Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5149/12.4TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
CRIME DE DIFAMAÇÃO
INTERESSE LEGÍTIMO
BOA-FÉ
AUDIÇÃO DO VISADO
DIRECTOR DO JORNAL
Nº do Documento: RP201403265149/12.4TDPRT.P1
Data do Acordão: 03/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O título de uma notícia inserta no jornal deve traduzir o teor do texto do artigo noticioso.
II – O direito à integridade moral prevalece sobre a liberdade de imprensa.
III – A elaboração de uma notícia ofensiva da honra não é punível se, cumulativamente, a imputação haver sido feita para realizar interesses legítimos e o seu autor prove a verdade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
IV – Interesse legítimo é o interesse público aliado à função da imprensa, a “atividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica e cultural”.
V – Para existir interesse legítimo na notícia de um determinado facto, ele deve revestir-se de um interesse justificado e atual, ser um facto relevante da vida comunitária (relevância social da notícia).
VI – Além disso, a notícia deve ser verdadeira, impendendo sobre o jornalista um “esforço de objetividade” ou dever de esclarecimento, o que obriga a que a notícia seja dada (escrita ou relatada) de forma adequada, com contenção, moderação e urbanidade.
VII – Não há boa-fé “quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação” o que se prende com o dever de investigação do facto (recolha de informações e fontes) e com o dever de “ …antes da imputação de factos desonrosos a alguém identificado na notícia se dê possibilidade ao visado de apresentar a sua própria versão dos factos”.
VIII – O estatuto do jornalista impõe-lhe o dever de diversificar as suas fontes de informação, ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupe, não podendo ser omitida a sua audição nos casos em que sejam identificadas na notícia.
IX – As notícias são publicadas sob orientação, superintendência e determinação do diretor do jornal.
X – O diretor não necessita de consentir na publicação, basta que não se tenha oposto a ela; e não tem de a conhecer, basta que tenha tido a possibilidade de a conhecer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº5149/12.4TDPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

Na Instrução nº5149/12.4TDPRT do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto em que são arguidos
B…,
C… e
D…

O assistente E… deduziu acusação particular pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artºs. 180, nº1 e 183º, nº2, do Código Penal, e deduziu o respectivo pedido de indemnização civil;
O MºPº acompanhou a acusação particular;

Os arguidos requereram a abertura da instrução, e realizada esta e o debate instrutório pela Mª Juiz de Instrução foi por despacho de 11/10/2013, decidido o arquivamento dos autos;

Contra esta decisão recorre o assistente, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1ª A decisão recorrida é, para além de ser uma decisão ilegal, uma decisão perigosa porque cauciona os atentados injustificados à honra e à consideração das pessoas levada a cabo pela forma mais grave que a mesma assume, que é através dos órgãos de comunicação social, legitima a completa falta de rigor dos jornalistas, cauciona as notícias construídas a partir de investigações levianas e sem o mínimo de cuidado pela busca da verdade e do respeito dos visados e protege o jornalismo sensacionalista e achincalhante.
2ª A decisão recorrida fez tábua rasa de toda a prova recolhida em sede de inquérito e valorizou infundadamente a prova testemunhal produzida na instrução.
3ª O requerimento do F… para demissão do ofendido apresentado ao Director da DGAJ, que é obviamente uma consequência, gravíssima, da conduta dos arguidos, foi transformado na decisão recorrida numa causa justificativa da sua conduta.
4ª Segundo a notícia, o assistente, que é Juiz de Direito, recusou-se a validar o bilhete do G…, o que, como se sabe, é ilícito, e, por causa disso “foi parar à esquadra”.
5ª Ir “parar à esquadra” não significa ir lá de livre vontade. Significa sim ser detido e conduzido à esquadra. Estes factos, que para mais são relativos a um Juiz de Direito, são manifestamente difamatórios e são falsos.
6ª O que na realidade aconteceu foi que o ofendido era possuidor de um bilhete de G… devidamente carregado – como se comprovou sem margem para dúvidas pelo documento junto em sede de instrução pela G… – e estava com dificuldade em validá-lo, tendo recorrido ao auxílio dos fiscais do G…; ouve um desentendimento entre o ofendido e um dos fiscais, tendo sido chamada a polícia que tomou conta da ocorrência e o ofendido seguiu a viagem de G… até à estação de … a fim de apanhar o comboio para Lisboa. Passados cerca de 8 dias apresentou uma participação disciplinar escrita contra o referido fiscal do G….
7ª A decisão recorrida parte de um evidente erro de facto e de valoração ao considerar que o teor da notícia é verdadeiro e que havia fundamento sério para os arguidos reputarem como verdadeira a imputação.
8.ª Não resulta da prova produzida em sede de inquérito, nomeadamente, das declarações dos arguidos que estes tiveram conhecimento dos factos através de um inspector da Polícia Judiciária ou de outras fontes, como faz menção a decisão recorrida.
9ª O inspector da Polícia Judiciária inquirido nunca poderia ser fonte idónea dos factos porquanto não assistiu aos mesmos, não tendo deles qualquer tipo de conhecimento directo.
10ª Após se ter afirmado que a notícia era de interesse público, justificado pelo escrutínio diário a que o assistente, enquanto Juiz de Direito, está sujeito, é absolutamente contraditório e injustificado fundamentar a boa-fé dos arguidos em leituras “precipitadas” de autos de notícia.
11ª Não se pode sustentar a afirmação de que os factos eram “conhecimento da generalidade dos funcionários e magistrados do tribunal de Matosinhos” uma vez que nenhuns funcionários e magistrados do Tribunal de Matosinhos foram ouvidos em sede de instrução, tendo sido inquiridos magistrados em sede de inquérito, cujos depoimentos sustentam a tese do ofendido de que a notícia era falsa.
12ª Os auto de notícia são da responsabilidade exclusiva do agente de autoridade que os redige e não raras vezes contêm descrições destorcidas e lacunosas da realidade, pelo que o assistente é completamente alheio ao conteúdo do auto de notícia constante dos autos e à forma como ele foi redigido, não se podendo, de maneira nenhuma, considerar que a sua versão dos factos estava nele plasmada.
13ª Neste caso nunca se poderia dispensar a prévia audição do assistente, quer por causa das funções que exercia, que eram o fundamento principal do interesse da notícia e por isso também eram obviamente fundamento das máximas cautelas e do respeito que o mesmo merecia.
14ª A audição prévia do assistente também se impunha pelo facto de a notícia ter sido publicada mais de 30 dias após a ocorrência dos factos.
15ª A decisão recorrida é claramente contraditória com os fundamentos doutrinais e jurisprudenciais que invoca, nomeadamente ao afirmar que “o jornalista, deve, pois, utilizar fontes sérias, dignas de confiança e assegurar-se antes da publicação, da seriedade da notícia que pretende publicar. Além de outros eventuais comportamentos que o jornalista deverá observar ao tratar a notícia é tratá-la com o maior respeito possível e exigível, tendo em conta o visado pela mesma”.
16ª Essa afirmação contraria o que depois se disse para fundamentar a não pronúncia dos arguidos, nomeadamente que bastava a simples leitura do auto de notícia para fundamentar a mesma, que, não obstante o conteúdo e a forma de elaboração do auto ser da exclusiva responsabilidade de quem o redigiu, considerar que a versão do ofendido estava nele plasmada, que a própria leitura do auto até podia ser precipitada, que um inspector da “PJ” é fonte credível independentemente de se saber que conhecimento tinha dos factos e que a audição prévia o ofendido era dispensável.
17ª Segundo a doutrina e jurisprudência mais autorizada sobre a matéria, nomeadamente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considera que “quanto mais séria e grave for a informação veiculada pelo jornalista, mais cautela ele deve ter na pesquisa e transmissão da informação, sobretudo quando se trate da imputação de factos criminoso ou ilegais”, “a prova da verdade dos factos pode ser substituída pela prova da boa fé do agente para reputar o facto como verdadeiro. A boa fé tem uma vertente subjectiva (convicção da verdade dos factos), mas tem uma dimensão objectiva, concretizada no cumprimento pelo agente das regras profissionais para obtenção da informação (o chamado “dever de esclarecimento”), de acordo com as características do caso concreto. Entre essas regras encontra-se o dever de ouvir a pessoa visada, desde que ela esteja em condições de se pronunciar sobre o facto que lhe é imputado”.
18ª Quanto ao interesse público da notícia ele só poderia eventualmente existir no contexto da falsidade da notícia publicada e nunca em caso algum no contexto dos factos tal como eles ocorreram.
19ª De qualquer forma, tendo em conta o contexto da notícia, a mesma não reveste interesse público porquanto não se trata de qualquer actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica, cultural.
20ª A comunicação social que se destina à mera satisfação de necessidades lúdicas, curiosidade ou sensacionalismo não satisfaz um interesse público, para os efeitos do disposto no artº 180.º, nº 2 do C.Penal.
21ª Ainda que se admitisse que os factos relatados eram verdadeiros, que a notícia poderia ter algum interesse público e que os arguidos tivessem usado de todas as cautelas a que estavam obrigados antes de a publicaram – o que não aconteceu –, atendendo à dimensão da notícia, às referências específicas quanto ao nome completo do assistente e às funções que exerce, é óbvio que os princípios da proporcionalidade e necessidade não foram respeitados.
22ª Acresce que, os arguidos usaram a forma de transmissão da notícia mais lesiva da honra do assistente.
23.ª Segundo a doutrina, nomeadamente, Pedro Pais de Vasconcelos – “Direito de Personalidade ”-Almedina 2006: “São particularmente gravosas – e merecem especial atenção – as ofensas à honra cometidas através da comunicação social…O impacto que os meios de comunicação de massa-imprensa, rádio, televisão e internet - têm na sociedade e a credibilidade de que, porventura imerecidamente, beneficiam, agravam brutalmente as lesões causadas.
É sabido que a generalidade das pessoas acredita acriticamente no que os jornais, a rádio e principalmente a televisão comunicam e como são ineficazes os desmentidos posteriormente publicados, quase sempre tarde e com impacto insuficiente. As ofensas à honra assim cometidas são extremamente gravosas e dificilmente reparáveis. A liberdade de imprensa não sobreleva o direito à honra.”
24ª O arguido B…, como é público e notório, é o director do jornal em causa, cabendo-lhe, nos termos do artº 20º, nº 1, al. a) da Lei de Imprensa, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação, e, nos termos do artº 31º/3 da referida Lei é criminalizado pelos crimes cometidos através da imprensa se, tendo conhecimento prévio da publicação, se possa opor à mesma.
25ª Tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente que os factos remontavam há mais de 30 dias à data da publicação da notícia, trata-se de um jornal diário, o arguido exerce efectivamente as funções de director e era uma notícia de página inteira, recorrendo às ilações que decorrem das regras de experiência comum que podem ser usadas pelo julgador para retirar presunções judiciais, só podemos concluir pela responsabilização criminal do arguido B… nos termos do preceito acima referido, pois a notícia só podia ter sido publicada com o conhecimento e o consentimento ou, pelo menos, com a não oposição, do director.
26ª De contrário, nomeadamente de acordo com a tese plasmada na decisão recorrida, a criminalização do director do jornal, que a lei efectivamente pretende, se bem que agora de uma forma mais restrita, tornar-se-ia numa figura meramente decorativa do nosso ordenamento jurídico-penal, pois, independentemente das circunstâncias do caso, bastava virem os jornalistas do próprio jornal dizer que o director nada sabia, para ele nunca ser responsabilizado.
27ª O cumprimento do artº 26º, nº 1 da CRP impunha a pronúncia dos arguidos pelos factos contantes da acusação particular, pois o assistente foi, de uma forma ostensiva e achincalhante, difamado pela notícia em causa nos autos, que transmitiu a informação para o grande público de que aquele cometeu o ilícito de se recusar a validar o título de transporte e que por causa disso foi conduzido à esquadra, tendo os arguidos agido com dolo intensíssimo e sendo elevada a ilicitude da sua conduta, não existindo qualquer causa justificativa da mesma.
28ª Os arguidos não cumpriram os deveres que para eles decorrem do artigo 14º, als. a), c), f) e g) do Estatuto do Jornalista e do artº 1º do código deontológico do jornalista.
29ª Ao decidir pela não pronúncia dos arguidos, a decisão recorrida violou, pelo menos, os artºs 283º/2 e 308º/1, ambos do CPP, 26º/1 da CRP, 180º/1 e 183º/2, ambos do CP, 20º e 31º da Lei de Imprensa, 14º, al. a) do Estatuto do Jornalista e 1º do Estatuto Deontológico do Jornalista, para além dos princípios jurídicos fundamentais referidos supra nestas conclusões e nas alegações.”
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Respondeu o MºPº pugnando pela rejeição do recurso;
Os arguidos responderam pugnando pela manutenção da decisão;
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP e o recorrente respondeu reiterando as suas conclusões no sentido da procedência do recurso.

