Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
419/08.0GAPRD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DONAS BOTTO
Descritores: PENA DE MULTA
PENA DE PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
Nº do Documento: RP20140326419/08.0gaprd-B.P1
Data do Acordão: 03/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prisão a cumprir em vez da multa não satisfeita não é, nem sequer em sentido formal, uma pena de substituição, visando, antes, tão-só conferir consistência e eficácia à pena de multa, que não perde autonomia e nem desaparece.
II – A pena de prisão subsidiária não está abrangida por qualquer prazo de prescrição autónomo, dependendo do prazo de prescrição da pena principal.
III - Não pode, assim, considerar-se que é com o trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária, que se inicia o prazo de prescrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 419/08.0GAPRD-B.P1

Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Despacho recorrido

Por decisão transitada em julgado em 22 de Setembro de 2008, foi o arguido B… condenado como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº1 e 2 do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €7,50.
O condenado não procedeu ao pagamento da pena multa em que foi condenado e por despacho proferido em 26 de Novembro de 2009, foi esta convertida em 100 (cem) dias de prisão subsidiária.
Apesar das sucessivas diligências efectuadas com vista à respectiva notificação o arguido apenas foi notificado do despacho anteriormente referido em 13 de Janeiro de 2013.
Em vista, o Ministério Público promove se declare prescrita a pena aplicada, decorridos que se mostram mais de 4 (quatro) anos sobre a data do respectivo trânsito.
Em conformidade com o disposto no art.122º, nº1, al. d) do C. Penal prescrevem em quatro anos as penas inferiores a dois anos, incluindo as penas de multa.
Não tendo ocorrido entretanto quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição, importa aferir se apesar do despacho que determinou a substituição da pena de multa, por prisão subsidiária, o prazo de prescrição da pena se mostra ultrapassado.
No caso em apreço, estando em causa uma pena de 150 dias de multa é inequívoco ser o respectivo prazo de prescrição de quatro anos.
De solução já não evidente é a questão de saber qual a influência da conversão da pena de multa em prisão subsidiária na prescrição da pena e qual o momento a considerar para o respectivo cômputo.
Não tendo sido logrado obter qualquer estudo doutrinário sobre a temática em causa, importa ter presente o que das explanações doutrinárias dispersas disponíveis resulta em correlação com o que decorre da sistemática legal.
Dispõe o art. 49º do C. Penal que se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercitivamente, é cumprida prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante no nº1, do artigo 41º.
A propósito da natureza da prisão subsidiária, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 146 e ss., define a prisão subsidiária a cumprir em vez da multa não satisfeita, como prisão sucedânea, sanção penal de constrangimento conducente à realização do efeito preferido da multa (neste sentido também Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Notas Complementares para a cadeira de Direito e processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2006-2007, p. 36), mas em todo o caso segundo o mesmo autor (ob cit nota 88) sufragando a doutrina alemã, sanção penal, uma verdadeira pena.
A prisão subsidiária analisada à luz da Lei Penal e Processual Penal, apesar da diferença dogmática que mantém relativamente à pena de prisão como pena principal privativa da liberdade, tem em rigor o mesmo conteúdo material – a privação da liberdade de um cidadão, resultante de uma sanção derivada de uma condenação criminal – que não se revela em sede de exequibilidade subvertido pela circunstância de em qualquer momento aquele que é privado da liberdade em consequência da falta de pagamento de pena de multa poder pagá-la, extinguindo-se concomitantemente a prisão.
Por outro lado, a prisão subsidiária logo que executada tem de ser liquidada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 477º do C. P. Penal. A mesma pena pode ser suspensa ao abrigo do disposto no nº3 do art. 49º do C. Penal e pode até integrar a realização de cúmulo jurídico de penas (neste sentido Figueiredo Dias ob cit p. 290 e Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Dezembro de 2009, relatado por Mouraz Lopes, publicado in dgsi.pt).
E esta caracterização da prisão subsidiária, como verdadeira pena (e não mera forma de execução - cariz este que o legislador expressamente atribui ao pagamento voluntário ou coercivo da multa), não permitindo configurá-la como pena de substituição em sentido formal, confere-lhe inequívoca autonomia em relação à pena de multa à qual sucedeu – em sentido contrário Acórdão da Relação de Évora de 20 de Outubro de 2010, relatado por João Manuel Monteiro Amaro, in dgsi.
Ora, nos termos do art. 122º, nº2 do C. Penal, o prazo de prescrição das penas inicia-se no dia do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena. Esta decisão não se confunde com a decisão condenatória, como expressamente resulta da posição do Conselheiro José Osório acolhida pela comissão revisora do Código Penal e que aprovou a versão até hoje intocada e constante do citado nº2 do art. 122º, então art. 113º (cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, acta da 33ª Sessão do dia 4 de Maio de 1964, edição da A.A.F.D.L., p. 237.), assente na pertinente justificação de que a menção a “decisão condenatória” deixaria de fora os casos de substituição.
