Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9434/06.6TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
ERRO DE DIAGNÓSTICO
VIDA INDEVIDA
Nº do Documento: RP201203019434/06.6TBMTS.P1
Data do Acordão: 03/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Embora a responsabilidade civil médica possa ser contratual e aquiliana, estando em causa actos médicos contratados entre o médico e o paciente é daquela que se trata, configurando um contrato de prestação de serviços.
II - Por força desse contrato, o médico deve agir, prudente e diligentemente, segundo os conhecimentos científicos então existentes, cabendo-lhe a obrigação principal de tratamento que pode desdobrar-se em diversas prestações, tais como: observação, diagnóstico, terapêutica, vigilância e informação.
III - Neste tipo de responsabilidade, a culpa é aferida pelo padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, na data da prática do facto ilícito.
IV - Ao lesado compete fazer a prova da violação das leges artis, por parte do médico, ou seja, da ilicitude da sua conduta, enquanto a este cabe demonstrar que não teve actuação culposa.
V - Age com culpa o médico radiologista que procede a exames de um feto às 12 e 19 semanas de gestação e elabora os correspondentes relatórios fazendo constar neles que a gravidez tinha evolução favorável e compatível com o tempo gestacional e que o bebé era perfeitamente normal, quando acabou por nascer, às 38 semanas, com síndrome polimalformativo e com patologias que seriam detectáveis por um radiologista normal.
VI - O erro de diagnóstico das patologias e a omissão do inerente dever de informação impediram a grávida de beneficiar do regime legal de interrupção voluntária da gravidez, violando assim o seu direito à autodeterminação, enquanto direito de personalidade, pelo que, existindo o necessário nexo de causalidade, o médico é responsável pelos prejuízos daí emergentes.
VII - A criança deficiente não tem direito próprio de indemnização pelo facto de ter nascido, por ausência de dano reparável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 9434/06.6TBMTS.P1 – 3ª Secção (apelações)
Tribunal Judicial de Matosinhos

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Pinto de Almeida
Adj. Desemb. Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, por si e em representação do seu filho menor C…, ambos residentes na Rua …, n.º .., casa ., ….-… Porto, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra
- D…, LDA, com sede na Rua …, nº …, ….-… Matosinhos;
- DR. E…, director clínico da primeira R., com domicílio profissional na Rua …, nº …, ….-… Matosinhos; e
- DR.ª F…, com domicílio profissional no G…, sito na Rua …, ….-… Matosinhos, alegando essencialmente que o C… nasceu a 26.11.2006 com sindroma polimalformativo às 38 semanas de gestação, designadamente sem mãos nem braços, deformação dos pés, da língua, do nariz, das orelhas, da mandíbula e do céu da boca.
Durante a gravidez, a A. realizou as ecografias obstétricas medicamente previstas para gravidez na 1ª R., onde foi sempre assistida pelo Sr. Dr. E…, que elaborou os relatórios correspondentes às ecografias realizadas.
À medida que os exames eram efectuados e visualizados, pelo R. sempre foi dito e mostrado à A. que o bebé era perfeitamente normal. Porém, incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciação e diagnóstico, pois que, segundo as actuais exigências das leges artis, com os conhecimentos científicos existentes na época, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizável a um médico radiologista, pela análise das películas em causa que existiam já determinadas patologias ou, pelo menos, indícios delas que deveriam constar dos relatórios efectuados, permitindo um diagnóstico definitivo através de novos exames.
Caso não se demonstre que as películas demonstravam tais patologia, então houve troca grosseira das imagens. Não possuindo o A. mãos e antebraços, fossem visíveis nas imagens ecográfícas – que não são – estas não lhe poderiam pertencer.
Agindo como agiram, podendo e devendo ter identificado as patologias observáveis nos exames que realizaram, malformações congénitas permanentes e irreversíveis, os 1º e 2º R.R. deixaram a A. no desconhecimento de que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfológicas. Se as conhecesse à data dos exames ecográficos realizados, a A. teria optado, por interromper voluntariamente a gravidez.
A 26.8.2006 a A. foi encaminhada pela sua médica de família para o G…, por lhe ter sido diagnosticada ITU de repetição onde foi à consulta da 3ª R., Dr.ª F…, especialista em obstetrícia, que qualificou a gravidez de “alto risco”, mas, procedendo à visualização e análise das ecografias referiu à A. que nada de anormal se passava com o embrião, receitando-lhe medicamentos para a dita ITU. Pelo que também esta R. incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciação e diagnóstico.
Por sucessiva negligência grosseira, foi coarctado à A. o direito de auto-determinar a sua vontade relativamente ao destino da sua gravidez, pelo que ambos os A.A. terão de encarar para a vida as malformações congénitas descritas. O A. sempre dependerá de terceiros para a sua sobrevivência, e necessitará dos cuidados permanentes da A. para a execução das mais simples tarefas do quotidiano.
Com o nascimento do A. com as patologias da malformação, a A. passou a viver num desequilíbrio emocional profundo, já previsível aquando dos errados diagnósticos e a interrupção da gravidez seria, então, o único meio idóneo a evitar o real perigo que a gravidez constitui para a sua saúde psíquica.

Também o A. sofre danos não patrimoniais, no interesse do qual a A. deveria ter abortado, evitando a vida de angústia e sofrimento por que ambos os A.A. passam.
O A. tem graves problemas de formação, desenvolvimento e crescimento que advêm da malformação uterina, pelo que nunca poderá, de forma independente, ter uma vida normal, mesmo no que se refere à realização das mais básicas tarefas do quotidiano. Tendo perfeita consciência disso por ter um desenvolvimento mental normal, sofre profunda revolta, nervosismo e incompreensão no seu penoso dia a dia.
Pela sua gravidade e perenidade, os critérios de equidade impõem compensação global nunca inferior a € 100.000.00.
O A. sofre também danos patrimoniais resultantes da total falta de capacidade de trabalho que se irá prolongar por toda a sua maioridade, completamente dependente de terceiras pessoas. A capacidade de ganho está totalmente afectada, ou pelo menos é extremamente reduzida, constituindo um dano futuro previsível a reparar desde já por recurso à equidade e, assim, num valor que estima em € 300.000,00.

Quanto à A.:
Estima a compensação dos seus graves danos não patrimoniais na quantia de € 100.000,00.
Relativamente aos seus danos patrimoniais, invoca as despesas de farmácia para cuidar do C…, a impossibilidade de trabalhar por causa da indispensável dedicação quase exclusiva ao A., vivendo ela apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 318,32, tendo ainda a mãe e um outro filho menor, mais velho, a cargo. Antes do nascimento do A. auferia, em média, € 600,00 por mês do seu trabalho. O seu prejuízo patrimonial ascende já a € 10.140.48 (36 meses).
Além disso, os R.R. devem ser condenados no pagamento da quantia de € 281,68 (€ 600,00 - € 318,32) por cada mês que decorra entre a data da petição inicial (19 de Novembro de 2006) e a efectiva contratação de técnico que venha a acompanhar o A., permitindo que a A. regresse ao trabalho.
A situação clínica do A. determinará um acréscimo de despesas para a A. que só no futuro poderão ser determinadas.
Terminam com o seguinte pedido:
«Termos em que
Deve a acção ser julgada totalmente procedente por provada e, por via dela, serem os R.R. solidariamente condenados:
a) a liquidar ao Primeiro A. quantia nunca inferior a €. 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos não patrimoniais descritos nos artigos 137° a 179°, directamente imputáveis às condutas dos R.R.;
b) a liquidar ao Primeiro A. quantia nunca inferior a €. 300.000,00 (trezentos mil euros), pelos danos patrimoniais causados pelos R.R., melhor descritos nos artigos 180° a 202°, montante equitativo atendendo a que aquele A. poderia ter cerca de 50 anos de vida útil, e poderia vir a auferir um rendimento equitativamente médio de cerca de €. 500,00,
c) a liquidar à Segunda A. quantia nunca inferior a €. 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos não patrimoniais descritos nos artigos 203° a 249°, directamente imputáveis às condutas dos R.R.;
d) a liquidar à Segunda A. a quantia de €. 10.957,91 (dez mil novecentos e cinquenta e sete euros e noventa e um cêntimos, acrescida de €. 281,68 (€. 600,00 - €. 318,32) por cada mês que decorra entre a presente data de 19 de Novembro de 2006 até à efectiva contratação de técnico que venha a acompanhar o Primeiro A., - para compensação dos danos patrimoniais líquidos melhor alegados nos artigos 250° a 265°.
e) A liquidar à Segunda A. quantia correspondente às despesas médicas e de educação que assumem carácter extraordinário, melhor alegadas nos artigos 266° a 286°, quantia essa a fixar em sede de incidente de liquidação ou, em alternativa, em sede de execução de sentença, ou ainda por critérios de equidade, caso a instrução da demanda assim venha a permitir.
f) No pagamento de juros moratórios, à taxa legal, contados sobre as importâncias líquidas acima peticionadas, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
g) No pagamento de todas as custas e encargos do processo, bem como de procuradoria.» (sic)
Citados, os R.R. contestaram a acção.
O 1º R., D…, impugnou parcialmente os factos alegados pelos A.A. dizendo que as ecografias realizadas não são “as medicamente previstas” e que apenas permitem uma avaliação fotográfica do instante/momento em que o exame é realizado, sem uma natureza definitiva, atento o carácter dinâmico e progressivo da gestação que, por seu lado, é interferível por uma multiplicidade de factores endógenos e exógenos com os quais, naturalmente, o exame ecográfico em si mesmo não contende.
As expressões utilizadas de «favorável», «compatível» e «feto normal», são o que a imagem do equipamento permite visualizar, e não a absoluta realidade, o diagnóstico absoluto, que os equipamentos não captam nem captarão e não é possível realizar, nem nos dias de hoje.
Dada a limitação dos equipamentos imageológicos, não houve qualquer erro de diagnóstico e as imagens tiradas (doc.s de fl.s 110 e seg.s) não permitiam conclusões diversas das constantes dos relatórios.
Ascende a 45% a percentagem de erro na execução técnica dos exames ecográficos, mesmo quando realizada pelos melhores especialistas médicos. E no exame ecográfico não há qualquer resultado de diagnóstico alcançável fora do contexto de intervenção do equipamento ecográfico, com a sua falibilidade intrínseca própria. Não se pode garantir um resultado que o equipamento não atinge (e que por essa circunstância não pode ser atingido).
Por outro lado, a leitura que o ecografista faz das imagens por si captadas da forma medicamente indicada destinam-se ao médico assistente da utente, não sendo um exame do qual se parta para a execução imediata de acordo com a conclusão que dele se retira. Cabia à médica de família ou médico assistente da A. a formulação de um juízo próprio, sem sujeição ao relato do médico ecografista.
Além disso impunha-se a realização de uma terceira ecografia às 28ª/32ª semanas de gestação.
Entre a 15ª semana de gestação e o parto podem acontecer múltiplas vicissitudes à gravidez e, por consequência, ao feto, como certamente aconteceram, designadamente por medicação a que a grávida se submeta com errada indicação médica ou por sua iniciativa, sem controlo médico.
Conclui que nem as malformações eram patentes à data da realização dos exames, nem a sua configuração podia ser diagnosticada, nem a afirmação, actual da A., pode ter qualquer valor retroactivo. Nega qualquer relação causal entre o diagnóstico efectuado e os danos alegados pela A., considerando ainda exagerados os valores indemnizatório peticionado.
Por tudo, defende a improcedência da acção, com as legais consequências.

O R. E… opôs-se à petição inicial em termos em quase tudo idênticos aos da contestação do D….
Impugna os danos, por desconhecimento, considerou inadequados os exames realizados, quer quanto aos momentos em que tiveram lugar, quer relativamente às ecografias previstas pela Ordem dos Médicos.
Desvalorizou as ecografias no sentido de que não são um valor absoluto em si mesmo quanto aos resultados que apresentam por não eliminarem margens de erro e invocou também a não realização, pela A., de todos os exames medicamente previstos e aconselháveis, daí derivando também o seu desconhecimento sobre as características do feto.
Concluiu, tal como a 1ª R., pela improcedência da acção.
Requereu a intervenção principal provocada da Unidade Local de Saúde de … ou, subsidiariamente, a respectiva intervenção acessória, incidente este que foi recusado por falta de pagamento da correspondente taxa de justiça e multa (cf. despacho de fl.s 406).
Também a R. F… contestou a acção, desde logo invocando a sua ilegitimidade resultante do facto prestar serviços em regime de exclusividade no G…, instituição de saúde que os A.A., aliás, já demandaram nos tribunais administrativos e onde referiram que a ora R. é sua funcionária.
Com efeito, podendo vir a ser accionada na sequência de eventual condenação do hospital, no exercício do direito de regresso que a este assiste, entende que deve ser absolvida da instância.
Defendeu-se ainda por impugnação dos danos e dos factos relacionados com os exames ecográficos e a sua obrigação de os interpretar. Faz sobressair o carácter dinâmico do exame ecográfico e as especiais exigências que se impõem ao ecografista, enquanto médico especialista.
Concluiu que, não sendo absolvida da instância, deve ser absolvida do pedido.

Os A.A. deduziram réplica pela qual, sobretudo, impugnaram a matéria das contestações, concluindo em conformidade com a petição inicial.
Teve lugar a audiência preliminar, onde, pelo despacho saneador, se julgou procedente a excepção da ilegitimidade passiva invocada pela R. F….
Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória, de que não houve reclamações.
Seguiu-se a instrução, com longo desenvolvimento em razão da prova pericial, e a audiência de discussão e julgamento que culminou com a prolação fundamentada das respostas em matéria de facto, de que as partes também não reclamaram.
Produzias alegações de direito escritas pelos A.A. e pelos R.R., juntando estes um parecer publicado, foi proferida sentença que culminou com o seguinte segmento decisório:
«Em conclusão, com fundamento nas normas legais citadas, julgo a presente acção parcialmente provada e procedente, em razão do que condeno os RR. D…, Lda e Dr. E… a pagarem à autora B…, solidariamente, a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais que lhe causaram, respectivamente, duas quantias de cem mil euros cada, num total de 200.000€ (duzentos mil euros), a acrescer com juros que se contarão à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sobre 100.000€ (cem mil euros) desde a data desta sentença; e sobre os outros 100.000€ (cem mil euros) desde a data da respectiva citação.
No mais, quer no que respeita ao demais pedido pela autora B…, quer no que respeita à totalidade do pedido pelo autor C…, julgo a acção não provada e improcedente, absolvendo os RR. do restante que contra ambos vinha pedido.
Não se conclui que qualquer das partes tenha litigado de má fé.
Custas por AA. e RR. na proporção do decaimento.» (sic)

Inconformados, apelaram os A.A. e os R.R.
Os A.A. alegaram com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Nos autos não é a vida, em si mesma, que consubstancia o dano do recorrente, mas sim a vida com deficiência;
2. A causa de pedir que o recorrente alega não contende com a indisponibilidade da vida humana, sendo justamente o respeito pela dignidade da vida humana a impor a atribuição de uma indemnização que assegure uma vida com um mínimo de condições;
3. A questão que se coloca não é a de saber se o ordenamento jurídico contém um “direito à não existência” e uma indemnização pela sua violação.
4. Na discussão desta temática é usual o recurso a um “vocabulário dos direitos”, sendo invocada frequentemente a inexistência de um “direito a não nascer”;
5. A utilização deste tipo de discurso pode perturbar a compreensão do que verdadeiramente está em causa neste tipo de acções. Neste sentido, MOTA PINTO (2007) defende que “não é útil trabalhar com um pretenso «direito a não nascer», ou com um «direito à não+existência», cuja difícil articulação, pela contradição que encerra em si mesmo, logo remete o julgador para uma atitude negativista. Tal noção, embora corrente, parece+nos mesmo, susceptível de criar confusões, dando a entender que a posição da criança se tem de fundamentar num tal “direito”.
6. Nos autos não é a vida, em si mesma, que consubstancia o dano, mas sim a vida com deficiência. O dano invocado pelo autor centra+se, não na discussão, como refere ARAÚJO (1999: 96), de “saber se há um limite (e onde está) para lá do qual a vida perde de tal modo o sentido que a sua ocorrência é um dano para quem a experimenta”, mas apenas e tão+somente na necessidade de responsabilizar o profissional negligente que ilegitimamente se substituiu aos pais na tomada de uma decisão que só a eles pertence (CARDOSO CORREIA, 2007: 106). Neste sentido, o acórdão do tribunal de 2ª instância holandês no célebre caso Kelly Molenaar;
7. O dano não é a deficiência de per si, nem o próprio nascimento, mas antes o nascimento nessa condição, ou seja, o nascimento deficiente.
8. Tal tutela não contende com a dignidade da existência humana e com a indisponibilidade do direito à vida;
9. O Autor da acção não pretende auto+limitar nenhum direito de personalidade, concretamente o direito à vida + muito pelo contrário, ele pôde intentar a demanda justamente porque está vivo e é sujeito de direito.
10. A indisponibilidade da vida humana não é posta em causa pelo simples facto de se atribuir uma indemnização ao autor;
11. Do que se trata nestes autos não é da vida como valor ou desvalor, mas antes, realmente, dos sofrimentos e das necessidades causadas pela deficiência.
12. A indemnização não deve compensar o dano de ter nascido mas sim a dor e o sofrimento que a criança experienciou após o nascimento.
13. É facto, incontestável, de que nasceu uma pessoa com deficiências severas, que busca a reparação dos danos sofridos, pessoa essa que está viva e não morta.
14. A obrigação de indemnizar o autor surgiu com a verificação de determinados pressupostos legais: o dano, ilicitude, a culpa, e o nexo causal;
15. o dano invocado pelo autor – a dor, o sofrimento que experiencia após o nascimento, e as necessidades causadas pela deficiência – são consequência directa e necessária do acto ilícito e culposo praticado pelas rés;
16. Sendo assim totalmente admissível que a obrigação de indemnizar o autor, de facto, exista, por preenchimento dos requisitos legais que subjazem à responsabilidade civil: dano, ilicitude, a culpa, e o nexo causal.
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17. a recorrente tem um dever legal de assistência ao seu filho, cuja onerosidade material se viu tremendamente multiplicada pela actuação ilícita dos réus.
18. A obrigação da recorrente prestar assistência à criança é própria, autónoma do direito que, eventualmente e no futuro, poderá assistir ao seu filho.
19. Ao peticionar reparação correspondente aos custos próprios que terá de suportar com as particulares necessidades do filho, a recorrente anseia reparação por um prejuízo evidente: a excessiva onerosidade que o dever legal de parentalidade significará, in casu.
20. Trata-se este de um prejuízo próprio, resultante de um dever legal que lhe é pessoal
e se repercute na sua – e só na sua – esfera jurídica.
21. Sendo tal pedido correspondente a mais um dano que a conduta dos réus lhe causou, e cujo ressarcimento se impõe, por força do regime legal da responsabilidade civil.» (sic)
Termina no sentido de que a sentença seja parcialmente substituída por outra que julgue procedentes também os pedidos formulados pelos A.A. sob as alíneas a), c) e f) da petição inicial.

Os R.R. alegaram com as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª
Através da douta sentença recorrida, no plano da matéria de facto, o Tribunal a quo 1º qualifica como ecografia morfológica e retira daí consequências, quando afinal, a eco grafia solicitada pela autora, sob indicação da médica assistente, foi uma ‘eco grafia obstétrica’; 2º recusa reconhecer que a percentagem de erro na execução técnica de exames ecográficos ascende a percentagem significativa, mesmo quando realizados pelos melhores especialistas situando-se as taxas de detecção das malformações estabelecidas em perícia, consoante o segmento da morfologia fetal em causa, de modo inequívoco em sentido frontalmente contrário ao decidido pelo Tribunal, o que impunha uma fundamentação que inexiste; em ambas as perícias se estabelece, sem qualquer margem para dúvidas, aquilo que é consensual, ou seja, que estes exames ecográficos, atenta a sua natureza própria, comportam uma margem de falibilidade; 3º recusa reconhecer falibilidade ao exame ecográfico, sujeitando a discussão a um vazio, por se ter de reflectir sem o facto dessa falibilidade; 4º Das ecografias realizadas pela autora à volta das 28ª/32 semanas de gestação, a designada ecografia do ‘terceiro trimestre’, nenhuma corresponde à eco grafia morfológica recomendada pelo Serviço Nacional de Saúde, pelo que o Tribunal a quo incorre até na contradição de por um lado, dar como provado que a autora «confiando do diagnóstico da Primeira e Segunda R.R. não repetiu o mesmo tipo de exames, nem adoptou cuidados médicos especiais…» (página 9, § 7º) e dar como não provado o facto alegado pelos RR de que «a autora deveria ter feito, no mínimo, a 3ª eco grafia», a qual, aliás, estava recomendado ser feito pelo próprio ‘relatório’ a que se referem as Alíneas G) a J), em torno do qual se desenvolve todo o objecto do presente processo.

Embora reconheça estarmos perante uma obrigação de meios a douta sentença recorrida reflecte e decide como se estivéssemos perante uma obrigação de resultado, por errada consideração da natureza dos equipamentos utilizados na execução do exame ecográfico, e inconsiderando a falibilidade destes, fazendo impender sobre os réus um designado «dever objectivo de resultado»;

É significativa a margem de falibilidade na execução de exames ecográficos, porque se verifica 1º a complexidade científica do acto, 2º o exame incide sobre um feto com escassos centímetros de comprimento,

Pelo que não era razoável concluir e decidir como a douta sentença recorrida veio a fazer, reflectindo num contexto de obrigação de meios, mas a mover-se e a decidir no quadro factual de uma obrigação de resultado.

O princípio consagrado subjacente à doutrina do Acórdão do STJ de 2008 é a de que uma obrigação pode ser de meios ou de resultado, estando em causa a utilização de equipamentos médicos, técnicos, a margem de falibilidade, consoante seja maior ou menor (ou nenhuma) a falibilidade dos equipamentos e do exame em causa. [no caso do Acórdão está em análise um exame laboratorial de anatomia patológica em que a margem de falibilidade é negligenciável, de onde o Supremo tribunal estabeleceu que a obrigação podia e devia ser tratada como de resultado e o médico responsabilizado], sendo de meios quando a margem de falibilidade seja significativa ou não negligenciável e de resultado quando inexiste margem de falibilidade.

A ilicitude no domínio da responsabilidade contratual afere-se pela preterição de uma concreta obrigação contratual preterida pelo devedor, ou de particular obrigação legal associada à realização da prestação.

Não está estabelecida qualquer obrigação contratual que possa reputar-se violada, e assim, ilicitamente, nem que os Recorrentes tenham violado alguma norma legal ou regulamentar, do domínio das leges artis médicas que possa concluir-se como sendo o pressuposto da ilicitude.

No caso dos autos, embora a douta sentença recorrida o afirme, até no próprio enunciado da matéria de facto, a verdade é não estar devidamente identificado qual o «dever cuidado» que foi preterido; e qual das leges artis na matéria de execução do diagnóstico foi violada.

A douta sentença recorrida adopta um verdadeiro raciocínio consequencial reversível, isto é, parte da constatação de malformações para concluir que se há malformações, então deveriam ter sido diagnosticadas e, como não o foram, há ilicitude e culpa médica nessa não detecção e consequente informação à grávida.
10ª
Não pode exigir-se ao médico ecografista, utilizando equipamentos falíveis, o atingimento de um resultado de diagnóstico, «um dever objectivo de resultado» que não está ao seu completo alcance, no seu integral e pleno domínio, realizar, nem é censurável que o não alcance; E, não podendo exigir-se, não pode haver juízo de censura que consubstancie a culpa.
11ª
O pressuposto da ‘causalidade adequada’ regulado na nossa lei civil constitui um elemento objectivo do instituto da responsabilidade civil [tal como o elemento culpa constitui um elemento subjectivo] pelo que a ‘causalidade adequada’ constitui um elemento de imputação objectiva, isto é, densificada por factos, por situações e circunstâncias, não podendo sê-lo por declarações de vontade;
12ª
No caso dos autos, em caso algum pode estabelecer-se uma relação causal de responsabilidade civil entre o acto de diagnóstico de realização da ecografia a que se referem as alíneas D) a J) da matéria assente e as malformações e danos associados de que padece o Autor C…; nem às necessidades particulares que a autora terá de enfrentar com a criação do filho;
13ª
Sem embargo de se poder admitir uma afectação da margem de autodeterminação, por falta de informação da grávida quanto ao desenvolvimento da sua gravidez (que – nas ecografias ‘indicadas’ pelo Serviço Nacional de saúde, nas fases de gestação estabelecidas) se dirige à orientação da gravidez e não à formação da decisão de abortar ou não;
14ª
Na elaboração do diagnóstico, por exame ecográfico, o erro médico constitui no limite uma afectação da capacidade de autodeterminação da vontade do paciente, nunca uma causa da própria produção do dano consequente ao exercício dessa autodeterminação.
15ª
Com efeito, o dano limite a indemnizar não pode deixar de conter-se na própria informação / notícia não prestada – surpresa pelo nascimento da criança com malformações, e nunca, já não, pelos danos subsequentes, associados, directos ou indirectos, com as próprias malformações de que padece a criança.
16ª
Não há um «autêntico direito a interromper a gravidez» pois «Na nossa ordem jurídica não existe qualquer “direito” ao aborto. Apenas ocorre que nalguns casos se encontra estabelecida a não punibilidade do aborto (Assim, literalmente, o art 142º do Código Penal. Isto induz dogmaticamente a perspectiva de que, nestas situações, a ilicitude permanece)» op cit;
17ª
Não estão assim estabelecidos valida e comprovadamente os pressupostos de que dependeria a responsabilização contratual do médico ecografista pela deficiente realização do exame ecográfico, e pela consequente não prestação da informação correcta à mulher grávida, pelos danos patrimoniais inerentes ao agravamento das condições e necessidades de vida da mãe da criança deficiente;
18ª
A atitude contratual dos RR restringiu-se à (não) prestação de informação correcta, com atingimento e perturbação da vontade da titular do direito à informação.
19º
Como mostra o Prof José Fragata, op cit, «Não obstante o enorme desenvolvimento da ciência e das técnicas para protecção da saúde e tratamento das doenças, inúmeras situações não são vencíveis pela medicina. E o médico não é um super-homem. Certamente que em muitos casos ao médico deparam-se situações de difícil interpretação em que o médico pode errar; … o médico pode não ter a preparação científica ou técnica para abordar uma situação especial, mas ter de agir sem o tempo necessário para adquirir essa preparação. Em todos estes casos – e muitos outros poderiam imaginar-se – não pode falar-se de negligência»
20º
Ao ter decidido como o fez, violou a douta sentença recorrida as normas dos arts 563º, 562º, 564º, 494º e 496º do Código Civil, art 142º do Código Penal – este por ter sido interpretado como se houvesse um direito subjectivo a interromper a gravidez, os quais poderiam e deveriam, ainda à luz da doutrina e jurisprudência aqui invocadas, ser aplicados no sentido da absolvição dos RR.» (sic)
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida com as legais consequência, de absolvição dos RR.

Não fora oferecidas contra-alegações.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
As questões a decidir --- excepção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações dos A.A. e dos R.R. recorrentes (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 690º, do Código de Processo Civil[1]).

Impõe-se assim a apreciar e decidir:

A. No âmbito da apelação dos R.R.: a verificação dos pressupostos da responsabilidade médica contratual pelos danos indirectamente resultantes das malformações de que padece o C… e do erro de diagnóstico clínico relativamente aos danos sofrido pela A. B….

B. No âmbito da apelação dos A.A.:
1- Os requisitos da responsabilidade civil dos R.R. relativamente ao invocado direito do A. C… à indemnização; e
2- O direito da A. B… a reparação relativa ao acréscimo de despesas que tem que realizar com as particulares necessidades do filho C….
*
*
III.
Os factos provados na acção
A) A Primeira Ré é uma clínica que se dedica à realização de exames e diagnósticos radiológicos.
B) O Segundo Réu é o director clínico da Primeira Ré.
C) A Segunda A. começou por ser acompanhada pela sua médica de família, Sr.ª Drª H… – Doc. de fls 104.
D) Para realizar as ecografias obstétricas a segunda A consultou e contratou os serviços da clínica privada “D…, LDA”, Primeira Ré.
E) Ali foi assistida pelo Sr. Dr. E…, Segundo Réu, que elaborou os relatórios correspondentes às ecografias realizadas.
F) No exame ecográfico realizado em 4 de Junho de 2003 foi examinado o líquido amniótico e placenta, e efectuada uma avaliação embrionária, havendo o 2º Réu concluído: “gravidez com evolução favorável e compatível com 12 semanas e 6 dias de gestação, a controlar às 20/21 semanas” – Docs de fls 110 a 12 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) No exame ecográfico realizado em 17 de Julho de 2003 foi visualizado os membros, a coluna e a cabeça.
H) Nas imagens ecográficas do Doc. junto de fls 111 assinala-se a existência de mãos e a visualização de pés, bem como do lábio superior.
I) Nos documentos de fls 112 e 113 assinala-se também a visualização de pés, lábio superior e fémur.
J) Em todos os casos, o relatório do Segundo R. conclui que a gravidez é normal e com evolução favorável, referindo expressamente:
- “anomalias morfofuncionais – não evidenciadas” – doc. de fls 112;
- cabeça, coluna e membros – visualizados” – doc. de fls 113.
L) A Primeira R. possui um corpo clínico formado por profissionais competentes, actualizados permanentemente no campo da imagiologia.
M) No âmbito da especialidade que exerce – radiologia – o Segundo R. é um médico com conhecimentos e capacidades acima da média, tendo sido nomeado membro da “Royal Society of Medicine” – organização inglesa de grande prestígio na área da medicina a nível mundial.
N) A 26 de Agosto de 2006, a Segunda A. foi encaminhada pela sua médica de família para o G…, por lhe ter sido diagnosticada ITU de repetição Doc. de fls 118.
0) O Primeiro A. sempre dependerá de terceiros para a sua sobrevivência, e necessitará dos cuidados permanentes da Segunda A. para a execução das mais simples tarefas do quotidiano.
P) A Segunda A. viverá sempre com a preocupação do futuro do Primeiro A., especialmente caso este lhe sobreviva.
Q) Assim como será sempre angustiante para a Segunda A., como ser humano e como mãe, assistir à inevitável infelicidade do seu filho C…, Primeiro A., dadas as insuficiências de que enferma.
R) A Segunda A. sofre, contínua e permanentemente, de profunda angústia e indignação.
S) A sua mãe sofreu uma profunda depressão e desgosto, encontrando-se internada no I…, Porto.
T) O seu filho mais velho acha-se perenemente irado, sem capacidade para entender o motivo de ter um irmão mais novo nas condições de vida actuais.
U) Assistir um filho como o Primeiro A. é, e será, uma contínua tarefa, para toda a vida da Segunda A.
V) A Segunda A. sente profundo desgosto, ira, e desorientação sempre que dá banho ao seu filho C…, Primeiro A.
X) Quando o alimenta, quando o veste, quando o leva ao Pediatra.
Z) Quando assiste à própria frustração da criança, que com o decorrer do tempo, se vai apercebendo das suas tremendas limitações em se mexer, em tocar, em saborear, em andar, em comunicar.
AA) A segunda A tem vindo a recorrer a anti-depressivos como último recurso para manter o seu alento em viver nas circunstâncias actuais.
BB) A segunda A deixou de poder encarar familiares, amigos, conhecidos e até desconhecidos.
CC) Nenhum tratamento, internamento, ou prévia preparação psiquiátrica constitui meio idóneo e cabalmente capaz de assegurar, nestas circunstâncias, a tutela da saúde psíquica da progenitora, aqui Segunda A.
DD) Sendo, neste tipo de casos, absolutamente previsível - e usual - a ocorrência nas progenitoras de alterações psico – neuróticas da personalidade, evoluções neurasténicas ou depressivas e tendências suicidas.
EE) Os RR. têm uma situação financeira próspera, com actividades profissionais estáveis e lucrativas.
FF) O agregado familiar dos AA. é extremamente pobre, não detendo qualquer tipo de rendimento fixo, nem património a que recorrer.

