr. documento/carta junto a fls. 8 e 9, do apenso A, aqui dado por inteiramente reproduzido).
5. Por notificação postal datada de 28 de Julho de 2011, o Sr. Administrador do Insolvente C…, “declarou resolvidos em benefício da Massa Insolvente” os contratos de compra e venda sobreditos de 1 a 4.2 (cfr. documentos/cartas juntas ao apenso A, a fls. 6 /7, 8/9 e 10/11, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
6. As aludidas cartas foram remetidas, com avisos de recepção, os quais foram assinados em 3/08/2011 (cfr. documentos juntos a fls. 270 a 272 dos presentes autos – apenso C, que se consideram integralmente reproduzidos).
7. Por decisão de 27/05/2010, foi declarada a separação de pessoas e bens de C… e mulher E… (cfr. doc. junto a fls. 47, aqui dado por inteiramente reproduzido).
8. C… apresentou-se à insolvência em 16/12/2010 e foi por este tribunal declarado insolvente, através de sentença proferida a 25/01/2011 (cfr. acção principal, designadamente sentença de fls. 42 a 44, aqui dada por integralmente reproduzida).
9. A sociedade B…, S.A., foi CONSTITUÍDA em 24/12/2009, tendo como única administradora D… e o capital social de 50.000 euros (cfr. doc. junto a fls. 308 e 309, deste apenso, aqui dado por integralmente reproduzido).
10. A referida D… é filha do insolvente, C… e da sua mulher, E…, nasceu a 15/02/1988, é estudante e mora na …, …, .º esqº, ….-…, em Viana do Castelo, ou seja, no prédio sobredito em 1 (cfr. docs. junto a fls. 435, as sobreditas escrituras de compra e venda onde D… declara que tem esta morada e ainda os documentos de fls. 235, 274, 275, 279 e 283 e envelope de 434 (este remetido ao tribunal pela própria D…), aqui dados por inteiramente reproduzidos).
11. A mencionada filha dos insolventes auferiu as remunerações constantes dos docs. de fls. 284 e 285, aqui dados por integralmente reproduzidos, ou seja:
a) no ano de 2010, por mês a quantia de 475 euros paga pela firma A. e de 485 euros mensais, pagos pela firma “L…, Ldª”;
b) no ano de 2011, o quantitativo de 485 euros mensais, pagos pela sobredita “L…”;
c) no ano de 2012, o montante mensal de 475 euros, pago pela firma, “M…, S.A.”.
12. O insolvente residia na …, …, .º esqº, ….-…, em Viana do Castelo (imóvel sobredito em 1), tendo alterado o seu domicílio na … para a …, nº …, .º frente, no Porto, em 7/06/2010 e na Segurança Social em 18/05/2010 e em 8/06/2010 na AT (cfr. docs. de fls. 275, 286/287, 290, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
13. Dou ainda por reproduzidos os negócios constantes dos documentos juntos aos autos a fls. 319 a 334.
14. A firma “L…, Ldª”, foi constituída em 11/06/2010, inicialmente tendo como única titular e gerente E…, mulher do insolvente e, posteriormente, foi transformada em sociedade por quotas e como membros sociais a referida D…, N… e O…, foi declarada insolvente, por sentença, proferida em 5/04/2012 (cfr. docs. de fls. 327 a 337).
15. Dou aqui por reproduzido o extracto de conta de fls. 78, do qual consta o crédito de uma compra no montante de 151.000 euros, realizada em 28/02/2010 e a emissão de 10 cheques, titulando cada um o montante de 15.100 euros, com as datas de emissão de 31/03/2010 a 30/04/2010, assim como dou por reproduzidos os documentos de fls. 381 a 385 (cfr. docs. de fls. 78, aqui dado por inteiramente reproduzido).
16. Foram emitidos pela A. (impugnante) a favor do insolvente os cheques de fls. 79 a 81, no montante de 15.100 euros cada um (documentos aqui dados por reproduzidos).
17. Dou ainda por reproduzidos os extractos de conta de fls. 82/83, ou seja, documento contabilístico da impugnante (B…).
18. A firma “P…, Ldª” foi declarada insolvente, por decisão de 22/09/2010 (cfr. doc. junto a fls. 122 a 131, aqui dado por inteiramente reproduzido).
19. A A., no momento da celebração dos negócios, supra mencionados em 1 a 3.2 conhecia a situação financeira do insolvente, através da sua única administradora, D…, que vivia com os pais.
20. A firma, “Q…, Ldª”, da qual o insolvente era sócio gerente, foi declarada insolvente em 22/06/2010, no processo nº 1936/10.6 TBVCT, que correu termos pelo 2º Juízo Cível de Viana do Castelo.
21. Corre termos o processo de insolvência nº 938/10.7TYVNG, pelo 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, um processo com vista à insolvência da firma, “S…, S.A.”, da qual o insolvente era administrador, instaurado em 29/11/2010.
Motivação
A já referida falta de impugnação dos sobreditos documentos, bem como o valor probatório dos mesmos e ainda, no que toca ao facto 19. tal resulta do facto da única administradora da A., que outorgou as escrituras de compra e venda em causa, ser filha do insolvente e da sua mulher, viver com os pais, à data dos negócios, ser estudante e ainda de não ter justificado a proveniência dos seus rendimentos, nem dos alegados suprimentos, os quais até não se comprovam.
Aluda-se ainda que, como resulta do facto supra provado em 16, os cheques foram depositados, mas de acordo com os documentos juntos aos autos, as quantias correspondentes ao seu valor eram levantadas decorridos poucos dias (desconhecendo-se, apesar de perceber a evidente razão, porque não foi carreado para os autos, como foi aplicado tal dinheiro).
Todas estas circunstâncias, face às regras da experiência comum, são reveladoras de que a própria A. conhecia, e bem, a situação do insolvente e que as aquisições em causa visaram “salvaguardar” o património do casal/ da família em prejuízo dos seus credores.
Aliás, a A. não conseguiu adiantar uma explicação para a falta daquele prejuízo, como por exemplo, a aplicação pelo insolvente do produto da venda no pagamento de dívidas ou de outras aplicações em benefício dos credores!!!
No que toca à inexistência da má-fé, a mesma não colhe, pela relação de parentesco, proximidade da única administradora da impugnante, a filha do insolvente, que, repita-se, com ele vivia à data da concretização dos negócios, era estudante e que, inexplicavelmente, continua a viver na casa de família dos seus pais que alegadamente foi vendida à impugnante, conforme resulta das informações juntas aos autos (cfr. supra III-10).
Ora, face ao aludido circunstancialismo e de acordo com as já referidas regras da experiência comum, resulta que quem mantém uma relação, para além de ser filha, tão próxima com o insolvente, com toda a probabilidade conhece bem a sua situação financeira.
Acresce ainda a conjugação da cronologia e da proximidade, entre outros, dos seguintes factos, a data da:
- da constituição da impugnante e o seu objecto social (24/12/2009);
- da realização dos negócios resolvidos pelo A.I. (Fevereiro e Março de 2010);
- da declaração da separação de facto do insolvente com a sua mulher (27/05/2010);
- da apresentação à insolvência do devedor, vendedor dos imóveis (16/12/2010);
- da alteração da residência do insolvente (entre Maio e Junho de 2010).
Cotejando tal factualidade e a sua cronologia com as regras da experiência comum, resulta que os negócios foram bem pensados e apenas visaram, repita-se novamente, salvaguardar os bens imóveis do insolvente, em prejuízo, obviamente, dos seus credores.
Acrescente-se que o tribunal solicitou diversas informações à impugnante e à sua administradora, a referida D…, e aquelas, ao invés de auxiliarem o tribunal, especialmente esta última, escusou-se a colaborar e a prestar todas as informações e documentos solicitados, sem qualquer argumento válido ou convincente, tendo apenas juntado os que lhes convieram, como decorre, entre outras, de fls. 247 ss., 298, 307, 373 ss., 380, 426, 433, 436, em manifesta oposição com o dever de cooperação com o tribunal exigido a todas as pessoas (cfr. art. 519 C.P.C., quer sejam ou não partes na acção).
Alguns dos factos apurados resultaram do conhecimento oficioso do tribunal, uma vez que os presentes autos se encontram apensos ao processo de insolvente, C… (art. 514 C.P.C.).
Expresse-se que o tribunal não ficou, de todo, convencido que a filha do insolvente, à data dos negócios, a viver com os seus pais, a auferir em 2010/2011 os montantes demonstrados em III-11, tenha feito suprimentos à sociedade impugnante, entre 30/04/2010 e 28/02/2011, no montante de 263.050 euros. Hipótese para se questionar com que dinheiro, qual a sua proveniência.
Finalmente, aluda-se que o tribunal igualmente não se convenceu de que a impugnante pagou ao insolvente e à sua mulher os valores declaradamente recebidos nas escrituras de compra e venda sobreditas de 1 a 4.2 (supra III), não só por tudo quanto já se afirmou e ainda porque os documentos juntos supostamente para comprovar tal pagamento, os de fls. 381 a 385, não têm a potencialidade de lograr prová-los.
As datas referidas nos extractos, designadamente dos cheques, não coincidem com a data da celebração dos negócios, e a impugnante não explica de forma cabal ou, pelo menos, minimamente satisfatória, como angariou dinheiro para proceder a tais pagamentos.
Do mesmo modo, não foram carreados para os autos elementos que possam concluir onde foram depositados os aludidos cheques, em que conta ou se foram eventualmente levantados e aplicados.
Acresce que a impugnante no art. 62 P.I. alega que pagou o preço do imóvel supra referido em III-1, com cheques que depositou nas suas próprias contas bancárias. Tal é absolutamente desprovido de sentido, então a impugnante comprou o imóvel em referência e pagou o preço com cheques que depositou nas suas próprias contas?!. A mesma afirmação é tecida nos art. 104 e 153 P.I. relativamente aos restantes negócios dos imóveis mencionados nos artigos precedentes.
2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO
1.º - Os factos “Provados” no item 10º devem ser eliminados dos FACTOS ASSENTES uma vez que não dizem respeito ao objecto do litígio, pois são factos pessoais da administradora da Apelante e não é esta, a título individual, quem está a pleitear, mas sim a sociedade anónima de que é accionista e administradora.
2.º - Ao deles conhecer, a sentença ora impugnada é NULA porquanto a Senhora Juiz recorrida está a conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, o que viola o disposto na alínea d), n.º1, do artigo 668º do Cód. Proc. Civil.
3.º - Por outro lado, a M.ma Juiz recorrida deu como PROVADA a matéria constante do item 19º dos Factos Assentes, quando não podia, nem devia fazê-lo, uma vez que não existe prova nos autos que lhe permita dar resposta positiva à mesma.
4.ª - A M.ma Juiz “a quo” limitou-se a presumir um facto (o teor da resposta ao quesito 19º) para o qual nem indiciariamente existe prova, pelo que violou à contrário o disposto no art.264º, n.º3, do Cod. Proc. Civil, porquanto considerou na decisão sobre a matéria de facto elementos que não resultam da instrução e discussão da causa, nem tão pouco existe prova sobre os mesmos.
5.º - Por outro lado, pese embora a M.ma Juiz recorrida tenha dado como PROVADA a matéria do item 16º, certo é que na MOTIVAÇÃO vem dizer que “…de acordo com os documentos juntos aos autos, as quantias correspondentes ao seu valor eram levantadas decorridos poucos dias …” quando não o podia, nem devia fazer, porquanto inexiste nos autos prova documental, testemunhal e/ou pericial nos autos que justifiquem tal afirmação.
6.º -A Senhora Juiz recorrida PRESUME aquilo que imagina que pode ter sido, mas que não sabe se foi, porque inexistem provas nos autos.
7.º - Sendo que a M.ma Juiz “a quo” excede manifestamente o âmbito do presente processo e subverte todas as regras processuais aplicáveis in casu quando afirma que “… a A. não conseguiu adiantar uma explicação para a falta daquele prejuízo, como por exemplo, a aplicação pelo Insolvente do produto da venda no pagamento de dívidas ou de outras aplicações em benefício dos credores”, quando a autora e ora Apelante não tinha, nem tem que o fazer, não tem que saber, nem sabe, o que é que o Insolvente fez ao dinheiro que dela recebeu, que destino lhe deu, uma vez que não é ónus de prova que lhe caiba fazer.
8.º - Por fim, a afirmação da Senhora Juiz recorrida na MOTIVAÇÃO de que o “…tribunal não ficou, de todo, convencido que a filha do insolvente, à data dos negócios …. tenha feito suprimentos à sociedade impugnante … no montante de 263.050 euros…” só vem dar razão à aqui Apelante de que ela não se podia decidir a presente acção no saneador pois, se o tribunal tem dúvidas, o que deveria ter feito era remeter o processo para audiência de julgamento para aí se realizarem as respectivas provas, designadamente uma peritagem as respectivas contas bancárias, pelo que a falta desse elemento jamais prejudica o direito de defesa que legalmente assiste à aqui Impugnante.
9.º - Mutatis mutandis, o mesmo ocorre com a afirmação contida in fine, de que “o tribunal igualmente não se convenceu de que a impugnante pagou ao insolvente e à sua mulher os valores declaradamente recebidos nas escrituras …” pois a impugnante “não explica … como angariou dinheiro …”, pois, na nossa modesta opinião, a M.ma Juiz “a quo” subverte todas as regras processuais in casu.
10.º - Pois o âmbito da presente acção afasta-se por completo das questões acima enunciadas, já que não é isso que se discute nos presentes autos, nem a sociedade ora Apelante jamais foi notificada para justificar se tinha ou não dinheiro para efectuar as aquisições em causa.
11.º - As razões invocadas pela Senhora Juiz recorrida na fundamentação da matéria de facto dada como PROVADA quanto aos itens 10º e 19º mostram-se desprovidas de qualquer sustentabilidade porquanto inexiste prova bastante nos autos que permitam a sua resposta positiva, pelo que devem aqueles itens 10º e 19º ser considerados como NÃO PROVADOS.
12.º - Caso assim se não entenda, deve então remeter-se os autos para julgamento, para aí se obterem todas as provas tidas por necessárias e pertinentes.
13.º - Por outro lado, a Senhora Juiz recorrida considerou como NÃO PROVADOS os factos constantes nos art.29º, 30º, 31º-B, 35º-B, 36º, 47º, 60º, 61º, 71º, 78º, 79º, 96º, 103º, 113º, 125º, 126º, 178º, 179º e 185 da PI, quando não o podia fazer.
14.º - Pois, ou aceitava o teor dos documentos juntos aos autos a fls. 78 a 83 e fls. 381 a 385, designadamente escrituras notariais e fotocópias de cheques, transferências de pagamento, documentos contabilísticos, etc.), entregues pela Apelante para prova do pagamento ao Insolvente e mulher das quantias referentes a tais transacções e, neste caso, as matérias dos artigos da PI acima indicados têm de ser considerados como PROVADOS.
15.º - Ou, não os aceitando, não podia impedir a Apelante, como impediu, do direito de exercer o contraditório (art.3º, n.º3, do Cod. Proc. Civil) relativamente a tais matérias, designadamente através de prova testemunhal e pericial!
16.º - Por isso, devem Vossas Excelências considerar como PROVADOS os aludidos itens da PI, na eventualidade de doutamente entenderem que os documentos juntos aos autos confirmam a matéria aí vertida, pois, caso contrário, em nossa modesta opinião, devem os autos ser remetidos para julgamento para se realizar a prova em falta e tida por pertinente.
17.º - Com efeito, a M.ma Juiz “a quo” formou a sua convicção para a resposta a essa matéria sem ter em devida conta o conteúdo e alcance dos aludidos documentos (escrituras notariais, cheques, transferências de pagamento, documentos contabilísticos, etc.), que impunham respostas diversas das que foram proferidas, violando, desse modo, o disposto no art.655º do Cod. Proc. Civil.
Sem prescindir:
18.º - A presente acção tem como causa de pedir o conteúdo das cartas de resolução que o Sr. Administrador Judicial remeteu à ora Apelante, nas quais fundamentou a sua decisão de resolução com base no disposto nos art.120º, 121º e 123º do CIRE. Cfr.doc.1, 2 e 3 juntos à PI.
19.º - Em nenhum dos articulados da presente acção se alude a hipotético acordo entre declarante e declaratário, ao intuito de enganar terceiros e à divergência entre a vontade real e a declarada.
20.º - Nenhum dos pressupostos a que se alude nos art.240º do Código Civil para que se declare a simulação do negócio se mostram vertidos nos articulados respectivos, pelo que esse facto obstava a que a Senhora Juiz recorrida pudesse lançar mão de tal expediente jurídico, por não alegado pelas partes.
21.º - Consequentemente, a sentença recorrida é nula nessa parte, por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento: art.668º, n.º1, alínea d), do Cod. Proc. Civil.
22.º - Por outro lado, nos negócios ora impugnados não se verificam os requisitos legais de que depende a procedência da resolução condicional.
23.º - Desde logo, não está verificada e demonstrada a prejudicialidade dos actos em face da matéria provada, supra impugnada, pelas razões acima mencionadas, pois não está demonstrado nos autos a existência de quaisquer vendas simuladas.
24.º - Sendo que a M.ma Juiz “ a quo” a propósito desse requisito, afirma que se encontra afastada a presunção de prejudicialidade relativamente à Massa dos actos em causa (uma vez que “não se vislumbra a ocorrência de tal presunção “jure et de jure”, como aí se escreve), embora a mesma se EQUIVOQUE de seguida, ao alegar no parágrafo seguinte que se mostra “…verificada a prejudicialidade…” havendo manifesto lapso de escrita e/ou de raciocínio que de modo algum permite que se possa concluir pela existência da (posteriormente) alegada prejudicialidade, pois “não se vislumbra a ocorrência de tal presunção “jure et de jure” como anteriormente a mesma Senhora Juiz recorrida afirmou (e bem).
25.º - Sendo que não pode a Senhora Juiz recorrida fazer alusão a factos Provados (!) com vista a afirmar-se a prejudicialidade dos mesmos, quando, como resulta do que supra se alegou, que o não estão, por se mostrarem impugnados por via do presente recurso e, por isso, carecem de prova …
26.º - Acresce que no caso em apreço também não se aplica o regime do n.º4 do art.120º do CIRE.
27.º - Em primeiro lugar, porque não estamos perante um negócio simulado, como melhor referimos nos itens 19º e 20º supra.
28.º - Em segundo lugar, porque não se verificou a invocada existência de MÁ-FÉ do terceiro adquirente, a aqui Autora e ora Apelada.
29.º - Pois, não obstante a M.ma Juiz “a quo” ter dado como provados os factos constantes dos itens 10º e 19º da Matéria Assente, quando não podia, nem devia fazer, uma vez que inexistem nos autos elementos que lhe permitissem desse modo decidir, certo é que aquelas respostas estão impugnadas neste recurso, sob os números 1 a 12º supra que, por economia processual, aqui se dão como reproduzidos.
30.º - Na certeza de que essa factualidade, salvo melhor e douta opinião de Vossas Excelências, jamais poderá ser considerada, pela inexistência de prova nos autos que assim permitam concluir que a aqui Apelante agiu de má-fé.
31.º - Pois, a administradora D… não é parte do processo, não está apurado nos autos se vivia ou não com os pais à data dos negócio e não sendo parte este processo, a título pessoal, não tinha, nem tem a mencionada D… que justificar a proveniência dos seus rendimentos, nem dos suprimentos, sendo que a autora e ora Apelante apenas tem que demonstrar e provar que pagou o preço nas transacções realizadas (o que fez através dos documentos juntos aos autos), não tendo que saber, nem sabe, o que é que o Insolvente fez ao dinheiro que dela recebeu, nem que destino lhe deu, não sendo ónus de prova que lhe caiba !
32.º - Para além de que, tendo a Apelante adquirido os imóveis em causa pelo preço corrente de mercado e pago o respectivo preço, como o comprovou pelos documentos juntos aos autos (cfr. quitação nas escrituras de aquisição e fotocópias dos cheques, tal como dos extractos bancários) – inexiste contra-prova em sentido oposto, nos autos – inexistem fundamentos fáctico-legais que permitem por em crise os negócios celebrados.
33.º - Por fim, também é inaplicável in casu a previsão da alínea h), n.º1, do art.121º do CIRE porquanto, tendo em conta que estamos perante compras e vendas, não se mostra provado se o preço das transmissões excedeu ou não manifestamente o da contraparte, ou seja, se a Autora e aqui Apelante pagou ou não menos do que devia pela compra dos imóveis em causa.
34.º - Pelo que, inexistindo tais elementos nos autos, nem estando os mesmos alegados, não pode o tribunal, ainda que por este motivo, declarar resolvidos os negócios impugnados.
35.º - Ao decidir de modo diverso, a M.ma Juiz recorrida violou o disposto no art. 240º do Código Civil, art.668º, n.º1, al. d), art. 264º, n.º3, art.3º, n.º3 e art.655º, todos do Cod. Proc. Civil e ainda os art.120º, n.º4, do CIRE.
36.º - Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douta decisão de Vossas Excelências que julgue a presente acção procedente, com as legais consequências ou, quando assim se não entenda, se determine a remessa dos autos para julgamento, para prova da matéria controvertida, supra referida, designadamente nos itens 11º,12º, 14º, 15 e 16º supra.
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3. DISCUSSÃO
3.1. Na busca da gramática que garanta um mínimo de harmonização e de compreensão da tão fluida argumentação que se surpreende no presente recurso, cumprirá aprofundar o conceito de presunção. Figura que, na definição do artigo 349.º do Código Civil, se reporta às «ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
As presunções judiciais, por contraposição às que decorrem de disposição legal, serão as extrapolações pelo julgador retiradas de factos conhecidos, por apelo às regras da experiência da vida, que permitem e impõem estabelecer esse nexo sequencial. Na exemplar definição do acórdão do STJ de 15.06.2005 (Salvador da Costa), in dgsi.pt, “as presunções judiciais são situações em que, num quadro de conexão entre factos provados e não provados, à luz da experiência comum, da lógica corrente e por via da própria intuição humana, a existência dos primeiros, em termos de alta probabilidade, justifica a existência dos últimos”. Através delas se consagra o desejável avanço da prova em direcção ao concreto, reforçando o casuístico como momento indefectível da apreensão da realidade. A acrescida responsabilidade que da sua utilização decorre, nessa apreciação livre, apenas dirigida à convicção (cfr artigos 351º, 392º e 396º do Código Civil), não deve inibir o julgador. O qual nunca poderá esquecer que o juízo que lhe subjaz partilha do que mais nobre há no munus do juiz, na medida em que consubstancia a assumpção de valores que se encontram indelevelmente diluídos em determinada sociedade. Complementando e humanizando outros que, passíveis de exteriorização e generalização, foram pelo legislador reconhecidos no enunciado de regras objectivas e formais.
No contraponto das presunções judiciais, surgem-nos as presunções legais. Por razões de segurança e certeza da ordem jurídica, a lei consagra ela própria casos em que de um facto conhecido se firma um desconhecido. Presunções ilidíveis (juris tantum) ou não (juris et de jure), como se prevê expressamente no artigo 350º daquele código.
O que supra se refere destina-se tão só a enquadrar a análise que faremos do recurso, para a qual entendemos essencial uma certa precisão. Por um lado, porque a interpretação dos preceitos dos artigos 120º e 121º do CIRE exige um domínio seguro dos conceitos ligados à figura das presunções e aos seus tipos. Por outro lado, porque tanto na sentença como nas alegações de recurso se joga muito com as mesmas, nomeadamente no que contende com as alterações das regras da prova por elas ditadas.
3.2. A resolução em benefício da massa insolvente é um mecanismo que visa dar ao administrador o poder de, com alguma eficácia, fazer reingressar naquela bens ou direitos que possam ter sido alienados por actos praticados no intuito de os furtar à garantia da satisfação dos credores que vierem reclamar os seus créditos na insolvência.
Como bem se esclarece no preâmbulo do DL nº 53/2004, de 18 de Março, diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua nota 41 – “prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico - a «resolução em benefício da massa insolvente» -, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”. O que se justifica na medida em que “a finalidade precípua do processo de insolvência - o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência - poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente”. Posto o que “importa apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa”. Faceta que se realça no acórdão do STJ de 12.07.2011 (Gabriel Catarino), in dgsi.pt“o instituto da resolução em benefício da massa insolvente consagrado, de forma indelével e impressiva, no CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), visou conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, qual seja o de dar satisfação, na medida das forças do património, dos créditos existentes à data da declaração da insolvência”.
Tal faculdade de resolução foi concedida, de forma incondicional, relativamente aos actos taxativamente apontados no artigo 121º do CIRE, desde que praticados dentro de certo prazo que anteceda o início do processo de insolvência, que varia, conforme o tipo de acto, entre seis meses e dois anos.
Pode ainda ser actuada, o que é regulado no artigo 120º do mesmo código, relativamente a actos praticados dentro dos quatro anos anteriores a essa data, desde que sejam prejudiciais à massa e o terceiro neles interveniente esteja de má-fé. Por depender da verificação de requisitos, vem-se chamando a esta, por contraposição àqueloutra, resolução condicional.
O legislador fez questão de delinear o alcance desses pressupostos. No nº 2 daquele artigo, o de actos prejudiciais à massa, que são «os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência». No nº 5, fez corresponder a má-fé ao «conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias: de que o devedor se encontrava em situação de insolvência; do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; do início do processo de insolvência».
No apuramento desses dois requisitos, foram contempladas presunções.
No nº 3, presumiram-se prejudiciais à massa, juris et de jure, os actos dos tipos referidos no artigo 121º. O que só interessará, como é óbvio, para os que foram praticados para lá do prazo estabelecido para a resolução incondicional e até aos 4 anos anteriores ao início do processo de insolvência.
No nº 4, estabeleceu-se a presunção, juris tantum, da má-fé do terceiro, «quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data».
3.3. No presente caso, o administrador da insolvência declarou resolvidos em benefício da massa vários contratos de compra e venda, com fundamento que reportou aos artigos 120º e 121º, alíneas b) e h), do CIRE.
No que especialmente concerne à alínea b) do artigo 121º, porque se teria tratado de um negócio gratuito camuflado. Quanto à alínea h), porque face ao não pagamento ou pagamento parcial do preço haveria desproporção entre as obrigações assumidas pelo insolvente e pela compradora. A sentença recorrida afastou tal possibilidade, no entendimento de que se apurou que os negócios foram simulados, como tal nulos, não podendo valer nem como onerosos nem como gratuitos, para efeito daquele preceito.
No que respeita ao artigo 120º, entendeu que a prejudicialidade decorria de os bens vendidos serem os que de mais valioso o insolvente possuía e terem sido vendidos por valor inferior ao real. Por outro lado, a má-fé da adquirente resultava das circunstâncias quer do nº 4 do artigo, já que foi a filha do insolvente que, como administradora e accionista maioritária da adquirente, comprou os imóveis, quer das alíneas a) e b) do nº 5, porquanto esta tinha conhecimento da situação de insolvência e do carácter prejudicial do acto. O que mereceu a concordância da senhora juiz a quo.
3.4. Começaremos por confirmar que, nas cartas de resolução, o senhor administrador da insolvência deu cumprimento ao dever de nelas enunciar os fundamentos de facto e de direito em que se apoiou. O que é requisito essencial da validade da mesma, só assim possibilitando ao impugnante do acto resolutivo contrariar os factos em que ela se estriba. Nesse sentido, entre muitos, os acórdãos do STJ de 17.09.2009 (Mário Cruz) e desta Relação do Porto de 11.05.2011 (Pinto dos Santos), de 27.11.2012 (Pinto dos Santos), de 11.03.2013 (António Eleutério) e de 7.10.2013 (Abílio Costa), todos in dgsi.pt. Se bem que as cartas resolutivas apenas careçam da indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução – cfr. o acórdão desta Relação do Porto de 24.11.2011 (Deolinda Varão), ibidem.
Ainda em nota de sequência, frisaremos que não se cuidará ora dos fundamentos que se reportam ao artigo 121º, que foram afastados na sentença recorrida. E que apenas utilizaremos os factos em que esta se apoiou, para concluir que os actos em análise teriam consubstanciado a prática de negócios simulados, enquanto também relevantes para a aceitação da resolução com fundamento no artigo 120º do CIRE. Como refere Fernando Gravato Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pág. 47, “os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem”. Acrescentando que “do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”. Pois “a finalidade é a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor”. Assim, nesta acção de impugnação não se cuida de apurar eventual nulidade dos negócios, por simulação, mas tão só de indagar a existência dos pressupostos que permitissem ao administrador da insolvência resolvê-los em benefício da massa insolvente.
Vejamos se se verificam os aludidos requisitos.
Quanto à temporalidade, os actos resolvidos foram praticados 9/10 meses antes do início do processo de insolvência, portanto dentro dos 4 anos que o precederam – nº 1 do referido artigo 120º.
Cabe em seguida questionar da sua prejudiciabilidade para a massa, diminuindo, frustrando, dificultando, pondo em perigo ou retardando a satisfação dos credores da insolvência – nº 2 do mesmo preceito. Voltando-se a frisar que, na senda do que se considerou na sentença recorrida e não foi posto em causa pela recorrente, temos por afastada a presunção do nº 3, que remete para os actos do artigo 121º.
E aqui retomaremos as considerações supra expendidas relativas às presunções judiciais. Para considerar que, à luz dos parâmetros de uma normalidade que não pode ser ignorada, a venda de vários imóveis por parte do insolvente poucos meses antes de se apresentar à insolvência é, salvo circunstancialismo excepcional, um acto que prejudica a satisfação dos credores da massa.
Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto de 29.09.2009 (Maria do Carmo Domingues), in dgsi.pt, “a venda de um imóvel é à partida um acto prejudicial à massa insolvente atenta a natureza volátil da contrapartida”. O que será todavia de afastar se se demonstrar que “essa contrapartida foi empregue noutros bens que sejam apreendidos nos autos, ou que a mesma proporcionou um aumento do activo”. Pelo que “deveria a impugnante ter demonstrado a ausência de prejuízo, cujo ónus lhe incumbia, pois este resulta, em princípio do negócio e tal não sucedeu”. Concluindo que “o carácter prejudicial do acto efectuado pela insolvente depreende-se do mesmo, dado que a venda de per si é prejudicial face à contrapartida volátil e à inexistência de um elemento de justificação e/ou de um elemento de não-prejudicialidade para com os credores da insolvente”.
Apenas discordamos deste aresto na parte em que considera que era sobre a impugnante que recaía o ónus da demonstração da ausência do prejuízo. Na verdade, não estamos perante a presunção legal juris tantum (vinculativa, excepto prova em contrário) prevista no nº 2 do 350º do Código Civil. Do que no presente caso se cuida é de abalar os pressupostos que legitimam a presunção judicial de que aquelas vendas teriam normalmente a referida consequência. O que se não atem necessariamente à alegação e prova de que esta se não verificou. Pois se as presunções judiciais são valoradas livremente pelo julgador (artigos 351º e 396º, que as admitem nos termos em que é admitida a prova testemunhal), podem ser afastadas ou contrariadas por outros factos que as abalem, não tendo tal forçosamente de passar pela prova de que o facto presumido não veio a acontecer. Evidenciar-se-á essa destrinça, se atentarmos em que, enquanto as presunções judiciais podem ser mais ou menos fortes, as presunções legais têm uma só força - invertem o ónus da prova.
Ora, a impugnante nada alegou no sentido de abalar aquela presunção, limitando-se a buscar refúgio no argumento de que era à massa insolvente que incumbia o ónus da prova do prejuízo.
Cabe, por último, ponderar o requisito da má-fé.
Qual seja, nos termos das alíneas a) ou b) do nº 5 do referido artigo 120º, se a impugnante conhecia, à data das compras, que o vendedor se encontrava em situação de insolvência ou do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente.
Nesse particular, a senhora juiz a quo deu como provado, no ponto 19. da matéria assente, que a administradora e principal accionista da impugnante, filha do insolvente, conhecia a situação financeira do insolvente. Contra o que a recorrente se insurge, sustentando que tal facto não pode ser sem mais inferido.
Sem razão. Se volvermos à figura da presunção judicial, nenhuma dúvida temos em secundar o que na motivação de facto quanto a isso se aduz. Não se podendo deixar de valorar o facto de a filha do insolvente, atentos os seus 22 anos de idade e a sua qualidade de estudante, aparecer insolitamente na posição de única administradora de uma sociedade anónima, detendo 60% do respectivo capital. Circunstâncias que, aliadas ao facto de viver com os seus pais e residir na casa que compra a estes em nome da referida sociedade, constituída cerca de um mês antes dessa compra, são indicação segura de que estava conluiada com eles. Os quais, significativamente, se separaram de pessoas e bens (não se divorciaram) transcorridos escassos 3 meses, apressando-se a sua mãe a constituir uma outra sociedade, poucos dias após essa separação. Para que o pai, muito mais aliviado, se apresentasse finalmente à insolvência.
Só poderemos louvar a postura da senhora juiz a quo, ao extrapolar sem tibiezas a conclusão que a situação claramente indiciava. Nas suas próprias palavras, “todas estas circunstâncias, face às regras da experiência comum, são reveladoras de que a própria autora conhecia, e bem, a situação do insolvente e que as aquisições em causa visaram salvaguardar o património do casal/da família em prejuízo dos seus credores”. Poupando a inutilidade das fases de instrução e de audiência de julgamento, que redundariam em pura perda de tempo. E vincamo-lo expressamente, face à frequência com que situações de litigância inútil são toleradas, num deixar correr que nada vem dignificando a administração da justiça.
Pelo que só podemos discordar da recorrente, quando imputa à sentença os vícios de excesso ou de omissão de pronúncia, pugnando pela sua nulidade, por força do preceito do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, sempre ficaria por ilidir a presunção, juris tantum, de má-fé que impendia sobre a impugnante (ver o acórdão desta Relação do Porto de 28.04.2011 – relator Teles de Meneses –, in dgsi.pt), por força do nº 4 do artigo 120º, relativa a actos cuja prática tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
Este último conceito remete-nos para o artigo 49º do CIRE, na alínea b) do qual se incluem os descendentes no rol dos que “são havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular”.
O emprego da expressão “havidos como” dá-nos a certeza de se quiseram meramente exemplificativas as enumerações constantes dos nºs 1 e 2 desse artigo. Não excluindo que outros relacionamentos nele não previstos possam também ser considerados especialmente relevantes.
Como o com um descendente, que aja na qualidade de único administrador de uma sociedade de que é accionista maioritário. O que parece aliás decorrer do facto de, no nº 2 do mesmo preceito, serem “havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa colectiva” tanto os sócios como os administradores – alíneas a) e c). Mais expressamente se estendendo esse rol, nos termos da alínea d), às “pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no nº 1”. No que se incluem, portanto, os sucessores dos sócios ou administradores.
Assim, se aplicarmos a mesma lógica ao nº 1, teremos de entender como especialmente relacionada com o devedor pessoa singular a sociedade cujo sócio maioritário e único administrador seja sucessor do devedor, nomeadamente quando é ele quem com este contrata. Não podendo concordar com a impugnante, quando afirma que a filha do insolvente nada tem a ver com presente impugnação, sendo os factos apurados sob 10. irrelevantes para a solução a dar à mesma.
É esta a interpretação mais consentânea com o espírito da lei. Aliás, bem realçado no ponto 25., parte final, do preâmbulo ao diploma que instituiu o CIRE, quando se refere que “o combate a uma fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência, qual seja a de aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, especial proximidade, dependência ou outras, para praticar actos prejudicais aos credores é prosseguido no âmbito da resolução de actos em benefício da massa insolvente, pois presume-se aí a má fé das pessoas especialmente relacionadas com o devedor que hajam participado ou tenham retirado proveito de actos deste, ainda que a relação especial não existisse à data do acto”.
Nos termos de tudo o exposto, considerando válido o fundamento das resoluções em benefício da massa insolvente levadas a cabo pelo administrador da insolvência, por se estribarem em factos que caracterizam as previsões do artigo 120º, nºs 1, 2, 4 e 5, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, só nos resta confirmar a sentença que julgou improcedentes as respectivas impugnações.
III
DISPOSITIVO
Acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente - artigo 446º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 5 de Dezembro de 2013
José Manuel de Araújo Barros
Pedro Martins
Judite Pires