Isto posto, impõe-se então concluir que sendo a pena de prisão subsidiária uma verdadeira pena, constituindo o despacho que determinou o seu cumprimento uma verdadeira decisão que a aplica, só após o respectivo trânsito se pode iniciar o respectivo prazo de prescrição. No caso em apreço, tendo sido o arguido notificado do sobredito despacho na indicada data, decorre do atrás exposto que a pena de prisão subsidiária aplicada ainda não prescreveu e só agora se iniciou.
Termos em que não se considerando ter ocorrido a prescrição da pena aplicada, se indefere o doutamente promovido.
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O Ministério Público, não se conformando com este despacho constante de fls. 16/18 que considerou não ter ocorrido a prescrição da pena de multa aplicada nos autos ao arguido B…, veio alegar, em síntese, o seguinte:
Na decisão proferida em 02 de Junho de 2008 e transitada em julgado em 22 de Setembro de 2008 foi o arguido B… condenado como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.s 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária, de 7,50€.
Foi instaurada execução pelo Ministério Publico, em 05/02/2009 com vista a obter-se o pagamento coercivo da pena de multa e custas em divida, vindo a mesma a ser arquivada condicionalmente, face ao desconhecimento da existência de bens pertencentes ao arguido, não se logrando assim obter o pagamento da quantia em divida da pena de multa, bem como das custas.
A multa não paga foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, por despacho proferido em 24 de Novembro de 2011, vindo o arguido a ser notificado do mesmo em 10 de Janeiro de 2013.
O Ministério Publico em 25/06/2013 promoveu que se declarasse prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado.
Conforme resulta de fls. 18, A M.ª Juíza indeferiu o promovido pelo Ministério Publico por entender que “sendo a pena de prisão subsidiária uma verdadeira pena, constituindo o despacho que determinou o seu cumprimento uma verdadeira decisão que a aplica, só após o respectivo trânsito se pode iniciar o respectivo prazo de prescrição…tendo o arguido sido notificado do sobredito despacho na indicada data, decorre do atrás exposto que a pena de prisão subsidiária aplicada ainda não prescreveu e só agora se iniciou.”
Entendimento este que o MP não concorda, pois entende que a prescrição se inicia logo com o transito da sentença condenatória.
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O Sr. PGA junto desta Relação, é de parecer que o recurso do MP deve proceder.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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A prisão a cumprir em vez da multa não satisfeita não é – contra o que por vezes se afirma -, nem sequer em sentido formal, uma pena de substituição F. Dias, AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME, pág. 146.
A prisão subsidiária visa tão-só conferir consistência e eficácia à pena de multa.
Ainda que a pena de multa seja convertida em prisão subsidiária, aquela não perde autonomia e desaparece.
Assim, as penas principais são as directamente aplicáveis, as únicas que podem por si sós constar das normas incriminatórias, as que são expressa e individualizadamente previstas para sancionamento dos tipos de crimes; conexamente com estas desenham-se as penas substitutivas, substituindo, como o nome indica, as principais, cominadas em lugar daquelas, tanto na aplicação judicial, como previsto no art.º 43.º do CP, para a substituição da prisão por multa e 48.º, do CP, quanto à substituição da pena de multa, como ainda na execução da pena de prisão, nestas se incluindo o regime de permanência na habitação (art.º 44.º, do CP), a prisão por dias livres (art.º 45.º, do CP), o regime de semidetenção (art.º 46.º, do CP), a suspensão da execução da pena (art.º 50.º, do CP) e a suspensão com regime de prova (art.º 53.º, do CP) — cfr. Direito Penal Português, III, pág.85, Prof. Germano Marques da Silva.
A prisão subsidiária é aplicada para o caso da pena principal não ser cumprida (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Noticias, lisboa, 146/7).
Efectivamente, a pena de prisão em alternativa ou sucedânea da multa não paga, não é, segundo o Prof. Figueiredo Dias, op.cit., § 181, uma pena substitutiva pois não participa da filosofia inspiradora do movimento contra a pena de prisão, e sobretudo contra as penas curtas, a não ser muito remotamente e no sentido de que evita a pena de prisão, por conversão, além de que não é aplicada “em vez“ da pena principal, deixando entrever, antes, a natureza de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.
A pena de multa convertida em pena de prisão subsidiária reduzida a 2/3 conserva a sua natureza originária de pena de multa, ainda que tenha sido executada, pelo que a mesma não incide nem se desconta na parcela da pena de prisão única a determinar em sede de cúmulo jurídico – Ac. STJ de 10-1-2013, CJ (STJ), 2013, T1, pág. 187.
Neste sentido, entre outros, Ac. RP de 9-2-2011, in www.dgsi.pt.
Esta pena subsidiária, não está abrangida por qualquer prazo de prescrição, dependendo, do prazo de prescrição da pena principal, no caso, pena de multa, pelo que o arguido apenas foi condenado numa pena, a pena de multa.
O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado (artigo 49.º n.º 2 do Código Penal), o que evidencia que a prisão subsidiária é, em substância, uma sanção penal de constrangimento, tendente a obter a realização de certo efeito preferido pelo legislador, e que consiste, inequivocamente, no pagamento da multa (cfr. Código Penal, Actas e projecto da Comissão de revisão, Ministério Da Justiça, 1993, página 30).
Não pode, assim, considerar-se que é com o trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária, que se inicia o prazo de prescrição.

Ora, o que aqui está em causa é a pena de multa aplicada, e não a conversão da mesma em prisão subsidiária, que se traduz numa forma de execução da pena de multa, conforme decorre ainda do disposto nos artigos 40.º, n.s 1 e 2, e 70.º do Código Penal.
Assim, entendendo-se que a prescrição da pena se deve reportar à pena de multa e não à prisão subsidiária, vejamos se a mesma se encontra prescrita, conforme foi promovido nos autos, dado que só em relação à pena de multa se pode colocar a questão da prescrição.
Nos autos, foi o arguido condenado numa pena de 150 dias de multa.
De acordo com o disposto no artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Código Penal o prazo de prescrição da pena é de 4 anos.
Esse prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a aplicou, conforme decorre do n.º 2 desse mesmo artigo, o que ocorreu em 22 de Setembro de 2008.
E ao prazo de contagem da prescrição aplica-se o disposto art.º 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 296.º do mesmo Código.
Não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido nos autos tem de se considerar prescrita em 22 de Setembro de 2012, nos termos do disposto nos artigos nos termos do disposto no artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Codigo Penal.
Assim, já estaria prescrita em 10/01/2013, data em que foi o arguido notificado que a multa não paga, tinha sido convertida em 100 dias de prisão subsidiária.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo MP, pelo que se revoga o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que declare prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado nos autos.

Sem custas.

Porto, 26-3-2014
Donas Botto
José Carreto