Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
89/06.9PAVCD.P1
Nº Convencional: JTRP00042480
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: FURTO
FURTO QUALIFICADO
VALOR DIMINUTO
Nº do Documento: RP2009042989/06.9PAVCD.P1
Data do Acordão: 04/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 367 - FLS 02.
Área Temática: .
Sumário: Não se conseguindo apurar o valor da coisa furtada, tem de considerar-se, para o efeito previsto no nº 4 do art. 204º do Código Penal, que esse valor é diminuto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 89/06.9PAVCD do .º Juízo Criminal de Vila do Conde

Relator - Ernesto Nascimento



Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Foram condenados os arguidos,

B……….,
C………. e,
D……….,

os dois primeiros pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º/1 e 204º/1 alínea f) C Penal, respectivamente, nas penas de 90 e 150 dias de multa, em ambos os casos à taxa diária de € 5,00 e o último pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º/2 C Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

I. 2. Inconformado, com o assim decidido recorreu o arguido C………., pugnando pela revogação da sentença e pela subsunção da sua conduta no tipo de furto simples, não podendo ser condenado pelo mesmo, face à desistência da queixa apresentada pelo ofendido, apresentando as seguintes conclusões:

1. na sentença que ora se recorre, fez-se uma errada apreciação da prova, bem como se verifica insuficiência da matéria de facto provada que levou à condenação do arguido/recorrente;
2. a este foi imputado a prática de um furto, qualificado pela alínea f) do nº. do artigo 204º C Penal, contudo determina o nº. 4 do mesmo artigo que poderá haver desqualificação se a coisa furtada for diminuto valor;
3. sucede que, os factos provados, no que respeita a esse elemento essencial do valor do objecto furtado, não permitem a decisão que foi tomada pelo Tribunal "a quo";
4. na medida em que tal valor foi determinado apenas e só pelo depoimento do ofendido, que se mostrou incoerente, contraditório e impreciso, conforme se transcreveu, fazendo o Tribunal "a quo" uma errada apreciação de tal prova;
5. deste modo, não poderia ter dado como provado que o valor da coluna “E……….” era superior a € 100,00;
6. e, não se podendo determinar, perante a falta de elementos de prova quanto ao objecto da subtracção, o seu valor, o furto que se pode imputar ao arguido/recorrente é o valor mínimo - valor diminuto - em face do qual não há lugar à qualificação do crime;
7. também o principio constitucional do "in dubio pro reo, principio relevante do processo penal, impõe que a insusceptebilidade de determinação do valor do objecto subtraído, tenha de ser valorada a favor do recorrente;
8. neste sentido não poderá ser na qualificação jurídico-penal, considerado um valor que não seja aquele que, neste plano, seja mais favorável, contido na definição legal de valor diminuto;
9. os factos provados apenas permitem a subsunção no tipo de furto simples, o qual também fica prejudicado face à desistência da queixa apresentada pelo o ofendido no inicio da audiência de julgamento, pelo que não pode o arguido ser condenado.

I. 3. Na resposta o magistrado do MP., emitiu parecer no sentido de que perante a evidência dos factos, não deve ser dado provimento do recurso, sustentando as seguintes conclusões:

1. preceitua o artigo 127° C P Penal, que, regra geral (excepcionalmente, há prova que se presume subtraída à livre apreciação, como é o caso da prova pericial – artigo 163°/1 C P Penal), a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, no caso dos autos, o juiz que profere a decisão - princípio da livre apreciação da prova;
2. a livre apreciação da prova pressupõe um entendimento objectivo da mesma, afastando-se a compreensão do livre convencimento do juiz como sinónimo de uma liberdade sem freio na sua apreciação;
3. perante a matéria dada como provada em sede de audiência de julgamento, estão preenchidos os elementos típicos do crime de furto qualificado pelo qual o arguido foi condenado;
4. não existe contradição entre a matéria de facto dada como provada e a prova produzida em sede de audiência de julgamento;
5. por não se tratar de valor diminuto, uma vez que a coluna de som de marca "E………." excede uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto é inaplicável a desqualificativa do n°. 4 do artigo 204º C Penal;
6. destarte, a sentença recorrida, além de aplicar o Direito ao caso concreto, cumprindo com as regras processuais penais legalmente admissíveis, fez também Justiça, ao condenar o arguido pela prática daquele crime e,
7. por todo o exposto, ao contrário do defendido pelo recorrente, esteve bem a Mma. Juiz de Direito ao condenar o arguido pelo aludido crime, na sequência de uma correcta e fundamentada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, pelo que, tal decisão não merece reparo, devendo ser mantida.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exm. Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, defendeu o provimento do recurso, na sequência da procedência, da - ainda que imperfeita - impugnação da matéria de facto atinente ao valor da coluna de som, dando-se prevalência ao princípio in dubio pro reo, no confronto entre as suas declarações e o depoimento do ofendido, quanto a tal precisa e concreta questão.

No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal, nada foi acrescentado pelo recorrente.
No entanto, o arguido B………., notificado do parecer do Sr. PGA veio alegar que o recurso, em caso de comparticipação, aproveita aos não recorrentes e que a limitação do recurso a um aparte da decisão não prejudica o dever de retirar da sua procedência as consequências legalmente impostas a toda a decisão recorrida, pelo que nos termos do disposto nos artigos 402º/2 alínea a) e 403º/3 C P Penal, pelo que requer que a decisão do recurso abranja a sua situação, retirando-se do ponto 3 dos factos provados o segmento “mas que era superior a € 100,00”, passando a sua conduta a integrar o tipo legal de crime de furto simples, arquivando-se os autos, também em relação a si.

O Sr. PGA, em resposta, refere que o requerente foi condenado como autor de um crime de furto qualificado, a título individual e não sob a forma de comparticipação com o recorrente e por isso não tendo interposto recurso, não tem fundamento a sua pretensão, sendo que, de resto, a sua situação não tem paralelismo com a do recorrente, pois que a motivação da decisão quanto ao valor dos bens por aquele subtraídos é diversa, não só porque estão em causa mais objectos, mas, também porque em relação a eles o depoimento do ofendido tem outro valor

No exame preliminar o relator entendeu que o recurso foi admitido com o efeito adequado e que nada obstava ao conhecimento do respectivo mérito.
Na mesma ocasião foi remetida a decisão sobre o requerimento apresentado pelo arguido B………., para a decisão final.

Foram colhidos os vistos legais.

Foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

No caso presente, as questões suscitadas pelo recorrente, que se colocam para apreciação, são as seguintes:

a de saber se existe erro de julgamento quanto ao preciso facto atinente ao valor da coluna de som e,
a de saber se se verifica o vício da insuficiência da matéria de facto provada.

