Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0825681
Nº Convencional: JTRP00042517
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO
Nº do Documento: RP200904280825681
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 308 - FLS 54.
Área Temática: .
Sumário: I - Na ponderação dos dois interesses — a defesa do sigilo profissional e a descoberta da verdade material com a consequente realização da justiça entendemos que este ultimo prevalece sobre o 1°.
II - A “rato legis”da tutela do segredo profissional - quais sejam a confiança entre o advogado e o seu cliente, a necessidade social da confiança em certos profissionais, a protecção do normal funcionamento das instituições, evitando-se a degradação da sua imagem e desconfiança entre o público situa-se num patamar abaixo do principio da descoberta da verdade (material) e a justa composição do litígio, com vista à realização da justiça e à obtenção do equilíbrio e da paz social, dada a dignidade e relevância social que apresenta, sendo um dos pilares, senão mesmo o pilar, da justiça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Relatora: Maria Eiró
Adjuntos: João Proença e Carlos Moreira



Acordam no Tribunal da Relação do Porto


B………., residente na ………., ….- ……., Porto veio propor contra C………. e mulher D………. , residentes na Rua ………., …, ……. Porto acção com processo ordinário, alegando fundamentalmente que A. e RR celebraram um contrato que constitui o documento nº 2 junto com a petição inicial.
Alega que, apesar de esse contrato ter sido denominado pelas partes como se tratando de um “ contrato promessa de cessão de quotas “ a vontade declarada foi não a de prometer ceder as quotas, mas de ceder as quotas por documento particular, com a consequência de assim se dever entender que o contrato é nulo por falta de forma-art. 220 do CCivil e al. H) do nº 2 do art. 80 do CodNotariado então em vigor.
Alega, a título subsidiário, que caso assim não se entenda, deve-se considerar que o contrato celebrado foi revogado por mutuo acordo.
Finalmente, alega que lhe assiste o direito de resolver o contrato com os seguintes fundamentos: 1) porque decorreram mais de cinco anos, após o prazo de cinco meses estabelecido para a celebração da escritura, pelo que perdeu qualquer interesse na prestação dos RR e na conclusão do negócio; 2) porque os RR subverteram todo o programa contratual, a sociedade era inviável economicamente e não tinha a situação patrimonial, nem a capacidade de facturação que tinha sido indicada ao Autor e que o levou a celebrar o contrato.
Termina pedindo que:
Os RR contestaram, alegando fundamentalmente:
a) Da análise do conteúdo do contrato resulta que a vontade das partes foi celebrar um contrato promessa de divisão, cessão de quotas e aumento de capital;
b) O Autor à data da outorga do contrato, 29.10.99 bem conhecia sem reservas, a estrutura e condições económicas da empresa a que contratualmente se iria prometer vincular;
c) Os RR mesmo antes da celebração do contrato promessa aceitaram executar a acordada reestruturação da empresa;
d) Inexplicavelmente o Autor 3 ou 4 dias depois da celebração do contrato promessa deixou de aparecer na empresa, e o Réu apesar de várias insistências nunca mais o conseguiu contactá-lo, até que desistiu de o fazer após a recepção da carta que constitui o documento nº3 junto com a p.i.;
e) Os Réus enviaram uma carta em resposta a esta que o Autor lhes tinha enviado, em que dão sem efeito o contrato, mas imputam a responsabilidade do incumprimento contratual ao Autor; a explicação para a possibilidade na carta mencionada de proceder á restituição parcial das quantias entregues tinha em vista atrair o Autor para uma reunião pessoal com os RR;
f) Não obstante o envio desta carta pelos RR, o Autor nunca apresentou qualquer resposta;
g) Perante o silêncio do Autor os RR depreenderam que el reconhecera a culpa pelo incumprimento contratual e assim assumira a perda do sinal prestado;
h) Alegam que assim foi considerado pelos RR resolvido o contrato por incumprimento do Autor;
i) Nunca existiu qualquer acordo para revogar o contrato.
*
Deduzem pedido reconvencional, alegando fundamentalmente que não tendo o A. cumprido o contrato promessa têm direito a reter e fazer seu o sinal nos termos do art. 442, nº1 do C Civil.
Terminam pedindo a perda do sinal a favor dos RR reconvintes.
Apresentou o A réplica onde manteve a posição vertida na p.i.
O mandatário do autor B………. pretende juntar aos autos documentos que tem em seu poder para prova dos nºs 8º, 9º e 38º da Base instrutória e contraprova dos nºs 25 a 28 da mesma peça processual que todavia se recusa a juntar por entender estar a coberto do sigilo profissional. Em audiência de julgamento face ao depoimento da ré D………. reiterou a mesma posição.
Alega o autor que requereu a dispensa de tal sigilo junto da Ordem de advogados, pedido que veio a ser indeferido e após recurso para o Bastonário da Ordem de advogados, foi confirmada essa decisão.
Perante esta decisão veio o autor a fls. requereu que se suscitasse junto do tribunal da relação a quebra de tal do dever de segredo profissional.
Face, a este pedido o Mmº juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“O dever de cooperação para a descoberta da verdade previsto no artigo 519.º do Código de Processo Civil dirige-se a pessoas e não tem aplicação a prova documental.
Com efeito, o seu n.º 4 dirige-se à situação em que uma pessoa se escusa a prestar a aludida colaboração invocando que os factos que se pretendem ver esclarecidos estão abrangidos pelo sigilo profissional.
Só nesse caso é que o Tribunal se pode socorrer do mecanismo processual que se encontra previsto no Código de Processo Penal.
Relativamente à junção da prova documental na sua relação com o segredo profissional as regras aplicáveis são aquelas que já foram objecto da devida averiguação junto da ordem dos Advogados (presume-se uma vez que se desconhece o teor da decisão e inclusivamente o teor dos próprios documentos, diga-se”
«»
Deste despacho foi interposto recurso de agravo que foi admitido a subir com o 1º que interposto logo após, tivesse de subir imediatamente concluindo, o agravante autor nas suas alegações, recurso:

1. O Tribunal “a quo” indeferiu o requerimento do autor, aqui agravante, no sentido de ser requerido junto deste Tribunal da Relação do Porto, a quebra do dever de segredo profissional relativamente a conjunto de documentos que instruíram o pedido de dispensa de segredo n.º 216/07 apresentado junto do Conselho Distrital do Porto, cuja decisão foi objecto de recurso para o Exmo. Bastonário da Ordem dos Advogados;

2. O aludido requerimento foi apresentado nos autos no seguimento do indeferimento do aludido pedido de dispensa de sigilo profissional, porquanto, a junção aos autos dos documentos revela-se de manifesta e crucial importância para a boa decisão da causa tendo em conta o princípio da cooperação para a descoberta da verdade material a que alude o disposto nos artigos 266.º e 519.º do Código de Processo Civil.
«»

3. O referido pedido de dispensa de segredo profissional, conforme resulta do teor dos requerimentos que o agravante apresentou nos autos, foi requerido pelos seus mandatários na sequência das declarações que o réu C………., primeiro, e a ré D………., depois, prestaram em sede de depoimento de parte;

4. Foi em face dessas declarações e da posição que os réus/agravados, tomaram relativamente a alguns factos controvertidos, designadamente, os constantes dos números 8.º, 9.º e 38.º da Base Instrutória, que se passou a justificar a necessidade de, em ordem à descoberta da verdade material, à boa decisão da causa e, sobretudo, à realização da justiça, promover pela junção de um conjunto de documentos que, no entender do agravante, demonstram precisamente o contrário do que aqueles réus haviam afirmado, quando questionados sobre aqueles factos.

5. Tais documentos têm sido objecto de diferentes interpretações, no que concerne à questão de saber se os mesmos se encontram abrangidos pelo dever de segredo profissional;

6. Não obstante os mandatários do agravante entenderem que os documentos em causa não estariam sujeitos ao dever de segredo - uma vez que constituem verdadeiras manifestações de vontade em contratar ou em produzir determinados efeitos jurídicos, e não negociações malogradas, não puderam deixar promover pelo pedido de dispensa de segredo profissional procurando, evitar qualquer querela relativamente a essa questão controversa e obter a confirmação do que se julga ser o entendimento correcto quanto ao alcance do dever de segredo, tendo em conta a natureza dos documentos em causa.

7. O entendimento da Ordem dos Advogados foi no sentido de considerarem tratar-se de documentação sujeita ao dever de segredo profissional, não tendo sido autorizado o seu levantamento.

8. O alcance ou âmbito do dever de segredo profissional tem e deve ser interpretado com algum cuidado, sob pena de se proteger um interesse menor, em detrimento de interesses superiores, como o da justiça e o da verdade.

9. Por entender que os documentos que se pretendia juntar aos autos são determinantes para salvaguarda de princípios e valores muitíssimo mais importantes, nomeadamente, o valor da justiça e da verdade material, do que aqueles protegidos pelo dever de segredo, o agravante não pode deixar de requerer a quebra do segredo.

10. Ao impedir-se, a coberto do dever de segredo profissional, que sejam juntos aos autos determinados documentos está, precisamente, a impedir-se que seja alcançada a justiça, a impedir-se que o Tribunal sindique o valor probatório dos mesmos e que decida em conformidade, depois de, naturalmente, os mesmos serem sujeitos ao contraditório da contraparte, neste caso dos réus – artigo 526.º do Código de Processo Civil.

11. O dever de segredo profissional a que o Advogado está vinculado nos termos do disposto no artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não é um dever absoluto, podendo ser quebrado, quando haja, como é o caso, fundadas e justificadas razões,

12. E, in casu, de entre tais razões, estaria o facto de se estar perante uma verdadeira colisão de interesses ou direitos que sempre terá de ser dirimida de acordo com o disposto no artigo 335.º do Código Civil.

13. Foi no contexto referido nas conclusões antecedentes que o agravante requereu a quebra do dever de segredo profissional nos termos do disposto no artigo 135.º n.º 3, do Código do Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 519.º n.º 4 do Código de Processo Civil.

14. O dever de cooperação para a descoberta da verdade previsto no artigo 519.º do Código de Processo Civil, abrange também a prova documental, para além de se dirigir a pessoas, quando, como é o caso, contém manifestações de vontade das partes intervenientes na lide, ainda que representadas por Advogado, e quando a promoção de junção de prova documental emana do exercício desse dever de cooperação a que as partes (autor e réus) se encontram vinculados em ordem à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio.

15. In casu, o agravante vê-se impedido de poder colaborar, sob pena de violação do sigilo profissional, por força da decisão do Exmo. Senhor Bastonário que entendeu haver dever de segredo quanto aos documentos em causa.

16. O disposto no artigo 519.º do Código de Processo Civil também terá de se aplicar a estas situações, que aliás são similares, por força da remissão que no seu número 4 é feita para o disposto no processo penal, designadamente, para o artigo 135.º do Código de Processo Penal

17. A excepção consagrada no artigo 135.º do Código de Processo Penal, no que concerne à prova testemunhal, aplica-se também à prova documental que se pretenda juntar aos autos, mas cuja junção não poderá ser efectuada sob pena de ser violado o dever de segredo a que o apresentante está sujeito.

18. O disposto no n.º 2 do artigo 182.º do Código de Processo Penal, prevê expressamente que sempre que a recusa, por qualquer uma pessoas aludidas nos artigos 135.º a 137.º do mesmo Código, em juntar documentos ou objectos se fundar em segredo profissional, se aplique o disposto nos números 2 e 3 do artigo 135.º do mesmo Código, no que concerne à possibilidade de ser quebrado ou levantado o segredo.

19. Da remissão que é feita no artigo 182.º do Código de Processo Penal para o artigo 135.º do mesmo código, resulta que a possibilidade de ser quebrado o segredo também se aplica à prova documental.

20. A recusa a que alude o artigo 519.º do Código de Processo Civil terá de ser interpretada como sendo extensível àquelas situações em que se verifica um impedimento do interessado em promover por tal junção de documentos, precisamente, por não pretender violar o dever de segredo a que está obrigado a respeitar, tendo em conta que o dever de cooperação para a descoberta da verdade previsto no artigo 519.º do Código de Processo Civil, constitui uma emanação do princípio geral da cooperação a que alude o artigo 266.º do mesmo Código – vide, nesse sentido Professor José Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, pág. 405, 2001, Coimbra Editora.

21. O entendimento da nossa jurisprudência no que respeita à aplicação do disposto no artigo 519.º do Código de Processo Civil à prova documental tem sido nesse mesmo sentido - vide, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13 de Novembro de 2006, nos autos de processo n.º 6.042/06-5, da 5.ª Secção – cf. documento n.º 1.

22. O Tribunal não está vinculado à decisão que foi proferida pela Ordem dos Advogados, no âmbito do pedido de dispensa de segredo, pelo que com a averiguação efectuada não poderá considerar-se esgotada a apreciação da oportunidade e necessidade da junção de tais documentos.

23. Nos termos do artigo 135.º n.º 3 do Código de Processo Penal, o Tribunal superior àquele onde o incidente foi suscitado apreciará a questão da quebra do segredo de acordo com o princípio do interesse preponderante, tendo em conta a imprescindibilidade, neste caso, dos documentos para a descoberta da verdade.

24. A faculdade aludida na conclusão antecedente, por conjugação com o disposto no citado artigo 182.º n.º 2 do Código de Processo Penal, constitui a melhor demonstração de que a averiguação promovida junto da Ordem dos Advogados não esgotou a questão do segredo profissional a que os documentos cuja junção aos autos se pretende efectuar estão sujeitos.

25. De acordo com o disposto na parte final do n.º 3 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, conjugado com o que dispõe a parte final do n.º 4 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, o juiz tem o poder-dever de, sempre que possível, providenciar pela remoção dos obstáculos que condicionem o exercício do direito das partes que, in casu, passaria por suscitar o incidente da quebra do segredo junto do Tribunal superior.

26. Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 266.º e 519.º do Código de processo Civil e, bem ainda, o disposto nos artigos 135.º e 182.º do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do n.º 4 do citado artigo 519.º do Código de Processo Civil.
TERMOS EM QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE AGRAVO E, NESSA CONFORMIDADE, REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO E ORDENADA A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE DÊ CUMPRIMENTO AO MECANISMO PROCESSUAL PREVISTA NA LEI PARA O LEVANTAMENTO OU QUEBRA DO DEVER DE SEGREDO PROFISSIONAL, POR ASSIM SER DE JUSTIÇA.
«»

Proferiu-se despacho saneador, em sede de audiência preliminar, com elaboração de base instrutória.
Realizou-se a audiência de julgamento com as formalidades legais.
«»
Oportunamente foi proferida a seguinte sentença:
“De harmonia com o exposto o tribunal, julgando a acção primitiva não provada e improcedente, decide:
1) Absolver os RR do pedido;
Julgando a acção reconvencional provada e procedente:
2) Declarar validamente operada a resolução do contrato levada a cabo pelos RR Reconvintes e em consequência reconhecer que o Reconvindo perdeu o sinal nele referido a favor dos Reconvintes;
*
Não vislumbrei a litigância de má-fé”.
«»
Desta sentença interpôs recurso de apelação o autor B………. concluindo nas suas alegações:
1. O presente recurso tem por objecto também o julgamento da matéria de facto, uma vez que, ao contrário do que o Tribunal “a quo” entendeu, se afigura que foi feita prova bastante, quer da existência do acordo entre autor e réus para revogação do contrato de mútuo, quer da perda do interesse contratual do autor na prestação dos réus e da subversão, por estes, de todo o programa contratual estabelecido;

2. Em face da matéria de facto alegada pela apelante e não impugnada pelos réus, dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal realizada, o Tribunal não poderia ter concluído, à luz das regras da lógica e da experiência, da forma como concluiu, ou seja, pelas respostas negativas aos números 1.º, 2.º, 3.º, 8.º e 38.º, pelas respostas restritivas quanto aos números 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 9.º, e pelas respostas afirmativas (dando como provado) quanto aos números 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º (ainda que restritiva), 26.º, 27.º, 28.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º e 36.º da Base Instrutória – tendo em conta:

3. Do depoimento das testemunhas por si indicadas, uma das quais era comum, ficou claramente demonstrado que só a partir da celebração do contrato referido nos autos é que o autor passou, efectivamente, a acompanhar os negócios da sociedade (cfr. n.º 1 da Base Instrutória), verificando, ao fim de poucos dias, que havia sido induzido em erro e detectando a razão de ser para os “números” que lhe foram apresentados, quanto a resultados e previsões de resultados da empresa (cfr. n.º 2 a 7 da Base Instrutória), e que, na sequência da proposta referida em f) dos factos assentes, não só o autor aceitou tal proposta, como os próprios réus consideraram, a partir daí, o contrato sem efeito (cfr. n.º 8 e 9 e 38 da Base Instrutória).

4. Por outro lado, afigura-se não ter ficado claramente demonstrado o contrário daquilo que havia sido alegado pelos réus e que, como matéria controvertida, foi levado à Base Instrutória sob os números 12.º a 18.º, 26.º a 28.º e 32.º a 36.º.

5. A apreciação da decisão sobre a matéria de facto está intrinsecamente relacionada com a questão que foi objecto do recurso de agravo interposto do despacho de fls. __, proferido em 6 de Dezembro de 2007, que irá ser apreciado conjuntamente com o presente recurso, e através do qual se pretende que tal despacho seja revogado e substituído por outro que ordene que seja dado cumprimento ao mecanismo processual previsto na lei para o levantamento ou quebra do dever de segredo profissional, relativamente a um conjunto de documentos que, por certo, esclareceriam o Tribunal daquilo que de facto se passou.

6. Caso o referido recurso de agravo venha, como se espera, a merecer provimento e, por via desse facto, o segredo profissional venha a ser quebrado, a “história” desta acção irá, com certeza, ser outra e a verdade revelar-se-á com os novos elementos probatórios, para além de permitir demonstrar que os réus faltaram deliberadamente à verdade durante o depoimento de parte.

7. A apreciação dos depoimentos das testemunhas não poderá ignorar os factos que foram dados como provados, por acordo das partes e por documentos, designadamente, o teor da carta de fls. __ dos autos (documento n.º 4 junto com a petição inicial) e mencionada na alínea f) dos factos assentes, onde os réus declararam peremptoriamente que “pretendiam” devolver ao autor o que este pagou, deduzido da quantia de 350 contos que este, entretanto, já havia recebido da sociedade, e que se “propunham” pagar tal dinheiro em entregas mensais, a determinar.

8. A apreciação dos depoimentos das testemunhas não podia ignorar que por via daquela carta os réus manifestaram intenção inequívoca de devolver propondo, contudo, que tal devolução fosse efectuada em prestações mensais – cfr. alínea F) dos Factos assentes;

9. A apreciação dos depoimentos das testemunhas não podia também ignorar que a referida carta surge em resposta a uma carta remetida pelo autor, onde este fez uma clara e inequívoca interpelação dos réus para que estes lhe restituíssem a quantia que o autor lhes havia entregue – cfr. alínea E) dos Factos assentes;

10. Nem poderia ignorar que da simples análise das duas correspondências trocadas se concluiu que o autor interpelou formalmente os réus no sentido destes restituírem àquele a quantia que havia pago, por força do contrato celebrado, e que os réus, em resposta a tal interpelação, declararam expressamente que pretendiam pagar, propondo fazê-lo em prestações mensais.

11. À luz da lógica e da experiência, e depois de analisado o teor das cartas (que constituem matéria assente) e, bem ainda, o teor dos depoimentos prestados, tem forçosamente que se concluir ter sido demonstrada ou provada a factualidade vertida nos números 8.º e 38.º da Base Instrutória.
12. A análise dos depoimentos tem de ter presente que das testemunhas inquiridas, as únicas que revelaram algum conhecimento concreto foram as testemunhas Dr. E………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 3, Lado B, do n.º 0538 a 2503, e cassete n.º 4, Lado A, do n.º 0008 a 2503, e Lado B, do n.º 0008 a 1777) e Dr. F………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 4, Lado B, do n.º 1778 a 2503, e cassete n.º 5, Lado A, do n.º 0008 a 2492), sendo que as restantes, pouco ou nenhum conhecimento revelaram:
13. A análise dos depoimentos das testemunhas, em especial do Dr. E………., não pode ignorar o conflito de interesses decorrente do facto dos réus serem seus clientes;
14. Na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal pronunciou-se no sentido de dar como não provada a factualidade vertida nos números 1.º e 2.º da Base Instrutória, e provada a factualidade vertida nos números 15.º, 16.º, 17.º e 18.º da Base Instrutória, justificando a decisão com o facto do autor não ter logrado demonstrar que não conhecia a situação financeira da empresa.
15. Ao decidir como decidiu – supõe-se que seguindo um critério de lógica e de experiência - o Tribunal “a quo” não podia ignorar o quanto é inverosímil que alguém possa facultar o acesso de um terceiro ao seu “negócio”, a todos os seus elementos contabilísticos, sem antes ter, pelo menos, um compromisso escrito assinado, ou que alguém que tendo acesso a tudo, aguarde pela celebração do contrato e pela efectiva entrega do dinheiro, para, volvidos dois ou três dias, vir pôr termo ao negócio, tal como foi feito pelo autor através da carta dada como reproduzida na alínea E) da matéria de facto assente.
16. Do depoimento da testemunha Dr. E………… (cfr. registo magnético in cassete n.º 3, Lado B, do n.º 0538 a 2503, e cassete n.º 4, Lado A, do n.º 0008 a 2503, e Lado B, do n.º 0008 a 1777), em que o M.º Juiz “a quo” fundamentou a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos números 1.º e 2.º e 15.º a 18.º da Base Instrutória, resultou que as visitas do autor destinaram-se, apenas, a permitir que este adquirisse alguma sensibilidade do “negócio”, numa perspectiva estritamente operacional, e não propriamente, a facultar-lhe o acesso a toda a documentação contabilística como os réus pretendem fazer crer.
17. A expressão “acompanhar os negócios da sociedade” referida no número 1.º da Base Instrutória está claramente associada ao exercício de uma actividade própria de um gerente de uma sociedade, com acesso a todos os elementos de escrita da sociedade, às pastas da facturação, etc... que lhe permitem fazer uma gestão da empresa, o qual só foi facultado ao autor após a outorga do contrato;
18. Do mesmo depoimento (Dr. E……….), e bem ainda do depoimento da testemunha Dr. F………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 4, Lado B, do n.º 1778 a 2503, e cassete n.º 5, Lado A, do n.º 0008 a 2492), resulta que:
a) que durante a fase de negociações, foi apenas analisado o balancete da empresa, de acordo com o qual era impossível constatar a tal facturação atípica que a testemunha declarou não se recordar de lhe ter sido mencionada pelo Dr. E……….;
b) que a testemunha Dr. E………. não alertou para qualquer movimento atípico, pois de outro modo, a testemunha Dr. F………. ter-se-ia recordado de tal advertência, sobretudo, quando fosse confrontada, como o foi, pelo autor com a indicação de que tinha detectado que, afinal, a facturação real da “G……….” não correspondia àquela que resultava do balancete;
c) que tal situação atípica só poderia ser detectada mediante a confrontação do balancete com outros elementos contabilísticos, designadamente, facturas de vendas da empresa;
d) que o facto da situação apenas ter sido detectada pelo autor depois de assinar o contrato objecto dos presentes autos permite claramente concluir que o acesso à informação contabilística só foi verdadeiramente franqueado e facultado ao autor após a assinatura do contrato;
e) que tal informação contabilística constituía um elemento preponderante para a formação da vontade do autor na celebração deste negócio;
f) que a tal reunião – que ainda por cima decorreu num café – teve como principal objecto apresentar as pessoas, abordar o projecto que se pretendia implementar, e não propriamente, efectuar uma análise exaustiva à situação da empresa;
19. A testemunha comum, Dr. E………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 3, Lado B, do n.º 0538 a 2503, e cassete n.º 4, Lado A, do n.º 0008 a 2503, e Lado B, do n.º 0008 a 1777), e as demais testemunhas dos réus, nos depoimentos que prestaram foram incapazes de mencionar quaisquer elementos contabilísticos em concreto que tenham sido facultados ao autor durante o período que precedeu a celebração do contrato que permitissem concluir que o mesmo tinha acesso à escrita da sociedade.
20. A resposta às duas primeiras questões da matéria de facto controvertida (n.º 1.º e 2.º da Base Instrutória) deveria ter sido afirmativa, no sentido de dar como provados tais factos, enquanto que relativamente nos números 15.º, 16.º, 17.º e 18.º da Base Instrutória, a decisão de facto deveria, face à prova produzida, ter sido em sentido inverso: deveria ser dada como não provada, pois a única testemunha que poderia depor sobre tal factualidade, até por ser o TOC responsável (Dr. E……….) demonstrou, afinal, nada saber em concreto e, sobretudo, foi incapaz de afirmar ou identificar que elementos, facultou ao autor.
21. O Tribunal “a quo” não podia, à luz da lógica e da experiência, em face das respostas vagas daquela testemunha (Dr. E……….), contrariadas pelo teor das cartas aludidas nas alíneas e) e f) da matéria assente, pelas declarações do própria autor, pelo depoimento da testemunha Dr. F………., dar como provado que o autor não só passou a ter livre acesso à documentação da “G……….”, como passou a frequentar as instalações da empresa a partir de meados de Junho, a ter acesso a toda a escrita da sociedade e que à data da outorga do contrato conhecia a estrutura e condições económicas da empresa, sobretudo, quando a referida testemunha (Dr. E……….), nem sequer foi capaz de precisar quando começaram as negociações e as alegadas visitas do autor à empresa, que foram situadas por outras testemunhas em finais de Agosto.
22. Pelas mesmas razões pelas quais se justificou que a resposta aos números 1.º e 2.º da Base Instrutória deveria ser afirmativa, a factualidade vertida no número 3.º da Base Instrutória deveria ter sido como provada, pois, ao ter sido apresentado um balancete pelos autores e pela testemunha Dr. E………., sem ter sido explicada a existência de movimentos atípicos, o que os réus fizeram foi assegurar que a facturação real da empresa, até 30 de Junho, tinha sido a que constava de tal documento conforme foi admitido pela testemunha, Dr. E………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 3, Lado B, do n.º 0538 a 2503, e cassete n.º 4, Lado A, do n.º 0008 a 2503, e Lado B, do n.º 0008 a 1777);
23. A factualidade vertida no quesito n.º 4 da Base Instrutória, pelas mesmas razões, deveria ter sido dado como integralmente provado, e não de forma restritiva, pois, ao apresentar, como os réus apresentaram, no âmbito de uma negociação, um balanço previsional onde se prevê a obtenção de lucros, mais não fizeram do que garantir que, de acordo com a previsão efectuada (e que se supõe credível), a sociedade iria obter lucros.
24. A decisão sobre a matéria de facto vertida no quesito n.º 5 da Base Instrutória também deveria ter sido dada como totalmente provada, sob pena da resposta dada pelo Tribunal “a quo” poder ser contraditória com a redacção do próprio quesito: ao provar-se que a facturação da G………. contabilizou uma factura datada de 1 de Junho de 1999, relativa a um bem que a G………. não fabricou, nem vendeu, está-se, implícita e necessariamente a reconhecer que tal facturação era fictícia, pois englobou uma factura relativa a um alegada venda de um bem que não chegou a ser fabricado, nem vendido.
25. A corroborar a conclusão anterior, no sentido da factualidade vertida no número 5 da Base Instrutória ter de ser dada como totalmente provada está o facto da prova documental existente nos autos – cfr. documentos de fls. 352, 353 e 404 dos autos – permitir demonstrar que o valor do cheque emitido pela H………. e que se destinava alegadamente à liquidação da factura 63/99 nem sequer é suficiente para liquidar o valor das máquinas discriminadas na mesma factura (7.375.500$00), e muito menos permite liquidar o respectivo IVA (1.253.835%00), fazendo crer, necessariamente, que a factura n.º 63/99 é falsa e que o alegado leasing, a ter sido efectuado, reportava-se, por certo, a outro negócio.
26. Pela mesma ordem de razões aduzida nas conclusões anteriores, a resposta dada aos números 6.º e 7.º da Base Instrutória deveria ter sido no sentido de os considerar totalmente provados, quer pelo facto da prova de que o balanço provisional era fictício, resultar, necessariamente da conjugação da situação que se verificou efectivamente em final de 1999 (e que foi dada como provada), com a previsão que havia sido apresentada ao autor e o facto de ter sido contabilizada uma factura de venda de um bem que não se fabricou nem vendeu (cfr. quesito 4.º e 5.º), quer pelo facto do movimento contabilístico relativo à operação com a I………. não poder deixar de se considerar ter sido fictício, servindo para aparentar um determinado volume de facturação que, afinal, nada tinha a ver com a actividade normal da empresa e, nessa perspectiva, era um movimento fictício.
27. Apesar da factualidade vertida nos números 8.º, 9.º e 38.º da Base Instrutória e da decisão de facto que recaiu sobre a mesma estar implicitamente relacionada com o recurso de agravo que se encontra pendente, os elementos constantes dos autos eram, porém, por si só suficientes para permitir uma resposta afirmativa àqueles questões;
28. A simples conjugação das duas cartas dadas como integralmente reproduzidas nas alíneas E) e F) da matéria assente é, por si só, bastante, para determinar que tal factualidade (números 8.º, 9.º e 38.º da Base Instrutória) fosse dada como provada.
29. Relativamente à factualidade vertida nos números 12.º, 13.º e 14.º da Base Instrutória, o Tribunal “a quo” não poderia ter dado a mesma como provada, pois, por um lado, não foi sequer demonstrado e por esse motivo não pode ser dado como provado, que a referida reunião ocorreu em meados de Junho de 1999, e por outro, aquilo que decorreu dos depoimentos prestados foi apenas que na aludida reunião foi apresentado um balancete, demonstrativo da situação financeira da empresa à data de 30 de Junho de 1999, e discutida, mais do que a situação económica da empresa, o projecto que os seus proprietários, os réus, aqui apelados, tinham para a sociedade, o alargamento das vendas que pretendiam incrementar – cfr. nesse sentido depoimento das testemunhas Dr. E………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 3, Lado B, do n.º 0538 a 2503, e cassete n.º 4, Lado A, do n.º 0008 a 2503, e Lado B, do n.º 0008 a 1777) e Dr. F………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 4, Lado B, do n.º 1778 a 2503, e cassete n.º 5, Lado A, do n.º 0008 a 2492).
30. A factualidade vertida no número 23.º da Base Instrutória, contrariamente à decisão de facto que foi proferida, não poderia ter sido dada como provado, quer pelo teor da prova documental junta aos autos, quer pela prova testemunhal produzida, onde não houve uma única testemunha que fosse capaz de afirmar ter sido o autor a propor a celebração do contrato de promessa em lugar da escritura definitiva.
31. De igual modo, e também por total ausência de prova, o Tribunal “a quo”, não poderia ter julgado provada, como julgou, a factualidade vertida nos números 26 a 28 da Base Instrutória diz respeito, pois as testemunhas inquiridas a nada assistiram e limitaram-se a afirmar o que ouviram dizer do réu marido – vide nesse sentido o depoimento das testemunhas Dr. E………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 3, Lado B, do n.º 0538 a 2503, e cassete n.º 4, Lado A, do n.º 0008 a 2503, e Lado B, do n.º 0008 a 1777), J………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 6, Lado A, do n.º 1181 a 2370), K………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 6, Lado B, do n.º 0085 a 1241) e L………. (cfr. registo magnético in cassete n.º 6, Lado B, do n.º 2187 a 2470 e cassete n.º 7, Lado A, do n.º 0008 a 0920).
32. Atentas as regras da lógica e da experiência que se impõem na análise da prova produzida, jamais poderia ter sido dado como provada a factualidade vertida nos números 32 a 36 da Base Instrutória, consubstanciando o facto dos réus jamais terem interpelado o autor para cumprir o contrato a melhor demonstração de que não estavam dependentes do investimento deste.
33. A convicção do M.º Juiz “a quo”, relativamente à decisão sobre a matéria de facto que ora se impugna, não foi aquela a que se chegou após a audição atenta dos depoimentos prestados e a análise dos documentos juntos aos autos.
34. Sem prejuízo das conclusões anteriores, a prova dos factos que foram levados à Base Instrutória sob os números 1.º a 9.º pode ser efectuada por via indiciária – ver nesse sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, in “Colectânea de Jurisprudência”, Ano 2000, Tomo I, pág. 51.
35. In casu, os indícios eram suficientes para, em conjugação com o teor do depoimento das testemunhas, permitirem demonstrar outros factos, designadamente a ocorrência e verificação dos factos levados à Base Instrutória sob os números 1.º a 3.º e 8.º a 9.º, para além da demonstração plena dos factos vertidos nos números 4.º a 7.º também da Base Instrutória.
36. A prova exigida para a demonstração dos factos constantes nos números 1.º a 9.º da Base Instrutória não pode ir mais além do que a prova que foi produzida quanto aos mesmos factos, nem pode ser exigido ao autor mais do que aquilo que foi demonstrado sob pena da procura da verdade absoluta e inabalável obstruir um outro escopo superior, o alcance da justiça.
37. A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, considerando que o contrato que as partes pretenderam celebrar foi um contrato de promessa de cessão de quotas, e não um cessão de quotas, que não foi demonstrada pelo autor a existência de qualquer acordo mútuo entre as partes no sentido de extinguir o contrato e, no que respeita à questão do incumprimento contratual, que foi o autor e não os réus quem incumpriu, fez “tábua rasa” do que foi declarado pelas partes, e dos documentos juntos aos autos.
38. O contrato objecto dos presentes autos foi reduzido a forma escrita, tendo sido redigido por Advogado (dos réus), pelo que o autor e os réus quando o subscreveram o contrato, entenderam as declarações constantes no mesmo como sendo válidas – artigos 236.º n.º 1 e 239.º do Código Civil.
39. Autor e réus, declararam, de forma inequívoca, a vontade de ceder as quotas através de documento particular, de tal modo, que o autor, após a celebração do contrato passou a agir como se dono fosse das referidas quotas
40. A vontade declarada pelas partes foi no sentido de cederem, através daquele contrato, as quotas, pelo que o mesmo contrato é nulo por vício de forma, conforme foi expressamente invocado na petição inicial – cfr. artigo 220.º do Código Civil e alínea h) do nº 2 do artigo 80.º do Código do Notariado então em vigor.
41. O teor das cartas que se encontram juntas aos autos e a cujo que é feita referência nas alíneas e) e f) da matéria assente, quando conjugadas entre si, permitem inferir e concluir, a existência implícita de um acordo, celebrado ao abrigo do disposto no artigo 406.º do Código Civil;
42. Conforme se referiu, dos autos, designadamente, da matéria dada como assente e da prova documental junta, facilmente se concluiu que foram os réus quem subverteram o programa contratual previsto.
43. Os réus nunca interpelaram o autor para a outorga do contrato definitivo – nem alegaram, sequer, ter feito qualquer interpelação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 808.º do Código Civil – pelo que o autor jamais se poderia considerar estar em incumprimento (muito menos, definitivo), relativamente às obrigações previstas no referido contrato – outorgar a escritura de cessão de quotas e a pagar o remanescente do preço em falta (5.000 contos),
44. Para além disso, dos factos assentes – cfr. alínea h) dos factos assentes – resultava já provado que: “Em Setembro de 2000, os réus cederam parte das quotas de que eram titulares no capital da G………., Lda a M………. e N……….”
45. Através da cessão de quotas outorgada em Setembro de 2000, referida na alínea h) dos factos assentes - os réus tornaram culposamente impossível a execução do contrato que celebraram com o autor – artigo 801.º do Código Civil, sendo certo que nunca haviam interpelado o autor, ou fixado qualquer prazo para a outorga do contrato definitivo de cessão de quotas.
46. Tal como decorre dos factos assentes – cfr. alínea i) da matéria assente – os réus nunca chegaram a marcar a escritura de cessão de quotas no prazo de cinco meses prevista na cláusula décima primeira do contrato, nem dividiram as quotas por forma a poderem executar o programa contratual que haviam definido com o autor, pelo que é evidente que o Tribunal não poderia deixar de reconhecer ter havido incumprimento dos réus e, nessa conformidade, reconhecer o direito de resolução do autor – artigos 432.º n.º 1, 436.º n.º 1 e 808.º n.º 1 do Código Civil.
47. Ao decidir como decidiu, nomeadamente ao julgar procedente o pedido reconvencional, a sentença recorrida, incorreu numa nulidade processual – artigo 668.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil: os réus reconvintes, no pedido que formularam não pediram a declaração de resolução do contrato.
48. Os réus limitaram-se a peticionar a condenação do autor, em reconvenção, na perda do sinal prestado a favor dos réus, sendo certo que da análise do texto do contrato se verifica que as partes não atribuíram às importâncias que o autor pagou aos réus a qualidade de sinal – cfr. artigo 440.º do Código Civil.
49. Atento o carácter sancionatório do sinal, e porque não se trata de uma promessa de compra e venda, cabia às partes atribuir expressamente aos pagamentos efectuados essa qualidade ou carácter, o que não foi feito - artigo 440.º do Código Civil.
50. O pedido reconvencional consubstancia um claro abuso de direito, pois foram os réus quem se encarregou de tornar impossível a execução do contrato ao ceder, como cederam as quotas a terceiros e ao não terem interpelado, como nunca interpelaram, o autor para a outorga da escritura definitiva, pelo que jamais poderia ter sido julgado procedente – artigo 334.º do Código Civil
51. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida aplicou, assim, de forma errada, o disposto no artigos 220.º, 236.º n.º 1, 239.º, 334.º, 341.º, 342.º, 343.º, 406.º, 432.º n.º 1, 436.º n.º 1, 440.º, 442.º, 801.º n.º 1, 808.º do Código Civil, o artigo 668.º n.º 1, alíneas b), c), d) e e) do Código de Processo Civil, e o artigo 80.º n.º 2, alínea h) do Código do Notariado, então em vigor, e ao aplicá-las erradamente violou as mesmas normas.

TERMOS EM QUE DEVE SER O PRESENTE RECURSO JULGADO PROCEDENTE, E NESSA CONFORMIDADE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, CONFORME É DE INTEIRA JUSTIÇA.
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Foram apresentadas contra alegações.
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Os Factos Provados em 1º instancia.
a) Os réus, C………. e D………., eram, em Outubro de 1999, os únicos sócios da sociedade comercial por quotas, denominada “G………., Lda”, com sede na Rua ………., n.º ….., freguesia de ………., concelho de Gondomar, pessoa colectiva n.º ………, e matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, 3.ª Secção, sob o n.º 08138 - documento n.º 1 da p.i..
b) Nessa data (Outubro de 1999), a sociedade “G………., Lda” tinha o capital social de 1.100.000$00, e como únicos sócios o réus C………., titular de uma quota no valor nominal de 750.000$00, e a ré D………., titular de uma quota no valor nominal de 350.000$00 - cfr. documento n.º 1 da p.i. .
c) Teor do documento nº2 junto com a p.i. (documento intitulado pelas partes contratantes como contrato promessa de cessão de quotas) que aqui se dá por integralmente reproduzido;
d) O contrato referido em c) foi celebrado em Outubro de 1999;
e) O autor remeteu aos réus a carta datada de 29 de Novembro de 1999, que constitui o documento n.º 3 da p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido;
f) O réu marido enviou ao Autor a carta datada de 27 de Janeiro de 2000, que constitui o documento nº 4 da p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzida onde refere que: “… pretendemos devolver-lhe aquilo que V. Ex. entregou aquando da assinatura do contrato promessa, deduzido ao valor total trezentos e cinquenta mil escudos por V Ex já recebido da empresa …”;
g) Os réus jamais restituíram, até hoje, as quantias entregues pelo Autor e referidas nas als. a) e b) da cl. 5ª do contrato;
h) Em Setembro de 2000, os réus cederam parte das quotas de que eram titulares no capital da “G………., Lda” a M………. e a N………. - cfr. documento n.º 1 da p.i. .
i) Os RR nunca chegaram a marcar a escritura de cessão de quotas no prazo de cinco meses previsto na cláusula décima primeira do contrato, nem dividiram as quotas - cfr. documento n.º 2 da p.i. .
j) O Autor também não usou da faculdade prevista na cláusula 11ª;
4) Os RR, durante as negociações que precederam a celebração do contrato, apresentaram ao Autor um balanço previsional para o segundo semestre de 1999 onde se previa a obtenção de lucros;
5) A facturação apresentada pelos RR contabilizava uma factura datada de 1 de Junho de 1999 relativa a uma Quinadeira e guilhotina que a G………., Lda não fabricou e não vendeu;
6) A G………., Lda se encontrava no final de 1999 numa situação de prejuízos de exploração;
7) Verificou-se um movimento contabilístico na G………., Lda motivado por uma operação efectuada a favor de uma sociedade denominada “ I……….” a quem a G………., Lda vendeu, uma máquina que havia importado, tendo a G………., Lda funcionado como uma mera intermediária sem qualquer lucro;
9) Provado apenas o que consta da carta referida na al f) da matéria de facto assente;
10) O Autor nunca chegou a ser convidado para qualquer assembleia-geral da sociedade e nomeadamente para aquela em que foi deliberado o aumento de capital;
11) O autor jamais participou em qualquer deliberação destinada a admissão de novos associados;
12) O contrato referido em c) celebrado em 29/10/1999, teve como momentos precedentes, uma reunião promovida pelos Drs. F………., contabilista e consultor do Autor e do Dr. E………., contabilista e consultor dos RR., realizada em meados de Junho de 1999, num café da ………., onde tais pessoas apresentaram o Autor aos RR, e abordaram a ambas as partes, as vantagens mútuas de uma futura associação do Autor na sociedade detida pelos RR.;
13) Nessa reunião, foi apresentada e discutida a situação económica da sociedade, foi referido e demonstrado que a empresa se encontrava economicamente fragilizada, sem grandes possibilidades de crescer, mas que teria viabilidade de obter lucros a médio prazo, se a mesma fosse alvo de reestruturação combinada com investimento de capital;
14) Foi demonstrado que tal viabilidade económica, seria possível com a eventual injecção de capital por parte do Autor e com promoção por parte dos RR de uma reestruturação da empresa, mediante a admissão de novos equipamentos e nova equipa de pessoal de vendas, que seria oriunda de uma empresa concorrente “O……….”, de cujos clientes haveria a possibilidade de captar e assim aumentar o volume de facturação;
15) Dessa reunião nasceu o acordo entre A. e RR, de aquele passar a frequentar a empresa, para obter melhor conhecimento da mesma e assim ter livre acesso a toda a sua documentação e inteirar-se do movimento de negócios;
16) O que aconteceu de facto a partir de então, passando o Autor, desde meados Junho daquele ano com autorização dos RR, a frequentar a sede/instalações da sociedade, a ter livre acesso às mesmas, pois possuía as chaves das instalações, estando autorizado para livremente consultar a documentação comercial e contabilística, e passando a dispor de mesa de trabalho e demais material de escritório no gabinete da gerência;
17) Deste modo, o Autor teve acesso, sem quaisquer reservas, a toda a escrita da sociedade, passando inclusive a ser consultado para a tomada de decisões;
18) O Autor, à data da outorga do contrato, 29/10/1999, conhecia a estrutura e as condições económicas da empresa
19) Em Outubro de 1999 a G………., Lda admitiu quatro novos vendedores;
20) Em 14 de Outubro de 1999 a G………., Lda para serviço dos vendedores celebrou dois contratos de locação de financeira tendo por objecto dois veículos automóveis, e que foram efectuadas algumas obras de beneficiação das instalações;
22) Em Outubro os RR já tinham iniciado a reestruturação da G………., Lda;
23) Em 19/10/99, o Autor contribuiu com 500 contos, (doc.8 da contestação), e ao invés de pretender realizar a escritura definitiva de contrato de divisão, cessão de quotas e aumento de capital, propôs a celebração de contrato promessa, altura em anteciparia parte do preço, a título de sinal da prometida cessão e só após realizaria a escritura pública, onde liquidaria o preço remanescente;
24) Os RR depositaram na conta da sociedade, a quantia equivalente ao quantitativo pago pelo Autor, a título de sinal e pagamento parcial do preço acordado pela prometida cessão de quotas, respectivamente a 29 de Outubro e 5 de Novembro de 1999. (Cfr.Doc. 9 e 10 da contestação) conforme o estipulado na clausula Sexta do contrato referido em c);
25) Pouco tempo depois, após a assinatura do contrato promessa, o Autor deixou de aparecer na empresa, sem dar qualquer justificação até à data em que remeteu a carta referida na al. e) da matéria de facto assente,
26) O Réu C………. inúmeras vezes tentou telefonar-lhe, até porque ficou preocupado com o que poderia ter-lhe acontecido, no entanto, sem sucesso;
27) O Réu marido dirigiu-se à casa do Autor, sem sucesso;
28) Tais tentativas de contacto e deslocações várias ao domicilio do Autor, foram encetadas pelo Réu durante praticamente todo o mês de Novembro, resultando sempre infrutíferas e, só pararam aquando a recepção da carta do Autor, junta aos autos com a p.i., como doc.3 ;
31) Provado apenas o que consta da carta referida na al f) da matéria de facto assente;
32) Atendendo a que a situação económica da empresa não comportava os investimentos efectuados, os RR só aceitaram e executaram tal reestruturação, com base na promessa do A. na aquisição de quotas da sociedade pelo preço de 12.500c/ 62.349,74€;
33) Foi assim a expectativa gerada com celebração do contrato promessa entre os RR e o A. e a realização da futura escritura definitiva de cessão de quotas que, incentivou aqueles a realizarem tais investimentos e como cumprimento do que ficara reciprocamente acordado;
34) Tais investimentos vieram a onerar a empresa, com encargos adicionais mensais gerados com a contratação dos vendedores, num acréscimo de salários de 891.00$00/4.444,60€;
35) A aquisição dos dois veículos endividou a empresa no montante de 3.110.024$00/15.512,74€;
36) A estas despesas acresceram as obras de beneficiação realizadas nas instalações da empresa, além dos acréscimos de despesas de deslocações e combustíveis efectuadas pelos novos vendedores., conforme balancete, parte do dossier contabilístico, anexo como (Doc.12 da contestação).
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O recurso.
I. O agravo (art. 710º, nº 1 do CPC).
Como princípio da cooperação e colaboração consagrado no art. 266º do CPC que dispõe no seu nº 1”na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa cooperação entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litigio”, e como seu corolário temos, desde logo, a norma consignada no art.519º do diploma em análise que impõe a todas as pessoas, sejam ou não partes na causa o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo – se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
Este dever que não é absoluto cedendo perante recusa que a lei considere legítima. E, assim, o nº 3 do preceito referido prevê as hipóteses desta recusa legítima, de entre as quais se contam a violação do dever profissional.
Este dever traduz –se numa obrigação de facto negativo, e nele está incluído o sigilo profissional de advogado.
O dever de segredo profissional visa proteger a integridade e liberdade das pessoas a quem aproveita – conf. art. 26º da CRP – e está previsto no caso particular no artº 87º do EOA aprovado pela lei nº15/2005 de 26 de Janeiro - “E o sigilo profissional do advogado interessa ao confidente e ao cliente que lhe confia os factos secretos, bem como ao interesse social e geral na confidencialidade e secretismo que deve existir nas relações do advogado no exercício da sua profissão, cuja actividade se desenvolve na área de privacidades das pessoas” (v. Ac. STJ, de 15/04/2004, em ITIJ/net, proc. 04B795).
Dispõe este preceito:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
“a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
“b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
“c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
“d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
“e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
“f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
“2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
“3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
“4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
“5 - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
“6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
“7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
“8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração.”
Este dever de segredo profissional não é rígido, devendo ceder a outro dever que lhe deva prevalecer e que com ele seja conflituante como sucede no caso dos autos.
Mas como se harmonizam estes preceitos com o referido art.519º do CPC?
Dispõe directamente o nº 4 deste preceito que, “ deduzida escusa com fundamento na c) do nº anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”, o que nos remete para o art. 135º do CPP, onde está regulamentado o procedimento a seguir.
Resulta daqui o seguinte:
Se o tribunal entender que o depoimento de certa pessoa ou os elementos documentos em seu poder são imprescindíveis para a descoberta da verdade notifica a pessoa em causa para prestar declarações ou para fornecer os documentos ao tribunal.
A pessoa que é objecto de segredo profissional invoca a escusa se entender que ocorre tal situação.
O juiz da causa vai apreciar se a escusa é legítima ou ilegítima.
Se concluir que a escusa não é lícita nem legítima ordena o cumprimento da decisão anteriormente proferida a fim de serem trazidos ao processo os elementos necessários em obediência ao princípio da cooperação.
Se, pelo contrário entender, que a escusa é fundada em sigilo existente, deverá suscitar –se incidente de levantamento de sigilo, que no caso em apreço se refere ao exercício da profissão de advogado, a decidir pelo Tribunal da Relação (tribunal imediatamente superior) – conf. art. 135º, 3 do CPP.
Neste incidente vai apurar – se, ao abrigo do principio da descoberta da verdade material, se o interesse de defesa dos direitos do autor no processo, em causa nestes autos, é superior ao interesse de manutenção do segredo profissional exercido por advogado. Ou seja, perante um conflito de deveres há que averiguar se existe um dever de dignidade superior que se sobrepõe ao dever de sigilo profissional, e justifique a sua quebra. -Ac. Rel. do Porto de 19. 9 2006, CJ 2006 V. IV pág. 159 e Ac. Rel. Coimbra 14.2 2006 CJ V.I pág. 29.
A decisão que avalia estes interesses não é automática devendo, ser feita caso a caso, com apreciação e ponderação dos interesses em jogo - a dispensa do segredo não opera, pois, “ope legis”, mas “ope judicis”, através de um processo próprio, supra descrito, e de um tribunal com competência atribuída expressamente para este efeito, o tribunal imediatamente superior, que confere mais solenidade e seriedade à decisão, tendo em atenção a protecção dos direitos que se visa proteger com o segredo profissional. Direitos constitucionalmente consagrados, como já referimos.
Diferente desta situação, está a prevista no art. 519º - A do CPC, um “procedimento simplificado para obter a dispensa de confidencialidade, relativamente a certas matérias que têm apenas conexão com a “esfera pessoal simples” do cidadão interessado e que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos – facultando – se ao juiz da causa competência para ajuizar do conflito de interesses subjacente à quebra da confidencialidade de tais dados”, Lopes do Rego in Comentário ao CPC V. I pág.460.
Nos presentes autos, e visando averiguar factos constantes da base instrutória o tribunal considerou a recusa legitima designadamente face à decisão da Ordem de Advogados e bem. Só após invocação de escusa fundada, e apreciação desta pelo juiz, é que se desencadeia o incidente de dispensa do sigilo em causa.
No caso dos autos mostra-se validamente materializada a escusa do Exmo mandatário da parte ao invocar o segredo profissional. Segredo profissional que, “importa violação a divulgação dos factos conhecidos por via e no exercício da advocacia, seja por declarações orais seja por qualquer outro meio, nomeadamente por junção de documentos, que os revelem, ao processo com que tais factos se relacionam.” (Acórdão do TRP, de 30-03-2006, in www.dgsi.pt).
Escusa que o Mmº juiz considerou legitima ao manter a decisão do Exmº Bastonário, sendo por isso ilegítima a junção dos documentos. Conclui pela viabilidade da escusa prescindindo da junção de documentos.
O presente recurso de agravo mostra-se o meio adequado neste momento para se apreciar o levantamento de sigilo profissional.
Na ponderação destes dois interesses – a defesa do sigilo profissional e a descoberta da verdade material com a consequente realização da justiça entendemos que este último prevalece sobre o 1º.
A “rato legis”da tutela do segredo profissional - quais sejam a confiança entre o advogado e o seu cliente, a necessidade social da confiança em certos profissionais, a protecção do normal funcionamento das instituições, evitando-se a degradação da sua imagem e desconfiança entre o público - se situa num patamar abaixo ao principio da descoberta da verdade (material) e a justa composição do litígio, com vista à realização da justiça e à obtenção do equilíbrio e da paz social – cf. Ac. Relação de Lisboa de 29.06.2006 dgsi.pt – dada a dignidade e relevância social que apresenta, sendo um dos pilares, senão mesmo o pilar, da justiça.
Por tudo quanto exposto ordeno o levantamento do sigilo profissional ao Exmo. mandatário do autor com admissão da junção aos autos dos documentos a coberto pelo segredo em causa.
Está prejudicado o conhecimento da apelação (art. 710º,nº2 do CPC).
Consequentemente anulo o julgamento devendo ser observado o art. 713º, nº 4 CPC.
Custas afinal pela parte vencida.

Porto, 2009.04.28
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira