Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425/08.3TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP00043631
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP20100301425/08.3TTGDM.P1
Data do Acordão: 03/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) - LIVRO 98 - FLS 26.
Área Temática: .
Sumário: I. No domínio do Código do Trabalho (2003), a resolução do contrato de trabalho com fundamento no não pagamento da retribuição, está prevista no art. 441º, n.º 2, al. a) e no n.º 3, al. c). No primeiro caso, a resolução do contrato assenta na culpa do empregador, no segundo, na ausência de culpa.
II Resulta do art. 364º, n.º 2, do mesmo diploma, que o trabalhador tem a faculdade de suspender a prestação de trabalho ou resolver o contrato decorridos que sejam 15 ou 60 dias após o não pagamento da retribuição, nos termos previstos em legislação especial.
III A legislação especial a que este normativo se refere é o art. 308º do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei 35/2004,de 27 de Agosto, segundo o qual:
“1- Quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data de vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1 do art. 442º do Código do Trabalho.

3 – O trabalhador que opte pela resolução do contrato tem direito a:
Indemnização nos termos previstos no art. 443º do Código do Trabalho.
…”.
IV Da articulação dessas normas resulta, assim, que a par da justa causa subjectiva e da justa causa objectiva contemplada no supra referido normativo legal, o legislador veio consagrar um regime especial em que, desde que se verifique a falta de pagamento da retribuição, se mostre decorrido o prazo de sessenta dias e seja efectuada a comunicação por escrito, a resolução do contrato torna-se eficaz, conferindo direito ao trabalhador à indemnização por antiguidade a que alude o art. 443º.
V Neste regime prescinde-se da imputação subjectiva da falta de pagamento da retribuição, bem como da invocação e prova do nexo de causalidade entre essa falta de pagamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg.º 423
Apel.425.08.3TTGDM.P1
(PC 425.08.3TTGDM)


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B………., instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, contra C………., alegando em síntese que admitido ao serviço do réu Sob 1 de Julho de 1989 com as funções de marceneiro mecânico, prestando serviço no estabelecimento industrial de fabricação de móveis sito na Rua ………., … – .º, Gondomar. Auferiu as retribuições base mensais de € 334,19 de Janeiro a Dezembro de 2000, 347,16 de Janeiro de 2001 a Maio de 2002, € 359,25 de Junho de 2002 a Dezembro 2003, €365,60 de Janeiro a Maio de 2004, € 380,80 de Junho de 2004 a Dezembro de 20005, € 385,90 de Janeiro 2006 a Fevereiro de 2007 e € 403,00 de Março de 2007 a Dezembro de 2007 e bem assim um subsídio de alimentação que ascendia, pelo menos desde Setembro de 2007, a €2,50 por cada dia de trabalho prestado. Que por carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Abril de 2008, o autor resolveu o respectivo contrato de trabalho nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 364.º nº 2 e 442.º do Código do Trabalho e no artigo 308.º nº 1 da Lei nº 35/2004, em virtude de o réu não lhe ter pago as retribuições respeitantes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2008, facto que foi por aquele reconhecido, sendo que declarou inclusivamente em 7 de Abril de 2008 não ser possível prever uma data para a regularização dessa situação. Pediu a condenação do réu na quantia de 3.570,37 € a título de retribuições em atraso, subsídio de alimentação, férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.2008, partes proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado no ano de 2008, diferenças retributivas e diferenças referentes ao subsídio de alimentação, bem como em indemnização no montante de euros 12.276,56 €, tudo com juros à taxa legal desde a citação.

O réu contestou, alegando em resumo que o comportamento do autor constitui abuso de direito, a resolução por falta de pagamento pontual de retribuição, mesmo que por mais de 60 dias, não dá direito a receber indemnização se não houver culpa da entidade empregadora. Mesmo que se entenda não assistir razão nas posições que defende, sempre a indemnização deveria ser calculada com base em 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

Teve lugar a audiência preliminar, tendo-se proferido de seguida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenado o réu a pagar ao autor as quantias de € 3.570,37 a título de retribuições em atraso, subsídio de alimentação, férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.2008, partes proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado no ano de 2008, diferenças retributivas e diferenças referentes ao subsídio de alimentação relativamente às tabelas constantes das CCT para o sector de actividade, a quantia de € 4.092,19 a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho a que faz referência o art.º 443.º nºs 1 e 2 do Código do Trabalho, calculada com base em 15 dias de retribuição por cada ano completo de serviço, perfazendo o total da condenação a quantia de € 7.662,56, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da citação.