III. 2. Vejamos, no entanto, primeiro, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido:

FACTOS PROVADOS

“(atendendo à desistência de queixa apresentada):
1. No dia 12 de Fevereiro de 2006, cerca das 15,00 horas, aproveitando-se da porta de acesso pelas traseiras se encontrar apenas encostada, o que sucedera, por ter sido arrombada por pessoas e em condições que não se logrou apurar, o B………., com a alcunha de “B1……….” e o C………., com a alcunha de “C1……….”, juntamente com três menores, introduziram-se no interior do estabelecimento denominado “F……….”, sito na ………., em Vila do Conde, estabelecimento esse que funcionava como bar de alterne e apenas à noite, apresentando-se degradado e com sujidade;
2. do seu interior o B………. retirou e apoderou-se de uma aparelhagem de amplificação de som, de marca “G……….” e de uma coluna de som, de marca “E………..”, objectos esses cujo valor concreto se não logrou apurar, mas que sempre seria, quanto a cada um dos objectos, superior a 100 euros, que aquele fez seus levando-os consigo para fora do local;
3. do seu interior, o C……….. retirou e apoderou-se de uma coluna de som, de marca “E…….”, cujo valor não se logrou apurar, mas que era superior a 100 euros, objecto que aquele fez seu, levando-o consigo para fora do local, vendendo-o dois dias depois, pelo preço de 25 euros, ao D………., com a alcunha de “D1……….”;
4. em circunstâncias não apuradas H………. encontrou na rua, nas proximidades de um caixote de lixo, uma coluna de som, de marca “I……….”, a qual havia sido retirada em circunstâncias não apuradas do estabelecimento "supra" referido no dia a que alude os factos descritos em 1. cujo valor não se logrou apurar, mas era superior a 100 euros, que o arguido julgando se tratar de um objecto abandonado, fez sua, levando-a do local;
5. no dia 22 de Março de 2006, ao ser questionado por elementos da P.S.P. sobre o sucedido no estabelecimento referido em 1), H………. perguntou as características da coluna furtada logo mencionando que tinha levado para casa uma coluna que encontrou nas circunstâncias apuradas em 4 e entregou voluntariamente o objecto acima referido, a elementos da P.S.P.. que procederam à sua apreensão;
6. no dia 23 de Março de 2006, após ser confrontado com os factos de que era suspeito, o B………. entregou voluntariamente os objectos acima referidos que subtraíra e se apoderaram, a elementos da P.S.P., que procederam à sua apreensão;
7. no dia 22 de Janeiro de 2007, após ser confrontado com os factos de que era suspeito, o D………… entregou voluntariamente a coluna de som que adquirira ao C………., a elementos da P.S.P., que procederam à sua apreensão;
8. com a conduta descrita, os arguidos B………. e C………., de forma deliberada e com perfeita consciência de que os artigos de que apoderaram não lhes pertenciam e se encontravam em local vedado ao público e que ao faze-los seus como os fizeram, o faziam com intenção de deles se apropriar e contra a vontade do seu dono;
9. com a conduta descrita, o arguido D………. não se assegurou da legítima proveniência da coluna que adquiriu, nada perguntando sobre a mesma, a qual pela sua qualidade - coluna própria para discotecas e bares - e preço lhe seria possível suspeitar que provinha de facto ilícito típico contra o património;
10. sabiam os arguidos B………., C………. e D………. que as suas condutas eram proibidas por lei;
11. todos os objectos "supra" mencionados foram entregues ao seu legítimo proprietário;
12. o arguido B………. nasceu em 12-11-89 e é solteiro;
13. à data referida em 1) vivia e vive ainda actualmente com os pais;
14. frequenta o 10° ano de escolaridade;
15. o arguido não tem antecedentes criminais
16. o arguido é tido por familiares c amigos como pessoa habitualmente responsável. calma e respeitadora dos demais;
17. o arguido C………. nasceu em 16-10-1988 e é solteiro;
18. à data referida em 1) ajudava a "embrulhar" redes e vivia com os pais;
19. actualmente o arguido trabalha como pedreiro, auferindo mensalmente 426 euros e vive com a mãe, uma vez que o pai faleceu e, dois irmãos;
20. o arguido auxilia a mãe nas despesas domésticas, à qual entrega o dinheiro todo que ganha, sendo ela quem lhe gerindo e entregando depois o dinheiro que precisa;
21. o arguido C………. foi condenado por sentença proferida em 24-10-2005 no âmbito do processo comum singular ../05.0 GAPVZ do .° Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, transitada em julgado em 21-11-2005, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 4 euros pela prática em 19-01-2005 de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203° C Penal; tal pena foi declarada extinta pelo pagamento;
22. o arguido é tido por familiares e amigos como pessoa habitualmente calma e de confiança;
23. o arguido D………. nasceu em 22-10-86 e é solteiro;
24. à data referida em 1) trabalhava como ferrageiro e vivia com os pais, com quem vive actualmente e trabalha como marítimo, auferindo mensalmente, em média, cerca de 600 euros;
25. o arguido foi condenado por sentença proferida em 18-05-2006 , no âmbito do Processo …/04.1 PAVCD do . ° Juízo criminal de Vila do Conde na pena de 1 ano e dois meses de prisão, suspensa por um ano e dois meses, pela prática em 12-12-2004, de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º/1 C Penal; tal pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57°/1C Penal”.

FACTOS NÃO PROVADOS

“(atendendo à desistência de queixa "supra" assinalada):
1. nas circunstâncias apuradas em 1. e 2. de 2.1 C………. retirou do interior do estabelecimento e fez sua uma garrafa de whisky;
2. no dia 13 de Fevereiro de 2006, entre as 15 e as 17 horas, aproveitando-se de a porta de acesso pelas traseiras ao referido estabelecimento se encontrar apenas encostada, o H………., introduziu-se no estabelecimento e do interior do mesmo retirou e apoderou-se de uma coluna de som, de marca I……….”, cujo valor não se logrou apurar, mas superior a uma unidade de conta, que fez sua, levando-a do local;
3. o arguido H………. actuou com perfeita consciência de que o artigo de que se apoderava se encontrava em lugar vedado ao público e que ao fazê-lo seu como fez, actuava contra a vontade de seu dono”.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

“O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada em 2.1:
quanto aos factos sob os nºs. 1. a 11.:
atendeu-se essencialmente às declarações dos arguidos B………., C………., H………. e D………. prestadas em audiência de julgamento, conjugadas e corroboradas com o depoimento do ofendido J……….., os demais elementos dos autos, designadamente autos de apreensão de fls. 10, 60 e 83 e autos de reconhecimento avaliação e entrega de fls. 61 e 84, tudo devidamente avaliado à luz das regras da lógica e experiência comum.
Assim e concretizando:
factos descritos em 1) a 3) :
foram reconhecidos de forma unânime e coincidente entre si pelos arguidos B………., C……….., os quais admitiram que sabiam que se tratava de um bar de alterne e que a porta estava visivelmente arrombada e ainda que nele se introduziram nas circunstâncias de tempo, modo e lugar apuradas e retiraram do seu interior os referidos objectos que fizeram seus conjugado com o depoimento do ofendido J………. que explicou que o estabelecimento só funcionava à noite.
No que respeita à factualidade descrita em 3) parte final, foi a mesma ainda corroborada pelas declarações do arguido D………. que admitiu que comprou a mencionada coluna de som ao arguido C………. por 25 euros, sem se assegurar da sua legítima proveniência;
no que respeita à factual idade descrita em 4) foi a mesma admitida nos precisos termos que resultaram apurados pelo arguido H………. . Efectivamente o arguido H………. apesar de admitir que esteve no o interior do estabelecimento no dia 13-03-­2006 negou que tivesse retirado qualquer bem do seu interior, alegando que aí também não se encontrava qualquer bem de valor, tendo após encontrado tal coluna próxima do contentor do lixo como resultou apurada, com o que explicou a entrega da mesma, nos termos documentados no auto de apreensão de fls. 10 e entrega de fls. 61. Nesta parte as declarações do arguido não só não são contrariadas por qualquer outra prova, como vêm a ser indirectamente corroboradas pelo depoimento do ofendido J.........., o qual esclareceu que deu por falta de todos os objectos logo no primeiro dia do furto (dia 12-03-2006), incluindo a referida coluna de som de marca "I………." ou seja dia 12-03-2006, não tendo ficado após tal data qualquer coluna que fosse furtada no dia seguinte (13-03-2008).
Já no que tange ao valor dos objectos em causa, pese embora nos autos de avaliação de fls. 61 e 84 um valor bastante mais elevado lhes tenha sido atribuído pelo ofendido (vide autos de reconhecimento avaliação e entrega de fls. 61 e 84), a verdade é que este no depoimento que prestou em audiência de julgamento não conseguiu concretizá-lo nos valores aí constantes (bastantes mais elevados), limitando-se de forma que se afigurou credível, séria, objectiva e responsável, tanto mais que demonstrativa de não ter qualquer intuito persecutório, a assegurar que o valor de cada um desses objectos (colunas e aparelhagem) individualmente considerado, sempre seria superior a 100 euros, pois apesar de se tratarem de objectos usados já com cerca de 10 anos, era material técnico especializado e adequado para discotecas e bares, de elevado custo de aquisição, o qual se encontrava em boas condições de funcionamento, tendo inclusivamente funcionado na noite anterior à ocorrência do furto a que se reporta 1) dos factos provados. Tal foi inclusivamente, em parte corroborado pelas declarações do arguido D………. que revelou conhecimento nessa matéria, corroborando que a coluna “E……….” que adquiriu não era uma vulgar coluna de som que normalmente as pessoas adquirem para as suas residências, mas uma apropriada para bares e discotecas;
factos sob o nº. 5:
nas declarações do arguido H………. nesse sentido, conforme já "supra" referido, corroborado pelo auto de apreensão de fls. 10;
factos sob o nº. 6:
nas declarações do arguido B………., que o admitiu nesses precisos termos, corroboradas pelo teor do auto de apreensão de fls. 60;
factos sob o nº. 7:
nas declarações do arguido D………., que o foram no sentido do apurado, corroboradas pelo auto de apreensão de fls. 83;
factos sob o nº. 11:
nos autos de entrega de fls. 61 e 84, corroborados pelo depoimento do ofendido J………. pese embora este, em audiência de julgamento, estar algo confuso sobre a entrega da coluna "I……….' que alegou não ter ocorrido, o que é directamente contrariado quer pelo auto de apreensão de fls. 10, quer pelo auto de entrega de fls. 61 e que assim foi integralmente atendido.
No que respeita à factualidade subjectiva nos termos apurados em 8), 9) e 10) resultou a mesma, em parte das declarações dos arguidos prestadas em audiência de julgamento, conjugadas com a demais factualidade objectiva apurada tudo avaliado à luz das regras da lógica e experiência comum. Efectivamente os arguidos B………., C………. admitiram que retiraram e fizeram seus tais objectos como quiseram, sem autorização do respectivo dono e mais admitiram que sabiam tratar-se de um bar alterne, que funcionava à noite e que a porta do mesmo pela qual se introduziram se encontrava visivelmente arrombada, pelo que também não tinham autorização do dono para se introduzirem no interior do estabelecimento, ficando de todas estas circunstâncias abalada a versão dos arguidos de que desconheciam a ilicitude da sua conduta, tanto mais que apesar de o arguido C……….. invocar tal desconhecimento, do qual apenas teve consciência quando chegou a casa e teve um sermão da sua mãe, admitiu que mesmo depois disso vendeu a coluna de som ao arguido D………., dizendo ainda que a trouxe porque era a única coisa de valor no interior do estabelecimento.
Por sua vez, o arguido D………. admitiu que nada perguntou sobre a coluna que adquiriu ao C………., tendo consciência que a mesma se tratava de uma coluna especial, de dimensões consideráveis, própria para discotecas e bares e não para ouvir música no interior das residências, mais admitiu que combinou o preço de 25 euros ainda sem a experimentar e comprou porque considerou um bom preço. Assim e apesar de o arguido invocar que tal coluna não funcionava e que não desconfiou do preço por isso, tal não mereceu a credibilidade do tribunal, desde logo porque foi contrariado pelo depoimento do ofendido J………., que confirmou o seu funcionamento, depois porque o arguido D………., confirmou que combinou o preço de 25 euros antes de experimentar a coluna e só a comprou depois de a experimentar (descaindo-se inclusivamente no inicio do seu depoimento e dizendo que gostou do som).
No que tange às condições, pessoas, familiares e económicas dos arguidos, atendeu-se às declarações respectivamente prestadas pelos próprios nessa matéria, que se afiguraram razoáveis e credíveis completadas no que respeita aos factos descritos em 16) e 22), pelos depoimentos das testemunhas de defesa dos arguidos B………. e C………. ouvidas, designadamente e respectivamente, do arguido B………., as testemunhas K………., sua mãe, L………. e M………., suas amigas e, do arguido C………., N………., tio do arguido e O………., sua amiga.
Atendeu-se ainda aos certificados de registo criminal dos arguidos juntos aos autos.
Quanto à factualidade não apurada em 2.2.:
-na ausência de prova segura e concreta sobre a mesma.
Assim a descrita em 1) foi negada pelos arguidos C………. e B………., não resultando a mesma de qualquer outra prova, nomeadamente documental.
Quanto à descrita em 2) e 3) não foi feita prova directa sobre a mesma, sendo tal factualidade contrariada pelas declarações do arguido H………., as quais foram no sentido do apurado em 4) de 2.1, sendo estas últimas inclusivamente corroboradas pelo depoimento do ofendido nos termos "supra" explanados na motivação da factualidade apurada aqui dados por reproduzidos”.

III. 3. Cumpre ainda referir que dos autos consta que:

no início da audiência de julgamento, o ofendido, J………., desistiu da queixa apresentada contra os arguidos;
de seguida pelos arguidos P………., H………., Q………. e S………., foi dito aceitarem a desistência de queixa;
o Magistrado do MP, entendeu que dada a natureza semi-pública dos crimes que eram imputados a estes arguidos, (dano, p. e p. pelo artigo 212º/1 e introdução em local vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º C Penal), devia a desistência de queixa ser homologada e mais promoveu, no tocante aos arguidos T………. e U……….. – faltosos - se desse cumprimento ao estatuído no artigo 51º/3 C Penal;
seguidamente a Sra. Juiz, julgou válida, relevante e tempestiva a desistência de queixa, que homologou e declarou extinto o procedimento criminal quanto àqueles 4 arguidos e quanto àqueles crimes;
mais determinou o cumprimento do estatuído no artigo 51º/3 no tocante aos 2 arguidos faltosos;
seguiu o julgamento para apreciação dos crimes de furto qualificado e de receptação, que culminou na sentença recorrida.

Por outro lado, recorde-se o que consta a fls. 61 e 84 dos autos:
o primeiro referente a um conjunto de bens, em que se incluía a coluna de som em causa, e aos quais o ofendido atribuiu o valor de € 1.800,00;
o segundo, já só referente à questionada coluna, onde o mesmo ofendido lhe atribuiu o valor de € 1.250,00;
na acusação - não se concedendo qualquer relevo a estes julgamentos feitos pelo ofendido - imputa-se ao recorrente a retirada e a apropriação de uma coluna de som, de marca «E……….» e de uma garrafa de whisky, objectos cujo valor não se logrou apurar, mas cuja soma, se dizia, ser superior a 1 UC;
no despacho constante de fls. 449, proferido em audiência de julgamento, no cumprimento do disposto no artigo 358°/1 e 3 C P Penal, faz-se a destrinça entre os 2 bens, atribuindo-se à coluna um valor não concretamente apurado, mas sempre superior aos ditos € 100,00, sendo certo que a subtracção da garrafa de whisky foi levada aos factos não provados.

III. 4. Vejamos então.

III. 4. 1. São elementos constitutivos do crime de furto: elemento objectivo: subtracção ilegítima; de coisa móvel alheia; elemento subjectivo que o agente tenha intenção de se apropriar ilegitimamente para si ou para outrem da coisa.

O crime de furto integra-se na categoria dos crimes materiais – a cuja tipicidade interessa o resultado – condicionado à lesão do património de outrem, pelo que não se pode falar em furto quando não há uma efectiva diminuição do património do lesado.
O valor patrimonial da coisa constitui no dizer o Prof. Faria Costa, in Comentário, II, 44, um elemento implícito do tipo legal de crime de furto.
Se a coisa objecto do crime de furto tem de ter um valor patrimonial, por outro lado, este tem que ultrapassar um limiar mínimo para que a sua protecção enquanto coisa alheia, ascenda à dignidade penal, ibidem.

O tipo legal de crime enunciado no artigo 203º do Código Penal exige, para a sua verificação, uma efectiva lesão no património do lesado, devendo necessariamente ter algum valor, embora mínimo, mas não desprezível, de modo a que sua subtracção cause prejuízo à pessoa lesada, cfr. Maia Gonçalves in C Penal Português, 17ª edição, 674.
Entendimento que tem subjacente a ideia de que a coisa subtraída deve representar para o dono - senão um valor reduzível a dinheiro - pelo menos uma utilidade, valor de uso, seja qual for, de modo que possa ser considerada como integrante no seu património.
A punição do crime de furto está relacionada com o valor do objecto subtraído.
O valor da coisa furtada determina, quer a qualificação dos factos como de furto simples, de furto qualificado em 1º ou em 2º grau ou de furto simples por desqualificado, quer, as inerentes molduras penais abstractas.
Com efeito, o tipo legal de crime de furto, quanto ao elemento valor da coisa objecto do ilícito, está assim estruturado:
1. quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa, artigo 203º/1 C Penal.
2. Quem furtar coisa móvel alheia de valor elevado é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, artigo 204º/1 alínea a) C Penal.
3. Quem furtar coisa móvel alheia de valor consideravelmente elevado é punido com prisão de 2 a 8 anos, artigo 204º/2 alínea a) C Penal.
4. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor, artigo 204º/4 C Penal.
5. para efeito do disposto nos artigos seguintes considera-se:
valor diminuto aquele que não exceder 1UC;
valor elevado aquele que exceder 50 UC,s,
valor consideravelmente elevado que exceder 200 Uc,s,
valor qualquer deles, sempre reportado ao momento da prática do facto (não sendo aplicável a lei posterior que venha a aumentar o valor da UC, entendimento que o TC decidiu através do Ac. 527/2006 não ser inconstitucional).

Com a utilização da terminologia “diminuto valor”, introduzida através da Reforma de 1995, operada através do Decreto Lei 48/95 de 15SET, o legislador substituiu a anteriormente contida no nº. 3 do artigo 297º C Penal de 1982 de “insignificante valor”.

Com a previsão contida no nº. 4 do artigo 204º, o que acontece é que se considera que o comportamento - em princípio, susceptível de ser enquadrado como adequada expressão de qualificação - deve ser degenerado para a integração no crime matriz – o furto simples.
Ou perante um contra tipo - no dizer de Faria Costa in Comentário Conimbricense, ou pressuposto negativo de aplicação da norma incriminadora lhe chama Samson, ou irrefutável contra-indicação contra a gravidade do caso, no dizer de Eser, ambos citados no mesmo local.
Assim para se afirmar o preenchimento das diversas previsões atinentes ao crime de furto, importa saber qual o valor do objecto subtraído para se incluir no valor elevado ou consideravelmente elevado ou diminuto e assim estar preenchido o tipo de furto qualificado, em 1º e ou 2º grau (no caso de valor elevado ou consideravelmente elevado) ou perante um crime de furto simples (no caso de valor inferior a elevado ou quando existindo outras circunstâncias qualificativas, o valor for diminuto).