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta do despacho recorrido (transcrição):
“O Tribunal é competente.
O processo o próprio.
Não há nulidades, questões prévias, ou excepções de que cumpra conhecer.
Inconformados com a acusação, vieram os arguidos B…, C… e D… requerer Instrução, alegando no seu requerimento que não devem ser responsabilizados criminalmente pelo texto em causa.
Indicaram prova, que foi produzida.
Procedeu-se a Debate Instrutório, com observância do legal formalismo.
Cumpre decidir.

Os arguidos encontram-se acusados pela prática de um crime de difamação cometido através da imprensa.

Consideram-se suficientes os indícios, sempre que delas resultar uma possibilidade razoável de ao arguido, por força delas, vier a ser aplicada uma pena ou medida de segurança, em julgamento - artº 283/2, do CPP.
Muito embora na suficiência de indícios esteja contida a mesma exigência de verdade requerida para julgamento, o certo é que, o que pode ser insuficiente para a sentença, pode ser suficiente para a acusação, ou para a pronúncia - neste sentido, Castanheira Neves, “Sumários”, Coimbra, 67/68, p. 39.
O actual Código de Processo Penal e no que concerne ao conceito de “indícios suficientes”, adoptou a orientação maioritária acolhida pela jurisprudência no domínio do Processo Penal vigente à data do CPP de 29. Ilustre tal orientação o DL de 1/3/61, in BMJ, 105/439, que diz, “constituem indícios suficientes para pronuncia aqueles elementos que, relacionados e conjugados persuadem de culpabilidade do agente, fazendo marcar a convicção de que virá a ser condenado”. É assim que entende sobre o Juiz de Instrução a necessidade de fazer um juízo de prognose sobre a possibilidade, ou não, de ulterior condenação - neste sentido, Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal” - Coimbra, 1984, p. 132 e segs.); Luís Osório, (“Comentário ao CPP Português, 1933, 6º volume, pág. 441) e Maia Gonçalves (CPP, 1979, p. 457 e segs.).
O Juiz de Instrução tem pois de, após analisar a prova produzida em Inquérito e em Instrução, verificar se os indícios colhidos ultrapassam ou não, o limiar de suficiência a que alude o artº 283/2, atrás referido. Indícios existirão sempre (a existência material do processo atesta isso), mas o que interessa determinar é se tais indícios potenciam uma ulterior condenação do agente. É que, “nas fases preliminares do processo não se visam alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes, tão só, indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, constituindo as provas reunidas nessa fase, pressuposto, não de uma decisão de mérito, mas de decisão processual de prossecução dos autos para julgamento” - AC RP, de 20/10/93, CJ T IV, p. 261.
Analisado e definido o conceito de indícios suficientes, importa definir se os factos apurados concretizam aquele conceito e se possibilitam, ou não, a introdução do feito em julgamento.
Está consagrado no nosso ordenamento jurídico a liberdade de expressão do pensamento.
Esta, nos termos do art.º 307º da CRP, consiste no direito de exprimir e divulgar o pensamento por qualquer meio, sem impedimentos. No entanto, esta liberdade (como qualquer outra) deverá terminar, onde começa a liberdade de cada ser humano individualmente considerado. Quando colide com valores individuais, também eles com consagração legal, deve sofrer limitações, pois os valores em confronto são de igual dignidade e merecedores de tutela legal. É assim que os direitos de livre expressão e informação, para além de estarem consagrados no já citado artº 307 do CRP, estão também consagrados no artº 5º do Estatuto dos Jornalistas e, em termos internacionais, no artº 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artº 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Por seu turno, a CRP consagra o direito à integridade moral e física (artº 25/1) o direito ao bom nome e à reputação (artº 206/1); o C.Penal prevê e pune crimes contra a honra e reserva de vida privada e o Código Civil consagra a tutela do Direito geral da personalidade e prevê a ofensa do crédito e do bom nome. Nesta esteira, o Estatuto do Jornalista, impõe o dever de respeitar o rigor e a objectividade da informação, bem como o respeito pelos limites da Liberdade de Imprensa, nos termos da Constituição e da Lei.
São pois direitos de igual equivalência e merecedoras de igual respeito, gerando, necessariamente, situações de conflito, difíceis por vezes de resolver, pela dificuldade em traçar com nitidez, a linha que separa uma liberdade da outra.
De acordo com o art° 180º, nº 2, do CP, a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira.
Segundo Figueiredo Dias 'há que indagar sempre se a ofensa foi publicada no exercício do direito de informação. Quando a imprensa age nos domínios do entretenimento, da satisfação da mera curiosidade do leitor, 'da notícia de pura sensação,' já não pode falar-se da sua função pública; por isso, mesmo em relação a 'homens públicos,' casos há em que a imputação pela imprensa de factos verdadeiros, mas ofensivos da sua honra, deve ser punível. Este mesmo autor aponta como critério, “a crença fundada na verdade” (in RLJ, ano 115, p. 171).
Como se refere no ACRL de 12-04-2000 Proc. 1803/0 3ª Secção, in, www.pgdlisboa.pt, “Se é verdade que no crime de difamação está superada a antiga controvérsia no que tocava à exigência de um chamado dolo específico, não é menos certo que para o preenchimento da respectiva tipicidade tem de existir dolo genérico, ou seja, tem que ficar provado o dolo em qualquer das modalidades definidas no art. 14.º do C.Penal. II - Não se tendo provado esse dolo, nem se mostrando que, em concreto, perante o contexto global do artigo jornalístico em causa, tivesse havido, a par do exercício do direito de informação, o intuito de ofender a honra e a consideração devidas à assistente, a conduta do arguido não preenche os elementos típicos do imputado crime de difamação, cometido com abuso de abuso de liberdade de imprensa”.
Avançando alguns critérios, poder-se-á começar por referir que, muito embora o cidadão tenha direito a ser informado, não tem que ser informado de “qualquer coisa” ou seja, deve existir selecção de informação e assim (excluindo-se publicações que publicam apenas, ou preferencialmente notícias sensacionalistas) deverá ser publicada apenas informação útil à participação do cidadão na sociedade de modo a torná-lo mais apto para seleccionar e escolher livremente, em democracia.
É ainda necessário que a notícia seja verdadeira, ou pelo menos, “um pouco” verdadeira. Miguel Reis, refere que o critério de verdade deve ser entendido como a obrigação que impende sobre o jornalista de um “esforço de subjectividade” (Legislação de Comunicação Social Anotada, p. 111-112).
O jornalista, deve, pois, utilizar fontes sérias, dignas de confiança e assegurar-se antes da publicação, da seriedade da notícia que pretende publicar.
Além de outros eventuais comportamentos que o jornalista deverá observar ao tratar a notícia é tratá-la com o maior respeito possível e exigível, tendo em conta o visado pela mesma. Isto é importantíssimo e infelizmente, acontece cada vez menos ... E é importante porque ainda que depois surjam desmentidos, esclarecimentos, publicações de sentenças, aquela primeira imagem que fica gravada na memória colectiva do público dificilmente se apaga ou mesmo esmorece; as pessoas ficam com a noticia na memória e a suspeição nunca morre, porque o raciocínio mais comum e mais simplista é o de “não há fumo sem fogo”. A pessoa fica quer queira quer não, quer o próprio jornal queira, quer não, sempre com aquela mácula, ainda que a notícia seja completamente falsa.
É que o poder da imprensa é imenso e a tendência é que esse poder aumente. É o vulgarmente denominado “quarto poder”. Este enorme poder deveria ter como reverso um enorme cuidado no tratamento e publicação de notícias, sob pena de, assim não acontecendo, se cair na arbitrariedade, no sensacionalismo, e na consequente manipulação e descrédito. E assiste-se, de facto, na nossa sociedade (reflectindo-se isso na imprensa) a um fenómeno que é “as ideias não se combatem com outras ideias mas sim mediante ataques personalizados ... a violência ideológica e a intolerância manifestam-se na calúnia” (João Luís de Moraes Rocha, “Lei da Imprensa, notas e comentário, p 10).
Impõe-se, pois, “além da relevância social da notícia e da verdade, que a mesma seja dada de forma adequada, isto é, com contenção, moderação, e urbanidade. Para que a ofensa à honra se torne legitima no exercício do direito à informação é necessário que não ultrapasse o que é necessário ao cumprimento de função pública de imprensa. Isto e´, a ofensa à honra quando legitimada pelo interesse publico ao conhecimento dos factos, deve ser a mínima necessária à sua divulgação” - (J. M. Coutinho Ribeiro, “A nova Lei da Imprensa anotada” p. 19).
Por ultimo, importa analisar se a noticia foi elaborada com a urbanidade supra referida.

Feitos estes considerando atentemos nas questões colocadas no RAI em análise.
Quanto á responsabilidade do arguido director, B…:
Dispõe o art.º 31º da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro [Lei de Imprensa]:
1 – Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras.(...)
4 – Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à prática de um crime.
Por seu turno o nº 3 daquele preceito legal estabelece que o director só poderá ser responsabilizado criminalmente se, tendo conhecimento prévio da publicação se possa opor à mesma.
Compulsados os autos e analisada a prova produzida na instrução entendemos que deve ser dado provimento ao alegado no referido requerimento relativamente a este arguido, pois não está demonstrado que o mesmo tenha tido conhecimento prévio do teor da notícia e consequentemente tenha dado o seu consentimento a que a mesma fosse publicada nos termos em que o foi, sendo que, conforme ficou demonstrado pela prova testemunhal produzida, os jornalistas do H… gozam de grande autonomia técnica, sendo ainda de considerar que estamos perante um jornal diário, o que, de acordo com as regras da experiência torna fisicamente impossível aquele tipo de controle.
Assim, considerando o que atrás se disse a propósito do conceito "indícios suficientes", considerando igualmente o principio in dubio pro reo, aplicável nesta fase processual, determino o arquivamento dos autos., nesta parte.
Quanto ao mais:
Considerando a profissão do ofendido – juiz de direito – e tendo em conta todos os deveres inerentes ao exercício daquela profissão e o escrutínio diário a que aquela (a nossa) classe profissional está sujeita, temos que concluir que os factos noticiados eram de inegável interesse público, justificando-se a sua publicação.
Tendo em conta a noticia em apreço nos autos e passando-se pelo crivo dos parâmetros acima descritos, verifica-se que não deve prosseguir para julgamento o processo relativamente aos requerentes, sendo que está demonstrado que eles se limitaram a reproduzir declarações de terceiros, devidamente identificados, não agindo, pois, com o dolo exigido para a verificação do tipo legal em causa, sendo que o conteúdo da noticia, é de molde a contribuir para o esclarecimento e possibilidade de escolha do cidadão, sendo uma notícia de claro impacto na sociedade portuguesa. De referir que a situação em causa extravasa claramente a esfera privada do ofendido, conforme o mesmo reconhece na junção do documento de fls. 164 (pedido de exoneração do assistente apresentado pelo F…).
Entendemos assim que o facto noticiado é do domínio público e nestes casos, ainda que da sua análise resultasse eventual desprestigio para o visado, o jornalista não cometeria o crime de abuso de liberdade de imprensa - nesse sentido, AC da RL, de 2/5/79, CJ, IV, 3, p. 822 a 825.
De referir também que neste tipo de crimes, só não existirá punição se se provar a verdade da imputação ou haver fundamento sério para, em boa fé, o agente a reputar como verdadeira) - AC STJ, 16/9/93, CJ, I, 3, p. 203 a 207, o que acontece, in casu, bastando para tal atentar em todos os documentos que foram juntos em sede de instrução.
A notícia em causa considerada ofensiva pelo assistente, tem como título, “juiz recusa validar o bilhete do G… e acaba na esquadra”; “Discussão com fiscais de Matosinhos por causa do G1… só terminou quando chegou a PSP”.
Como decorre da prova dos autos (inquérito e reforçada na instrução – fls. 295), o arguido D… teve conhecimento dos factos através de um inspector da PJ, tendo depois procurado obter mais dados sobre os factos pelo contacto com outras fontes, sendo que através dessa diligência conseguiu cópia da participação dos factos efectuada pela PSP, onde está o relato dos factos transmitidos pelo assistente e por um dos funcionários do G…. Dessa participação, no final, consta que, “De referir que o E… abandonou o local da ocorrência pelas 18H15 e esta polícia às 18H30”. Como bem referiu o Il. Mandatário dos arguidos em sede de conclusões, no debate instrutório, uma leitura precipitada deste auto, nesta parte, redigido pela PSP, inculca a ideia de que o assistente esteve na esquadra (“esta Policia”), sendo que, ainda que assim não se entenda, nada tem de injuriosa a expressão, “acaba na esquadra”.
Depois de ter partilhado a informação com o arguido C…, está demonstrado nos autos (inquérito com reforço na instrução), que procuraram ambos sedimentar a informação através de outras fontes, que confirmaram os factos, mais referindo que os mesmos eram do conhecimento da generalidade dos funcionários e magistrados do tribunal de Matosinhos. De referir que não seria no caso concreto pertinente a audição do ofendido, na medida em que a sua versão dos factos se encontrava plasmada na documentação colhida.
As testemunhas ouvidas em sede de instrução confirmaram os factos articulados no RAI, sendo que os documentos juntos em sede de instrução em nada os infirmam.
Temos assim que a noticia se funda no estrito dever de informar, sendo que ambas as versões dos intervenientes se encontram reproduzidas no texto em análise, sendo usado o discurso indirecto e os verbos na forma condicional; como acima se disse, a profissão exercida pelo assistente torna os factos de inegável interesse publico, extravasando claramente a esfera da sua vida pessoal.
Como se refere no AC da RL, de 21/3/2006, Proc. 9756/05 5ª Secção in www.pgdlisboa.pt, Mostra-se justificada a lesão eventual do direito ao bom-nome e reputação, sendo legítimo o direito de informar, verificados que sejam três requisitos: a relevância do facto (ou seja, o facto objecto de informação ou notícia deverá revestir-se de importância ou utilidade para a sociedade, para a vida da comunidade, relevância que tanto pode resultar do facto como da qualidade da pessoa a quem ele se reporta); a natureza verdadeira da informação prestada (pois só assim se preenche o direito do público a ser informado e se realiza plenamente a formação da opinião pública, sendo certo que, sendo a verdade algo de relativo e difícil de atingir, se impõe que, pelo menos, o jornalista investigue e baseie a notícia em fontes idóneas e fiáveis, diversas e contraditadas e que tenha a convicção séria de que a informação é verdadeira) e a adequação do meio utilizado (ou seja, a notícia deve ser dada com contenção, de forma a não lesar, além do necessário, a reputação das pessoas visadas).
Como se refere também no AC da mesma Relação e site, datado de 2/11/04, Proc. 2893/06 3ª Secção, “a protecção penal dada à honra e consideração e a punição dos factos lesivos desses bens jurídicos, só se justifica em situações em que objectivamente as palavras proferidas não têm outro conteúdo ou sentido que não o da ofensa, ou em situações em que, ultrapassada a mera susceptibilidade pessoal, as palavras dirigidas à pessoa a quem o foram, são verdadeiramente lesivas da honra e consideração do visado”.

O crime imputado aos arguidos vem previsto no artº 180º do CP.
Dispõe o acima referido preceito legal que comete o crime de difamação, “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.”
Constitui orientação jurisprudencial maioritária que a verificação do elemento subjectivo do tipo legal em apreço se basta com o dolo genérico, em qualquer das suas formas, directo, necessário ou eventual - neste sentido, entre outros, o AC da RP, de 24/10/84, in CJ, ano IX, T. IV, pag. 251.
O tipo legal fica pois preenchido com a vontade do agente dirigida à ofensa à honra ou consideração alheias, ou com a previsão dessa ofensa, de modo a que a mesma lhe possa ser imputada dolosamente. O elemento subjectivo da difamação pode pois ocorrer sob a forma de dolo eventual - neste sentido, o AC da RP, de 20/01/88, CJ, XIII, T. I, pag. 231.
Com tudo o que se disse temos que os arguidos não agiram com dolo; não visaram atingir a honra e consideração do assistente, antes e apenas noticiar factos que reputaram, acertadamente, de inegável interesse público, tudo fazendo para confirmar se os podiam reputar como verdadeiros, sendo que o fizeram sem ultrapassar critérios de urbanidade exigidos a casos como o em análise.

Assim, concordando-se quer com as razões elencadas no RAI formulado pelos arguidos, quer com as conclusões do Sr. Procurador, em sede de debate instrutório, sendo nossa convicção que, em julgamento os arguidos seriam certamente absolvidos, determino, o oportuno arquivamento dos autos.
(…)”
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São as seguintes as questões suscitadas:
- Se factos noticiados “a noticia” são ofensivos da honra e consideração;
- Se o facto praticado é punível.
- autoria e comparticipação: responsabilidade penal;
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335).
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Os arguidos foram acusados da prática de um crime p.p. pelos artºs 180º1 e 183ºnº2 CP que dispõem:
o art. 180.º, n.º 1 CP “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”, e
o artº 183ºnº 2 CP “2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.”
Tem-se por injúria ou difamação a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menos cabo ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao próprio visado (injuria) ou a terceiro (difamação), sendo que o bem jurídico aqui protegido é, prevalentemente, a chamada honra subjectiva, ou seja, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal, tida como dignidade individual do cidadão, e não como susceptibilidade pessoal, daí a relatividade como característica da injuria, porquanto só no caso concreto se pode afirmar se há ou não comportamento delituoso.
Este tipo de crime, como crime de resultado e doloso que é, tem como elementos constitutivos, objectivamente, a acção adequada a produzir um resultado consubstanciado na ofensa à honra ou consideração de outrem, e, subjectivamente, o dolo, constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los - cfr. art. 13º e 14º do CP.
Como flui dos autos estamos perante expressões que foram inseridas num artigo jornalístico, e nomeadamente no titulo deste e de modo a não passar despercebido de quem olhasse para a página desse jornal, publicado no “H…” de 15/11/2011, página nº 11, subscrito por C… e D…, pelo que importa averiguar se a conduta dos arguidos é penalmente de censurar
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A Instrução é facultativa e visa, nos termos do art. 286º CPP “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”(nº1), e no caso tendo ocorrido acusação, questiona essa decisão a solicitação dos arguidos
A actividade de averiguação processual desenvolvida é complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e no fundo destina-se a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal, e esta fase processual termina com o despacho final legalmente denominado de pronuncia ou não pronuncia (artº308º CPP) que no caso não se referindo à pronuncia ou não pronuncia, determina apenas o arquivamento dos autos;
Para a não pronúncia, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na não punibilidade destes, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual, mas para a pronúncia, terão de existir a suficiência de indícios dos factos, de quem são os seus autores e a ausência de causas de justificação e de punibilidade.
Indícios são causas, factos, recordações e ou sinais de um crime e ou do seu agente que sejam captadas através da prova recolhida durante a investigação.
Os indícios do crime e seus autores são “suficientes … sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”- artº 283º 2 CPP, não se exigindo a prova no sentido da certeza - convicção da existência do crime, pois se trata de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Os indícios são, pois, suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, e para aquilatar dos indícios suficientes há que analisar os meios de prova carreados para o processo e para em face deles averiguar se é de “… considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável que a absolvição” segundo a lição comummente citada do Prof. Figueiredo Dias.

Vejamos então se o artigo jornalístico, que começa com o titulo “ Juiz recusa validar bilhete do G… e acaba na esquadra” traduz um acto difamatório porque atentatório da honra e consideração da pessoa visada;
Para quem lê este titulo resulta que um juiz se recusou validar um bilhete no G… ou seja usou o G… sem pagar e foi levado à esquadra, e para ser levado à esquadra é porque foi detido, e assim não só praticou um acto ilegal e que constitui uma contra-ordenação, como se comportou como um marginal sendo detido e levado para a esquadra.
Ora este acto nada teria de mal (como noticia) se fosse verdadeiro e traduzisse o teor do próprio artigo, mas efectivamente não é, nem traduz.
Quanto a “juiz recusa validar bilhete de G…”, desde logo o passageiro em causa não recusou a validação do bilhete, pelo que não é verdadeiro o titulo da noticia, e do próprio texto da noticia não resulta em momento algum que tenha recusado validar o bilhete, pelo contrário logo no inicio da noticia se diz que foi o passageiro que interpelou os seguranças “para lhes dizer que não tinha conseguido validar G1… – o titulo de transporte usado no G…”, ora se alguém vai ter com os funcionários do G… a dizer que tem um problema e para que estes o ajudem a resolvê-lo não é para se recusar a validar o bilhete, e não é certamente para viajar sem bilhete e sem pagar (insinuação que fica no ar com a 1ª nota nos “ Pormenores: Magistrados não pagam);
Assim ao colocar o titulo “Juiz recusa validar bilhete do G…” tal não só não corresponde à verdade, como é falsa, e o autor do artigo sabia isso como resulta do que escreve no texto da noticia. Ainda podia escrever que “ juiz não valida bilhete” o que já era mau e não correspondia à verdade, mas dá-lhe um cunho acentuado de quem não apenas não valida, como ainda se recusa a validá-lo, e portanto uma atitude dolosa de querer viajar sem bilhete (adiantamos desde já que essa é uma atitude querida e por isso dolosa, pois segundo a sua “fonte” documental o visado tentou diversas vezes e em estações do G… diferentes validar o bilhete e a noticia não se refere a tal, podendo fazê-lo - cfr. fls. 3 da participação policial - sendo que como refere P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UC editora, 2008, pág. 496 “O facto também pode ser comunicado sob a forma de uma proposição incompleta sobre a realidade (“ a meia – verdade”), omitindo-se a parte da realidade favorável ao visado.”)

Ao escrever que “e acaba na esquadra”, quer efectivamente expressar que foi levado à esquadra da policia e com o sentido de o haver sido por ter praticado um acto ilícito e por isso foi detido. E isso é expressamente referido na noticia ao escrever “ Também perante os policias o magistrado terá recusado fornecer a sua morada para colocar no auto de detenção e, por isso acabou por ser conduzido à esquadra de Matosinhos”.
E isso também não é verdade e é falso.
Ora nada mais atentatório da honra e consideração de um juiz não apenas imputar-lhe uma conduta falsa, como imputar-lhe a prática de um acto ilícito e a sua detenção policial;
Podemos assim concluir que a noticia na sua globalidade e nomeadamente o seu titulo são ofensivos da honra e consideração da pessoa visada, que é devidamente identificada pelo jornal, e como tal aliás foi entendida por quem a leu, tendo gerado reacções institucionais negativas em face das funções que exercia (considerando o acto indigno) e conhecidas dos jornalistas que em nota de “Pormenores” as referenciam, o que os jornalistas não podiam no mínimo deixar de prever;
O carácter ofensivo da honra e consideração de tal noticia não é em momento algum dos autos posto em causa, e as palavras usadas são de acordo com a normalidade conotadas como um acto delituoso, ilícito e ilegal;
Podemos assim concluir que a noticia é difamatória,
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Todavia o facto pode não ser punível se:
“a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
(…)
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.” – nos termos do artº 180º2 CP.

Todavia o facto foi cometido através de uma noticia inserida num jornal diário (publicação periódica – artº 11º 1 Lei 2/99 de 13/1) pelo que importa analisar a conduta no âmbito da actividade em causa;
E neste âmbito o artº 37º CRP consagra o direito à liberdade de expressão e informação, estatuindo que:
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.” E
no artº 38º CRP a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, nos seguintes termos:
“1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;
b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;
(…).
Na sequência do que o artº 3ºda Lei de Imprensa (Lei 2/99 de 13/1) estabelece que a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem na Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome (…), e o artº 6º da Lei nº 64/2007 de 6/11 consagra na al. a) como direito fundamental dos jornalistas “A liberdade de expressão e de criação”.
De igual modo no artº 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artº 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem se consagra tal liberdade.

Só que, por outro lado o artº 25º CRP estabelece que “A integridade moral … das pessoas é inviolável”, e no artº 26º1 CRP se estatui que “A todos são reconhecidos os direitos… ao bom nome e reputação,..”
E como mencionado o artº 180º CP prevê e pune crimes contra a honra e reserva de vida privada, sem falar na protecção civil da personalidade e prevê como ilícita a ofensa do crédito e do bom nome (artº 70º CC)
Vemos assim que o direito de informar e a liberdade de expressão do jornalista e o direito ao bom nome e reputação gozam de protecção constitucional e legal, e em confronto ou de conflito entre tais direitos, importa compatibilizá-los, estando a liberdade de imprensa limitada pela Constituição e pela lei, e neste âmbito assume especial relevo a incriminação do artº 180º CP aqui em causa.
Numa tentativa de harmonização de ambos os direitos tem-se entendido que a ofensa à honra só será legitima quando a noticia se revele como o meio adequado e razoável de cumprimento daquela função publica da imprensa e o meio utilizado não pode ser excessivo e deve ser o menos “pesado” possível para a honra do visado, devendo o direito - dever de informar ser o motivo da actuação da imprensa. Qualquer excesso pode ser suficiente para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito (R.L.J., Figueiredo Dias, 115. pág. 137 a 170).
Tal direito à honra e bom nome, como expressa Gomes Canotilho, e Vital Moreira, Constituição Republica Portuguesa anotada, Vol I, 4ª ed, 2007 pág. 466 “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação (…). Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos (designadamente, a liberdade de informação e de imprensa).” e o seu valor é tão intenso que o STJ no seu ac. de 4/5/2010, CJ STJ, XVIII, tomo 2, pg. 55 se expressa do seguinte modo:
“II - O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com outras pessoas. O valor da honra, enquanto dignitas humana, é mais importante que qualquer outro e transige menos facilmente com os demais em sede de ponderação de interesses.”

Para além da CRP e da Lei, o direito de informar do jornalista está ainda condicionado pelo Código Deontológico segundo o qual (nº1) "O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. (…)"
Submissão também às regras deontológicas que o STJ reconhece, como no Ac. de 14/01/2010, proc.1839/06.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt:“I - Um dos limites à liberdade de informar, que não é por isso um direito absoluto, é a salvaguarda do direito ao bom-nome. Os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade.
II - Assiste aos media o direito, a função social, de difundir notícias e emitir opiniões críticas ou não, importando que o façam com respeito pela verdade e pelos direitos intangíveis de outrem, como são os direitos de personalidade.”

Visto isto e nessa conformidade para que uma noticia ofensiva da honra não seja punível é necessário que cumulativamente:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

Quanto à realização de interesse legitimo neste contexto da intervenção ou através da comunicação social só pode ter a ver com o direito de informar, primeira função publica da imprensa
Interesse legitimo será assim o interesse publico aliado à função da imprensa, sendo que sempre que informa não realiza ipso facto um interesse legitimo, pois isso dependerá essencialmente do conteúdo da noticia (onde se compreende desde o titulo, ao texto até às imagens) e do interesse publico (que não interesse do publico), e essa função publica diz respeito apenas à “actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião publica em matéria social, politica, económica e cultural” Figueiredo Dias , ob. cit. in Comentário Conimbricense do Cód Penal, 1999, I, pág. 616.
Ora no caso pelo interesse do facto / noticia (pressuposto que fosse verdadeiro) de alguém usar o G… sem pagar, não existe interesse publico nessa noticia, pois todos os dias tal ocorre (ou ocorre com uma frequência inusitada) e não é noticia tal facto; por outro lado os factos não dizem respeita à administração da justiça (esta vista como de interesse publico e colectivo) pois não tem a ver com ela, nem com o seu exercício, e do facto de o interveniente ser juiz não decorre, de imediato, esse interesse, não apenas por a pessoa não pertencer à categoria de homem publico (homem da historia do tempo) enquanto tal pois não se encontra numa exposição “ aos holofotes da imprensa e da curiosidade geral” - Comentário Conimbricense do Cód. Penal, I, 1999, pág. 618 – através dos processos comummente designados de “mediatização” pese embora as funções que exercia, (nem estamos perante uma situação de debate político ou de critica política em que a TEDH defende uma maior intervenção da imprensa em face da sua contribuição para a democracia) o que é revelado até pelo contexto em que se processaram ao factos, pois tendo ocorrido publicamente ou em local publico, no G… e durante o seu funcionamento normal, e com intervenção da autoridade publica e pelos vistos segundo se depreende da noticia com algum alarido, não tiveram na altura nenhuma repercussão publica, pois não há nota de haver sido objecto de noticia ou publicitação, e tal ausência de interesse é evidenciado pela não actualidade do facto, pois a noticia é de 15/10/2011 e os factos ocorreram mais de um mês antes, a 13/9/2011, o que em contraponto evidenciam uma maior vontade de querer “noticiar”;
Afigura-se-nos por isso inexistir interesse legitimo na noticia do facto, pois este traduz-se num interesse justificado e actual em informar um facto relevante da vida comunitária.
No caso o artigo inserto no jornal, não passa, assim das denominadas “noticias sensação” (Comentário Conimbricense, cit. pág. 617) que por esse facto quanto ao meio utilizado se mostra inadequado, pois se satisfazia com a indicação da qualidade do interveniente (ser juiz) sem necessidade de identificar a pessoa (a não ser que se vise a ofensa), pois “deve respeitar-se o anonimato” – idem, obra e loc. cit.

Mas mesmo que assim não fosse e se entendesse que ainda assim se justificaria a noticia, por revestir interesse legitimo, tal como exige a lei importa que o facto imputado seja verdadeiro, pois que a imputação de factos ofensivos do bom nome, honra e consideração de alguém, só não será geradora da responsabilidade criminal se, para além da realização do legítimo interesse público de informar, se provar a verdade da imputação ou houver fundamento sério para, em boa fé, o agente a reputar como verdadeira (acs. R.Lx. de 10.10.84 in CJ. IX., 46; STJ de 16.09.93 in CJ, I, 3,203)
Ou seja, a legitimação ou legalidade do direito de informação no caso para além da relevância social da notícia, depende ainda de a notícia ser verdadeira, entendendo-se que esta se traduz na verdade por o ser e na obrigação que impende sobre o jornalista do “esforço de objectividade” ou dever de esclarecimento, o que contende ainda que a notícia seja dada (escrita ou relatada) de forma adequada, isto é, com contenção, moderação e urbanidade.

Que a noticia não é verdadeira, ou seja os factos não se passaram como constam da noticia é evidenciado não apenas pelo auto / participação da PSP, como pela informação prestada pelo segurança da I… que apresentou à empresa, como pela exposição reclamação do visado à G… que segue uma versão diferente, e é de modo contundente expresso pelo também segurança da I…, J… que fazia parte da brigada de fiscalização no G… ouvido na instrução que depõe a fls. 300 onde expressa “foi a primeira pessoa a quem o assistente se dirigiu dizendo que o G1… apresentava problemas pedindo-lhe para validar o mesmo o que a testemunha fez sendo que não se conseguia ler o cartão. Tal facto podia gerar um auto de contra-ordenação, não tendo assim a testemunha actuado porque o assistente lhe exibiu recibo que permitiu à testemunha concluir que o G1… estava carregado para efectuar viagens”, depoimento este que nada tem a ver com a noticia e muito pouco com o que consta na informação da I…, sendo que a conduta da identificada testemunha está de acordo com a decisão da “G…” de arquivamento do processo contraordenacional constante de fls. 325 e em conformidade com o que consta da exposição apresentada à G… pelo ora assistente; mais esclarece a testemunha K…, agente da PSP que foi ao local da ocorrência e ouvida a fls. 302 que “ ninguém foi conduzido à esquadra”, facto este que também não consta da participação da PSP e de onde inclusive resulta o contrário, pois “ local da ocorrência” onde a PSP se deslocou que consta dessa participação não se confunde com “esquadra”, e mais disse que “o assistente forneceu a morada à policia”, e “se recusou a fornecer a morada ao fiscal, tendo-a fornecido aos agentes” e que quando “forneceu a morada à policia o funcionário L… estava presente” o que está de acordo com a participação da PSP e até com o auto de contra-ordenação (onde consta a morada completa).
Assim ao afirmar no titulo da noticia “juiz recusa validar bilhete do G…” tal não é verdade, e ao inserir no mesmo titulo “e acaba na esquadra” e no texto da noticia “Também perante os policias o magistrado terá recusado fornecer a sua morada para colocar no auto de detenção, e, por isso, acabou por ser conduzido à esquadra de Matosinhos” tal também não é verdade, e nada permite considerar que o seja.
Não sendo verdade o facto relatado não ocorre justificação para a sua publicação (mas sem esquecer que em muitos casos mesmo a verdade relativa às pessoas publicas de factos ofensivos da honra não justifica a publicação)

Mas como a verdade é “algo” muito complicado e difícil de alcançar e existem muitas “verdades”, consoante o fim ou o método (desde a verdade judiciária à histórica e assim também a jornalística - cfr. Ac RP de 10/10/2012, in www.dgsi.pt que considera: “II – O conceito de “verdade jornalística” não tem que se traduzir numa verdade absoluta, pois, o que importa em definitivo é que a imprensa não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente.”), em face do dever de informação ou de esclarecimento que está subjacente à actividade jornalística, a cujas regras (legis artis) ou normas deve obedecer, o legislador permite (equiparando) que a acção esteja justificada e a conduta não punível se o seu autor tiver cumprido essas regras na averiguação dos factos, que em face dos deveres de cuidado que geram o levaram a aceitar como boa a informação que explanou no artigo que publicou.

Mas para isso, e não provando o verdade dos factos que noticia, a lei justifica a sua conduta desde que o seu autor tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
Para que tal aconteça, importa que o jornalista se convença objectivamente de que os factos são verdade, o que tem a ver e por isso é sindicável com a observâncias dos deveres legais e das regras da arte e em geral com o código deontológico, sendo que não há boa fé “quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação” (nº 4 do artº 180º CP), o que se prende assim com o dever de investigação do facto (recolha de informações e fontes, e com o dever de “…antes da imputação de factos desenrosos a alguém identificado na noticia se dê possibilidade ao visado de apresentar a sua própria versão dos factos” Comentário cit. pág. 623;
Ou como refere ainda P. Pinto Albuquerque, Comentário cit. pág. 497 “ A prova da verdade dos factos pode ser substituída pela prova da boa fé do agente para reputar o facto como verdadeiro (…). A boa fé tem uma vertente subjectiva (convicção da verdade dos factos), mas tem uma dimensão objectiva, concretizada pelo cumprimento pelo agente das regras profissionais para obtenção da informação (o chamado “dever de esclarecimento”) de acordo com as características do caso concreto. Entre essas regras encontra-se o dever de ouvir a pessoa visada, desde que ela esteja em condições de se pronunciar sobre o facto que lhe é imputado…”
Do mesmo modo Costa Andrade ensina que para que se possa validar a convicção do jornalista e reputar como verdadeira a noticia importa que o jornalista tenha feito tudo o que era possível para averiguar os factos, tenha observado os deveres de cuidado que lhe são exigíveis nessa actividade e no caso concreto, por estar em causa uma ofensa à honra, e tenha cumprido as regras da arte (“legis artis” do jornalista, e nesse acervo global se incluem os deveres deontológicos do jornalismo. Só cumpridas todas essas normas e regras se pode chegar á conclusão que o jornalista podia ter a convicção de que o que relatava era verdadeiro (e como tal o reputava).

Ora e desde logo este último dever (ouvir a pessoa visada) não foi cumprido (nem pelos vistos e conscientemente tentado), pois a pessoa visada e identificada nunca foi ouvida pelos jornalistas, nem contactada facto que eles admitem em instrução, e por isso não tem qualquer interesse para o feito que tenham procurado contactar depois de sair a noticia, sendo destituído de sentido esse contacto se com vista a ouvir do visado a sua versão, ou considerar que foi satisfeito o contraditório porque “ descreveu ambas as versões dos factos”, quando nem isso é verdade e nunca dispensaria a observância daquela regra essencial.

Assim de acordo com as regras da profissão, insertas desde logo na lei 1/99 de 13/1 (e Lei 64/2007 de 6/11) Estatuto do jornalista um dos seus deveres é o de “informar com rigor … rejeitando o sensacionalismo” – artº 14º1ª), o que se não mostra de todo observado, desde logo face ao titulo do artigo, face ao seu carácter apelativo e sensacionalista que pouco ou nada tem a ver com o texto, devendo ser lembrado que “os títulos possuem uma acrescida eficácia corrosiva” e que “deve reconhecer-se autonomia aos títulos e subtítulos em termos de preenchimento dos crimes contra a honra” Comentário cit. págs. 620 e 621, o que no caso ocorre;

Deve por outro lado “procurar a diversificação das suas fontes de informação…” artº 14º 1e) Estatuto do Jornalista (EJ)
Ora quanto a esta matéria, é manifesto que esse dever não foi cumprido.
Desde logo parte de “uns zuns zuns” que qua tale não são fonte nem como tal pode ser considerado, pois nada diz do que seja, tal como se expressa o depoimento de O… que terá contactado o arguido D…, limitando-se a isso e como tal não constitui fonte de informação (ou seja) do facto.
Se o seu contacto foi como alega no RAI uma funcionária judicial e o acesso que lhe foi facultado com cópia da participação da PSP, então ele é manifestamente insuficiente, pois não só não existiu diversificação das fontes, como se mostra contraditória nos factos.
Nenhuma delas (fontes) é pelos vistos directa, a funcionária não presenciou os factos, pelo que não os pode relatar, não sendo fonte dos factos e o conhecimento desta resume-se afinal ao conhecimento da participação enviada pela PSP ao tribunal (a que teve acesso a funcionária e por via dela o jornalista) e que é a mesma entregue ao jornalista e sendo aquela a fonte de ambos, dela (participação) não resulta a recusa de validação do bilhete, nem a condução à esquadra ou detenção, nem a recusa a fornecer a morada) pelo que tudo se traduz numa única e exclusiva fonte: a participação da PSP (sendo a funcionária mero meio de acesso à fonte).
Dizer-se como alega que a funcionária foi contactada mais duas vezes telefonicamente (por outro jornalista e com outro jornalista a ouvir em alta voz - como alegam no RAI) não a transforma em mais fonte de informação, nem a torna mais válida, antes transforma esse acto em mero meio de prova de que o jornalista teria cumprido o seu dever de esclarecimento (tinha uma testemunha que a ouviu falar telefonicamente com ela (fonte), mas sem este saber quem era afinal).
Pena que não se saiba que funcionária é essa (e não tenha sido ouvida, tal como se ouviu o funcionário da PJ - do auto de inquirição não consta tal qualidade) e muito menos as suas funções e categoria para aquilatar da seriedade e credibilidade dessa fonte e se não houve afinal violação de deveres funcionais que por essa via podem abalar a seriedade da fonte (por não ser leal e de “fiar” como é costume dizer-se) e para se poder afinal aquilatar de que, como refere o despacho recorrido “O jornalista deve, pois, utilizar fontes sérias, dignas de confiança e assegurar-se antes da publicação, da seriedade da noticia que pretende publicar”
Mas como a fonte é sempre a mesma, não passamos de uma única e exclusiva fonte de informação.
Foi omitido por isso o dever de diversificar as fontes, e que eram bem fáceis de obter, pois em presença da participação da PSP que identificava os directos intervenientes podiam contactá-los eles sim fonte directa de informação, mas
se não quisessem ouvir os intervenientes e porque os factos se referiam ao G… e ao levantamento de autos de contra-ordenação, bastava contactar a G…, que como se vê dos documentos que requereram com a abertura da instrução estavam de posse de todos os dados relevantes conforme se demonstra dos documentos juntos a fls. 315 e ss,
tal como podiam se quisessem contactar os agentes da PSP que tomaram conta da ocorrência, tal como foram agora ouvidos na instrução, e certamente pelo menos do que ocorreu na sua presença tinham um conhecimento directo, embora o mais fosse um conhecimento indirecto.
Nada disso fizeram.
E essa fonte (única consultada) não permite a notícia tal como foi veiculada (nem no titulo nem no texto).

Impõe o mesmo artº 14º1 e) como seu dever “…e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem”, pelo que sendo visado com a noticia o juiz que identificam deviam ouvir o mesmo, o que nunca fizeram nem se preocuparam em fazer antes de publicar a noticia (única que interessa), e sendo este o único com verdadeiro interesse e único visado, até porque no texto da noticia existe a preocupação de transcrevendo frases ou expressões que são atribuídas ao assistente e que seriam reveladoras de uma atitude incorrecta, não transcrevem outras que dela constam mas que poderiam por em causa a seriedade dos fiscais e imediatamente a seguir àquelas como seja “o gajo está a combinar com o colega o que vão dizer, mas eu estou-me a marimbar ….” o que manifesta ser o juiz a pessoa visada e por isso o que tinha maior interesse em ser ouvido, e não foi sendo incumprido esse dever;
Tal como aliás na noticia apenas se preocupam com
- o facto relativo à morada do magistrado (para dizer que também à policia se recusou a fornecer a morada quando não é verdade) que indica o Tribunal de Matosinhos, esquecendo que esta é uma morada ou domicilio profissional (domicilio legal: imposto por lei às pessoas que exercem funções publicas - artº 87º CC) e tão válido como o local de residência, mas que no caso assume até maior relevância, por constituir domicilio necessário, pois em conformidade com o disposto no artº8º do EMJ ( lei 21/85 de 30/7 “Os magistrados judiciais têm domicilio necessário na sede do juízo onde exercem funções…”, como não apenas os agentes da I… sabem, mas também o sabem os Srs. jornalistas ( pois não concebemos que ignorem) que até neste processo ao serem ouvidos (como se vê dos respectivos autos) indicaram como seu domicilio o seu domicilio profissional (que também é legal – artº83º CC); Assim ao não aceitar o domicilio indicado pelo juiz como Tribunal de Matosinhos, os agentes fiscalizadores procederam mal (pois é tão válido um domicilio como o outro), e especificamente os Srs. agentes da I… indicaram também nestes autos o seu domicilio profissional, donde importaria perguntar se o domicilio profissional é válido para um processo judicial e criminal não o será também para um processo contraordenacional, cuja infracção é menos grave? sabendo já o agente que se tratava de um juiz e que tinha como domicilio profissional o tribunal? e mais como domicilio necessário por imposição legal ? e quando o agente da I… autuante indica no auto que lavrou apenas como local de serviço “G…”? (fls. 318);
- tal como omitiram o facto de o agente da I… ao ser-lhe pedida a identificação remete para o seu cartão (afixado ou não no casaco) que é manifestamente insuficiente, pois dele não constam quaisquer dados a não ser o nome e nº;
Mas e de um modo geral podemos dizer que esse dever foi totalmente incumprido pois nunca houve a preocupação de ouvir quem quer que fosse dos intervenientes, incumprindo por isso também o artº 1º do Código Deontológico que estabelece que “… Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesse atendíveis no caso”.
Quer-nos por isso parecer que do confronto com a própria fonte documental e dos documentos relativos à situação entregues pela G… nestes autos, que o sentimento que se extrai é o de que se fosse observado o dever de audição dos interessados, não haveria noticia pois esta ficaria sem interesse para os leitores (que não poderiam verberar contra o visado ou a profissão que exercia), pois não traria qualquer sensacionalismo, e o mesmo aconteceria se tivesse em conta a parte da participação onde se descrevem todas as vezes que tentou validar o bilhete G1… (tendo-se ficado pela “ meia verdade”), mais a mais se se viesse a apurar que o próprio juiz telefonou a pedir a intervenção da PSP (o que ainda não está apurado inequivocamente dos autos, pois inequívoco é de que pediu e lhe foi fornecido o nº da PSP);
Assim o modo de proceder no caso, não se compadece com o, indicado na decisão recorrida, “enorme cuidado no tratamento e publicação de noticias” que impende sobre os jornalistas e a imprensa;
Além disso, de todos os jornalistas não pode deixar de ser conhecido até porque de uma regra de boa fé, bom senso e civilidade e de observância do dever de cuidado que se sobre ele impende, se trata e se traduz em “quanto mais séria e grave for a informação veiculada pelo jornalista, mais cautela ele deve ter na pesquisa e transmissão da informação, sobretudo quando se trate da imputação de factos criminosos ou ilegais” Cfr. P. Pinto Albuquerque, Comentário Cód Penal, UCP, 2ª ed. 2010, pág. 565 e ss, seguindo jurisprudência do TEDH, e sendo dirigida a uma identificada pessoa, não pode ser omitida a sua audição, constituindo esta uma regra deontológica e um dever legal essencial, e um principio fundamental e impostergável numa sociedade democrática, para a qual deve concorrer a comunicação social e por isso lhe reconhece o TEDH tão larga margem de actuação;

Impõe ainda por outro lado o artº 14º1 f) do EJ o dever de “Identificar … as suas fontes de informação…” e, além disso ainda lhe é imposto o dever de “ abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência” - artº 14º 2 c) EJ, e artº 2 º e 7 do Código Deontológico do jornalista, que considera a acusação sem provas como “grave falta profissional”
Ora não há dúvida que é imputado à pessoa visada uma ilícito no mínimo contra-ordenacional (que é referenciado expressamente no texto) e no máximo o crime de injurias que é referenciado no final do texto;
Se quanto a este se diz que “não é conhecido o seguimento dado ao caso” já quanto àquela nada se diz, sendo que em momento algum se refere à decisão quanto à contra-ordenação, ficando no ar no mínimo a suspeita da sua prática, quando essa questão se cumprido fosse o dever de esclarecimento como lhe é imposto pelo menos através da G… saberia o resultado.
Do mesmo modo lendo a noticia pareceria que as fontes de informação são identificadas, pois começando por se referir “ao relato efectuado pelos funcionários do G… às autoridades”, “Segundo os seguranças L… e J…” “Segundo os funcionários do G…”, “Já á PSP”, “O Magistrado acusa” donde resultaria uma enormidade de fontes, quando afinal foi usada apenas uma: a participação da ocorrência elaborada pela PSP, e ao fazê-lo só podem ter visado levar os ouvintes a pensar que a informação foi obtida com observância das regras deontológica e legais ouvindo todos os interessados, sendo certo que nunca identificou afinal a que seria a fonte meio da noticia: a que forneceu o documento;
O facto de a Policia ter para elaborar a participação ouvido os intervenientes (dando no final a sua - da policia - versão dos factos - não como ocorreram mas como os apurou ou interpretou) não dispensa nem supre que o jornalista para elaborar a sua noticia ouça, como lhe compete os intervenientes e aí apurar a sua - do jornalista - versão dos factos.
À polícia não compete exercer as funções do jornalista.
Donde mostram-se incumprido também tais deveres;
E dessa forma incumpridas as regras da arte do jornalista, e se não cumpriram as regras relativas ao dever de esclarecimento ou dever de informação que sobre eles impende, nem observaram os deveres de cuidado que a situação exigia e eram possíveis, não existe boa fé, e inexistindo boa fé, não há fundamento sério para reputar o relato como verdadeiro.
Faz sentido por isso referenciar o que se decidiu no ac. desta Relação de 12/2/2014 www.dgsi.pt/jtrp “I – A lei não pune o uso de expressões difamatórias quando estas são proferidas prosseguindo interesses legítimos e o agente prove a verdade das mesmas, ou creia de boa-fé na sua veracidade [art. 180.º, n.º 2, do Cód. Penal].
II – Para que aja uma crença justificada na verdade dos factos e boa-fé é necessário que a convicção do agente decorra de uma busca de provas minimamente objetiva (investigação jornalística) para, de acordo com as regras da experiência comum, ficar convencido da verdade do que escreve.”
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Ao contrário do que se alega no despacho recorrido de que a expressão “acaba na esquadra” resulta de uma leitura precipitada do auto da PSP e de que nada tem de injuriosa, não se mostra correcta, o que escorando-se nas conclusões dos arguidos no debate instrutório agora é reafirmado na resposta.
É que sobre o jornalista impende o dever expresso mais uma vez no artº 1 do Código Deontológico de “relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade”.
E não só não os relata com rigor e honestidade como não os interpreta dessa forma. O que consta do auto “ sua fonte “é que:
No inicio do auto: “De serviço de Patrulhamento à área de …, a mando da I1… adstrita a este comando, desloquei-me ao local de ocorrência onde havia noticia de um individuo para identificar.
No local apresentou-se o fiscal nº ….”
No final do auto: “De referir que o E… abandonou o local de ocorrência pelas 18H15 e esta Policia às 18H30” (sublinhados nossos);
Nada permite a interpretação de que o E… foi para a esquadra da Policia, pois só há um local: “o da ocorrência”.
Tudo se conjuga é antes para dar sentido à noticia de que “Também perante os policias o magistrado terá recusado fornecer a sua morada para colocar no auto de detenção, e, por isso, acabou por ser conduzido à esquadra de Matosinhos” factos estes que não constam da participação nem de forma alguma são insinuados nela, mas pura invenção e de modo nenhum se podem extrair do auto quer no inicio quer no fim, pois nunca houve detenção até porque bem sabe a policia que se tivesse ocorrido a detenção tal teria de ficar escrito (facto que os jornalistas não podem de modo algum ignorar, e se porventura essa ignorância ocorresse cumprido que fosse o dever de esclarecimento, não incorreriam em erro). Para já não falar no estatuto dos magistrados quanto a este ponto.
Não há por isso má interpretação do auto (que não é consentida) nem erro desculpável, há sim é falta de cumprimento do dever de esclarecimento e violação do Código Deontológico na parte citada;
Ou seja se já o auto não traduz mais do que uma percepção subjectiva de quem o redige (o agente policial) e assim faz o seu juízo, não pode mais permitir-se que seja mal interpretado, fazendo constar da noticia o que não consta do auto ou subvertendo o seu sentido, como seja omitir toda a parte que ali se descreve (fls. 3) como tendo sido a conduta do assistente nas várias tentativas de validação do bilhete, e afinal a noticia ser “recusa de validar o bilhete”.
Podemos assim concluir que os jornalistas não cumpriram com o seu dever de informação, violando as deveres legais e as regras deontológicas relativa à sua profissão, de acordo com os próprios parâmetros do TEDH “O tribunal adopta as regras deontológicas como padrão de avaliação jurídica da conduta dos jornalistas, como por exemplo o dever de investigar os factos e o dever de ouvir previamente o visado sobre os factos (acórdão do TEDH Prager e Oberschlick de 26/4/1995 e acórdão Shabano v. e Tren v.Russia de 14/12/2006)” in P. Pinto Albuquerque, Comentário … ob. e loc. cit; e não ocorre a causa de exclusão da punição que o artº 180º 2 CP prevê;

Como artigo jornalístico e publicado num órgão de comunicação social, está submetido às regras da Lei 2/99 citada, pelo que importa averiguar quem deve ser responsabilizado pela ofensa à honra praticada através desse meio;
E a 1ª questão que se coloca é a de saber quem é o seu autor.
E a resposta desde logo e imediata é que seu autor é o autor do documento, pois de documento escrito se trata e que o subscreveu, pois foi ele que o escreveu - ou seja in casu os arguidos C… e D… que assumem a sua autoria e o subscrevem como da publicação consta, e em conformidade com o que dispõe o artº 31º1 da Lei 2/99 “Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem, tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa …”

Dispõe todavia o artº 31º 3 da mesma Lei que “O director … ou quem concretamente o(s) substitua, que não se oponha através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas pelos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites”.
Ora no caso director do jornal é o arguido B… que ouvido, não prestou declarações em inquérito.
O jornal em causa, periódico, tem de ter um director (artºs 11º e 19 º1 Lei 2/99) a quem compete, em especial, nos termos do artº 20º a) Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação; presidindo ao Conselho de redacção (artº20º1d) que tem por missão cooperar com o director no âmbito das alíneas a) e e) (entre outras) - artº 23ºd) Lei 2/99

Destas normas decorre a razão de ser da sua responsabilidade, pois é ele que determina o conteúdo da publicação, o que faz no exercício das suas funções.
Assim decorre das regras da experiencia, - salvo se algo ou algum facto ocorrer que altere o conteúdo das regra das experiencia - que as noticias são publicadas sob orientação, superintendência e determinação do director do jornal, pois são essas as suas funções e o normal e expectável é que as cumpra.
Decorrendo da norma que ele é responsável desde que a publicação tenha ocorrido e ele se não oponha, e não se mostrando que se tenha oposto, estando no exercício das suas funções decorre que em 1ª linha há que considerá-lo responsável pela publicação. Ao não prestar declarações não pode impedir que o tribunal interprete os factos de acordo com a normalidade e as regras da experiência.
Mas diz ainda a lei que possa fazê-lo, que possa opor-se à publicação
Se há alguém que possa opor-se é o director pois é esse o seu dever, como responsável pelo conteúdo da publicação e são essas as suas funções
Dizer-se como diz a testemunha M… (fls. 296) que a fazer fé na resposta ao recurso apresentada pelo arguidos é Director adjunto do H…, que “nem sempre o director do jornal tem conhecimento de tudo o que sai” e que confirmando o ponto 11 do RAI isto é que há jornalistas com grande autonomia que lhes permite escrever artigos sem qualquer tipo de aprovação, mas “desconhecendo o que aconteceu no caso concreto”, ou da testemunha N… (fls. 297), que a fazer fé no mesmo documento é subdirector do H…, e que se limita a “confirma o depoimento anterior” ou seja da testemunha M…, daí não resulta que tenha de considera-se que o director do jornal não teve conhecimento prévio, pois tais depoimentos não comprovam a alegação de que não teve conhecimento prévio (nº 11 do RAI) nem que esteve impossibilitado de ter conhecimento prévio (nº 16 do RAI a que não depuseram sequer);
Por outro lado e ao contrário do que consta do despacho recorrido não necessita o director de consentir na publicação, basta não se opor, tal como não tem de a conhecer, bastando-se com a possibilidade de conhecer, caso contrário estávamos perante uma fraude à lei, que era a de o director nunca ver nada e de e por isso nunca seria responsável (nunca cumprindo a sua função que lhe é imposta por lei, nunca responderia). A lei pretende que nada no jornal se publique sem controlo, e se alguém se subtrair ao controle deve ser responsabilizado pelo próprio jornal. Mas se uma noticia ofensiva é publicada e nada acontece no jornal é porque sai com a conivência da pessoa que controla o conteúdo do mesmo jornal (expressa ou tacitamente).
Por outro lado, como tem o dever funcional de o fazer (controlar o conteúdo da publicação), ele ou os directores adjuntos e subdirectores (como os depoentes, que o coadjuvam e substituem) e se permite autonomia ou seja que jornalistas publiquem o que quiserem sem lhe dar conhecimento, isso é ainda de sua responsabilidade, pois se não quer conhecer (podendo e devendo, pois é esse o seu dever legal e profissional) o conteúdo do escrito com vista ao seu controlo, demite-se das suas funções, sendo que ainda assim continua a ter a possibilidade de se opor à publicação e de o fazer, pois permanece com a possibilidade de conhecer do escrito e só não conhece porque não quer nem quis, tratando-se de um dever funcional e pessoal que ele, como referido, pode “delegar” legalmente nos directores adjuntos e subdirectores se existirem que o coadjuvam e o substituem na suas ausências e impedimentos (artº 21º);
Nada, nenhuma circunstância indica o arguido que tenha a virtualidade de o impedir em concreto de apreciar a noticia e opor-se à publicação, (e muito menos que estava impedido, caso em que foi / teria sido substituído pelo director adjunto ou subdirector) a não ser que não quis fazê-lo, por ter dado autonomia aos jornalistas (?) dispensando-os de lhe darem conhecimento, (mas nem isso resulta dos depoimentos das testemunhas) e desse modo não se exime à sua responsabilidade penal;
Como refere o Ac STJ de 9/9/2010, proc. in www.dgsi.pt e in CJ, Acs do STJ, XVIII, tomo III, pg. 77 “III - Nos termos do art. 19º nº1 da Lei de Imprensa, as publicações periódicas devem ter um director a quem compete, entre outras, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (art. 20º nº1-a) da mesma Lei) e dentro dessas competências cabe ao Director, designadamente, praticar todos os actos tendentes a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação dada, sob pena de não o fazendo se presumir ser ele o primeiro responsável pelos escritos ou imagens publicados.”, trata-se de uma presunção natural de acordo com as regras da experiencia e por isso legitima na apreciação e “reconstituição histórica” judicial dos factos.
Igual juízo é expresso pelo STJ no ac. 8/5/2013 www.dgsi.pt/jstj
“I - O director do meio de comunicação é, pela própria titularidade da função e pelas competências legais com que o onera o respectivo exercício, responsável pelos concretos conteúdos publicados, salvo se provar não ter tido conhecimento, ter-se oposto ou não ter podido opor-se à publicação, não sendo, para o efeito, necessária a demonstração de que, além do conhecimento dos artigos, sabia que os mesmos eram ofensivos do direito dos visados e que, apesar disso, não se opôs à publicação.
(…)”

Podemos assim concluir que responsáveis são assim os jornalistas que subscreveram a notícia e o director do jornal;

Sendo assim, há que conceder provimento ao recurso, o que impõe que seja revogado o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que pronuncie os arguidos pelo crime imputado na acusação particular e acompanhado pelo MºPº;
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar procedente o recurso interposto pelo assistente e em consequência revoga o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que pronuncie os arguidos pela prática do crime de que foram acusados, pelo assistente acompanhado do MºPº;
Sem custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 26/3/2014
José Carreto
Paula Guerreiro