Inconformado com este decisão dela recorre o autor concluindo em síntese que:
A matéria de facto enferma de correcções, os seus pontos 1 e 5, que não correspondem aos elementos existentes no processo (artigos 3 a 6, da p.i. que não foram impugnados), não foi apreciada a matéria de facto da resposta (artigos 4 a 11), deve ser alterado o quadro factual dado como provado na sentença por forma a fazê-lo corresponder à realidade. A indemnização fixada na sentença fica aquém do que seria razoável, que de acordo com os critérios legais deveria ter sido fixada no seu limite máximo.

Recorreu também subordinadamente o réu, tendo arguido a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o Mmo. Juiz não se pronunciou sobre o invocado abuso de direito, concluindo, no seu recurso que não há lugar, no presente caso, à indemnização por antiguidade.

O autor e o réu responderam aos recursos de um e do outro, mantendo os seus pontos de vista.

Admitidos os recursos pelo tribunal a quo, pronunciou-se o Mmo. Juiz no sentido de não ocorrer nulidade da sentença.

O MP emitiu parecer no sentido de que não merece provimento o recurso do réu e que o do autor deve ser parcialmente provido. Sobre esse parecer nenhuma das partes se pronunciou.

Admitidos os recursos foram colhidos os vistos legais.

2. Matéria de Facto
1.º - O autor foi admitido pelo réu sob as suas ordens, direcção e fiscalização, em 1 de Julho de 1989, com as funções de marceneiro, estando categorizado pelo réu como Operador de Pantógrafo de 1.ª, prestando serviço no estabelecimento industrial de fabricação de móveis sito na Rua ………., … – .º, Gondomar.
2.º - O réu é associado da D………. e o autor é associado do E………. desde 07/04/1970, o qual se encontra filiado desde sempre na F………. .
3.º - O autor auferiu do Réu as retribuições base mensais de € 334,19 de Jan. a Dez../2000, €347,16 de JAN./2001 a Maio/02, € 359,25 de Jun/02 a Dez./03, €365,60 de Jan. a Maio/04, € 380,80 de Jun./04 a Dez./05, €385,90 de Jan./06 a Fev./07 e € 403,00 de Março/2007 a Dezembro/2007 e bem assim um subsídio de alimentação que ascendia, pelo menos desde Setembro de 2007, a € 2,50 por cada dia de trabalho prestado.
4.º - Por carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Abril de 2008, o autor resolveu o respectivo contrato de trabalho nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 364.º n.º 2 e 442.º do Código do Trabalho e no art.º 308.º nº 1 da Lei nº 35/2004, em virtude de o R. não lhe ter pago as retribuições respeitantes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2008, como de facto não pagou.

3. O Direito
Com base no preceituado nos artigos 684.º, n.º 3 e art.º 690.º, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a) e art.º 87.º do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões que o autor e o réu colocam à nossa apreciação, nos respectivos recursos, são as seguintes:

A) Recurso (principal) do autor
1. Impugnação da matéria de facto
2. Indemnização por antiguidade

B) Recurso (subordinado) do réu
1. Nulidade da sentença
2. Indemnização por antiguidade

3. A) 1. Da impugnação da matéria de facto
Pretende o autor que ocorre lapso quanto aos pontos de facto números 1 e 5 da sentença, que dizem respeito à data da admissão do autor e sua categoria profissional, bem como à carência económica do réu e que não foi apreciada a matéria de facto dos artigos 4.º a 11.º da resposta.
Analisando os articulados das partes verifica-se que ocorreram efectivamente lapsos na indicação daqueles factos (1 e 5). Mas, porque essas indicações já foram corrigidas por despacho de fls. 136, nada mais há a ordenar sobre essa matéria.
Não foi apreciada a matéria dos artigos 4.º e 11.º da resposta à contestação (onde se refere que até Dezembro de 2007 não havia salários em atraso; e que o genro do réu em reunião de 2.04.2008 disse aos trabalhadores que o melhor seria resolverem os contratos de trabalho por haver salários em atraso), pois sobre a mesma o réu não se pôde pronunciar por ter sido deduzida na resposta.
Nada há, por isso, a alterar à matéria de facto fixada pela 1.ª instância.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.