Donde, para a verificação do tipo legal de furto qualificado será ainda necessário, a acrescer aos elementos constitutivos do crime de furto simples, matriz, base, tipo, a verificação de uma qualquer das circunstâncias previstas no elenco do nº. 1 ou do nº. 2 do artigo 204º C Penal e que o valor da coisa exceda o valor da UC, reportado ao momento da praticados factos.
Se o valor da coisa não exceder o valor da UC, não se pode ter como preenchido o tipo legal qualificado, apenas e tão só, o da matriz, referencial, furto simples.
Em apertada conclusão, quando no nº. 4 do artigo 204º C Penal, se dispõe que, “não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor”, tal deve ser lido e interpretado como constando, implicitamente de qualquer das alíneas – com excepção das alíneas a) – dos nºs. 1 e 2 do artigo 204º, a referência “desde que o valor do objecto da apropriação seja de valor superior à UC”.
Ou dito por outra forma, o legislador poderia ter optado por manifestar o entendimento – que temos como certo - de que o tipo legal de furto qualificado implica que o valor da coisa subtraída seja superior ao correspondente a 1 UC, fazendo, constar, expressamente de qualquer uma das referidas alínea, a expressão, “desde que o valor do objecto da apropriação seja superior à UC”.
Assim, já não se colocaria em dúvida o entendimento de que, também estaríamos perante um elemento constitutivo do tipo legal de furto qualificado, de carácter, inequivocamente, positivo e cuja prova, não podia deixar de incumbir à acusação.

No caso em apreço, os factos foram praticados em 2006, ano em que a UC correspondia a € 89,00 euros.
Por facilidade de raciocínio diremos então, que se integram no artigo 203º do Código Penal todos as subtracções ilegítimas de coisas alheias cujo valor não seja superior a € 89,00.

III. 4. 2. Na sentença recorrida, sob o nº. 3 julgou-se provado que “do seu interior, o C……….. retirou e apoderou-se de uma coluna de som, de marca “E……….”, cujo valor não se logrou apurar, mas que era superior a 100 euros, objecto que aquele fez seu, levando-o consigo para fora do local, vendendo-o dois dias depois, pelo preço de 25 euros, ao D……….., com a alcunha de “D1……….”.
Acerca da motivação sobre o valor da coluna de som, consta da decisão recorrida que, “já no que tange ao valor dos objectos em causa, pese embora nos autos de avaliação de fls. 61 e 84 um valor bastante mais elevado lhes tenha sido atribuído pelo ofendido (vide autos de reconhecimento avaliação e entrega de fls. 61 e 84), a verdade é que este no depoimento que prestou em audiência de julgamento não conseguiu concretizá-lo nos valores aí constantes (bastantes mais elevados), limitando-se de forma que se afigurou credível, séria, objectiva e responsável, tanto mais que demonstrativa de não ter qualquer intuito persecutório, a assegurar que o valor de cada um desses objectos (colunas e aparelhagem) individualmente considerado, sempre seria superior a 100 euros, pois apesar de se tratarem de objectos usados já com cerca de 10 anos, era material técnico especializado e adequado para discotecas e bares, de elevado custo de aquisição, o qual se encontrava em boas condições de funcionamento, tendo inclusivamente funcionado na noite anterior à ocorrência do furto a que se reporta 1) dos factos provados. Tal foi inclusivamente, em parte corroborado pelas declarações do arguido D………. que revelou conhecimento nessa matéria, corroborando que a coluna “E……….” que adquiriu não era uma vulgar coluna de som que normalmente as pessoas adquirem para as suas residências, mas uma apropriada para bares e discotecas”.
Discorda o recorrente do julgamento como provado relativamente ao valor da coluna “E……….”, como sendo superior a € 100,00.
O recorrente discorda da fundamentação deste segmento da decisão, imputando-lhe uma errada apreciação da prova, bem como o vício da insuficiência da matéria de facto provada:
Com efeito, defende o recorrente que o valor foi determinado apenas e só pelo depoimento do ofendido - que se mostrou incoerente, contraditório e impreciso, fazendo o Tribunal "a quo" uma errada apreciação de tal prova, donde, no que respeita ao elemento – essencial - do valor do objecto furtado, não é permitida a decisão que foi proferida.
Assim, conclui, que por recurso ao princípio do "in dubio pro reo, perante a insusceptebilidade de determinação do valor do objecto subtraído, o julgamento de tal questão tem que ser valorada a seu favor; não poderá, em sede de qualificação jurídico-penal, ser considerado um valor que não seja o mínimo, nas 2 versões em confronto, no caso valor diminuto, por resultar mais favorável, donde, não há lugar à qualificação do crime de furto, pelo que se deve julgar válida a desistência de queixa apresentada pelo ofendido.

III. 4. 3. Como vimos já, o valor atribuído pelo ofendido, na fase de inquérito, não foi – qua tale - levado à acusação.
E bem. O que terá tido subjacente o entendimento de que atribuído através do expediente do valor jurado dado pelo ofendido - no que se pode considerar como um mero exame descritivo, de rotina, mais destinado a conferir e identificar o objecto apreendido, tendo em vista a sua entrega ao mesmo ofendido - não, especificamente, destinado a determinar o seu real valor.
Tivesse a coluna de som sido objecto de prova pericial tendente ao seu exame e avaliação, nos termos do artigo 163º/1 C P Penal e, então o juízo técnico e/ou científico, inerente, presumir-se-ia subtraído à livre apreciação do julgador. Com efeito, como escreve o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso, II, 3ª edição, 197, “a perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”, sujeita a regras próprias de selecção, nomeação e ajuramento.
O que está em sintonia com a definição contida no artigo 388º C Civil, segundo a qual a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
O que justifica a vinculação do julgador ao juízo emitido pelo perito é o seu carácter eminentemente “técnico, científico ou artístico”, que lhe advém dos especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos de que se presume dotado o perito que realiza a perícia.
Mas no caso - estranhamente, frise-se - nada disto aconteceu.

O valor foi atribuído pelo ofendido, que não consta que possua quaisquer conhecimentos técnicos específicos sobre colunas de som (para além de as utilizar no exercício da sua profissão, pois que nem foi ele que tinha comprado a concretamente objecto do furto levado a cabo pelo recorrente) nomeadamente sobre os seus valores comerciais correntes, ao fim de 10 anos depois da aquisição da concreta coluna a que atribuiu o valor.

Não se tratando de um exame realizado por peritos dotados de conhecimentos especiais de natureza técnica, científica ou artística, não se pode atribuir àquele valor jurado, a eficácia probatória própria da prova pericial, a que alude o nº 1 do artigo 163º C P Penal.
O que quer dizer que o valor atribuído na fase de inquérito, não contendo, um juízo técnico, científico ou artístico, emitido por perito com conhecimentos especiais, não estando, por isso, sujeito ao regime de vinculação previsto no artigo 163º C P Penal, seria apreciado livremente pelo tribunal, segundo as regras da experiência, artigo 127º C P Penal, em conjugação com outras eventuais provas que tenham sido produzidas sobre tal facto.
Entendimento, desde logo acolhido pelo MP, ao alegar na acusação, que o valor da coluna de som era superior a € 100,00, não concedendo, sequer nem grande, nem decisiva, credibilidade à avaliação feita pelo ofendido, correspondente a € 1.250,00.

Não há, nos autos, nem prova vinculada nem sequer, objectiva quanto ao valor da coluna.
Prova que se poderia ter logrado conseguir (o ofendido referiu estar ainda na posse da coluna) – apesar do tempo decorrido sobre a prática dos factos, o que remeteria a questão, então, para o estado de funcionamento da coluna, ao tempo dos factos - e, que a concreta prova pessoal produzida, exigiria, através de prova pericial, mesmo ordenada oficiosamente ou aproveitando-se o requerimento feito, pelo recorrente, nesse sentido.
O impasse sobre o valor da coluna, assim o impunha, por forma a que se esgotasse a questão do valor, decisiva, para a qualificação jurídica dos factos, tendo presente que o ofendido havia declarado desistir da queixa contra os arguidos e a questão do valor assumia importância determinante, na solução de uma questão que poderia levar, desde logo, à não punição do recorrente.

O certo é que nem o recorrente impugnou o despacho que indeferiu a sua pretensão, nem suscitou a verificação de qualquer nulidade, maxime, a omissão de diligência que se pudesse reputar de essencial para a descoberta da verdade, artigo 120º/2 d) C P Penal, que não constitui nulidade insanável e por isso está dependente de arguição, não podendo o Tribunal dela conhecer oficiosamente, estando, então, há muito sanada pelo decurso do tempo.

Resta apreciar - como de resto o recorrente enfocou o apelo a este Tribunal - a forma como foi apreciada a prova no caso as declarações do recorrente, bem como do arguido que lhe adquiriu a coluna de som, através da reapreciação do processo seguido na formação da convicção do Tribunal:

em sede de análise crítica da prova aquando da fundamentação do julgamento sobre a matéria de facto, expende-se na decisão recorrida que, “quanto ao valor coluna em causa divergiu dos valores de avaliação documentados a fls. 61 e 84 dos autos por o ofendido não ter conseguido concretizar os valores aí constantes”; por outro lado, “acolheu-se o dito valor superior a € 100,00 porque o ofendido, de forma que se afigurou credível, séria, objectiva e responsável, o assegurou”; para além disso, no dizer do Tribunal, “o arguido D………. corroborou, em parte, o depoimento do ofendido, revelando-se conhecedor da matéria”.

Não obstante a sua entrega ao ofendido, cfr. fls. 84, nunca foi objecto de adequada perícia, nem na fase de inquérito, como vimos já, nem posteriormente, apesar de requerida, pelo arguido em audiência.

III. 4. 4. Em audiência, onde as provas têm que ser produzidas ou analisadas, sob pena de não poderem servir para formar a convicção do Tribunal, artigo 355º/1 C P Penal, o ofendido nem sequer reafirmou o valor atribuído no inquérito.
Por outro lado, o recorrente, criou um estado de dúvida, quer sob e estado da coluna de som, quer sobre o seu inerente valor, no que foi corroborado pelo arguido que lha adquiriu.
Com efeito, atente-se, na prova pessoal produzida em audiência:
o ofendido quando perguntado sobre se sabia indicar a marca da aparelhagem que possuía no estabelecimento disse, "sei que era uma boa aparelhagem e que, sinceramente, já não se recordava da marca”;
questionado sobre o seu valor comercial, respondeu: "eu não sei, não fui eu que a comprei, foi o meu irmão, que era meu sócio; isso já foi há muito tempo; eu não vou avaliar uma coisa que eu não sei";
questionado pelo MP, sobre se em concreto, a aparelhagem valia mais de € 100,00, respondeu "ai, muito mais, é que não foi só um aparelho que eles tiraram"; "aquilo já estava comprado há uns anos"; "eu não aponto nada do que é que me custou";
perguntado, sobre se a coluna da marca ”E………..” tinha um valor superior a € 100,00, respondeu: “muito mais”;
concretamente, sobre se sabia dar um valor a cada uma das colunas, disse "também não sei dar”, acrescentando que "elas trabalhavam";
questionado sobre se tinha lá outras colunas, de marca «I……….» e respectivo valor, disse: "ai, essas valiam muito mais", repetindo, "isso já foi comprado há muitos anos"; “sobre o valor não posso dizer" e, esclarecendo que “as colunas de marca “I……….” tinham metade das dimensões das “E……….”, mas tinham mais valor”;
perguntado pela Sra. Juiz, respondeu ainda que "o estabelecimento funcionava, não obstante ter as janelas tapadas com tijolos";
perguntado pela defensora do recorrente, respondeu que “já tinha lá a aparelhagem há cerca de dez anos”;
quanto à coluna “E……….”, perguntado novamente se valia mais de 90,00 euros, respondeu: "não sei, isso já lá vai há uns anos"; "as mais fracas eram as “E……….;
a pergunta da Sra. Juiz, sobre o valor de cada uma das colunas “E……….”, concretamente se tinha a certeza que valia mais de € 100,00 – pergunta precedida do esclarecimento sobre a importância de tal questão, cuja resposta podia modificar o crime pelo qual o recorrente vinha acusado - respondeu: "claro".

Por sua vez, das declarações do arguido D………., comprador da coluna, resulta o seguinte:
questionado pela Sra. Juiz sobre se comprou a coluna, disse: "a coluna estava avariada; só dava os " twiters", a boca não dava, tive que comprar peças para a coluna";
ainda a pergunta da Sra. Juiz, respondeu que: “uma coluna daquelas custava, para aí, € 200,00 euros” e que “a boca que estava queimada custou € 150,00”; “eu queria era aproveitar a caixa, depois ia comprar as peças"; "não achei estranho a venda por € 25,00, porque estava avariada"; “tive que ir à Póvoa buscar peças para a coluna''.

Daqui se evidencia que o depoimento do ofendido está repleto de incertezas e imprecisões, ao contrário da clarividência e credibilidade afirmadas, aquando da análise criticada prova, na decisão recorrida.
Por outro lado, das declarações do arguido D………., que revelou alguns conhecimentos sobre a matéria, não se pode sustentar com base no que disse que o valor da coluna que adquiriu ao recorrente tivesse, na ocasião, o valor sequer de € 100,00.

Na verdade, perpassa da motivação, um estado de dúvida sobre o valor do bem furtado.
Perante este quadro, a afirmação de qualquer valor concreto – não apurado de forma vinculada ou pelo menos objectiva – surgiria como não resistente à crítica de falta de rigor, de base sólida de sustentação.
A acrescer, no caso, por se haver decidido, no impasse a que se chegou, em desfavor do arguido, não tanto, é certo, especificamente do surgimento da dúvida sobre o questionado valor, mas ante as dificuldades na fundamentação do valor julgado provado, o Tribunal de 1ª instância desatendeu o princípio in dubio pro reo, a propósito do valor da coluna de som, apesar de ter tomado consciência – que expressamente evidenciou, na forma como se dirigiu ao ofendido - da importância da sua rigorosa determinação.

Como é consabido, em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta aprova feita, o arguido seja absolvido”[1],
O princípio do in dubio pro reo, é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, reportada à decisão da matéria de facto e, sem qualquer restrição.
Aplica-se não apenas aos elementos constitutivos do tipo, mas ainda ao elementos fundamentadores da pena e agravantes da incriminação, às atenuantes modificativas ou gerais, como também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa e na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão susceptível de desfavorecer, objectivamente, o arguido, vg. nulidades, pressupostos processuais e critérios de aplicação de uma lei de amnistia[2].
“Ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (v.g. a legítima defesa) e de exclusão da culpa (v. g. o estado de necessidade) e de exclusão da pena (v. g. desistência da tentativa), bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas “modificativas” ou simplesmente “gerais”. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado prova completa da circunstância favorável ao arguido”[3].

É o Tribunal "a quo” quem dá devida conta da dúvida, ao aludir à existência dos autos de avaliação de fls. 61 e 84, a que imputa a consignação de um valor bastante elevado, e ao considerar que o ofendido não conseguiu concretizar valores
Mas depois, com ancoramento nessa mesma prova, dita não concretizadora de valores, encontrou arrimo para a consideração do valor, como sendo supoerio a € 100,00, sem que se lobrigue uma base sólida em que possa assentar esse juízo.

Muito embora o ofendido pouco ou nada soubesse quanto ao valor do bem ou bens furtados-argumentando que tinham sido comprados há cerca de dez anos e que tinham sido comprados por um terceiro, o seu irmão e sócio - foi-lhe perguntado se admitia um valor superior a 100,00 (cem) euros, ao que ele anuiu.
Por outro lado, nenhum efeito relevante se retirou da referência deixada pelo arguido D………., quanto ao facto de uma coluna como a dos autos custar cerca de 200,00 (duzentos) euros _ certamente em estado de nova - e de a dos autos ostentar deficiências que demandavam uma reparação no valor de 150,00 (cento e cinquenta) euros, muito embora se não tenha conseguido dar por adquirida a deficiência: assim se ficando, mais uma vez, no estado da incerteza.
Perante a concreta prova pessoal produzida em audiência, não poderá deixar de perpassar pelo espírito do julgador, um estado de incerteza, de dúvida séria, quanto ao valor da coluna de som, que maior relevo assume, se atentarmos não só ao facto de também, se ter criado a dúvida sobre o estado de funcionamento (se funcionava ou não ou se o fazia em qualidade ou não, o que assume reflexo directo e imediato no seu valor venal), tendo presente o estado em que se apresentavam as instalações do estabelecimento comercial onde estava instalada (a funcionar ainda na véspera, nas palavras do ofendido) com as janelas emparedadas por tijolos e com as portas partidas.

Dúvidas, então, não existem de que sobre a acusação impendia o ónus da prova do facto de o valor da coisa subtraída ser superior ao correspondente a 1UC.
Isto é, o preenchimento de qualquer das previsões contidas no tipo legal do artigo 204º C Penal pressupõe a prova positiva de que o valor da coisa é superior a 1 UC.
Outro entendimento, designadamente de que sobre o arguido impendia o ónus de provar que o valor, pelo contrário, não era superior a 1 UC, não é admissível, sob pena de estarmos perante uma manipulação arbitrária e injustificável do princípio in dubio pro reo, determinante de uma inconstitucional presunção de culpabilidade.

III. 4. 5. O STJ através de Ac. de 26JUN1997 in CJ, S, II, 250, decidiu – ainda que com 1 voto de vencido - que a circunstância de não se ter conseguido apurar o real valor das quantias pecuniárias subtraídas não serve para se desqualificar o furto, nos termos do nº. 3 do artigo 297º ou do nº. 4 do artigo 204 C Penal, pois que para se considerar o valor como insignificante – ao tempo – seria necessário um juízo positivo sobre este valor, o que se não verifica.
Contrariando, no entanto, a posição que fizera vencimento naquele aresto, o STJ no Ac. de 12NOV1997, in CJ, S, III, 232, decidiu em sentido contrário, entendendo-se então, que quando não for possível quantificar o valor da coisa móvel subtraída ou tentada subtrair, deve considerar-se o mesmo como diminuto, por mais favorável ao agente.
Este Ac. é anotado por Simas Santos in RPCC ano 8, 459 e ss, em sentido desfavorável e favorável àquele de 26JUN, onde defende, em obediência aos princípios da legalidade e da tipicidade, que só terá lugar a agravação dos nºs. 1 e 2 do artigo 204º C Penal se o Tribunal estabelecer positivamente que o valor da coisa subtraída excede 50 ou 200 UC,s avaliadas no momento da praticado facto e da mesma forma só a constatação, obviamente, positiva, de que se trata de coisa de diminuto valor é que neutraliza a maior ilicitude ou culpa a que se reportam as circunstâncias agravativas previstas nas diversas alíneas dos nºs. 1 e 2 do artigo 204º C Penal.
Ali se defende que não vale o argumento de que o nº. 4 do artigo 204º C Penal contém um elemento negativo do tipo e, conclui-se que são coisas distintas a dúvida do Tribunal sobre determinado facto e a falta de prova desse facto, sendo que no caso concreto, do Ac. em anotação, nem sequer o arguido tinha invocado a questão do diminuto valor da coisa, antes e tão só, se aproveitou da falta de determinação do valor, o que não traduz qualquer dúvida.

Entendemos, no entanto, que o melhor entendimento, tendo presente todo o exposto, a propósito, quer do entendimento dos elementos constitutivos do tipo legal de furto qualificado e da articulação com o crime matricial do furto simples, quer derivado da aplicação do princípio do in dubio pro reo, não pode deixar de ser o consagrado neste último Acórdão[4].

Assim, em resumo, uma vez que se não logrou fazer a prova de qualquer valor da coisa subtraída, por aplicação directa do princípio in dubio pro reo, há que concluir que não pode o arguido ser condenado pela prática do crime – que o MP lhe imputa - de furto qualificado, pelo nº. 1 do artigo 204º C Penal, que tem como pressuposto que o valor seja superior a 1 UC, donde, se há-de considerar como verificada a causa de desqualificação prevista no nº. 4 da mesma norma.

A mesma solução seria concedida à situação, também usual, mas menos frequente do que a reportada ao valor, atinente à prova da propriedade da coisa subtraída – enquanto o ofendido defendia que lhe pertencia ou que não pertencia ao agente, este defendia que a coisa era sua propriedade, sem que se lograsse ultrapassa com o recurso a outros meios de provam, tal impasse.

De resto, outra coisa se não vem fazendo neste processo - que não com base no princípio in dubio pro reo que se te como aplicável ao momento da decisão da matéria de facto inerente à sentença – do que sufragar-se o entendimento mais favorável ao agente, (digamos que o mínimo denominador comum) no confronto entre a sua posição e a do ofendido, desde logo quando este refere que a porta foi estroncada na noite em que lhe subtraíram a coluna de som e quando o recorrente refere que a porta estava aberta quando se introduziu no estabelecimento, ou quando o ofendido refere que lhe foi subtraída uma coluna de som da marca “I……….” e um outro arguido refere que a dita coluna que lhe veio a ser apreendida, não foi por si furtada, referindo que a tinha encontrado abandonada, perto do estabelecimento do ofendido.

Assim, na reapreciação dos específicos fundamentos em que se estruturou o julgamento da 1ª instância, há que afirmar a violação do principio in dubio pro reo e em consequência, nos termos do disposto no artigo 431° aIínea b) C P Penal, há que modificar o julgamento ali efectuado, no segmento reportado ao ponto 3 dos factos provados, por forma a que passe a constar dos factos não provados que “o valor da coluna de som era superior a € 100,00”.

Daqui resultará, então, que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar a previsão do tipo legal de crime de furto simples, (no caso desqualificado) p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º/1 e 204º/1 alínea f) e 4 C Penal.
Crime que nos termos do nº. 3 do artigo 203 C Penal assume a natureza de semi-público e como o ofendido desistiu da queixa, cfr. acta da audiência, fls. 395, desistência que se deve considerar aceite pelo arguido, aqui recorrente, face à sua concreta posição aqui assumida, há que julgar válida, relevante e eficaz a mesma, que se homologará e, julgando-se em consequência extinto procedimento criminal contra o recorrente.

III. 4. 6. Deste modo, fica prejudicado o conhecimento do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que de qualquer forma, pela forma como concretamente foi sustentado, não se verificaria de todo.
O recorrente confunde este vício com a falta de prova para os factos provados ou a discordância do sentido em que a prova foi apreciada.

III. 4. 7. O artigo 402º/2 C P Penal traduz-se na extensão subjectiva do âmbito do recurso e nos termos da alínea a), “salvo se fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso aproveita os co-arguidos acusados em comparticipação com o arguido recorrente”.
Por sua vez, o artigo 403º C P Penal prevê a delimitação objectiva do recurso, dispondo o nº. 3 que “a limitação do recurso a um aarte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”.
Só depois de se definir o âmbito do recurso objectivamente – que crimes são objecto de recurso – se pode estender o conhecimento aos não recorrentes, se os motivos do recurso não forem estritamente pessoais
Assim quando o recurso de um arguido se funda em motivos não estritamente pessoais, o tribunal de recurso tem o dever de retirar oficiosamente da procedência das conclusões do recurso as consequências relativamente às partes da decisão que afectem os co-arguidos não recorrentes acusados em comparticipação.
Ao invés, essa obrigação já não existe, relativamente às partes da decisão que afectem os arguidos não recorrentes que não estão acusados em comparticipação com o recorrente.

No caso concreto, resulta medianamente claro, que o recurso não foi fundado em motivos estritamente pessoais, que são vg. a imputabilidade, o dolo, os motivos da acção.

Mas será que existe uma situação de comparticipação criminosa?
A resposta, perante a factualidade apurada e a qualificação jurídico-penal operada, é clara - entre a conduta do recorrente e a dos arguidos condenados que não recorreram, não intercede qualquer relação de comparticipação.
Com efeito o recorrente foi condenado como autor do furto de uma coluna de som de marca “E……….”;
Por sua vez os demais arguidos foram condenados,
o B………., pela prática de um crime de furto de 2 colunas de som, uma da marca “G……….” e uma outra da marca “E……….” e
o D……….., pela prática do crime de receptação, por ter adquirido o objecto furtado pelo recorrente.
Que entre a conduta do vendedor, autor do furto, e a do comprador, autor da receptação, não existe qualquer comparticipação, tratando-se de crimes autónomos, decidiu já o STJ, através do Ac. de 5.7.1989, in AJ 1º, 4, citado por Maia Gonçalves in C P Penal, em anotação ao artigo 403º.
Também no caso, dos 2 furtos supra delineados, resulta que não existe entre eles uma qualquer relação de comparticipação, tal como definida nos artigos 25º, 26º, 27º e 28º C Penal: apesar de cometidos na mesma ocasião, no mesmo local, resultam de actuações paralelas e, não de qualquer situação de co-autoria, pois que se não verifica a conjugação de esforços em execução de um plano conjunto ou de cumplicidade, não existindo auxílio, nem material nem moral, de um ao outro, dos autores dos 2 factos típicos.
O que existe no caso é tão só uma situação de simultaneidade e uma outra de encadeamento naturalístico entre as condutas dos diversos agentes, que se revelam independentes e autónomas entre si.
A sequência dos factos provados, na sequência, de resto, da descrição constante da acusação pública, demonstra, à evidência, face às regras de experiência comum, que os arguidos, recorrente e o B………. agiram, apenas e tão só em simultâneo - não em conjunto, que pressupunha um acordo, ainda que tácito, uma conjugação de esforços e de vontades, com consciência de que a actuação conjunta acarretaria a apropriação do conjunto das 3 colunas de som, resultado, que cada um deles desejava atingir.
No caso em apreço estamos, indubitavelmente, na falta do acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum, perante uma situação de autorias paralelas e já não de comparticipação criminosa.

Não se verificando relação de comparticipação no crime praticado pelo recorrente, o recurso por si interposto não aproveita a qualquer dos arguidos não recorrentes, maxime ao B………., não podendo este Tribunal retirar qualquer consequência da sua procedência, no que a este respeita, quer, quanto à factualidade, quer ao enquadramento jurídico.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido C………. e,
1. modificando o segmento do ponto 3 dos factos provados, onde consta que “o valor da coluna de som era superior a € 100,00”, que passa para o elenco os factos não provados;

2. julgamos que os factos integram a prática pelo recorrente de um crime de furto simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º/1 e 204º/1 alínea f) e 4 C Penal;

3. e, em consequência, julgamos válida, relevante e eficaz a desistência de queixa apresentada pelo ofendido, que homologamos,

4. donde, julgamos assim, extinto o procedimento criminal contra o recorrente.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2009.ABRIL.29
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício

________________________
[1] Rui Patrício, in “O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
[2] Ac. STJ de 4.11.1998, in CJ, III, 201.
[3] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 215.
[4] Neste sentido, a propósito do valor da coisa objecto do furto, decidiu o recente Ac. deste Tribunal de 15ABR2009, relator Manuel Braz, consultado no site da dgsi.