Da Base Instrutória provou-se ainda que:
C…, Primeiro A., nasceu em 26 de Novembro de 2003, no Serviço de Obstetrícia do G….
À data, tinha 38 semanas de idade gestacional.
Pesava 1885 (mil oitocentas e oitenta e cinco) gramas.
Tinha 43 centímetros de comprimento.
E nasceu com Síndroma Polimalformativo.
Padece, e sempre padecerá das seguintes patologias:
a) Agenesia de ambos os antebraços e braços;
b) M.I.direito: pé boto, com presença de 3 dedos com sindictilia parcial, agenesia do 4º e 5º dedos;
c) M. I. esquerdo: sindactilia do 2º e 3º dedos;
d) Face: hipoplasia da mandíbula e hipoglossia; palato ogival, sem fenda palatina; nariz largo; pavilhões auriculares de implantação baixa;
e) Micropénis;
f) Hipospádias;
g) Síndrome oromandibular;
h) Hipogenesia dos membros;
i) Candidíase oral e perineal;
j) Cremeloma umbilical;
k) Hiperecogenicidade bilateral da matriz germinal.
A autora realizou as ecografias previstas nas indicações da DGS para o seguimento da gravidez, designadamente a primeira, às 12 semanas e 6 dias, referida em F), e a segunda, às 19 semanas e 2 dias, referida em G).
No segundo dos referidos exames, foi efectuada avaliação fetal, econometria fetal, exame à anatomia fetal, à placenta e ao líquido amniótico O exame atrás referido é a denominada eco grafia morfológica, que analisa toda a anatomia fetal e detecta a grande maioria das malformações graves.
Além disso permite avaliar os marcadores ecográficos de anomalias cromossômicas e/ou genéticas, e uma análise sistemática e completa da morfologia fetal, a saber:
1. crânio (forma e ossificação);
2. cérebro;
3. face (lábios, palato, globo ocular, cristalino, osso nasal,
mandíbula, maxilar);
4. orelhas (implementação e formato);
5. coluna (cervical, toráxica, lombar);
6. nuca;
7. tórax;
8. coração;
9. abdómen;
10. rins;
11. bexiga;
12. estômago;
13. fígado e intestino;
14. membros (pernas, pés, braços, mãos e dedos);
15. genitais.
O Sr. Dr. E…, Segundo R., ali conclui: “gravidez com evolução favorável e compatível com 19 semanas e 2 dias de gestação”.
Nos exames referidos em F) e G), à medida que os mesmos eram efectuados, e visualizados, sempre foi dito e mostrado à Segunda Autora que o bebé era perfeitamente normal.
Sendo que lhe foi até indicado no monitor onde estariam os braços, pés, e mãos do Primeiro A. C….
Agindo segundo as actuais exigências das leges artis, com os conhecimentos científicos existentes na época, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizável a um médico radiologista, pela análise das películas juntas de fls 110, 111, 113 e 114, as seguintes patologias:
1. agenesia de ambos os braços e antebraços;
2. membro inferior direito com pé boto e ausência de 2 dedos;
3. membro inferior esquerdo com sindactilia do 2º e 3º membros;
4. hipoplasia e hipoglossia da mandíbula;
5. nariz largo;
6. hipogenesia dos membros;
7. micropénis.
Ou, pelo menos, seriam detectáveis indícios da mesmas, que deveriam constar dos relatórios efectuados, permitindo um diagnóstico definitivo através de novos exames.
O mesmo diagnóstico se exigiria à Primeira e Segundo RR..
As referidas malformações eram definitivas e irreversíveis.
Confiando no diagnóstico da Primeira e Segundo RR., a Segunda A. não repetiu o mesmo tipo de exame, nem adoptou quaisquer outros cuidados médicos especiais, não aconselhados na altura pelo relatório das ecografias.
Ficando a Segunda A. no desconhecimento que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfológicas.
Caso tivesse conhecido a existência das referidas patologias à data dos exames ecográficos realizados, a Segunda Autora teria optado por interromper voluntariamente a gravidez, por lhe parecer que seria muito reduzida a qualidade e esperança de vida do primeiro A.
No dia referido em N) foi-lhe agendada consulta com a Doutora F…, tendo a sua gravidez sido classificada como de “risco”.
Na mesma consulta, a Dra. F… atentou na circunstância de a gravidez da primeira autora exigir cuidado em função de esta padecer de infecções urinárias de repetição.
Procedendo à visualização e análise das ecografias já juntas de fls 110 a 115 a referida médica nada mais diagnosticou do que o que já havia sido diagnosticado – ITU de repetição.
Limitando-se a referir à Primeira A. que nada de anormal se passava com o embrião, e receitando-lhe medicamentos para a dita ITU.
Perante este diagnóstico, mais uma vez a Segunda A. absteve-se de efectuar qualquer exame adicional de diagnóstico.
O A. C… é uma criança com graves problemas de formação, desenvolvimento e crescimento.
Para além das malformações congénitas, o A. C… tem um deficit de crescimento de 70%.
O autor C…, em Julho de 2009, pesava 11,590kg e media 96,5 cm, ambos os valores de peso e altura num percentil correspondente inferior a 10.
Tal situação é irreversível.
Por força das deficiências do nariz, palato, língua, e mandíbula, padece ainda de constantes e variadas patologias associadas às vias respiratórias – sendo certo que o aumento gradual de actividade impunha um desenvolvimento da capacidade respiratória.
O seu desenvolvimento mental é, aparentemente, normal tendo o mesmo, e cada vez mais terá, consciência das suas profundas malformações e correspondentes limitações.
O que já lhe provoca, e continuará a provocar, profunda revolta, nervosismo e incompreensão.
O Primeiro A. nunca poderá, de forma independente, ter uma vida normal, mesmo no que se refere à realização das mais básicas tarefas do quotidiano.
Por si só nunca poderá tratar da sua higiene pessoal.
Nunca poderá fazer as suas necessidades físiológicas.
Nunca se conseguirá vestir.
Jamais poderá alimentar-se.
Não poderá falar.
Não terá capacidade de expressão gestual.
Não poderá escrever.
O seu rosto nunca adquirirá capacidade expressiva perceptível.
Pelo que terá sempre grandes dificuldades de comunicação.
Não conseguirá deslocar-se.
Não poderá ler, estudar, e instruir-se.
Não poderá brincar, seja sozinho, seja com outros meninos da sua idade.
A consciência das suas limitações causarão desequilíbrios emocionais profundos.
Com grande tendência para a criação de quadros psiquiátricos graves.
Já hoje o Primeiro A. tem acessos de profunda revolta, nomeadamente ao tentar interagir, e imitar os outros meninos da sua idade, especialmente o irmão mais velho, também criança.
Clinicamente, o tempo de vida do A. C… é incerto.
Podendo-se prever que seja mais curto que a esperança de vida média da população portuguesa, atenta a dificuldade de desenvolvimento que o afecta.
O que causará acrescida angústia ao seu penoso dia a dia.
As carências fisionómicas de que padece irão dificultar, senão mesmo impedir, o Primeiro A. de vir a ter qualquer tipo de relacionamento amoroso.
Bem como de vir a constituir família.
O Primeiro A., por via das incapacidades congénitas, que se agravam, não terá qualquer capacidade para o trabalho.
Caso a mãe não lhe sobreviva restar-lhe-á o irmão, que poderá ou não ter capacidade para assumir o seu sustento.
Caso sobreviva a ambos, ficará sem qualquer meio próprio de assegurar o seu sustento.
A Segunda A. não pode deixar o Primeiro A. sozinho por um único momento.
Não pode, nem seria capaz, de deixar o Primeiro A. ao cargo de pessoas de confiança, devido à especificidade de cuidados que o mesmo precisa.
A segunda A ficou sem emprego após ter sido internada na sequência da gravidez.
E deixou de ter um emprego regular desde o nascimento do Primeiro A., visto que as necessidades constantes deste são completamente incompatíveis com um horário de trabalho fixo.
Por esse motivo, a Segunda A. não tem qualquer tipo de realização profissional, o que a frustra profundamente.
A Segunda A. vive a vida do seu filho, deixando de ter tempo, disponibilidade, ou mesmo vontade de viver a sua.
A Segunda A., seu primeiro filho e mãe eram uma família, apesar de modesta, muito feliz, equilibrada e socialmente inserida.
Os amigos deixaram de conviver com a Segunda A. e sua família, atentas as dificuldades em conseguir lidar com a presença do Primeiro A.
A avó do primeiro autor precisa de acompanhamento psiquiátrico para lidar com as condições de vida do seu agregado e da sua filha e neto.
O filho mais velho da Segunda A. vive revoltado com a triste sina do irmão, não sendo igualmente fácil para este lidar com a inocente crueldade dos amigos e colegas da sua idade que têm conhecimento da existência do C….
A restante família afastou-se dos AA..
A Segunda A. deixou de frequentar locais públicos, como um simples café, como era habitual, devido à exclusão, ainda que involuntária, que o seu filho provoca, e que a Segunda A. não consegue encarar.
E ainda que quisesse frequentar um simples café, também não poderia, pois as dificuldades económicas que se multiplicaram com as despesas relacionadas com o Primeiro A. implicaram a impossibilidade financeira de frequentar tais locais.
Apenas nos últimos meses foi despendida a quantia de € 817,43 (oitocentos e dezassete euros e quarenta e três cêntimos) em produtos de farmácia.
A Segunda A. vive apenas do rendimento social de inserção, com o montante mensal de €.318,32 (trezentos e dezoito euros e trinta e dois cêntimos).
Para além do C…, a Segunda A. tem um outro filho menor a seu cargo, mais velho que aquele.
Para além dos dois filhos menores que consigo vivem, a Segunda A. tem ainda financeiramente a seu cargo a sua mãe, avó do C… que, pela sua idade e fraca saúde não consegue contribuir em nada, antes constituindo, neste aspecto, mais uma despesa na vida familiar.
A Segunda A. auferia, em média, €. 600,00 (seiscentos euros) líquidos mensais.
Desde que se viu forçada a deixar de trabalhar decorreram já, até à data da propositura da acção, 36 meses.
O Primeiro A. necessitará de acompanhamento clínico permanente, tratamento e acompanhamento técnico que a Segunda A. não tem conhecimentos para assegurar.
O Primeiro A. necessitará de próteses.
Para a instrução e educação do Primeiro A será necessário a contratação de professores, técnicos, e material de ensino especialmente direccionados ao seu estado clínico.
O acompanhamento da gravidez pelo Serviço Nacional de Saúde e de acordo com as orientações do Colégio da Especialidade da Ordem dos Médico, implica a realização de análises ecográficas às 11ª./13ª., 20ª./22ª. E 28ª./32ª. Semanas de gestação.
A actuação clínica dos médicos ecografistas implica a manipulação cuidada da sonda ecográfica e gel de contacto, procurando captar o feto nos vários ângulos que proporcione uma completa “visualização ecográfica”.
E o equipamento utilizado nas ecografias a que se referem os exames realizados pela A tem de ser, como foi, u, equipamento certo e adequado.
Sendo correcta a técnica adoptada de deitar a grávida na marquesa em posição de decúbito dorsal com o ventre totalmente descoberto, com colocação de gel de contacto e execução do exame através do deslizamento de uma sonda ecográfica sobre o gel e toda a cavidade abdominal, deixando a grávida em condições de conforto para si própria e, em consequência, para o próprio feto.
Devendo ainda o exame ser realizado em local com condições de luminosidade ténue e utilizado monitor ecográfico de alta resolução.
Os exames efectuados à A foram-no de acordo com os parâmetros atrás descritos.
A imagem fetal às 19-20 semanas de gestação representa graficamente um organismo com escassos centímetros de comprimento, sendo o diâmetro biparietal entre 40 e 49mm, com um tamanho médio de 45mm.
No exame ecográfico não há qualquer resultado de diagnóstico alcançável fora do contexto da intervenção do equipamento ecográfico, com a sua falibilidade intrínseca própria.
A captação e visualização de imagens do feto pode captar/fotografar uma aparência que a progressão/evolução fetal dissipará, seja por factores genéticos de surgimento diferido, seja por factores medicamentosos ou outros.
O relatório correspondente à “leitura” que o ecografista faz das imagens por si captadas destinam-se ao médico assistente da utente, cabendo a estes profissionais, e a outros que eventualmente intervenham no apoio assistencial à grávida, de novo o visionamento das imagens.
A segunda A sofria de infecções urinárias de repetição e terá sido sistematicamente medicada a partir da realização das ecografias.
A autora devia ter feito e fez a terceira ecografia e outras ulteriores, de forma a ser controlado o desenvolvimento e bem estar fetal do seu filho.
Entre a 15ª semana de gestação e o parto pode haver interferências no desenvolvimento do feto, por efeitos tóxicos resultantes por exemplo de medicação, mas sem qualquer fenómeno semelhante tenha ocorrido na gravidez da autora.
*
*
IV.
Considerações gerais sobre a responsabilidade médica, transversais a ambos os recurso
Como sustenta o Prof. Miguel Teixeira de Sousa[2], a responsabilidade civil médica “é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais”; “em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art.º 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)”.
Estando em causa direitos absolutos como o direito à vida ou à integridade física, oponíveis, por isso, erga omnes, a actuação incorrecta e danosa da intervenção médica pode ser vista também como a violação daqueles direitos, portanto, como integradora de responsabilidade delitual ou extracontratual, desde logo quando a acção médica não derive de contrato.
Qualquer que seja a natureza da responsabilidade civil que impende sobre o lesante, ela traduz-se numa obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar os danos sofridos pelo lesado.
Hoje é tendencialmente pacífica a posição doutrinária no sentido de que, estando em causa actos médicos contratados entre o médico e o paciente, pelos quais se prestam serviços clínicos, como ocorre no caso em análise, existe um contrato de prestação de serviços a que se aplicam as regras próprias do contrato de mandato, previstas nos art.ºs 1157º e seg.s, por força dos art.ºs 1154º e 1156º, todos do Código Civil, já que a lei não regula a contratação da prestação de serviços médicos de modo especial[3]. Esta qualificação jurídica conduz-nos à responsabilidade contratual ou obrigacional, pela qual começaremos no tratamento da questão da responsabilidade que nos é colocada.
Os elementos da responsabilidade obrigacional não diferem, em grande parte dos seus aspectos, daqueles que dizem respeito à responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Numa e noutra formas de responsabilidade é necessário que haja uma acção humana que constitua um acto ilícito, que haja culpa, um prejuízo e nexo causal, assim, uma relação de causa-efeito, entre o facto e o dano.
A responsabilidade contratual distingue-se da responsabilidade por actos ilícitos, sobretudo, pela natureza do acto ilícito que, naquela constitui a violação de uma obrigação, e pelas regras de distribuição do ónus da prova já que ali é imposta ao devedor a prova de que agiu sem culpa no incumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação (art.º 799º, nº 1, do Código Civil), enquanto na responsabilidade aquiliana cabe ao lesado a prova da culpa do lesante (art.º 487º, nº 1, do Código Civil), sendo a culpa, em qualquer caso, apurada com base num critério abstracto, pela “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (nº 2 de uma e outra disposições legais acabadas de citar).
Consta do acórdão da Relação de Lisboa de 8.01.2008, citado no recente acórdão da Relação do Porto de 16.11.2010[4], que “a actividade médica perdeu o carácter quase mágico de que durante muito tempo se revestiu, impeditivo não só da indagação sobre a bondade das práticas, mas sobretudo sobre a sua inadequação às situações sobre as quais incidiam, maxime em termos de eventuais erros cometidos, geradores da obrigação de reparar. A tal dessacralização não foram estranhas as sucessivas descobertas científicas, com constantes progressos no debelar de doenças ou lesões anteriormente tidas por fatais ou sem qualquer solução de alívio, muito menos de cura, aliadas a uma crescente massificação dos cuidados de saúde, não só em termos da procura de remédio, mas também no que concerne aos meios terapêuticos que devem ser utilizados para tanto e as consequências que deles podem decorrer”.
No que respeita a obrigações/deveres do médico, dispõe o artigo 31º (Princípio geral) do Código Deontológico da Ordem dos Médicos que “o médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano”. E continua o n.º 1 do artigo 35º do mesmo diploma (Tratamentos vedados ou condicionados) que “o médico deve abster-se de quaisquer actos que não estejam de acordo com as leges artis”. Impõe o art.º 9º ainda do mesmo código (Actualização e preparação científica) que “o médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras da arte médica (leges artis)”.
Tais disposições são eco do princípio proclamado no Código Internacional da Ética Médica segundo o qual “o médico deve ter sempre presente o cuidado de conservar a vida humana”, sendo, assim, obrigação do médico prestar ao doente os cuidados ao seu alcance, de acordo com os seus conhecimentos e o estado actual da ciência médica, por forma a preservar-lhe a saúde na medida do possível. Tudo isto, como referimos, tem a ver com a leges artis, entendida como o conjunto de regras da arte médica, isto é, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico na concreta situação em que tal abordagem ocorre[5].
Nesta perspectiva, apesar de considerar o contrato médico um contrato de prestação de serviços, como a doutrina e a jurisprudência afirmam, o «resultado» a que alude o art.º 1154° do Código Civil deve considerar-se não a cura em si, mas os cuidados de saúde. O conceito de “resultado” no contrato de prestação de serviços que se estabelece entre o médico e o doente, enquanto obrigação de meios, como deve ser em regra qualificada, corresponde ao esforço na acção diligente do diagnóstico e do tratamento, e não a cura. A obrigação de meios (ou de pura diligência, como também é conhecida) existe quando “o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza”[6]. E existe obrigação de resultado quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a conseguir um certo efeito útil. O objectivo pretendido não pode ser atendido para a invocação de incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação, já que o médico apenas promete a diligência em ordem a obter um resultado, a prestação consistirá num “meio” de lograr o cumprimento. Aos médicos cabe a obrigação legal e contratual de desenvolver prudente e diligentemente, atento o estádio científico actual das leges artis, certa actividade para se obter um determinado efeito útil, que se traduza em empregar a sua ciência no tratamento do paciente, sem que se exija a este a obtenção vinculada da “cura”.
O médico deve agir segundo aquelas exigências e os conhecimentos científicos então existentes, actuando com um dever objectivo de cuidado, assim como de certos deveres específicos, como seja o dever de informar sobretudo o que interessa à saúde ou o dever de empregar a técnica adequada, que pode prolongar-se mesmo após a alta do paciente. Assim, no contrato médico existe como obrigação contratual principal do clínico, a obrigação de tratamento, que se pode desdobrar em diversas prestações, tais como, de observação, de diagnóstico, de terapêutica, de vigilância, de informação.
O ponto de partida para qualquer acção de responsabilidade médica é assim o da desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na mesma data.
Por vezes, ainda que partindo de uma obrigação de meios, é exigível ao clínico que atinja um resultado. Tem-se defendido que tal exigência ocorre, por exemplo, nas intervenções cirúrgicas estéticas de embelezamento (não já nas reconstitutivas ou de reparação) e na realização de exames de diagnóstico de grande fiabilidade técnica em que a margem de erro é muito reduzida ou negligenciável.
Aceitamos a admissibilidade da obrigação de resultado no contrato médico, mas saber se uma obrigação pertence a um ou outro tipo depende das circunstâncias da espécie, que sempre devem ser cuidadosamente ponderadas.
A responsabilidade médica supõe culpa por não ter sido usado o instrumental de conhecimentos e o esforço técnico que se pode esperar de qualquer médico numa certa época e lugar.[7]
Na responsabilidade civil dos médicos, o padrão do bom pai de família tem como correspondente o padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais teria tido em circunstâncias semelhantes, naquela data[8] “Este critério abstracto de determinação da culpa, apreciado pelo padrão da actuação de um homem ideal, comportará, obviamente, todas as nuances concretas na apreciação da culpa médica, dados os diferenciados “tipos ideais de médico” a que poderá ter de se atender em cada caso: o médico do interior, sem meios e condições profícuas de trabalho, e o médico da cidade; o especialista e o médico de clínica geral, etc.”
Age com culpa, não o médico que não cura, mas o médico que viole os deveres objectivos de cuidado, agindo de tal forma que a sua conduta deva ser pessoalmente censurada e reprovada, culpa a ser apreciada, como se disse, pela diligencia de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos dos art.ºs 487° nº 2, e 799°, nº 2, do Código Civil.
Não vemos razão que justifique o afastamento da presunção de culpa prevista no nº 1 daquele art.º 799º, desde que seja respeitada a natureza contratual das obrigações a que o médico está adstrito.
Nesta perspectiva, cabe, antes de mais, ao credor da obrigação, o lesado, a prova da ilicitude do acto, ou seja, que a conduta do médico é ilícita no sentido de que, objectivamente considerada, se mostra contrária ao Direito, com desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, mais concretamente, o burden of proof do incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação. E, tratando-se de uma obrigação de meios, caberá ao credor (lesado) fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão) do devedor (ou prestador obrigado) não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do almejado resultado.[9] É o lesado que assume o encargo probatório da violação das leges artis por parte do médico (assim, a ilicitude), enquanto este último, em caso de responsabilidade contratual, deverá afastar o juízo de censurabilidade fazendo a prova de que naquelas circunstâncias, não podia e não devia ter agido de maneira diferente.
Conforme resulta do acórdão da Relação de Lisboa de 20.4.2006[10], em regra e em caso de responsabilidade contratual, caberá ao doente demonstrar que existiu actuação deficiente na intervenção cirúrgica, que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar o resultado almejado[11], enquanto ao médico, ainda que de obrigação de meios se trate, sempre caberá demonstrar que utilizou as técnicas adequadas, com recurso às regras da arte médica e meios técnicos de que razoavelmente dispunha, ou seja, cumprir-lhe-á demonstrar que não teve actuação culposa”. Há-de ser ele a demonstrar que em determinadas circunstâncias agiu com a prudência, o esforço técnico e a diligência a que se obrigou, que no acto médico posto em causa actuou com a diligência “de um bom pai de família” que, tratando-se de um acto funcional, corresponde à diligência de um bom profissional, com emprego dos conhecimentos científicos então existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado. Esta exigência afigura-se equitativa em face da facilidade da prova neste domínio se encontrar do lado do médico, e não do paciente.
Em geral, para que haja culpa torna-se necessário que o agente não só conheça, ou tivesse que conhecer, o desvalor da acção que cometeu, como tenha a possibilidade de escolher a sua conduta e ainda que, nas circunstâncias concretas do caso, possa ser censurável a sua conduta, ou seja, é preciso não apenas que o facto seja imputável ao agente, mas que lhe seja censurável.
A actuação do médico não será culposa quando, consideradas as circunstâncias de cada caso, ele não possa ser reprovado ou censurado por ter actuado como actuou.
A inobservância de quaisquer deveres objectivos de cuidado torna a conduta (do médico) culposa, sendo que a culpa se traduz na inobservância de um dever geral de diligência que o agente conhecia ou podia conhecer aquando da respectiva actuação e que comporta dois elementos: um de natureza objectiva – o dever concretamente violado – e outro de cariz subjectivo traduzido na imputabilidade do agente. A utilização da técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais traduz a chamada imperícia do médico, pelo que, se o médico se equivoca na eleição da melhor técnica a ser aplicada no paciente, age com culpa e consequentemente, torna-se responsável pelas lesões causadas ao doente.[12]
Dentro desta concepção, a lei inclina-se para a consideração da negligência como erro de conduta, a qual envolve a imperícia ou a incapacidade técnica do lesante, a sua falta de aptidão, mais que a simples deficiência da vontade, não esquecendo as atenuações da lei ao ordenar a apreciação da culpa em face das circunstâncias do caso concreto.[13] A actuação do médico rege-se pela lex artis ad hoc, o que significa que é em relação ao preciso caso concreto situado temporalmente que a intervenção médica se afere, de acordo com as circunstâncias em que esta se desenrola. Só assim poderemos ponderar a qualificação de certo acto médico como conforme ou não com a técnica normal requerida.[14]
Nem sempre é fácil definir o limite entre a ilicitude e a culpa do agente médico, em que a ilicitude pode consistir numa infracção aos procedimentos adequados. Tal infracção é --- objectivamente --- ilícita na medida em que se impunha outra atitude, mas, ao mesmo tempo, indicia ou pode indiciar --- subjectivamente --- um menor zelo ou a negligência na prática do acto médico. Dir-se-á que uma coisa é saber o que houve de errado na actuação do médico e outra saber se esse erro deve ser-lhe assacado a título de culpa.
Só haverá acto ilícito se houver, como se sabe, previsibilidade e evitabilidade do dano, já que o acto ilícito é um acto voluntário (controlável pela vontade) e só é voluntário o que é conhecido ou, pelo menos, cognoscível. Como refere Gomes da Silva no seu estudo, já clássico, «O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar», citando Esmein, «quando se considera um dever de prestar como o do médico, por exemplo, pode falar-se em dever de prudência e de diligência, mas logo que o credor sofre um prejuízo é necessário averiguar se o devedor praticou certo acto que tinha o dever de não fazer, ou se omitiu determinado acto que tinha a obrigação de não realizar».[15]
Por outro lado, só estabelecido o nexo de causalidade adequada se poderá afirmar que o agente violou o direito do paciente.
*
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A- A apelação dos R.R.
A. A verificação dos pressupostos da responsabilidade médica contratual pelos danos directa ou indirectamente resultantes das malformações de que padece o C… relativamente aos danos sofrido pela a A. B…
No seu recurso, os R.R. começam por atacar a sentença por:
- Ter considerado a existência de uma ecografia morfológica quando, o que foi solicitado foi uma ecografia obstétrica.
- Ter recusado reconhecer a existência de uma percentagem significativa de erro na execução técnica de exames ecográficos e a falibilidade destes, designadamente nas idades fetais em causa;
- Das ecografias realizadas pela A. por volta das 28ª/32ª semanas de gestação, nenhuma corresponde à ecografia morfológica recomendada pelo Serviço Nacional de Saúde, pelo que o tribunal a quo “incorre até na contradição de por um lado, dar como provado que a autora «confiando do diagnóstico da Primeira e Segunda R.R. não repetiu o mesmo tipo de exames, nem adoptou cuidados médicos especiais…» dar como não provado o facto alegado pelos R.R. de que «a autora deveria ter feito, no mínimo, a 3ª ecografia», a qual, aliás, estava recomendado ser feito pelo próprio relatório a que se referem as Alíneas G) a J), em torno do qual se desenvolve todo o objecto do presente processo”.
Nesta parte, é colocada em causa matéria de facto.
Como referimos já, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso[16] (art.ºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção que precedeu a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto[17]).
Olhando às conclusões das alegações não foram indicados na forma devida os concretos pontos da matéria de facto que os R.R. consideram incorrectamente julgados, como também não se faz indicação de prova que impusesse ao tribunal uma decisão sobre tais pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Da conjugação daquelas normas adjectivas com o incumprimento da exigência prevista no art.º 690º-A, nº 1, al.s a) e b), do mesmo código, resultaria a consequência ali prevista: a rejeição do recurso de impugnação da decisão em matéria de facto.
Todavia, nas alegações de recurso dá-se suficiente cumprimento ao disposto no citado art.º 690º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que, apesar da deficiente formulação conclusiva do recurso em matéria de facto, ante a possibilidade de ordenar que se completem as conclusões da apelação e o aproveitamento das alegações quanto ao objecto daquela impugnação, impõe-se o princípio da economia processual, em função do qual atenderemos desde já às alegações da apelação.
Está para discutir a matéria dos quesitos 10º, 89º, 90º e 96º da base instrutória.
Quesito 10º: O exame atrás referido é a denominada ecografía morfológica, que analisa toda a anatomia fetal e detecta a grande maioria das malformações graves?
Resposta: Provado.
Resposta pretendida: Não foi expressamente formulada, mas é de presumir que se deseje a resposta de “não provado”.

Quesitos 89º: Ascende a cerca de 45% a percentagem de erro na execução técnica dos exames ecográfícos, mesmo quando realizados pelos melhores especialistas médicos?
Quesito 90º: Situando-se as taxas de detecção das malformações músculo esqueléticas entre os 23 % e os 55%, consoante o segmento da morfologia fetal em causa?
Respostas dadas: Não provado.
Resposta pretendida: Resposta restritiva a um valor percentual que poderá não coincidir com os referidos nos quesitos.

Quesito 96º: A A. devia ter feito, no mínimo, a 3ª ecografia?
Resposta dada: Provado com o esclarecimento de que a autora devia ter feito e fez a terceira ecografia e outras ulteriores, de forma a ser controlado o desenvolvimento e bem estar fetal do seu filho.
Resposta pretendida: não foi definida, mas entendeu-se que “o tribunal poderia e deveria ter respondido de outro modo, esclarecendo que, como a autora fez efectivamente até um número elevado de ecografias, mas não fez aquela que deveria ter feito para os fins próprios estabelecidos pelas orientações do Serviço Nacional de Saúde, ou seja, uma ecografia morfológica”.

Com vista à alteração das respostas dadas, os R.R. apelantes indicam as seguintes provas:
A prova pericial solicitada pelo tribunal (além de outras a de fl.s 816, a perícia do Sr. Prof. Dr. J…) e o relatório da K…;
O teor dos próprios exame de onde resulta que se trata de ecografia obstétrica e não de ecografia morfológica;
«Texto de Recomendação sobre Informações a prestar à grávida aquando da realização de ecografia obstétrica», emanada da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos;
Três documentos correspondentes a ‘prints’ impressos de um site da Administração Regional de Saúde do Norte, IP correspondentes a ‘documentos modelo’ das ecografias a realizar pelas mulheres grávidas;
O Relatório emanado da K…, integrado a fls 815 e segs dos autos;
O Parecer subscrito pelo Prof. Dr. J…, do L…, do Porto, integrado a fls 840 e 841 dos autos.
Consideraram que o tribunal desvalorizou completamente estas provas.
Não foram produzidas contra-alegações, mas analisando a fundamentação das respostas à matéria da base instrutória, desenvolvida ao longo de mais de 4 páginas, a mesma começa por enunciar que “a convicção do tribunal sobre a matéria de facto declarada provada fundou-se no relatório Clínico da T…, de 15/7/2008, a fls. 531 e 532, usado como fundamento no relatório do exame pericial do Instituto de Medicina Legal. A fls. 830 e seg.s, sobre as condições de nascimento do autor C…, também documentadas nos elementos clínicos relativos ao parto e internamento, a fls. 104 a 107.
Destacam-se ainda as seguintes passagens:
«A matéria dos quesitos 9° a 18° resulta da prova pericial produzida, incluindo os relatórios da K… de fls. 816, sobre a natureza, condições e características dos exames ecográficos, em termos aliás superiormente explicados em audiência pelos Profs. J… – autor das respostas de fls. 840 e 841, e M…. Nestes elementos e depoimentos se funda também a resposta negativa ao quesito 19°, pois deles sobressai a natureza presencial, actual e dinâmica dos exames ecográficos e a irrelevância das películas que se gravam ou imagens que se fixam e imprimem, quase só para prazer dos pais e não pela virtualidade demonstrativa dessas imagens, que não existe. Daí, também que os próprios médicos assistentes da gravidez, que requisitam esses exames, prendam a sua atenção nos respectivos relatórios de tais exames dinâmicos, na consciência da irrelevância ilustrativa das imagens que por vezes os acompanham. Como bem explicaram os médicos F… e Prof. J…. Nas declarações deste Professor, de resto, sobressaiu o profundo erro em que o relatório da ecografia referida em G, as das 19 semanas, incorreu, ao atestar a presença de membros e seus segmentos que o C… não tem, ao revelar uma situação de regularidade de todo afastada na realidade.»
Referindo o depoimento da Sr.ª Dr.ª F…, consta também da fundamentação: «…depois, também, a forma como interpretaram os elementos do processo clínico, onde se incluíam os relatórios dos dois primeiros exames ecográficos dos quais decorria a normalidade da gravidez e do feto, bem como a circunstância de as ecografias pedidas e realizadas ulteriormente se terem preocupado com aquilo que é próprio dos exames dessa fase: a análise do desenvolvimento e bem estar fetal, que constituiu preocupação, como se verificou da repetição de ecografias no termo do período da gravidez – constantes a fls. 890 e seg.s, juntas em audiência de julgamento e explicadas pelas suas autoras Dr.ªs. N…, O… e P… – em fase de um aparente menor desenvolvimento/crescimento, do feto».
«Todos estes depoimentos foram claros, isentos e convincentes, explicando, entre o mais, que quer a 3ª ecografia protocolada pela DGS, quer as demais feitas à autora, dada a fase em que são feitas, não procuram anomalias morfológicas dos fetos que não estivessem apontadas anteriormente, mas sim o bem estar e desenvolvimento fetal, o fluxo umbilical, o envelhecimento da placenta, …, apesar de tal poder constar de um formulário para o caso de ser útil, não é normal procurar e investigar os parâmetros da morfologia do feto tal como isso acontece no segundo dos exames ecográficos. … De resto, sobre estas questões do significado e funções essenciais das diferentes ecografias, foram coincidentemente prestados depoimentos igualmente claros e convincentes pelos Prof.s J… e M…».
«Já a matéria dos quesitos 89° e 90° mereceu resposta negativa dada a certeza transmitida pelos mesmos professores[18], bem como pelas respostas constantes do relatório junto a fls. 816 e seg.s. sobre a inadmissibilidade da formulação das questões sob essa forma. Com efeito, de todos estes meios de prova resultou a inequívoca convicção sobre margens de falibilidade dos exames ecográficos, mas não quantificáveis em termos passíveis de generalização. A este propósito, e em plena conformidade com o constante desse relatório, foi dada clara explicação pelo Prof. M… sobre serem admissíveis margens de erro variáveis em função do que se examina e identifica, o que leva, por exemplo, à ocorrência de erros na identificação ou omissão de identificação de uma das malformações apresentadas pelo autor C… – a de pé boto – em função, por exemplo, da posição fetal durante o exame; mas também sobre a ausência quase total de margem de erro quanto à identificação de membros do feto, erro este também ocorrido no caso em apreço. De resto, o próprio depoimento do Dr. Q… referiu um sentido semelhante, apesar de ter sido manifesta alguma simpatia com a posição do réu, tanto mais que também trabalha para o grupo de laboratórios S…, em que se insere o estabelecimento da ré. Porém, apesar de afirmar a existência de uma percentagem de erros, também admitiu ser bem inferior a percentagem de erro quanto à identificação de mal-formações esqueléticas.»
«A resposta ao quesito 96° resulta da análise das sucessivas ecografias feitas pela autora na T…, explicadas pelas médicas Dras. N…, O… e P… que as realizaram, explicando as suas razões, circunstâncias, a equivalência do que examinaram com aquilo que é objecto das normas ecográficas de terceiro trimestre, tudo em consonância com as explicações dos Prof.s J… e M…, de que resultou ainda que o facto de haver uma impresso com o conteúdo de parâmetros mais alargado, tendente ao registo dos resultados dessa 3ª ecografia, não significa que esta 3ª ecografia se destine à averiguação de todos esses parâmetros com campos de escrita aí previstos- cfr. docs. De fls. 931 e seg.s – mas só àqueles que sejam necessários em concreto – em função de resultados anómalos anteriores – ou aqueles a que por definição se destina essa 3ª ecografia, relacionados com o desenvolvimento do feto (medidas de fémur e diâmetro parietal) e seu bem estar – fluxo umbilical, liquido amniótico e placenta. Tudo explicaram com clareza, de forma que não resultaram dúvidas ao tribunal sobre não ter ficado por averiguar, em sede da assistência da T… na evolução da gravidez da autora, algo que o devesse ter sido em função dos caracteres identificados quanto a essa gravidez em função dos exames e assistência médica anteriormente obtidos por ela.»
«Na conjugação destes elementos documentais, prova pericial e documentos juntos aos autos. Designadamente os mencionados, se fundou a convicção do tribunal sobre a matéria em discussão.»
Vejamos.
O relatório de fl.s 816 a 818, oriundo do departamento de ginecologia e obstetrícia da K… constitui um conjunto de respostas directas a quesitos da autoria dos R.R. (juntos a fl.s 492 a 495). Não responde de uma forma concretamente dirigida ao caso sub judice, mas em termos caracterizados por elevada dose de generalidade e abstracção. Contribui para a decisão, mas não tanto quanto seria desejável se as questões tivessem sido colocados com referências mais concretas aos exames efectivamente realizados durante a gestação da A.
Ainda assim, extrai-se dali que, apesar de poder haver alguma falibilidade, para determinadas observações e em determinadas condições, a fiabilidade aproxima-se dos 100%. Para outros parâmetros e em condições desfavoráveis a fiabilidade pode ser inferior a 25%.
Os membros podem observar-se com simplicidade ou não observáveis na sua totalidade. No caso de condições adequadas a visualização da cabeça, da coluna, dos membros, do lábio superior é de 95%. Nas 19 semanas de gestação é obrigatório para tirar conclusão ver o feto todo inclusive os quatro membros. Nesta fase afirma-se ver ou não ver. É até à 12ª semana de gestação que a ingestão de medicamentos pode causar malformações. As ecografias realizadas ao tempo de gestação própria recomendado pelas leges artis definidas pela Ordem dos Médicos permite diagnosticar as malformações. No sindroma polimalformativo existe lesões melhor detectadas até às 24 semanas, outras poderiam tornar-se mais evidentes às 30 semanas.
Esta informação refere expressamente que “uma ecografia para diagnóstico de gravidez não necessita do mesmo historial de uma ecografia morfológica”, mas nada diz quanto à natureza das ecografias realizadas à A. B… às 12 e às 19 semanas pelos R.R. Dos respectivos relatórios os R.R. fizeram constar tratar-se de “ecografia obstétrica” (cf. fl.s 112 e 115) tudo indicando ter sido efectuada uma análise morfológica em razão do respectivo relato.
Do documento junto pelos R.R. a fl.s 931 e seg.s, e a que agora apelam, com origem na Direcção-Geral de Saúde, Ministério da Saúde, relativo a “Modelos de Relatórios de Ecografia Obstétrica” (note-se, ecografia obstétrica) resulta o seguinte: «Nas últimas duas décadas, a ultrassonografia veio revolucionar a ciência obstétrica, fornecendo dados da observação directa da gravidez, desde o seu início até ao parto, tendo induzido mesmo a criação de novas áreas de especialização como a medicina fetal, a cardiologia fetal e a neurologia fetal.
Por outro lado, as indicações para o uso da ecografia em obstetrícia têm aumentado extraordinariamente e a experiência acumulada permite a observação cada vez mais precisa e eficaz dos mais pequenos detalhes anatómicos do feto e a análise de inúmeros fenómenos fisiológicos e fisiopatológicos. A ecografia constitui, assim, quando correctamente executada, uma excelente técnica de diagnóstico pré-natal, contribuindo para a redução da mortalidade e morbilidade por anomalias congénitas, 2ª causa de morte perinatal e infantil».
Por outro lado, do relatório do Instituto de Medicina Legal junto a fl.s 840 e 841 resulta de relevante que o exame ecográfico na gravidez é uma técnica dinâmica e observador-dependente. Os estudos que existem sobre a taxa de detecção, designadamente de anomalias, apontam para falibilidades diversas conforme o aparelho/órgão alvo (de 35% a 90%). As imagens ecográficas que estão junto aos autos não permitiriam concluir pela existência de mãos, pés e pernas, ao contrário do que consta das mesmas. E constituem o meio idóneo para diagnosticar a existências das malformações com que o autor C… nasceu, ainda que indiciariamente, designadamente a “agenesia de ambos os antebraços e braços”, desde que em idade gestacional apropriada (11-13 e 20-22 semanas). As ecografias morfológicas, se realizadas às 19 semanas, são meio idóneo a detectar a ausência de membros desde que não haja limitações ao exame.
O “texto de recomendação” relativo a “ecografia obstétrica” proveniente da Ordem do Médicos, junto a fls. 917, vai também no sentido de que a detecção de anomalias morfológicas fetais depende do tempo de gestação (sendo mais fácil por volta das 20 semanas), do tipo de anomalia (algumas podem não ter quase nenhuma expressão ecográfíca)… Mas consta também que o exame permite recolher informação sobre possíveis anomalias físicas que tenham uma tradução na morfologia do feto. Nega valor absoluto ao exame, mas não lhe retira valor nem a imprescindibilidade para a avaliação global da morfologia e do bem-estar fetal. Nada refere em concreto e que possa relevar directamente para as respostas à matéria de facto em crise.
Os elementos de prova apontados pelos R.R., uns pelo seu carácter genérico e abstracto, sem a especificidade relativa ao caso concreto, outros porque nem sequer lhes são favoráveis, não permitem, de modo algum, a alteração da matéria de facto nos termos propostos, mal se compreendendo que aqueles recorrentes --- caso relevassem em seu favor --- não tivessem apelado aos depoimentos testemunhais e esclarecimentos periciais prestados em sede de audiência de julgamento, gravados, conforme resulta das respectivas actas, e aos quais a decisão em matéria de facto se refere como provas de relevo na formação da convicção do tribunal. Assim como não se compreende bem, numa situação de impugnação verdadeiramente fundamentada da matéria de facto, que os R.R. não a tivessem estendido a outros pontos da matéria dada como provada, designadamente aos seguintes factos:
“A autora realizou as ecografias previstas nas indicações da DGS para o seguimento da gravidez, designadamente a primeira, às 12 semanas e 6 dias, referida em F), e a segunda, às 19 semanas e 2 dias, referida em G).” e
“No segundo dos referidos exames, foi efectuada avaliação fetal, econometria fetal, exame à anatomia fetal, à placenta e ao líquido amniótico.

Além disso permite avaliar os marcadores ecográficos de anomalias cromossômicas e/ou genéticas, e uma análise sistemática e completa da morfologia fetal, a saber:
…”.
Não é possível ter como provado que as ecografias em causa não eram morfológicas ou destinadas a realizar um diagnóstico morfológico.
Não é possível, do modo simplista como é perguntado, afirmar qualquer valor percentual de falibilidade dos exames ecográficos, sem referência a órgãos, patologias, tempo de gestação, condições da gravidez, etc.
Os elementos de prova indicados pelos R.R. são também manifestamente insuficientes para qualquer modificação da resposta dada ao quesito 96º.
Entendem ainda estes recorrentes que a matéria de facto encerra uma contradição entre um facto provado e matéria dada como não provada. Assim, ao dar como provado que a A. “confiando no diagnóstico dos R.R. não repetiu o mesmo tipo de exames, nem adaptou cuidados médicos especiais” (quesito 20º) ao mesmo tempo que deu como não provado o facto de que “a A. deveria ter feito, no mínimo, a 3ª ecografia” (quesito 96º).
O tribunal não deu como não provado que a A. devia ter feito, pelo menos, uma terceira eco grafia. Pelo contrário, deu como provado sob o quesito 96º que “a A. devia fazer e fez a terceira eco grafia e outras ulteriores”. A contradição poderia resultar, não entre aquele facto provado do quesito 20º e o dito facto não provado, mas entre os factos provados do quesito 20º e do quesito 96º.
Mas nem assim há contradição. Basta atentar no esclarecimento que a resposta ao quesito 96º obteve: a 3ª eco grafia e as que se lhe seguiram destinaram-se apenas a controlar o desenvolvimento e bem-estar fetal do seu filho; o que é compatível com um tipo de exame diferente, dirigido a outro fim, e ausência de cuidados especiais morfológicos relacionado com a polimalformação do feto, já anteriormente despistada.
Mantém-se, pois, a matéria de facto nos termos dados como provados em 1ª instância.
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Passemos ao enquadramento jurídico dos factos.
Para realizar as ecografias obstétricas a A. consultou e contratou os serviços da clínica R. e ali foi assistida pelo Sr. Dr. E…, 2º R., que elaborou e subscreveu os relatórios correspondentes às ecografias realizadas.
Foi celebrado entre a A. e a R. clínica um contrato médico, pelo qual a segunda se obrigou a prestar serviços de eco grafia de controlo da evolução da gravidez da A., necessariamente, com vista à despistagens de patologias que afectassem a própria gravidez, a evolução saudável e do feto enquanto futuro ser humano.
Para o efeito, o médico, no caso o R. E…, obrigou-se a um desempenho conforme com as leges artis, no sentido de revelar patologias detectáveis, com os limites que a boa técnica, a diligência médica e os meios (equipamentos) de diagnóstico consentem.
Das suas observações ecográficas, o R. lavrou relatórios com conclusões científicas que devem ser próprias de um clínico especialista em radiologia, com conhecimentos e capacidades acima da média, como é o demandado (al. M) dos factos assentes). De tal modo que se destinam a ser observadas e, em princípio, seguidas por outros médicos, designadamente com especialidades diferente mas com grande intervenção de análise na gestação e nascimento da criança (ginecologia/obstetrícia/pediatria).
Não nos cumprindo discutir e comparar aqui a eventual responsabilidade destes últimos, mas apenas do ecografista especialista, nem por isso podemos deixar de notar que é este que, por dever de ofício, observa, caracteriza e descreve a dinâmica do objecto de exame, o posicionamento e o movimento do feto no ventre materno[19], sendo dele também a responsabilidade do diagnóstico, designadamente da descrição e de informação do que lhe é dado observar, em especial em caso de patologia morfológica observável e grave.
Está provado que, depois de um exame ecográfíco realizado em 4 de Junho de 2003 que incluiu um exame ao líquido amniótico e à placenta, com uma avaliação embrionária, em que o R. concluiu que a gravidez tinha uma “evolução favorável e compatível com 12 semanas e 6 dias de gestação, a controlar às 20/21 semanas”, o mesmo R. realizou um novo exame ecográfico a 17 de Julho de 2003, às 19 semanas e 2 dias, visualizando os membros, a coluna e a cabeça.
Já nas imagens ecográficas de fl.s 111 (exame de 4.6.2003) se assinala a existência de mãos e a visualização de pés, bem como do lábio superior do feto.
E também nas imagens do mesmo género de fl.s 113 e 114 (exame de 17.7.2003) se assinala a visualização de pés, lábio superior e fémur.
Em ambos os relatórios se concluiu por uma gravidez normal, com evolução favorável, referindo expressamente:
- O primeiro exame: “anomalias morfofuncionais – não evidenciadas”
- O segundo exame: cabeça, coluna e membros – visualizados”.
A criança veio a nascer no dia 26.11.2003, às 38 semanas de idade gestacional, com sindroma polimalformativo, assim com as patologias graves constantes dos factos provados e que aqui não repetiremos, por desnecessidade.
No segundo dos exames, realizado às 19 semanas e 2 dias, foi efectuada avaliação fetal, econometria fetal, exame à anatomia fetal, à placenta e ao líquido amniótico. Tal exame morfológico analisa toda a anatomia fetal e detecta a grande maioria das malformações graves. E permite avaliar os marcadores ecográficos de anomalias cromossômicas e/ou genéticas, e uma análise sistemática e completa da morfologia fetal que inclui a generalidade dos órgãos do C… em que ocorreram as malformações.
O R. concluiu ali por uma “gravidez com evolução favorável e compatível com 19 semanas e 2 dias de gestação”.
À medida que aqueles dois exames eram efectuados, e visualizados, sempre foi dito e mostrado à A. que o bebé era perfeitamente normal. E até lhe foi mostrado no monitor onde estariam os braços, pés, e mãos do feto.
Ficou ainda provado que, agindo segundo as actuais exigências das leges artis, com os conhecimentos científicos existentes na época, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizável a um médico radiologista, pela análise das películas de exame, quer do primeiro exame (12 semanas e 6 dias), quer do segundo exame (19 semanas e 2 dias), as seguintes patologias:
1. agenesia de ambos os braços e antebraços;
2. membro inferior direito com pé boto e ausência de 2 dedos;
3. membro inferior esquerdo com sindactilia do 2° e 3° membros;
4. hipoplasia e hipoglossia da mandíbula;
5. nariz largo;
6. hipogenesia dos membros;
7. micropénis.
Ou, pelo menos, seriam detectáveis indícios das mesmas, que deveriam constar dos relatórios efectuados, permitindo um diagnóstico definitivo através de novos exames.
As referidas malformações eram definitivas e irreversíveis.
Confiando no diagnóstico da primeira e segundo R.R., a A. não repetiu o mesmo tipo de exame, nem adoptou quaisquer outros cuidados médicos especiais, não aconselhados na altura pelo relatório das ecografias, ficando no desconhecimento de que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfológicas.
Caso tivesse conhecido a existência das referidas patologias à data dos exames ecográfícos realizados, a A. teria optado por interromper voluntariamente a gravidez, por lhe parecer que seria muito reduzida a qualidade e esperança de vida do A.
Os R.R. apelam à complexidade científica do acto, ao facto do exame incidir sobre um feto com escassos centímetros de comprimento, e à existência de margens de falibilidade deste tipo de exames de que a sentença não se esqueceu, mas que, na perspectiva daqueles, não valorou como devia, julgando como se de uma obrigação de resultado se tratasse, por errada consideração dos equipamentos utilizados na execução do exame ecográfico.
Citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2008, os recorrentes aproximam-se da análise casuística do objecto da prestação solicitada ao médico ou ao laboratório para saber se num caso determinado estamos perante uma obrigação de meios --- a demandar apenas uma obrigação prudente e diligente segundo as regras da arte --- ou perante uma obrigação de resultado, esta a implicar uma resposta peremptória. Extrai-se da citação que face ao avançado grau de especialização técnica dos exames laboratoriais, estando em causa a realização de um exame, de uma análise, a obrigação assumida pelo (médico) analista é uma obrigação de resultado, isto porque a margem de incerteza é praticamente nenhuma e ainda que, na actividade médica, na prática do acto médico, tenha ele natureza contratual ou extracontratual, um denominador comum é insofismável --- a exigência (quer a prestação tenha natureza contratual ou não) de actuação que observe os deveres gerais de cuidado. Se se vier a confirmar a posteriori que o médico analista forneceu ao seu cliente um resultado cientificamente errado, então temos de concluir que actuou culposamente, porquanto o resultado transmitido apenas se deve a erro na análise. É que face ao avançado grau de especialização técnica dos exames laboratoriais, estando em causa a realização de um exame, de uma análise, a obrigação assumida pelo analista é uma obrigação de resultado, isto porque a margem de incerteza é praticamente nenhuma[20].
E continuando a citar o mesmo aresto[21], acrescentou-se: “Importa, pois, ponderar a natureza e o objectivo do acto médico para não o catalogar aprioristicamente na dicotómica perspectiva obrigação de meios obrigação de resultado, devendo antes atentar-se, casuisticamente, ao objecto da prestação solicitada ao médico ou ao laboratório, para saber se, neste ou naqueloutro caso, estamos perante uma obrigação de meios — a demandar apenas uma obrigação prudente e diligente segundo as regras da arte – ou perante uma obrigação de resultado com o que implica de afirmação de uma resposta peremptória, indúbia.»
Defendem os recorrentes que, qualificando a obrigação como sendo de “meios”, a sentença acaba por fazer impender sobre os R.R. um “dever objectivo de resultado” desconsiderando a falibilidade dos equipamentos, que é significativa. Por isso a sentença deveria ter-se movido num quadro diferente, à luz do critério defendido no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2008. Se os equipamentos são falíveis a obrigação é de meios, não sendo exigível o atingimento de um resultado de diagnóstico, um dever objectivo de resultado por não estar ao seu completo alcance. E assim não pode haver juízo de censura que consubstancie a culpa.
Já se a margem de incerteza do exame for praticamente nenhuma ou negligenciável, a obrigação do médico será de resultado.
Dada a significativa margem de incerteza dos equipamentos de ecografia, tratando-se de uma obrigação de meios, a sentença não poderia exigir o cumprimentos de um dever objectivo de resultado, mas apenas o cumprimento da obrigação de agir com prudência e diligência, segundo as leges artis. E, ainda segundo estes recorrentes, o 2º R. usou dos parâmetros adequados no exame de diagnóstico que realizou, conforme ficou provado: usou de modo certo e adequado o equipamento de ecografia, captou o feto nos vários ângulos, de modo a obter uma completa “visualização ecográfica”, deitou a grávida de forma correcta na marquesa, em posição de decúbito dorsal com o ventre totalmente descoberto, com colocação de gel de contacto e execução do exame através do deslizamento de uma sonda ecográfíca sobre o gel e toda a cavidade abdominal, deixando a grávida em condições de conforto para si própria e, em consequência, para o próprio feto, fez o exame em condições de luminosidade ténue e utilizado monitor ecográfico de alta resolução (cf. factos provados).
Como já observámos, é de responsabilidade contratual que se trata. O contrato médico é um contrato de prestação de serviços sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras do mandato (art.ºs 1154º e 1156º do Código Civil). Na prestação de serviços existe a obrigação de proporcionar à outra parte um certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual.
Aceitando que no caso em análise a obrigação é, essencialmente, de meios, manifestamente, o “resultado” a que a norma do art.º 1154º se refere são os cuidados de diagnóstico e de informação que o exame ecográfico se destina a proporcionar. Não qualquer diagnóstico ou qualquer informação, mas apenas o que resultar de uma utilização prudente, avisada e tecnicamente adequada daqueles meios pelo especialista. Mas, para o efeito, não basta deitar a mulher grávida numa determinada posição, criar condições de luminosidade e usar a sonda e o gel de modo correcto para captar o feto em vários ângulos e permitir a sua correcta observação. É necessário que, nesse processo de diagnóstico se obtenha o resultado possível à luz dos conhecimentos médicos, para o que conta não apenas a formação científica do médico, mas um desempenho conforme ao seu conhecimento, o zelo, a dedicação, o cuidado especial que as boas práticas médicas impõem a fim de que o resultado do exame seja tanto quanto possível revelador da verdade escondida, evitando o erro. Nesta medida há um dever de resultado, de obter a leitura de diagnóstico tecnicamente possível através do cumprimento do dever de correcta utilização de meios. Se assim não fosse, o leigo que cumprisse os referidos passos de utilização do equipamento, colocando a mulher grávida na forma posicional certa, o gel próprio e fazendo deslizar a sonda na zona certa do corpo, olhando para as imagens na máquina em funcionamento e referindo-se depois à observação, estaria a cumprir a obrigação, sem que interessasse qualquer resultado.
Não pode invocar-se de modo simplista e absoluto a falibilidade do exame. A atender aos elementos disponíveis no processo, a fiabilidade do exame ecográfico obstétrico é muito variável e é mesmo muito elevada, de cerca de 95% na despistagem de malformações fetais em determinadas condições concretas, especialmente relacionadas com o tempo de gestação em que é feito.
Verificadas aquelas condições de garantia, o resultado do exame não é aleatório. Quanto mais elevado for o grau de fiabilidade do exame, maior é também a probabilidade de atingir a realidade tecnicamente observável do feto. Por efeito, maior é o grau de exigência de um resultado conforme “aquela realidade” e maior é também o grau de confiança nesse resultado por parte dos médicos e dos progenitores que analisem o respectivo relatório. Nesta medida, a obrigação assumida pelo médico radiologista é de resultado.
Não é possível escamotear os factos provados. Ambos os exames tiveram, como não podiam deixar de ter, um resultado: foram conclusivos no sentido de que a gravidez tinha uma evolução favorável e foi então dito à A. pelo 2º R., das duas vezes, que o bebé era perfeitamente normal, indicando no monitor onde estariam os braços, pés e mãos do feto. Com estas conclusões, o próprio R. assumiu a fiabilidade do exame e a segurança do resultado.
Está, aliás, provado, como já se fez constar, que “agindo segundo as actuais exigências das leges artis, com os conhecimentos científicos existentes na época, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizável a um médico radiologista, pela análise das películas juntas de fls 110, 111, 113 e 114[22], as seguintes patologias:
1. agenesia de ambos os braços e antebraços;
2. membro inferior direito com pé boto e ausência de 2 dedos;
3. membro inferior esquerdo com sindactilia do 2° e 3° membros;
4. hipoplasia e hipoglossia da mandíbula;
5. nariz largo;
6. hipogenesia dos membros;
7. micropénis.
Seriam, no mínimo, detectáveis indícios das mesmas, que deveriam constar dos relatórios efectuados, permitindo um diagnóstico definitivo através de novos exames”.
E sendo assim, o 2º R. afastou-se, sem explicação comprovada, do cumprimento do dever de zelo e diligência ligado ao dever contratual de observância da leges artis no cumprimento do contrato médico e que o normal radiologista observaria chegando à identificação de grande parte das malformações do feto ou, pelo menos, encontrado sinais das mesmas que justificariam a realização de novos exames. Em vez disso, não se limitou a concluir que não era observável qualquer indício de malformação; antes deu conta de que “o bebé era perfeitamente normal”, indicando até os seus membros no monitor.
A ilicitude, na responsabilidade obrigacional, consiste na inexecução da obrigação, que o art. 798° define como a falta de cumprimento. Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está vinculado (art. 762°, nº 1), este actuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional.
Há ilicitude se o cumprimento é defeituoso, ou seja, quando o devedor, embora realizando uma prestação, esta não corresponde integralmente à obrigação a que se vinculou, não permitindo assim a satisfação adequada do interesse do credor. É precisamente o caso de alguém prestar um serviço em termos inadequados. E estes são imperfeitos, mesmo sendo a obrigação de meios, quando dela faz parte o dever de obter um resultado e que, no caso, era o resultado possível e que necessariamente resultaria da acção do 2º R. se este tivesse usado dos meios, nomeadamente do conhecimento e zelo que, normalmente, se exige ao radiologista colocado na situação do mesmo R., evitando o resultado produzido.
Portanto, provado pelo credor que o meio exigível ex contractu ou ex negotii não foi empregue pelo devedor ou que a diligência exigível de acordo com as regras da arte foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível.
Neste sentido, mais restrito, é aplicável às obrigações de meios a presunção de culpa do art. 799º, n.º 1, do Código Civil.[23]
Como se refere ainda naquele acórdão do Supremo, “a presunção de culpa do devedor inadimplente estende-se ao cumprimento defeituoso (art.º 799º, nº 1). Quem invoca tratamento defeituoso como fundamento de responsabilidade civil contratual tem de provar, além do prejuízo, a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as leges artis, bem como o nexo de causalidade entre defeito e dano. Feita essa prova, então, funciona a presunção de culpa, que o médico pode ilidir demonstrando que agiu correctamente, provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados”.
O R. não estava obrigado a obter como resultado contratado entre as partes, a observação e revelação de toda e qualquer malformação ou patologia do feto, mas estava obrigado a observar e denunciar toda e qualquer deficiência que o médico radiologista sensato, esclarecido e avisado, com o domínio do conhecimento e da técnica exigíveis naquele caso, colocado naquela situação, revelaria, ainda que sob a forma de indícios. Estava obrigado a realizar um diagnóstico correcto enquanto resultado da obrigação de meios. No caso, não faria sentido a exigência na utilização de meios se não se destinasse a um resultado útil: a obtenção de um diagnóstico possível de acordo com o grau de evolução da ciência médica.
Vem do exposto que o R. estava adstrito ao cumprimento de um dever jurídico que já tem sido classificado, numa formulação feliz de Galán Cortés, como sendo uma obrigação de meios “acentuada”[24].
Era aos R.R. que cabia o ónus da prova de que a conduta profissional do 2º R. foi regular no sentido do rigoroso cumprimento das leges artis, de maneira a poder colocar o resultado concreto dentro da margem de risco do exame; e essa prova não foi feita.
Se em condições de normalidade de actuação e atendendo às circunstâncias e condições do caso concreto (tempo de gestação, equipamento utilizado, etc.), era possível à generalidade dos especialistas diagnosticar pelo menos algumas das deficiências morfológicas do feto, não o tendo efectuado o médico especialista no caso concreto sem que provasse que a sua conduta não é censurável, agiu com culpa (nº 2 do art.º 350º e nº 1 do art.º 799º do Código Civil). E a sua conduta profissional é tanto mais censurável quanto é certo que se trata, não apenas de um especialista, mas de um radiologista com conhecimentos e capacidades acima da média, tendo sido nomeado membro da ‘Royal Society of Medicine” – organização inglesa de grande prestígio na área da medicina a nível mundial[25].
O acto foi ilícito e o 2º R. agiu com culpa.

Os recorrentes opõem-se ainda à sentença recorrida invocando a falta de nexo causal de responsabilidade civil entre o acto de diagnóstico de realização da eco grafia a que se referem as alíneas D) a J) da matéria assente e as malformações e danos associados de que padece o A. C…, nem às necessidades particulares que a A. terá de enfrentar com a criação do filho.
Contudo, admite uma afectação da margem de autodeterminação, por falta de informação da grávida quanto ao desenvolvimento, à orientação, da sua gravidez, mas não já relativa à formação da decisão de abortar ou não. Não poderá ser uma causa da própria produção do dano consequente ao exercício dessa autodeterminação.
Nesta perspectiva, entendem os recorrentes que o dano limite a indemnizar não pode deixar de conter-se na própria informação não prestada --- surpresa pelo nascimento da criança com malformações --- e nunca pelos danos subsequentes, associados, directos ou indirectos, com as próprias malformações de que padece a criança.
Estamos perante um caso típico de wrongful birth, nascimento indevido ou nascimento errado, que releva do facto do evento lesivo ter conduzido a um nascimento indesejado; caso em que os pais da criança, no seu interesse próprio, instauram acção “contra os profissionais médicos em virtude do nascimento de uma criança não desejada, exigindo uma indemnização pelos danos resultantes da gravidez e da educação da criança. … Neste tipo de acções os pais invocam os danos por eles sofridos, sejam danos patrimoniais ou morais. Estamos perante uma lesão do direito às informações necessárias para decidir sobre a procriação. Desde que são oferecidos serviços de diagnóstico pré-natal e a lei considera a interrupção da gravidez não punível em certos casos, a grávida tem direito ao funcionamento normal e eficaz desses serviços para obter as informações relevantes sobre o andamento da gestação, de tal modo que possa beneficiar do regime da interrupção voluntária da gravidez quando for caso disso. Mesmo antes do nascimento e da verificação de outros danos no feto, a grávida já sofreu uma diminuição do seu direito à autodeterminação informada – uma lesão provocada pela má prática do médico”[26]. Estas acções --- ao contrário do que ocorre com as acções por wrongful life ---, têm registado um assinalável êxito junto dos tribunais, pela sua procedência. Esta acção tem vindo a ser admitida pela quase totalidade da doutrina e da jurisprudência europeia, reconhecendo aos pais o direito a uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação (em especial da mãe), enquanto direito de personalidade (art.º 26º, nº 1, da Constituição da República e art.º 70º do Código Civil), concretamente no que toca ao planeamento familiar.
Reconhecendo embora que se trata de uma demanda inquietante, aquele mesmo professor escreve que os tribunais europeus e norte-americanos, quando confrontados com estas demandas, tendem a conceder indemnizações pelas despesas excepcionais de sustento de uma criança deficiente, e uma indemnização pelos danos morais dos pais, mas rejeitam a pretensão indemnizatória apresentada pela criança, pelo dano pessoal de ter nascido.[27]
Mais consideram aqueles autores[28] que no quadro do direito português em vigor “estão reunidos os pressupostos legais para responsabilizar civilmente os médicos que, na área da medicina pré-natal, violem negligentemente as leges artis ou não cumpram o seu dever de esclarecimento e informação. Tal responsabilidade deverá abranger os danos patrimoniais (especialmente, os custos adicionais resultantes da deficiência) causados aos pais e à criança nascida, bem como os danos não patrimoniais, resultantes da privação da possibilidade de praticar licitamente a interrupção da gravidez. Os progenitores podem também reclamar uma indemnização pelo desgosto e sacrifício que pode representar o nascimento de uma criança deficiente”.
Concordamos com esta posição doutrinária.
Pese embora a malformação do feto não tenha como causa qualquer acção médica do 2º R., sendo de presumível causa natural, a verdade é que o mesmo clínico falhou o diagnóstico da patologia que afectava de modo irreversível e permanente o potencial C…, tendo sido determinante para o seu nascimento. Tivesse o Sr. Dr. E… efectuado um diagnóstico correcto nos dois momentos da sua intervenção ou, pelo menos no segundo momento, em vez de informar da existência de um feto perfeito, a criança não teria nascido, pois que a sua mãe, como se provou, teria recorrido à interrupção voluntária da gravidez em qualquer das datas em que a informação correcta fosse prestada. É um facto assente e, por isso, inultrapassável.
O R. deixou a A. na ignorância de que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfológicas, levando a gravidez até ao fim, com nascimento, com vida, do A. C….
Não obstante o art.º 142º, nº 1, do Código Penal, prever a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez, não como um direito em sentido próprio, mas como uma conduta não punível, sendo regra a punição do aborto (art.º 140º do mesmo código), a verdade é que aquela norma penal define situações em que a lei consente a interrupção da gravidez por vontade da mulher grávida, por várias ordens de razões, entre elas a existência de “seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, …” (al. c)).
O nexo de causalidade estabelece-se assim entre o comportamento do 2º R. e a faculdade que a A. teria de interromper a gravidez. Não o tendo feito por culpa do médico, este deve responder pelos prejuízos daí emergentes. O art.º 563º do Código Civil consagrou, quanto ao nexo de causalidade, a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias”.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.2005[29], «se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar. Assim, “desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, compreende-se a inversão do estado normal das coisas. Já se justifica que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos temos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”. ... É que, “para a verificação do nexo, não é necessária uma causalidade directa (do tipo causa-efeito), bastando-se a nossa lei com uma indirecta (o autor da lesão é responsável por todos os danos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação quer na sua actuação concreta em relação ao dano de que se trata)”».
Não vemos razão para, neste caso concreto, afastar a regra do nexo causal existente entre a conduta ilícita do 2º R. e os danos sofridos pela A. em razão do nascimento indevido do seu filho, para cujo impedimento o 2º R. deveria ter contribuído e não contribuiu em razão da sua actuação culposa.
E não se diga que o dano é a polimalformação e que existia já a montante, nem que é o nascimento com deficiência. Esse sempre seria apenas um dano do A. C…. Os danos que aqui estão em causa são danos próprios da A. e esses resultaram também, e ainda que indirectamente, da conduta ilícita e culposa do 2º R.
Nesta perspectiva, com acolhimento no nosso sistema jurídico civil, e não obstante o exímio esforço dos R.R. na defesa de uma posição limitativa do direito à indemnização, mantém-se também nesta parte a sentença recorrida.
*
V.
B- A apelação dos A.A.
1- Os requisitos da responsabilidade civil dos R.R. relativamente ao invocado direito do A. C… a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais
Pese embora a doutrina e a jurisprudência entendam, de um modo geral, que em situações de concurso de responsabilidade contratual e extracontratual médica o lesado possa optar por uma ou outra, consoante a que julgue mais favorável face ao caso concreto, situações existem em que o dever de opção não se coloca.
O art.º 406º do Código Civil traduz o princípio da eficácia relativa dos contratos. Os seus efeitos produzem-se apenas entre as partes contratantes, não afectam terceiros, com excepção dos casos e nos termos especialmente previstos na lei.
Diferente da responsabilidade civil relativa aos danos sofridos pela progenitora, cuja origem é contratual, entre o A. C… e os R.R. não existiu nem poderia existir qualquer contrato; não é aquele sujeito de qualquer vínculo contratual.
Aceitando-se, ainda assim, a discutibilidade da natureza da eventual responsabilidade directa dos R.R. para com o A. C… em virtude do contrato médico em cujo âmbito os serviços foram prestados da sua relação com o nascimento do A., sempre seria de admitir a responsabilidade por actos ilícitos ou delitual, radicada na violação de direitos absolutos de personalidade, tal como a vida e a integridade física, ligados à sua existência condicionada pelas malformações de que é portador e por assim ter nascido na sequência de não detecção da deficiência em diagnóstico clínico pré-natal.
Neste caso cabe ao A. C… o ónus da prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil: a ilicitude da conduta do médico, a culpa, os danos e o nexo causal relevante entre o acto ilícito e os prejuízos (art.º 483º e seg.s do Código Civil).
Contudo, como veremos, não chega a ter relevância no caso a opção por um ou outro tipo de responsabilidade.
Qualificando o caso do A. C… como de wrongful life, “vida indevida” ou “vida errada”, em que os danos que invoca são consubstanciados pela sua própria existência condicionada pelas malformações com que nasceu[30], e não propriamente pelas malformações que existem sem terem sido causadas pelos R.R., a sentença afasta qualquer conclusão no sentido de que aqueles tenham agredido qualquer direito subjectivo do A. Nesta perspectiva, os danos que afligem o A. e cuja indemnização ele pretende, decorrem das próprias malformações com que nasceu, sendo a sua ocorrência alheia a errada actuação do médico R. Acrescenta a sentença que é um paradoxo a afirmação de um direito a não existir, porquanto esse mesmo direito, a ser respeitado por outrem, jamais poderia ser exercido; um direito impossível de existir de per si, a não ser por via da sua violação por outrem, e só então resultante numa vida onde se pretende invocar o direito à não vida, i.e., o direito a que ela não tivesse surgido. A própria vida não pode ser considerada como um dano em si mesma. A vida do A. resultou da conduta do R. E não é nesta conduta que reside a causa das malformações com que nasceu, sendo que é destas que resultam directamente os danos do A.
Com base neste raciocínio, a decisão recorrida negou a responsabilidade dos R.R. e o direito à indemnização pretendida pelo A. C….
É desta posição que o recorrente discorda, argumentando, no essencial, que o dano em causa não é a deficiência de per si, nem o próprio nascimento, mas o nascimento deficiente, sendo que a acção não visa uma auto-limitação de qualquer direito de personalidade, como seja o direito à vida, mas, pelo contrário, partir do pressuposto de que o A. está vivo para defender uma vida com valor e compensar a dor e o sofrimento por que passa desde o nascimento.
Ainda segundo o A. recorrente, verificam-se, no caso, todos os pressupostos da responsabilidade civil (ilicitude, culpa, dano e nexo causal).
Não existe unanimidade doutrinária e jurisprudencial nesta matéria na Europa e nos EUA. Em Portugal apenas se conhece a publicação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.6.2001[31] e alguma doutrina de que se destacam Fernando Dias Simões[32], Fernando Araújo[33], Carneiro da Frada[34], Guilherme de Oliveira[35] e Paulo Mota Pinto[36].
A figura da wrongful life assenta tipicamente no nascimento de uma criança portadora de graves malformações, passíveis de serem detectadas na fase pré-natal, de acordo com o estado da arte médica. Nestes casos, a pessoa com deficiência pretende agir judicialmente contra os médicos, outros profissionais ou instituições de saúde (wrongful life claim), ou contra os próprios pais, acusando-os, aqueles de, com dolo ou negligência, não terem detectado tais anomalias no âmbito do diagnóstico pré-natal, ou não terem informado devidamente os pais, impedindo-os, assim, de interromper licitamente a gravidez, ou os últimos (os progenitores) com fundamento na procriação contra indicação médica, contra o “aconselhamento genético”.
Sendo os pais a agir directamente contra o médico, no seu interesse pessoal, estaremos perante a chamada acção por wronful birth, “nascimento indevido” ou “nascimento errado”, como vimos.
A sentença reconheceu (apesar de modo limitado) o direito da A. B… a indemnização pelo nascimento indevido do C…, estando agora em causa apenas o direito deste último, embora representado pela mãe.
Pese embora reconhecendo alguns dos referidos autores que o requisito do dano continua a suscitar muitas dificuldades, uma vez que o nascimento sem a deficiência não teria sido possível, tendem a admitir a indemnização a favor da criança alegando que do que se trata neste tipo de acções não é da vida como valor ou desvalor, mas antes, realmente, dos sofrimentos e das necessidades causadas pela deficiência. A indemnização não deve compensar o dano de ter nascido mas sim a dor e o sofrimento que a criança experienciou após o nascimento (burden of his existence).
Carlos Mota Pinto[37], seguindo a ideia de que se respeita mais a dignidade da pessoa humana reconhecendo o direito à indemnização --- a fim de que a criança suporte a vida com um mínimo de condições materiais --- do que recusando essa indemnização, defende, como Fernando Dias Simões[38], que a “atribuição de uma indemnização à própria criança não atinge a sua dignidade, uma vez que não tem de assentar na conclusão de que a existência como deficiente é menos valiosa do que a não-existência. Ao atribuir-se uma indemnização à própria criança está-se justamente a promover a dignidade humana da criança”. Para os mesmos autores a forma como a acção é apresentada é irrelevante quando comparada com o facto, incontestável, de que nasceu uma pessoa com deficiências severas, que busca a reparação dos danos sofridos, pessoa essa que está viva e não morta.
E se se entende que os pais têm direito a indemnização em situações de wrongful birth, não será aceitável que ao próprio filho não assista o direito a indemnização por wronful life.
Será assim?
Não somos insensíveis àquela argumentação, mas não vemos como ultrapassar as dificuldades resultantes da aplicação do Direito e dos princípios que o enformam.
Está provado que, caso tivesse conhecido a existência das referidas patologias à data dos exames ecográfícos realizados, a A. teria optado por interromper voluntariamente a gravidez, por lhe parecer que seria muito reduzida a qualidade e esperança de vida do primeiro A.
Desde logo a malformação de que padece o A. C… não foi causada pelo médico ecografista ou outro, antes tendo presumível causa natural. Foi a negligência na análise ecográfica e a omissão de informação daí resultante que evitou que a A. B… tivesse interrompido voluntariamente a gravidez. Assim, a múltipla e grave deficiência do A. C… não tem origem no acto médico ilícito e negligente; este apenas determinou que, em lugar da extinção da interrupção da gravidez e da extinção do feto --- a que a A. se proporia se tivesse sido devidamente informada sobre o seu estado deficiente de desenvolvimento --- a criança viesse a nascer. Se não fosse o erro médico o C… não teria existência, não teria nascido e não seria um ser humano dotado de personalidade jurídica.
Ou dito de outro modo, tivesse o ecografista agido de modo lícito e diligente, o C… não teria nascido. Enquanto as malformações resultaram de causa natural, do erro médico resultou a vida do C….
Não existe alternativa: a criança nascia deficiente ou então não nascia. Foi este direito de opção dos pais que o acto médico violou; direito que não se situa na esfera jurídica do A. C…, cujo nascimento dependeria sempre de uma decisão dos pais. Nesta perspectiva, a responsabilidade do R. situa-se no âmbito contratualmente assumido com a A. de desenvolver prudente e diligentemente a sua actividade de observação e análise dos exames ecográficos de modo a fazer um diagnóstico correcto sobre o estado do feto, para o que o R. deveria ter contribuído com profissionalismo e zelo de que não usou. Por isso, a A. não pôde conhecer as malformações que então o feto já apresentava (19 semanas), violando, o R., o seu direito à interrupção da gravidez. Foi entre aquele comportamento prévio do médico R. e a possibilidade do exercício a faculdade abortar que se estabeleceu nexo causal.
O nascimento sem a deficiência não teria sido possível. E o nascimento com deficiência não é reparável por colidir com o princípio da dignidade da pessoa humana. A conduta do R. não violou qualquer direito de personalidade do A. C…, designadamente qualquer direito a não viver com a deficiência.
Como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.6.2001, citando o Prof. Capelo de Sousa[39] e o Prof. Leite de Campos[40], “o direito à vida, integrado no direito geral de personalidade, exige que o próprio titular de direito o respeite e dado o carácter supremo que a nossa ordem jurídica atribui ao bem da vida humana, não reconhece ao próprio titular qualquer direito dirigido à eliminação da sua vida, embora admita em certos termos a possibilidade de a pôr em risco. Daí que seja inválido o consentimento autorizante ou tolerante e mesmo o pedido instante da vítima para outrem lhe causar a morte, bem como qualquer renúncia à própria vida e que não seja lícito o suicídio”.
E acrescenta: “mas mesmo que se admita o direito à não vida, como será o caso do suicídio ou da eutanásia, ainda assim sempre o caso concreto ultrapassará esses limites.
O que se questiona, repete-se, é o direito à não existência, no que respeita ao autor.
Os pais teriam, eventualmente, o direito à interrupção da gravidez, mas não é esse direito ou faculdade que aqui se discute, já que o autor é o próprio filho. Este, nos termos em que a problemática é colocada, pode dizer: não queria existir, logo tenho direito a uma indemnização por isso acontecer.
Tal direito, que não encontra consagração na nossa lei, mesmo que exista, não poderá ser exercido pelos pais em nome do filho.
Só este, quando maior, poderá, eventualmente, concluir se devia ou não existir e só então poderá ser avaliado se tal é merecedor de tutela jurídica e de possível indemnização”.
O direito à vida, como direito fundamental da pessoa, radica na personalidade. Os direitos fundamentais e os direitos de personalidade que lhe correspondem não são, no seu núcleo, renunciáveis. A disponibilidade do direito à vida não seria compatível com a dignidade da pessoa humana.
Não nos parece, assim, que possa defender-se um direito a indemnização por violação de um direito a inexistir ou a não nascer, sem consagração legal. De acordo com a doutrina dominante, pedir essa reparação é pedir ao Direito que considerasse a morte preferível à vida deficiente, o que é de todo impossível, por contrariedade aos pilares de um sistema jurídico civilizado, devendo favorecer-se sempre a vida sobre a não existência.
Como refere Carneiro da Frada[41], defender que a própria vida é um prejuízo corresponderia a um acto de disposição da própria vida. Pretender que a própria vida é, em si mesma, um dano para com base nisso aceder a uma indemnização seria juridicamente inconcebível, porque inconciliável.
Por outro lado, segundo o art.º 562º do Código Civil, “quem estiver brigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Para efeitos da obrigação de indemnizar o nosso sistema jurídico obriga à comparação da situação em que o lesado se encontra com a situação em que estaria se não tivesse existido o facto danoso. A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, nº 2, do mesmo código; teoria da diferença).
Nestes casos a alternativa corresponderia a um não-ser.
Mesmo tratando-se de reparar a vida com deficiência, como defende o A. recorrente, não se pode comparar a existência com deficiência com a não existência. A criança não poderia afirmar preferir não ter nascido, a nascer com a deficiência, sob pena de a comparação do dano actual ser feita com o da não existência, impossível de quantificar. O Direito não dispõe de critérios para calcular o valor pecuniário do prejuízo de ter nascido[42].
E se é chocante e têm sido, até por isso, rejeitadas no estrangeiro, nomeadamente nos EUA, as acções por “vida indevida” dirigidas contra os próprios pais, por razões de ordem pública, familiar, social e moral, com afectação de princípios fundamentais, reforçada está a ideia de que nascer ou não nascer naquelas situações depende apenas do exercício de um acto de vontade dos progenitores. Sem vontade, o feto está numa posição de sujeição absoluta à vontade daqueles que decidem se nasce com o prejuízo da deficiência ou se não deve nascer. Não é do feto o direito à sua extinção, ao aborto. Optando os pais pelo nascimento e existência do filho, já a ele não assiste direito a indemnização pela existência deficiente. Este não a discute e não lhe é reconhecido direito a qualquer reparação. É o produto de uma decisão dos pais.
Porquê então admitir e defender que já lhe assiste o direito a indemnização contra um terceiro porque aos pais (e nunca a ele próprio) foi tolhido um direito, o direito de optar pelo nascimento ou pelo não nascimento do filho sem que o médico tenha contribuído, por qualquer forma, para a malformação do feto?
Porque não reconhecer então, em qualquer caso, um direito a indemnização por existência indesejada ainda que seja produto de acto lícito dos progenitores, por ter sempre por base uma decisão completamente alheia e com a qual o próprio se não vem a conformar?
Em qualquer caso ir-se-ia longe demais.
Por conseguinte, havemos de concluir, como na sentença recorrida, que não assiste ao A. C… qualquer direito próprio a indemnização por wrongful life por ausência de dano reparável.
Só a A. B…, mãe do A. C…, poderá invocar, como invocou, a violação do seu direito com fundamento em wronful birth, este sim, generalizadamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência europeia por violação do seu direito à autodeterminação (em especial da mãe), concretamente no que toca ao planeamento familiar. Como refere Dias Simões[43], citando Dias Pereira[44], conforme acima já expusemos, essa responsabilidade abrange os danos patrimoniais (especialmente, os custos adicionais resultantes da deficiência) causados aos pais e à criança nascida, bem como os danos não patrimoniais, resultantes da privação da possibilidade de praticar licitamente a interrupção da gravidez. Os progenitores podem também reclamar uma indemnização pelo desgosto e sacrifício que pode representar o nascimento de uma criança deficiente. Aliás, de uma análise das decisões jurisprudenciais dos tribunais europeus e norte-americanos resulta que, quando confrontados com estas inquietantes demandas, os tribunais tendem a conceder indemnizações pelas despesas excepcionais de sustento de uma criança deficiente, e uma indemnização pelos danos morais dos pais, mas rejeitam a pretensão indemnizatória apresentada pela criança, pelo dano pessoal de ter nascido.
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2- O direito da A. B… a reparação, enquanto dano próprio, relativo ao acréscimo de despesas que tem que realizar com as particulares necessidades do filho C…
Após reconhecer o direito da A. B… a indemnização por danos próprios não patrimoniais (traduzidos, em suma, no seu desgosto e preocupação com o nascimento e criação de um filho com malformações tão graves, etc.) e patrimoniais (correspondentes à diminuição dos seus ganhos económicos desde o nascimento do C…, traduzidos na diferença entre o seu salário médio anterior e o que agora recebe como rendimento social de inserção), o tribunal a quo julgou improcedente o terceiro pedido da A. B… relativo a danos patrimoniais a liquidar em sede de oportuna liquidação ou por recurso a equidade, correspondentes aos custos que a A. terá de suportar, de carácter clínico e com educação especial, que se irão impor em razão das particularidades do C…, nas quais se não incorreria caso ele não apresentasse tais malformações.
Entendeu-se que se trata de necessidades acrescidas próprias do C…, sendo que era a ele, e não à A., que cabia pedir a indemnização por esses danos (custos acrescidos de assistência médica e medicamentosa, bem como custos acrescidos de educação e assistência pessoal). Quer a responsabilidade por tais despesas, quer um eventual direito a obter a respectiva compensação, por indemnização, sendo caso disso, se inscrevem na esfera jurídica do próprio autor C…, e não na da autora B….. Ela não teria, pois, em relação aos R.R., um direito subjectivo à indemnização de uma tal categoria de danos, pois estes não correspondem à violação de um direito subjectivo seu. Acrescentou-se na sentença que, para além disso, esses danos não decorrem da actuação contratual ilícita dos R.R., mas das malformações com que o C… nasceu e não existiriam se ele tivesse nascido saudável, não sendo as deficiências imputáveis aos R.R.
Na apelação, os A.A. invocam que se trata de um dano próprio da demandante B…, autónomo do direito que, eventualmente e no futuro, poderá assistir ao seu filho. Custo próprio resultante de um dever legal irrenunciável e que se repercute na sua --- e só na sua --- esfera jurídica, designadamente nos termos do art.º 1878º, nº 1, 1879º, 1885º, nºs 1 e 2, do Código Civil (dever legal de assistência). Um prejuízo próprio correspondente à excessiva onerosidade que o dever legal de parentalidade significará.
Com relevo quanto a este ponto, está provado que:
- O primeiro A. necessitará de acompanhamento clínico permanente, tratamento e acompanhamento técnico que a A. não tem conhecimentos para assegurar;
- O A. necessitará de próteses;
- Para a instrução e educação ao A. será necessário a contratação de professores, técnicos, e material de ensino especialmente direccionados ao seu estado clínico.
É obrigação da A. zelar pela segurança e saúde do filho C…, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação.
A A. reconhece sob o artigo 268º da petição inicial que são “despesas de carácter clínico e de educação, cuja existência apenas se deverá às malformações congénitas do Primeiro A., isto é, despesas que a Segunda A. não teria caso o Primeiro fosse uma criança saudável”.
Contudo, aquelas despesas têm como causa próxima o nascimento de uma criança não desejada. Não fosse a negligência do R. E…, a sua deficiente prática médica, a A., no uso de uma faculdade legal, teria interrompido a gravidez e não sofreria os danos dela resultantes e da educação da criança indesejada. São despesas excepcionais de sustento e educação de uma criança deficiente que também estão em causa e que cumpre aos progenitores satisfazer em primeira linha, portanto da sua responsabilidade. E os referidos factos provados representam, sem qualquer dúvida, um acréscimo de despesa que, previsivelmente, será suportado pela A., enquanto mãe do C…, no cumprimento do seu dever de assistência, na assunção das suas responsabilidades parentais, pelo menos até à maioridade do filho (art.ºs 1877º e seg.s do Código Civil).
Na verdade, cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
É de deveres, em princípio, irrenunciáveis (art.º 1882º do Código Civil), dos pais que se trata. São eles que respondem também por todas as necessidades especiais dos filhos, incluindo as resultantes de deficiência, dada até a sua maior necessidade e exigência. Devem proporcionar-lhes, em especial aos diminuídos física e mentalmente, adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e inclinações de cada um (art.º 1885º do Código Civil).
Isto significa que, devendo ser a A. a dar satisfação às excepcionais exigências educativas do C…, é na esfera jurídica daquela, e não do último, que se situa tal dever funcional; é ali que o dever se agrava em razão das condições e necessidades especiais da vida da criança. Ora, viabilizando o nascimento de uma criança que, por vontade da A. não teria nascido, o R. E… provocou um anormal agravamento do grau de exigência educacional na esfera jurídica da progenitora, despesas ou danos acrescidos que, por via da sua conduta, ela terá que suportar. São danos próprios da A., não do filho, que têm como causa próxima a acção ilícita e culposa do R.
O C… apenas é o destinatário da dedicação da mãe, o beneficiário da educação e dos cuidados parentais. Não recai sobre ele o dever da sua própria educação, logo, o dever de suportar o custo de próteses, tratamento e acompanhamento clínico e as despesas com a contratação de professores, técnicos, e material de ensino especialmente direccionados ao seu estado clínico.
Nesta medida, assiste à A. também direito à respectiva reparação, da responsabilidade dos R.R.
Quanto a estes danos, a A. deduziu pedido genérico, sem prejuízo da eventual liquidação que resultasse da instrução da causa ou da utilização de critérios de equidade.
Segundo o nº 3 do art.º 566º do Código Civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Só deve deixar-se para oportuna liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove na acção declarativa a sua existência, não existam elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade nos termos da referida disposição legal.
Se não for previsível que em oportuna liquidação se obtenha o valor exacto dos danos, deve recorrer-se desde logo à equidade, evitando-se o arrastamento da solução do litígio.[45] O recurso ao dispositivo do art.º 661º, nº 2, depende do juízo que se formar em face das circunstâncias concretas de cada caso sobre a possibilidade de determinação do valor exacto dos danos. Se esse juízo for afirmativo, será de aplicar o art.º 661°, n.º 2; de contrário, deve aplicar-se o art.º 566°, n.º 3, do Código Civil.[46]
Nem a liquidação foi, entretanto, obtida, nem os autos revelam elementos que consintam o recurso à equidade nos termos daquele art.º 566º, nº 3, já que faltam os limites dentro dos quais se possa atingir um quantum indemnizatório justo e equilibrado, sem os quais, em vez de equidade, haveria arbítrio.
Por outro lado, os danos em causa podem vir a ser correctamente liquidados em incidente próprio, sendo essa a via que se revela mais adequada.
Desta feita, é de relegar para oportuna liquidação a quantificação dos danos futuros previsíveis (art.º 564º, nº 2, do Código Civil), despesas que a A. B… terá que suportar com:
a) acompanhamento clínico permanente de que o C… necessita e continuará a necessitar, tratamento e acompanhamento técnico de que a A. não tem conhecimentos para assegurar;
b) Próteses de que o C… necessitar;
c) Educação e instrução especial de que o C… houver de ter em razão da deficiência, com a contratação de professores, técnicos, e material de ensino especialmente direccionados ao seu estado clínico.
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VI.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar:
A- A apelação dos R.R. improcedente, confirmando-se, nessa parte, a sentença recorrida; e
B- A apelação dos A.A. parcialmente procedente e, em consequência, alterando a sentença, na procedência do pedido da A. B… relativo às despesas futuras acima referidas em a), b) e c) da última das questões apreciadas, condenam-se os R.R. no respectivo pagamento, pela indemnização que se quantificar em oportuna liquidação.
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Custas:
- Da apelação dos R.R., pelos próprios recorrentes; e
- Da apelação dos A.A., por eles e pelos R.R., na proporção de ¾ para os primeiros e ¼ para os segundos, sem prejuízo da correcção que deva ter lugar na sequência da oportuna liquidação dos danos.
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Porto, 1 de Março de 2011
Filipe Manuel Nunes Caroço
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
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[1] Na redacção que precedeu a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pág. 127,
[3] Cf., entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.7.2006, in Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 144, e acórdão da Relação do Porto de 20.7.2006, nº RP200607200633598, in www.dgsi.pt.
[4] Com o nº RP201011161347/04.2TBPNF.P1, in www.dgsi.pt.
[5] Citado acórdão desta Relação de 20.7.2006.
[6] Idem, acórdão de 20.7.2006.
[7] Cf. acórdão da Relação de Lisboa de 20.4.2006, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 110.
[8] João Álvaro Dias, in “O Problema da Avaliação dos Danos Corporais Resultantes de Intervenções e Tratamentos Médico-Cirúrgicos”, vol. nº 11 do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 401.
[9] Cf. recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2010, citando acórdão também daquele tribunal superior de 5.7.2001, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 166 e seg.s e João Álvaro Dias, in “Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Médica” – conf. João Álvaro Dias, pág. 225.
[10] Atrás citado, na senda de André Dias Pereira e de Antunes Varela, citado por Manuel Rosário Nunes in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos, Almedina, 2ª edição, pág. 50.
[11] De contrário, seria fazer recair sobre o médico a prova de que a sua actuação não foi desconforme com certas regras de conduta abstractamente idóneas a favorecerem a produção de um certo resultado (v.g. a cura), o que equivaleria, na prática, a uma quase real impossibilidade, pois que se teria então de provar uma afirmação negativa indefinida.
[12] Cf. citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2010.
[13] André Dias Pereira, in Da Responsabilidade Civil por Actos Médicos – Alguns Aspectos”, polic., Lisboa, 2001, pág.s 29 a 34.
[14] Manuel Rosário Nunes, ob. cit., pág. 54, na continuação da nota 94 da pág. 46.
[15] Esmein, apud Gomes da Silva, op. cit. pág. 371.
[16] Cf. acórdãos desta Relação de 16.6.2005 e de 5.5.2009, in www.dgsi.pt.
[17] E não na redacção dada pelo dito diploma legal, que os recorrentes defenderam ao citarem, nas alegações, o art.º 685º-A do Código de Processo Civil.
[18] Profs. J… e M… e Dr. Q….
[19] A eco grafia é um exame dinâmico.
[20] Tem-se entendido também que na cirurgia estética de embelezamento a obrigação poderá ser considerada com de resultado.
[21] De 4.3.2008, proc. nº 08A183, in www.dgsi.pt.
[22] Correspondentes às ecografias das 12 semanas e das 19 semanas.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, proc. 209/06.3TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[24] Citado por André dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente” Coimbra Editora, 2004, pág. 433.
[25] Como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, citando João Álvaro Dias, in “Culpa médica: algumas ideias-força”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano IV, nº 5, págs. 21 e 22. “…, o médico, “deve actuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo. Mas se porventura ele tem, ou se arroga ter, conhecimentos superiores à média, em qualquer tipo de tratamento, intervenção cirúrgica e riscos inerentes, poderá ser obrigado a redobrados cuidados, embora nem por isso se possa dizer que ele assumiu a posição de garante de um certo resultado”.
[26] Fernando Dias Simões, Vida indevida? As acções por wrongful life e a dignidade da vida humana, in Revista de Estudos Politécnicos 2010, Vol. VIII, nº 13,187-203, citando Guilherme de Oliveira, Temas de Direito da medicina. Coimbra: Coimbra Editora, 2ª edição.
[27] Idem, citando Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de direito civil. Coimbra Editora. 2004, 378 e seg.s.
[28] Fernando Dias Simões e Dias Pereira.
[29] Colectânea de Jurisprudência Supremo, T. I, pág. 109. Cf. também acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, Colectânea de Jurisprudência S. T. II, pág. 95, e de 24 de Maio de 2007, Colectânea de Jurisprudência S. T. II, pág. 82.
[30] Caso em que a pretensão é do próprio descendente que sofre da deficiência – deduzida por si ou em sua representação – seja contra os seus pais, seja contra os médicos, por o terem deixado nascer naquela condição, pois esta faz com que esse mesmo nascimento seja um dano.
[31] Relator Pinto Monteiro, proc. nº 01A1008 in Revista Sub Judice, Janeiro-Março de 2007, 135-142, e base de dados www.dgsi.pt.
[32] Vida indevida? As acções por wrongful life e a dignidade da vida humana, artigo publicado na Revista de Estudos Politécnicos, 2010, Vol VIII, nº 13, 187-203.
[33] Procriação Assistida e o Problema da Santidade da Vida, Almedina.
[34] A própria vida como dano? Dimensões civis e constitucionais de uma questão-limite, 2009, in AA. VV.
[35] Temas de Direito da Medicina, Coimbra Editora, 2ª edição.
[36] Indemnização em caso de “nascimento indevido” e de “vida indevida” (“wrongful birth” e “wrongful life”, 2007, in “Lex Medicinae”, ano 4, n.º 7, pág.s 5-25
[37] Ob. cit., pág. 20.
[38] Ob. cit., pág. 201.
[39] 3 Direito Geral de Personalidade, pág.s 205/206
[40] Lições de Direito de Personalidade, pág. 59.
[41] Ob. cit., pág. 271.
[42] Fernando Dias Simões, ob. cit., pág. 195, citando outros autores, embora pareça afastar-se desta posição. Mas afiram também que a doutrina portuguesa defende maioritariamente a necessidade de distinção entre o pedido indemnizatório que é formulado pêlos pais (wrongful birth) e o pedido deduzido pela própria criança (wrongful life), defendendo a rejeição deste último.
[43] Ob. cit., pág. 193.
[44] O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de direito civil. Coimbra Editora.
[45] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.2006, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 33.
[46] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2003, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 140.