3. A) 2. Da indemnização por antiguidade
No presente caso, o autor, através de carta registada com A/R, datada de 2 de Abril de 2008, comunicou ao réu que “nos termos do disposto nos artigos 364.º n.º 2 e 442.º do Código do Trabalho e no art.º 308.º nº 1 da Lei nº 35/2004, devem considerar resolvido o meu contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento pontual dos salários dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2008 e por terem decorrido mais de 60 dias sobre a data do vencimento da primeira retribuição não paga”.
É sabido que anteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, vigorava a Lei 17/86, de 14 de Junho, também conhecida por Lei dos Salários em Atraso (LSA), que face à situação de grave crise económica do país, com muitas empresas em situação de salários em atraso, consagrou um regime especial, de responsabilidade objectiva do empregador, não sendo, assim, necessário demonstrar a culpa deste no não pagamento (atempado) da retribuição – o que constituiu um desvio aos princípios gerais da responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 2 do Código Civil).
No domínio do Código do Trabalho, a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento no não pagamento da retribuição, está prevista no art.º 441.º, n.º 2, alínea a) e no n.º 3, alínea c). No primeiro caso, a resolução do contrato assenta na culpa do empregador, no segundo, na ausência de culpa.
Sucede, porém, que no referido Código do Trabalho, se passou a consagrar, nos termos do art.º 364.º n.º 1, que o empregador que faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar juros; e no n.º 2, que “O trabalhador tem a faculdade de suspender a prestação de trabalho ou resolver o contrato decorridos que sejam 15 ou 60 dias após o não pagamento da retribuição, nos termos previstos em legislação especial.”
A legislação especial a que se refere aquela disposição é o Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 35/2004, de 27 de Agosto (RCT), concretamente, o seu art.º 308.º.
Aí se dispõe que:
“1 - Quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data de vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1 do art.º 442.º do Código do Trabalho.

3 – O trabalhador que opte pela resolução do contrato tem direito a: Indemnização nos termos previstos no art.º 443.º do Código do Trabalho
…”.
No art.º 442.º, prescreve-se, por seu turno, que “A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos.”
Ora, se bem atentarmos nas citadas disposições legais, na hipótese que nos ocupa, o legislador não faz depender a resolução do contrato de trabalho da verificação da justa causa subjectiva, ou seja, da culpa do empregador. Exige, sim, a verificação dos seguintes pressupostos para que essa resolução opere: o decurso do prazo de sessenta dias após o não pagamento da retribuição, bem como a observância do procedimento (declaração escrita).
Desta feita, a menção feita ao art.º 443.º n.º 1 (onde se prevêem os critérios de cálculo da indemnização devida ao trabalhador), sem qualquer outra indicação quanto à natureza da conduta do devedor, em nosso entender, apenas quererá significar o modo como deve ser calculada a indemnização por antiguidade nos casos, como o presente, em que se prescinde da culpa do empregador.
Pode, por isso, afirmar-se que a par da justa causa subjectiva e da justa causa objectiva contempladas no referido normativo legal, o art.º 308.º do RCT, veio na realidade consagrar um regime especial em que, desde que se verifique a falta de pagamento da retribuição, se mostre decorrido o prazo de sessenta dias e seja efectuada a comunicação por escrito, a resolução do contrato torna-se eficaz, conferindo direito ao trabalhador à indemnização por antiguidade a que alude o citado art.º 443.º.
No apontado regime, prescinde-se, pois, da imputação subjectiva da falta de pagamento da retribuição, da invocação e prova do nexo de causalidade entre essa falta de pagamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 19.11.2008, www.dgsi.pt
De acordo com o referido art.º 443.º. n.º 1, o montante da indemnização deve ser fixado entre 15 dias e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
O autor pretende que essa fixação o seja no máximo.
Ponderando que o mesmo autor auferia à data da cessação do contrato a retribuição mínima mensal garantida (euros 403,00), tinha 18 anos de antiguidade, sendo de três meses os salários em dívida, afigura-se-nos dever ser aumentada a base da fixação da indemnização para 30 dias por cada de ano de antiguidade, pois que deve reservar-se o seu limite máximo (45 dias) para situações da maior gravidade, que, apesar de tudo, não se configura ser o caso. Deste modo, a indemnização devida deverá ser a de euros 7.254,00.
Procedem, pois, em parte as conclusões de recurso.

3.B) 1 Da nulidade da sentença
Pretende o réu que a sentença é nula por se não ter pronunciado sobre a questão do abuso de direito que invocou.
Analisando os autos, verifica-se que, de facto, o réu alegou que o autor agiu em abuso de direito, uma vez que criou no réu a convicção de que este não precisava de se preocupar com a mora (artigos 26.º a 38.º da contestação). Ora, não se tendo provado essa matéria, a solução dada ao litígio – onde se considerou válida a resolução contratual operada – não passou pela apreciação dessa questão, que se mostra prejudicada nos termos do art.º 660.º, n.º 2. Indefere-se, assim, a arguida nulidade.
Mas mesmo que assim se não considerasse, sempre faleceria razão ao réu,
A figura do abuso de direito, que se encontra prevista no art.º 334.º do Código Civil, pressupõe que por parte do seu titular há um excesso manifesto no respectivo exercício, tendo em conta os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito.
Haverá abuso quando um certo direito (em si mesmo válido) seja exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade - Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 3.ª Edição, pág. 58 e 59.
Exige-se que o excesso cometido seja manifesto. «Os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com razões sociais ou económicas que as legitimam se houver manifesto abuso». Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Coimbra, 4.ª Edição, I Volume, pág. 298.
Ora, no caso em apreço, da factualidade alegada pelo réu, não se pode(ria) retirar que o autor tenha (ou tivesse) agido com abuso de direito. Na verdade, constituindo a retribuição um elemento essencial do contrato de trabalho, dependendo dela a sobrevivência do trabalhador e sua família, estando em atraso meses de remuneração, não é exigível a este continuar a suportar a mora do empregador, quando a lei lhe faculta a possibilidade de resolver o contrato e de auferir a pertinente indemnização. Esse entendimento não é contrariado pelo facto de o autor ter continuado a colaborar com o réu, mostrando-lhe o seu apoio, nem tão pouco por lhe ter solicitado o documento comprovativo da mora e impressos do modelo oficial, para alegadamente os apresentar na Segurança Social. Com efeito, ignorando-se a data em que tais factos terão ocorrido e demais circunstancialismo (por ausência de alegação da ré), os mesmos apenas permitem concluir que o autor era um dedicado trabalhador e que, há algum tempo, se encontrava sem receber a sua retribuição. Mas esse circunstancialismo não permitia legitimamente ao empregador considerar que o autor se manteria eternamente nessa situação (quando, como é sabido, por cada dia que passa sem receber o salário se agrava, às vezes dramaticamente, a situação pessoal e familiar do trabalhador), e não poria termo ao contrato, quando, é certo, também não resulta que o autor lhe tenha transmitido que não viria a resolver o contrato. E, que para além disso, o autor ainda invocou (art.º 11.º da resposta) que um genro do réu disse aos trabalhadores que o melhor seria resolverem os contratos de trabalho por haver salários em dívida.
O que sempre nos permitiria entender que não ocorre abuso de direito por parte do autor.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.

3. B) 2. Da indemnização por antiguidade
O réu pretende que embora ocorrendo justa causa para a resolução do contrato, não tem o autor direito à indemnização por antiguidade.
Quanto à indemnização, no sentido de ser devida, já nos pronunciámos em sede de recurso do autor nada mais havendo a acrescentar.

4. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso do autor, condenando-se o réu a pagar-lhe a título de indemnização por antiguidade a quantia de euros 7.254,00 (sete mil duzentos e cinquenta e quatro euros), no mais se mantendo a sentença recorrida.
Nega-se provimento ao recurso do réu.

Custas pelo autor e réu na proporção.

Porto, 2010.03.01
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Luís Dias André da Silva


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SUMÁRIO
I. No domínio do Código do Trabalho (2003), a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com fundamento no não pagamento da retribuição, está prevista no art.º 441.º, n.º 2, alínea a) e no n.º 3, alínea c). No primeiro caso, a resolução do contrato assenta na culpa do empregador, no segundo, na ausência de culpa.

II. Resulta do art.º 364.º, n.º 2, do mesmo diploma, que o trabalhador tem a faculdade de suspender a prestação de trabalho ou resolver o contrato decorridos que sejam 15 ou 60 dias após o não pagamento da retribuição, nos termos previstos em legislação especial.

III. A legislação especial a que esse normativo se refere é o art.º 308.º do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei 35/2004, de 27 de Agosto, segundo o qual:
“1 - Quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data de vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1 do art.º 442.º do Código do Trabalho.

3 – O trabalhador que opte pela resolução do contrato tem direito a:
Indemnização nos termos previstos no art.º 443.º do Código do Trabalho
…”.

IV. Da articulação dessas normas resulta, assim, que a par da justa causa subjectiva e da justa causa objectiva, contempladas no supra referido normativo legal, o legislador veio consagrar um regime especial em que, desde que se verifique a falta de pagamento da retribuição, se mostre decorrido o prazo de sessenta dias e seja efectuada a comunicação por escrito, a resolução do contrato torna-se eficaz, conferindo direito ao trabalhador à indemnização por antiguidade a que alude o art.º 443.º.

V. Neste regime prescinde-se da imputação subjectiva da falta de pagamento da retribuição, da invocação e prova do nexo de causalidade entre essa falta de pagamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral.