Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
585/11.6PAOVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: MENSAGEM EM SUPORTE DIGITAL
AUTORIZAÇÃO DO JIC
CRIME DE FALSIDADE INFORMÁTICA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
ELEMENTOS DO TIPO
Nº do Documento: RP20130424585/11.6PAOVR.P1
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida pelo destinatário, ficando gravada, pode ser lida independentemente de autorização do juiz, constituindo meio de prova válido.
II – O bem jurídico tutelado pelo crime de falsidade informática p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 3 da Lei n° 109/2009, de 15.09, não é o património, mas antes a “integridade dos sistemas de informação” através do qual se “pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados”.
III - A interferência por qualquer meio nessa informação implicará graves danos para os cidadãos visados, que podendo-se traduzir na violação dos seus direitos patrimoniais, são, em primeira linha, uma violação aos seus direitos humanos, nomeadamente ao seu direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8.° da Convenção de Direitos do Homem do Conselho da Europa).
IV - No tipo de crime do n.º 3 do artigo 3º da Lei n° 109/2009, de 15.09, não é exigido que o engano provocado se repercuta nas relações jurídicas, como acontece no caso do crime previsto no n° 1 do mesmo artigo 3°, antes é exigida a intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, mas não é necessário que o prejuízo ou a vantagem tenham natureza patrimonial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Processo nº 585/11.6PAOVR.P1
Ovar
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
2ª secção

I. RELATÓRIO
No processo comum coletivo nº 585/11.6PAOVR do Juízo de Instância Criminal de Ovar, da Comarca do Baixo Vouga, foi submetido a julgamento o arguido B….., com os demais sinais dos autos.
O acórdão, datado de 01.10.2012 e depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
“ Pelo exposto, decide-se condenar o arguido B..... pela prática, em concurso efetivo de
– um (1) crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;
– um (1) crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
– um (1) crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;
– um (1) crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão; e
– um (1) crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei do Cibercrime, na pena de 2 anos de prisão,
condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, impondo os seguintes deveres:
– de proibição de contactar, por qualquer meio, a ofendida C..... e a família próxima desta;
– de proibição de se aproximar da residência da ofendida C.....; e
– de entregar no Tribunal ― para posterior entrega à ofendida C..... ― da quantia de cinco mil e quatrocentos euros (€ 5 400) prestações mensais, iguais e sucessivas de cento e cinquenta euros (€ 150), vencendo-se a primeira no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, importando o não pagamento de qualquer das prestações o imediato vencimento das demais, imputando-se tal quantia no montante que entre a ofendida e o arguido foi acordado a título de indemnização.
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Quanto às custas criminais, condena-se o arguido no seu pagamento, fixando-se a taxa de justiça em três (3) unidades de conta, acrescida do montante dos encargos a que a sua atividade deu lugar.
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Remeta os boletins à D.G.S.J./S.I.C (artigo 5.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 57/98, de 18 de agosto).
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Satisfazendo o solicitado, comunique, com cópia, à Direção Geral de Reinserção Social a presente decisão.
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Proceda ao depósito do acórdão (artigo 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal).”
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, que remata com as seguintes conclusões:
I. “O Douto Acórdão recorrido enfermada de vício de nulidade, porquanto, por força da lei do Cibercrime só é legalmente admissível o recurso às comunicações em processos relativos a crimes previstos na referida lei, aí se incluindo o tipo legal de falsidade informática, contando que a obtenção e junção aos autos seja feita em obediência ao preceituado nos termos do artigo 187.º e 188.º e 189.º C.P.P. prescritos pelo artigo 18°, n.º 1, al. a), da Lei n.º 109/2009.
II. Isto vale a dizer que a obtenção e junção aos autos dos dados e a sua validade enquanto meio de prova do crime de falsidade informática p. e p. no artigo 3.º n.º1 da Lei 109/2006, está dependente da intervenção e autorização do Juiz de Instrução, o que não aconteceu na presente situação.
III. Por seu lado, a transmissão dos dados às autoridades competentes só pode ser ordenada ou autorizada por despacho fundamentado do juiz, nos termos do artigo 9º, ou seja se houver razões para crer que prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.
IV. Sendo que, quanto ao crime de falsidade informática previsto no artigo 3°, da Lei n.º 109/2009, bem como quanto aos crimes “de injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone”, nos termos artigo 187.º n.º1 al)f, do C.P.P. a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações, estão dependentes desde que ordenados pelo Juiz de Instrução.
V. Sendo sempre imperativo que a competência para autorizar o acesso e junção aos autos dos registos de comunicações é do Juiz de Instrução, nos termos dos artigos 169, n.º 1, al. e), 187, 189°, n.º 2 e 190°, do Código de Processo Penal e 18.°, n.º 2, da Lei n.º 109/2009, o que não efectivamente não consta nos presentes autos.
VI. Por conseguinte a decisão recorrida é nula na parte em que sustenta a prova dos factos 1.º a 25.º com base na prova obtida e junta aos autos em frontal violação do disposto nos artigos l°. n.º 1 al. c)._e 18°. n.º 1 al. a), 2 e 3, da Lei n.º 109/2009 e art. e 187°, 189°, n.º 2, 190° e 269°, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.
VII. Por conseguinte, a decisão recorrida deverá ser alterada por outra que não se sustente na prova documental junta aos autos
VIII. Para além de, sem prescindir, após a referência a esta questão prévia, se entender humildemente que sobressai ainda assim do douto acórdão uma manifesta violação dos pressupostos indispensáveis à imputação dos factos ao arguido, erro decorrente na qualificação do crime e natureza da pena aplicada, bem como, residualmente, manifesto excesso na medida da pena aplicada.
IX. Assim, se atentarmos ao Acórdão objecto de recurso, constata-se claramente que o arguido não praticou o crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, também conhecido como Lei do Cibercrime. Vejamos,
X. Discorre do próprio Acórdão: Estatui-se então, no artigo 3.º, n.º 1 da dita Lei do Cibercrime que “quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias”.
XI. Por seu turno, diz-se no n.º 3 que “quem, actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, usar documento produzido a partir de dados informáticos que foram objecto dos actos referidos no n.º 1 ou cartão ou outro dispositivo no qual se encontrem registados ou incorporados os dados objecto dos actos referidos no número anterior, é punido com as penas previstas num e noutro número, respectivamente”.
XII. Prosseguindo, “Considerando que o arguido introduziu nas redes sociais dados pessoais da ofendida C..... e faz-se passar por ela ― considerando o que se deve entender por sistema informático (“qualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados ou associados, em que um ou mais de entre eles desenvolve, em execução de um programa, o tratamento automatizado de dados informáticos, bem como a rede que suporta a comunicação entre eles e o conjunto de dados informáticos armazenados, tratados, recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles dispositivos, tendo em vista o seu funcionamento, utilização, protecção e manutenção”) ou dados informáticos (“qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma susceptível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função”) ¯ então efectivamente cometeu o crime que lhe é imputado.”
XIII. Ora, importa aqui expressamente impugnar a prova tida em consideração e valorada pelo Tribunal a quo, a qual no nosso humilde entender é nula por violação do estatuído nos artigos 187.º a 189.º do Código Processo Penal, como acima se expõe e quer aqui por reproduzido.
XIV. Não obstante, sempre seria pertinente referir que o tipo legal do crime de falsidade informática equipara-se no que concerne à adulteração de dados ou programa informático ao crime de “falsificação de documento” sempre que dessa adulteração poder resultar igual efeito de adulteração de meio de prova, ou seja, trata-se de um crime que incluí um elemento subjectivo: “intenção de provocar engano nas relações jurídicas” .
XV. Ora, na medida em que o Tribunal “a quo” entendeu que a alegada introdução nas redes sociais de dados pessoais da ofendida C.....( )isto sem nunca concretizar que dadas eram esses, mas mesmo que assim fosse, e que por um mero raciocínio académico se concebe, nunca seria susceptível tal introdução de dados pessoais de criar insegurança e engano nas relações jurídicas electrónicas, pelo que nunca a alegada conduta do arguido se subsumiria no tipo legal de crime que é o crime de falsidade informática.
XVI. Acresce ainda salientar que o bem jurídico protegido com o crime de falsidade informática é o património e não a honra
XVII. Por sua vez, da alegada actuação do arguido ora Recorrente, bem como dos factos dados por provados e sua fundamentação, entende-se humildemente que não se vislumbram factos que subsumem tipo legal de crime de falsidade informática, p.e p pelo artigo 3.º da Lei do Cibercrime, pelo que somos em crer que a matéria assente não foi devidamente cotejada para efeitos de induzir e preencher o tipo legal de crime.
XVIII. Pelo exposto o tribunal não interpretou nem aplicou correctamente o artigo Lei do Cibercrime, e desta forma devia o Acórdão recorrido absolver do crime de falsidade informática.
XIX. O douto acórdão recorrido enfermada também de vício notório na apreciação da prova, vício esse que resulta de per si do acórdão recorrido mas também conjugado com as regras de experiência comum, e padece de manifesta insuficiência da matéria de facto para induzir e preencher os pressupostos do tipo legal em apreço.
XX. O presente recurso tem também por motivação três pontos da matéria de facto que o recorrente entende incorrectamente julgado, o qual se impugna, impondo-se uma modificação da decisão do Tribunal a quo. Concretizemos:
XXI. Os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgado (art. 412 nº 3 alínea a) do CPP):
a) “3) Durante pelo menos um período de 9 dias, no período compreendido entre 3 e 11 de setembro de 2011, o arguido, pretendendo convencer a C..... a continuar a manter o relacionamento amoroso, contactou-a insistentemente via telefone, anunciando-lhe, designadamente, que ou ficava com ele ou não ficava com mais ninguém e que se não fizesse o que o arguido queria, nomeadamente falar com ele, faria difundir via internet e remetia pessoalmente para familiares desta vídeos e fotografias de nus e de cariz sexual que, juntamente com a ofendida, com o seu consentimento e no período de namoro, realizaram;”
XXII. Os concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (art. 412 nº 3 alínea b) do CPP):
a) Em primeiro lugar cumpre chamar aqui à colação o que acima se expõe acerca da inadmissibilidade da prova documental junta aos autos, porquanto a mesma se encontra em latente violação de a prova obtida e junta aos autos em frontal violação do disposto nos artigos l°. n.º 1 al. c)._e 18°. n.º 1 al. a), 2 e 3, da Lei n.º 109/2009 e art. e 187°, 189°, n.º 2, 190° e 269°, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.
b) Subsidiariamente o depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento de pela própria ofendida C....., prestado entre 16:07 e as 16:53, no dia 14 de Setembro de 2012, cujo depoimento tem a totalidade de tempo de depoimento.
XXIII. Não obstante, o Douto acórdão recorrido decidiu que “verifica-se que:
– relativamente aos factos ocorridos nos dias compreendidos entre 3 e 9 de setembro de 2011, o arguido, ao anunciar que a C..... ou seria dele ou não seria de mais ninguém (o que, considerando a dúvida a decidir em favor do arguido, se considera que não teve em mente a prática de ilícito penal punível com pena de prisão superior a 3 anos de prisão), há o cometimento de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1; e
– relativamente aos factos ocorridos no dia 18 de outubro, considerando que o arguido ameaçou matar a ofendida C....., dúvida inexiste de que o crime é o da ameaça agrava prevista e punida pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.”
XXIV. Porém, estatui o artigo 153.º do Código Penal que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido…”
XXV. Ora em primeiro lugar note-se que é a própria ofendida que afirma peremptoriamente que não teve medo da mensagem enviada. Pois que é a própria ofendida no seu depoimento que corrobora, o facto de o arguido dizer: que a ofendida seria dele ou de mais ninguém, não se subsume no crime de ameaça, porquanto quando o arguido diz que a C.....ou seria dele ou de mais ninguém o mesmo quer tão só dizer que apesar de a mesma ter refeito a sua vida amorosa, ambos foram feitos um para o outro e que nunca encontrará ninguém que goste dela como o arguido.
XXVI. Relativamente aos factos ocorridos no dia 18 de outubro, considerando que o arguido ameaçou matar a ofendida C....., dúvida existe de que o crime é o da ameaça agravada.
XXVII. Devendo ser igualmente valorado que tal expressão foi proferida após uma relação amorosa de 4 anos, sob uma grande pressão que é inegável que exista sempre que se terminam quaisquer relações, mormente as de cariz amoroso. Note-se que tal expressão foi desprovida de qualquer comportamento que trouxesse eminência na sua concretização.
XXVIII. Pese embora se possa por uma mera questão de raciocino académico conceber que o arguido tenha proferido tal expressão com o intuito de ameaçar, refira-se que nunca o arguido teve um comportamento violento para com a ofendida ou para com a sua família.
XXIX. Pelo que conforme resulta estatuído no n.º1 do artigo 153.º do Código Penal a ameaça deverá ser “acompanhada” de forma adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação, sendo que não basta uma mera declaração, tem a mesma que ser, por imposição legal, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”
XXX. O que não aconteceu, pois conforme consta do acórdão recorrido “relativamente aos factos ocorridos no dia 18 de outubro, considerando que o arguido ameaçou matar a ofendida C......” não se acompanhando tal ameaça da forma adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação que a lei exige. Assim, neste aspecto também o Acórdão recorrido está enfermado de vício notório na apreciação da prova, vício esse que resulta de per si da douta e referida decisão e também conjugado com as regras de experiência comum, e padece de manifesta insuficiência da matéria de facto para induzir e preencher os pressupostos do tipo legal em apreço – n.º1 e 410º, n. 2, do CPP.
XXXI. Unicamente se diz ter ficado demonstrado que tais ameaças eram adequadas (em abstracto) a causar medo e inquietação, sendo certo que a douto acórdão já antecipa e pretende dissipar as suas próprias dúvidas com recurso à doutrina, argumentando que o crime em análise (ameaças) prescinde do resultado concreto obtido pelo agente, isto é, não será necessário para a verificação do crime que o ofendido tenha sentido, efectivamente, esse medo ou inquietação.
XXXII. Se por um lado não se tem por inexpugnável tal doutrina na aplicação ao caso concreto, bem nos parece, por outro lado que seria exigível pelo menos, a eminência ou potencial eminência da acção para ser concreta.
XXXIII. As expressões supostamente proferidas pelo arguido, pelo telefone e a muita distância da ofendida (sendo da experiência comum que nessas circunstâncias o medo ou inquietação se esvanecem), não representam claramente esse perigo concreto, eminente, de que nem a Doutrina nem a Jurisprudência prescindem como quid indispensável ao preenchimento do tipo legal - como pode ler-se no AC. RL de 9/2/2000, CJ XXV, t. 1, p. 147/9.
XXXIV. Resulta pois que relativamente aos factos ocorridos no dia 18 de Outubro, o Tribunal a quo” ao considerar “que o arguido ameaçou matar a ofendida C.....” também foram tais factos incorrectamente julgado como provado.
XXXV. Assim, o Tribunal ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros o principio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do C.P.P., bem como o disposto no artigo 355, n.º1 do C.P.P.
XXXVI. Não restam assim dúvidas de que o Recorrente não praticou o crime de ameaças simples, nem o crime de ameaças agravado, em que foi condenado.
XXXVII. Acresce ainda referir que sem prescindir, face à matéria apurada, resulta que não foi, apesar da referência a circunstâncias atenuantes, levada em consideração circunstância que poderia depor a favor do recorrente, designadamente, de se tratar de um crime alegadamente praticado, através do telefone.
XXXVIII. Ainda que assim se não entenda – mera hipótese que se coloca por facilidade de raciocínio, sempre a decisão recorrida deveria ser revogada por outra no que tange à natureza e medida da pena de prisão aplicada, que quer em termos absolutos, quer em termos relativos viola o princípio da proporcionalidade e da adequação, bem como os princípios constitucionais e legais referentes à finalidade das penas.
XXXIX. Note-se quanto a essa parte, a moldura abstracta de cada crime é a seguinte:
- o crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias;
- o crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. do Código Penal, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 24º dias;
– o crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n,º 1 e n.º 2 do Código Penal, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias;
– o crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias; e
– o crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.
XL. Todos os crimes acima elencados dependem de queixa, o que logo nos indicia o valor dos bens jurídicos em jogo.
XLI. O art.40º do Código Penal dispõe ou estatui o seguinte:
XLII.“1- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”
XLIII. “2- Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
XLIV. Por seu turno, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, nos termos do artigo 70.º do Código Penal, sendo que estatui-se no n.º 1 do artigo 71º do Código Penal: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
XLV. Os critérios para a escolha da pena e da fixação concreta da medida da pena são os previstos nos artigos 70º e 71º nº2 do Código Penal.
XLVI. Porém, no caso concreto, decide-se condenar o arguido B..... pela prática, em concurso efetivo de:
- um (1) crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;
– um (1) crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
- um (1) crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;
- um (1) crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão; e
- um (1) crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei do Cibercrime, na pena de 2 anos de prisão, condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, impondo os seguintes deveres:
- de proibição de contactar, por qualquer meio, a ofendida C..... e a família próxima desta;
- de proibição de se aproximar da residência da ofendida C.....; e
– de entregar no Tribunal ― para posterior entrega à ofendida C..... ― da quantia de cinco mil e quatrocentos euros (€ 5 400) prestações mensais, iguais e sucessivas de cento e cinquenta euros (€ 150), vencendo-se a primeira no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, importando o não pagamento de qualquer das prestações o imediato vencimento das demais, imputando-se tal quantia no montante que entre a ofendida e o arguido foi acordado a título de indemnização
XLVII. Ora face à matéria apurada, resulta que não foram, apesar da referência a circunstâncias atenuantes, levadas em consideração circunstâncias que poderiam depor a favor do recorrente, designadamente, entre outros, o facto de o arguido nunca mais ter tido qualquer contacto com a ofendida quer com a sua família, pessoalmente, telefónica ou mesmo por interposta pessoa.
XLVIII. Bem como, pelo facto, de ter partido da iniciativa do próprio ofendido de indemnizar a ofendida na quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) o que por si só revela o inexorável arrependimento pela sua conduta.
XLIX. Acresce que, a inexistência de antecedentes criminais do recorrente, ao tipo de ilicitude que não é acentuada, ao dolo que, quando muito poderá considerar-se médio, afigura-se que nunca poderia ter sido aplicada a pena de prisão, mas sim uma pena de multa, ou quando muito a pena de prisão deveria fixar-se no mínimo legal.
L. Além de o arguido se ter afastado desde a data que consta dos autos e nunca mais ter tido qualquer contacto, quer pessoal ou electrónico com a ofendida ou a sua família, bem como prontificou-se a entregar à mesma a quantia de 15.000,00€ como forma de se redimir e assim mostrar o seu arrependimento, pois que o mesmo não se bastou com um murro no peito, mas sim na carteira…
LI. Tudo para dizer que, ainda que improcedendo os demais argumentos do recurso – como por mera hipótese se concede, sempre a referida pena e medida das penas fixadas, sendo claramente excessivas, pelo que viola o douto acórdão recorrido, entre outros, os artigos. 70º, 71º do Código Penal., isto tudo, tendo em conta o facto de o arguido ser primário, de que no caso concreto, é reduzida a necessidade de ressocialização do arguido, o grau médio da ilicitude do facto, o facto de o arguido estar integrado familiar, laboral e socialmente e ainda ao facto de que a adopção por parte do arguido de tal comportamento, se tratou de um acto isolado levado a cabo por aquele, e que se encontra manifestamente arrependido, entende-se que a condenação do arguido em pena de prisão ainda que suspensa é manifestamente excessiva, pelo que se impõe a sua alteração para uma pena não privativa da liberdade, ou subsidiariamente a pena de prisão ainda que suspensa deverá ser reduzida para o seu limite mínimo.
LII. Ora, tal como consta das declarações do arguido que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal “a quo”, desde 1.10.45 aos 01.11,18 minutos, o arguido encontra-se confessa-se arrependido.
LIII. Ainda que se tais declarações do arguido, não fossem devidamente valoradas, a prova de que, de facto o arguido está arrependido consta do relatório social e é corroborado pela intenção e disposição do arguido em indemnizar a ofendida.
LIV. Deste modo, considera o ora recorrente ter sido excessiva a decisão do Tribunal “a quo” ao ter considerado que atendendo…. “a pena de prisão só pode ser utilizada se estas exigências de prevenção geral e especial não forem salvaguardadas suficientemente pelas penas não detentivas. Contudo, no caso em apreço, entende-se que apenas a pena de prisão se mostrará suficiente para satisfazer as exigências relativas à punição, seja de prevenção geral, seja de prevenção especial”.
LV. “ Se é certo que ao nível da prevenção especial há factores que até apontariam para a aplicação ao arguido de uma pena de multa ― nomeadamente o facto do mesmo não ter antecedentes criminais e se mostrar integrado do ponto de vista social (familiar e laboral) ― a ausência de arrependimento e o contexto de manifesta vingança/revanche em que os actos foram praticados desaconselharia a escolha pela pena de multa.”
LVI. “ Já ao nível da prevenção geral, considerando que o arguido não teve pejo em divulgar atos de índole sexual da ofendida ― violando, e de que forma a confiança que ela nele confiou ― e fazendo-o depois de justamente ter ameaçado que o faria e ter utilizado um meio de grande (enorme) divulgação, entendemos que apenas a pena de prisão será suficiente para reafirmar a validade da norma.”
LVII. Contudo, o arguido considera manifestamente excessiva e desproporcional a opção pelo Colectivo de Juízes de uma pena privativa da liberdade em detrimento de um pena de multa, tal sentimento do arguido prende-se com o facto de não ter sido devidamente valorada a sua postura colaborante, bem como o facto de ter demonstrado arrependimento, se encontrar bem inserido sócio-economicamente, bem como o facto de se ter postado a entregar a quantia de 15.000,00€ à ofendida.
LVIII. Deste modo, tais elementos deverão ser tidos em conta pelo que impõem a alteração da pena privativa de liberdade por pena de não privativa de liberdade.
LIX. Para além do supra exposto, é ainda de valorar que o percurso de vida do arguido se encontra isento de factos de natureza criminal, de facto, o arguido é primário, pelo que não tem quaisquer antecedentes criminais, o que por si só revela que a aplicação de uma pena privativa de liberdade, ainda que suspensa, é completamente desproporcional ao caso em apreço, e portanto excessiva.
LX. Assim, ainda que improcedendo os demais argumentos do recurso – como por mera hipótese se concede, sempre a referida pena e medida das penas fixadas, sendo claramente excessivas, pelo que viola o douto acórdão recorrido, entre outros, os artigos. 70º, 71º do Código Penal., isto tudo, tendo em conta o facto de o arguido ser primário, de que no caso concreto, é reduzida a necessidade de ressocialização do arguido, o grau médio da ilicitude do facto, o facto de o arguido estar integrado familiar, laboral e socialmente e ainda ao facto de que a adopção por parte do arguido de tal comportamento, se tratou de um acto isolado levado a cabo por aquele, e que se encontra manifestamente arrependido, entende-se que a condenação do arguido em pena de prisão ainda que suspensa é manifestamente excessiva, pelo que se impõe a sua alteração para uma pena não privativa da liberdade, ou subsidiariamente a pena de prisão ainda que suspensa deverá ser reduzida para o seu limite mínimo.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que contemple as conclusões supra mencionadas.
Assim se decidindo far-se-á JUSTIÇA!”
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo e a assistente C..... responderam conforme fls. 255 a 266 e 274 a 296, respetivamente, ambos pugnando pelo não provimento do recurso.
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de fls. 300.
Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, igualmente no sentido da manutenção da decisão recorrida.
Cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal).
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1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a decidir:
A) nulidade do acórdão, na parte em que considerou como prova registos de comunicações;
B) impugnação da matéria de facto;
C) subsunção jurídica dos factos ao crime de falsidade informática;
D) subsunção jurídica dos factos a dois crimes de ameaças;
E) escolha e medidas concretas das penas.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida:
Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, mostram-se provados apenas os seguintes factos:
I
1) Durante cerca de 4 anos, B....., arguido nos presentes autos, e C....., assistente e ofendida, mantiveram uma relação amorosa, no decurso da qual se realizaram fotografias e vídeos de nus e de cariz sexual;
2) Em agosto de 2011, a C..... colocou termo à relação amorosa que mantinha com o arguido, não tendo o arguido reagido bem a tal;
II
A
3) Durante pelo menos um período de 9 dias, no período compreendido entre 3 e 11 de setembro de 2011, o arguido, pretendendo convencer a C..... a continuar a manter o relacionamento amoroso, contactou-a insistentemente via telefone, anunciando-lhe, designadamente, que ou ficava com ele ou não ficava com mais ninguém e que se não fizesse o que o arguido queria, nomeadamente falar com ele, faria difundir via internet e remetia pessoalmente para familiares desta vídeos e fotografias de nus e de cariz sexual que, juntamente com a ofendida, com o seu consentimento e no período de namoro, realizaram;
4) Em face da insistência do arguido, que telefonava e enviava sms para a C..... de modo assíduo e contínuo, esta viu-se obrigada a mudar de telemóvel;
5) Apesar da sua insistência, o arguido não conseguiu convencer a C..... a reatar a relação amorosa;
6) Então, o arguido, sem a autorização ou consentimento da C....., divulgou as fotos e o vídeo de cariz sexual que com ela havia feito na internet, através da rede social do facebook e do youtube, onde postou as fotos e os vídeos, designadamente no link “htpp:www.facebook.com/#!/profile.php?id=100003028…….”;
7) Vendo-se sem acesso direto ao telefone da C..... e tentando forçar um encontro e o reatamento amoroso com ela, o arguido postou-se à porta da residência dela e passou a utilizar o telefone da mãe para lhe anunciar, designadamente, que ou a C..... falava com ele ou o arguido remetia pessoalmente para familiares desta vídeos e fotografias de nus e de cariz sexual que, juntamente com a ofendida, com o seu consentimento e no período de namoro, realizaram;
8) Designadamente, no dia 1 de outubro de 2011, cerca das 0.00 horas, o arguido postou-se em frente à residência da C..... e tentou telefonar para o telefone da mãe da ofendida;
9) Além disso, nesse circunstancialismo de tempo e lugar, durante cerca de meia hora, o arguido enviou mensagens para o telefone da mãe da C..... anunciando-lhe, designadamente, que ou a C..... falava com ele ou o arguido remetia pessoalmente para familiares desta vídeos e fotografias de nus e de cariz sexual que, juntamente com a ofendida, com o seu consentimento e no período de namoro, realizaram;
10) Este comportamento apenas finalizou, naquele dia 1 de outubro, cerca das 3.17 horas após intervenção de autoridades policiais a pedido da C.....;
11) Todavia, mesmo depois da intervenção das autoridades policiais acima referida, o arguido voltou a anunciar, via telemóvel, que iria publicitar o relacionamento sexual da C..... consigo e com outras pessoas já que, depois do contacto com a polícia, nada tinha a perder;
12) Nos dias 8, 9, 15 e 16 de outubro de 2011, o arguido, utilizando as redes sociais da internet facebook, orkut e Messenger Hotmail, introduziu no sistema informático do webside respetivo dados pessoais da C..... como se fosse a própria e fazê-lo e criou contas/perfis pessoais e alterou contas/perfis pessoais já existentes;
13) Então, o arguido criou/alterou contas, denominando-as de “#RoJujoanita#”, “#J.....#” e “#Ju Ju#”;
14) Através das referidas redes e contas, o arguido, fazendo-se passar pela própria C....., divulgou fotografias íntimas da mesma e difundiu pedidos de amizade para amigos e colegas da C.....;
15) Posteriormente, o arguido remeteu-lhes vídeos e fotografias de nus e do relacionamento sexual da C....., fazendo crer às pessoas que se tratava de divulgação realizada pela ofendida;
16) Inclusivamente, após conseguir associar 15 amigos ao perfil de “#J.....#”, colocou no respetivo mural um vídeo denominado “Juanita Fofinha”, onde se exibiam partes das gravações de vídeo da ofendida em atos de cariz sexual;
17) Além disso, a acompanhar o dito vídeo, o arguido postou comentários nos seguintes termos: “ela não se contenta apenas com um… quantos mais melhor…” e “ela se safa sozinha”;
18) Em face do descrito em 12) a 17), a C..... denunciou a situação à plataforma do Youtube e ao facebook, assim logrando que aquelas entidades removessem o vídeo e bloqueassem as contas “#RoJujoanita#” e “#J.....#”;
19) No dia 18 de outubro de 2011, pelas 22h45, o arguido anunciou via telefone a D....., mãe da ofendida, que a C.....“ iria ser morta pelo facto de o ter deixado” e “ a C.....que chore pois ela vai ser morta”;
B
20) Ao agir do modo acima descrito, o arguido sabia que perturbava a paz, a tranquilidade, a vida privada da ofendida, o que representou, pretendeu e conseguiu;
21) Estava ainda ciente que divulgava, sem o consentimento da ofendida, para os seus colegas, amigos e familiares, os vídeos de relacionamento sexual e as fotografias íntimas da C..... que conseguira durante o período de namoro entre ambos e que, desse modo, expunha para devassar a vida privada e intimidade sexual da ofendida, como queria e conseguiu;
22) O arguido tinha ainda perfeito conhecimento que agindo do modo descrito anunciava à ofendida C....., pessoalmente e através da sua mãe, a sua intenção de lhe atentar contra a integridade física, contra a própria vida e autodeterminação sexual de modo firme, sério e adequado a causar-lhe lhe medo e inquietação, como queria e conseguiu;
23) O arguido sabia ainda que criava informaticamente contas nas quais produziu dados de perfil não genuíno da ofendida através da utilização dos seus dados pessoais que, simulando ser a própria, introduziu no sistema informático para criar, via internet, em sítio próprio da plataforma da rede social do facebook, imagem psicológica, carácter, personalidade e identidade da ofendida que não correspondiam à realidade, com a intenção de serem considerados genuínos e, através das contas referenciadas, fingindo ser a C....., divulgou conteúdos íntimos da sua vida pessoal, agindo com a intenção de que fossem tomadas por verdadeiras e reais contas da ofendida, para provocar engano nas relações jurídicas, e causar prejuízo à ofendida, sempre como queria e conseguiu;
24) O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, sabendo do caráter penalmente ilícito das condutas que realizava;
III
25) A C..... nasceu no dia 13 de junho de 1990;
26) Os factos descritos em 3) a 24) causaram à C..... um permanente sobressalto e pânico que o arguido concretizasse os seus intentos, nomeadamente os respeitantes às ameaças de morte;
27) Sentia mau estar e vergonha perante as pessoas que tiveram acesso ao vídeo e fotos pela internet;
28) A C.....era uma pessoa alegre e extrovertida e, por causa da conduta do arguido, tornou-se mais triste, refugiando-se em casa e com receio de frequentar locais públicos, especialmente na cidade de Ovar, onde ela e a sua família são bastantes conhecidas;
29) Os acontecimentos descritos serão lembrados pelas pessoas que conhecem a ofendida, designadamente as que residem em Ovar;
30) A C..... é uma pessoa sensível, educada, respeitadora e respeitada no meio social onde vive;
IV
31) O arguido é o filho mais velho de uma fratria de 3, tendo o seu desenvolvimento psicossocial decorrido no agregado de origem;
32) Veio para Portugal em 2000, com 16 anos, acompanhado da família, estabelecendo residência em Aveiro por iniciativa do progenitor que chegara a este país alguns anos antes e se estabelecera na referida zona, por razões laborais;
33) A estrutura económica da família dependia dos salários auferidos pelos progenitores, respetivamente o pai na construção civil e a mãe em gabinetes de estética/cabeleireiros como manicura;
34) Em Portugal, o arguido concluiu curso de formação profissional em serralharia mecânica, em 2003, no âmbito de atividade profissional que prestava desde os 16 anos para a E….., empresa de Metalomecânica, especializada em montagens técnicas e reparações industriais, na zona industrial de Cacia;
35) A especialização permitiu ao arguido manter-se na empresa e progredir na categoria, de ajudante para oficial;
36) Em Outubro de 2011 mudou, por razões económicas para a F….., Lda., empresa vocacionada para o fabrico de equipamento em alumínio e aço inoxidável, para diversas áreas de atividade;
37) No plano afetivo, iniciou relacionamento com G…. em 2003, tendo contraído matrimónio em 2009, quando já se encontrava envolvido, desde 2007, em relação extraconjugal com a ofendida neste processo;
38) Na esfera relacional ressaltam dinâmicas globalmente adequadas entre o arguido, os progenitores e irmãos;
39) A dinâmica relacional com o cônjuge parece salvaguardada, pese embora, a mesma ao reconhecer que lhe perdoou, se mostre intimidada e preocupada com o processo em análise, adotando uma postura crítica perante os factos praticados pelo arguido e mantendo total disponibilidade para o acompanhar;
40) O arguido mantém atividade laboral na empresa G..... como serralheiro mecânico, auferindo o salário de € 700 mensais que, associado ao salário de € 530 mensais da companheira como operadora de caixa no H…., permite satisfazer as necessidades básicas do casal, mediante gestão modesta dos recursos;
41) O arguido não tem antecedentes criminais;
7. Factos não provados
Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados.
Designadamente, não se provaram os seguintes factos:
a) Os atos sexuais e as cenas de nus filmadas resultaram da imaturidade e da manipulação da vontade da C….. por parte do arguido;
b) A C....., com receio de que o arguido concretize as ameaças, não mais andou sozinha em Aveiro e deixou de frequentar as aulas da Universidade com assiduidade;
c) O arguido revela arrependimento;
8. Motivação
Α. Mesmo antes de nos abalançarmos na motivação da factualidade provada e não provada, importa fazer dois esclarecimentos.
O primeiro, a sinalizar que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o registo da prova (declarações do arguido, da assistente e das testemunhas) em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal.
Esta circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efetivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, nesta fase do processo, revestir-se de alguma utilidade, nomeadamente dispensando o relato detalhado dos depoimentos prestados.
O segundo, para afirmar que, em termos genéricos, o Tribunal fundou a sua convicção considerando as declarações do arguido, da assistente, a prova testemunhal e a prova documental, analisando todos os elementos probatórios ao dispor do Tribunal em confronto entre si e de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Concretizemos.
Β. Factos provados.
Β.α. Comecemos pelos factos descritos em 1) a 24) dos factos provados.
Β.α.1. Em primeiro lugar, deve destacar-se que boa parte dos factos aqui referidos até são admitidos pelo arguido: a relação de namoro e o seu termo (embora refira que isso ocorreu em julho de 2011), o envio das mensagens, o postar-se diante da residência da ofendida, o revelar fotos da ofendida na internet.
Como, o que não é irrelevante dizer-se, o arguido admitiu que tinha imagens (vídeos e fotos) de cariz sexual da ofendida e, relativamente ao vídeo, que o mesmo surgiu na internet.
Todavia, o arguido procurou “mitigar” a sua responsabilidade, negando que tenha colocado quaisquer vídeos, que tenha querido efetivamente ameaçar a ofendida e que tenha criado “tantas” contas na internet.
Nesta parte, as declarações do arguido não mereceram a credibilidade do tribunal, até porque o arguido foi sendo sucessivamente apanhado nas suas próprias contradições. Aliás, já em desespero de causa, o arguido até tentou insinuar que poderia ter sido a sua esposa a colocar o vídeo na internet, embora admita que ela talvez o desconhecesse e que não tinha acesso ao mesmo e que, inclusivamente, nem sequer tinha acesso às suas contas das redes sociais.
Por outro lado, descredibilizando ainda mais as declarações do arguido, cabe referir que o mesmo não nega que tenha enviado para a ofendida e também a para a mãe desta mensagens onde são patentes as constantes ameaças de divulgar imagens de cariz sexual da ofendida, sendo também aí notório que o arguido agia animado exclusivamente pela revanche e frustração de não reatar o relacionamento amoroso com a ofendida.
Depois, cabe referir que é o próprio arguido a admitir ter alterado a sua conta pessoal ou o seu perfil do facebook para que o mesmo surgisse como se fosse o da ofendida, como criando uma outro perfil. Ora, é nessas contas que surgem os links para o vídeo de cariz sexual da ofendida.
Β.α.2. O Tribunal socorreu-se, ainda, da prova documental que consta dos autos, onde se deve realçar:
– fls. 19 a 29, onde surgem diversas imagens da ofendida nas diversas contas criadas ou alteradas pelo arguido, assim como é visível o inícios dos vídeos onde a ofendida surge, assim como os links para o mesmo e os comentários feitos pelo arguido a propósito;
– fls. 36 a 45, onde surgem fotos do teor das mensagens enviadas pelo arguido à ofendida e à sua mãe; e
– fls. 47, onde surge o teor da mensagem enviada por uma das testemunhas.
Β.α.3. O teor da prova documental que acabamos de referir acaba por dar credibilidade às declarações da assistente e de sua mãe, a testemunha D....., que, no essencial, descreveram a relação amorosa existente entre a ofendida e o arguido e o modo como o mesmo reagiu ao termo do relacionamento.
Com grande relevo, as declarações da ofendida.
Naturalmente que o Tribunal não deixou de atender à particular posição da ofendida C..... neste processo: sendo e tendo deduzido pedido de indemnização civil (embora quanto a este o problema se apresentasse resolvido), não deixava de se apresentar com um interesse próprio que, em certa medida, ia além do simples e puro interesse na descoberta da verdade e da realização da justiça.
E, além disso, o Tribunal não esqueceu, também, os especiais cuidados que se devem ter na análise e valoração dos depoimentos/declarações de pessoas que são vítimas de factos similares aos descritos nos factos provados. É que em tais situações há o risco dos declarantes ou depoentes darem uma visão excessivamente pessoal (e, nessa medida, desviada da realidade dos factos) resultante de necessidades e interesses de vária ordem, seja procurando realçar atitudes ou sentimentos interiores e próprios (a coragem revelada em determinada situação ou, ao invés, o temor ou medo sentido) seja procurando desculpar erros ou condutas menor próprias (por exemplo, que possam ser entendidas como provocação), seja porque o simples passar por experiências traumáticas desta natureza obnubila o espírito e a clareza com que se analisam e recordam os factos.
Contudo (e, assinale-se, não deixando de ter presente na análise, ponderação e valoração do mesmo os fatores que acima se descreveram), o Tribunal deu credibilidade às declarações da assistente porquanto as mesmas se apresentaram escorreitas, espontâneas, não negando aspetos que, de certo modo, poderiam ser “prejudiciais” para si (não negou que nunca se opôs à realização das filmagens ou que as mesmas tenham sido feitas com a sua máquina ou que tenha sido ela a “revelar” as imagens ― descarregando-as do cartão de memória da máquina no seu computador ― ou que tenha sido ela quem enviou, via e-mail, as imagens ao arguido ou que conhecesse que o arguido era casado) e para a sua imagem. Além disso, o que é relevante, as suas declarações encontravam apoio noutros elementos de prova, designadamente a prova documental que revelava um certo tipo de personalidade do arguido e que efetivamente o mesmo estaria animado de sentimentos de vingança contra a ofendida.
Β.α.4. Embora sem um relevo que se possa dizer decisivo, o Tribunal atendeu ao depoimento de I…..
Β.β. Tempo, agora, de motivar os factos descritos em 25) e 30) dos factos provados.
Relativamente a estes factos, o Tribunal atendeu às declarações da ofendida ―pelas razões que acima se expenderam, mereceu na credibilidade do Tribunal ― em conjugação com o depoimento de D..... (mãe da ofendida), o depoimento de I…., em conjugação com o documento que foi junto em audiência e fazendo apelo às regras da experiência.
Com efeito, a ofendida e a sua mãe revelaram o modo como é que a conduta do arguido se refletiu na ofendida. É certo que aqui e ali “carregaram” na nota, o que é bem compreensível, considerando a idade da ofendida, os factos ― tratava-se, é bom de ver, da divulgação de atos de cariz marcadamente sexual pela internet e de uma constante perseguição ― e a relação das pessoas com eles: num caso, tratava-se da própria ofendida e, noutro, da sua mãe.
Β.γ. Relativamente aos factos descritos em 31) a 41) dos factos provados.
Relativamente a tais factos, o Tribunal fez assentar a sua convicção no teor do relatório sociais do arguido (o qual foi elaborado por técnico especializado, utilizando metodologias e fontes adequadas, devendo ainda anotar-se que o seu teor não foi colocado em crise por quem quer que seja) e ainda no certificado do registo criminal.
Todavia, importa aqui destacar que o Tribunal não atendeu aos elementos que constam do relatório social que apontam para o arrependimento do arguido já que foi manifesto ― pelas razões que abaixo de explanarão ― que este não existiu.
Γ. Passemos, agora, aos factos não provados.
Γ.α. Aqui, cabe referir que relativamente aos factos descritos em a) e b), simplesmente, não se fez qualquer prova.
Na verdade, nenhuma prova foi feita de que as filmagens tenham resultado da imaturidade ou manipulação da vontade da ofendida por parte do arguido, sendo certo que a ofendida afirmou que a ideia de realizar filmagens terá partido do arguido (o que ele nega, diga-se), mas tal não é suficiente para se dizer que tenha havido qualquer aproveitamento da imaturidade (devendo anotar-se que desconhecendo-se a data das filmagens ou das imagens, dificilmente se poderá afirmar a dita imaturidade) da ofendida e menos ainda uma manipulação da sua vontade.
Como nenhuma prova foi feita de que a ofendida não mais andou sozinha em Aveiro e que tenha deixado de frequentar as aulas com assiduidade.
Γ.β. O arguido não revelou qualquer arrependimento.
É certo, assinale-se, que o arguido em audiência disse-se arrependido. Todavia, é sabido que arrependimento, mais que ser dito, deve ser demonstrado. Não basta, como dizem os antigos, “bater no peito…”.
Ora, no caso em apreço, o arguido nem sequer confessou os factos integralmente, sendo certo que aqueles que não assumiu são os que mais dano causam à ofendida (a divulgação dos vídeos). E mesmo em relação aos outros, procurou dar-lhe um sentido algo mais benevolente para ele. Aliás, não deixou mesmo de tentar afirmar que os seus atos seriam uma espécie de resposta à ofendida por ela ter contactado com familiares do arguido (o que a ofendida admite, mas depois dos factos praticados pelo arguido) e de insinuar que poderia ser a sua esposa a ter colocado na internet os filmes de cariz sexual.
Em face de tais dados, não pode o Tribunal considerar, à luz das mais elementares regras da experiência, que o arguido está arrependido.
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3. Apreciação do recurso

A) Nulidade do acórdão, na parte em que considerou como prova registos de comunicações
Defende o recorrente que no acórdão recorrido foram tidos em consideração, como prova, registos de comunicação obtidos em violação das disposições da Lei do Cibercrime.
Vejamos.
O recorrente denomina por registos de comunicação os seguintes elementos, constantes dos autos:
. documentos de fls. 19 a 29, que são cópias de imagens da assistente C....., impressas pela própria (uma em 09.10.2011 e as restantes em 15.10.2011), de diversas contas da internet, com os dizeres nelas impressos;
. documento de fls. 47, que é uma cópia de mensagem enviada através do Facebook pela testemunha I…. para “J…..” e resposta dada a esta mensagem, que a primeira, depois de abrir e ler, imprimiu em computador em 28.10.2011, e entregou na PSP (fls. 46);
. documentos de fls. 36 a 45, que são suportes fotográficos de mensagens (SMS) enviadas para o telemóvel da assistente, através do telemóvel com o nº 910929757. Mensagens essas que haviam sido recebidas anteriormente e ficaram gravadas automaticamente no cartão de memória do telemóvel da destinatária, tendo sido fotografadas, partir do ecrã do mesmo, pela PSP;
. documentos de fls. 33 a 35, que são mensagens de SMS copiadas manuscritamente para suporte de papel, depois de recebidas e lidas, que foram entregues na PSP.
Ora, como se vê da descrição dos elementos probatórios em causa, nenhum deles provém da interceção das respetivas comunicações (eletrónicas ou telefónicas) no momento em que elas foram efetuadas. São apenas mensagens que, depois de recebidas, ficaram gravadas, não carecendo por isso de autorização do juiz para que possam ser considerados meios de prova válidos, nos termos dos artigos 187°, n°l, al. e), 188° e 189°, n°1 do Código de Processo Penal.
Efetivamente, e como se escreveu no acórdão do TRL de 23.03.2007, proc. nº 7189/2006-7 (disponível em www.dgsi.pt), “A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida, terá a mesma protecção da carta em papel que, tendo sido recebida pelo correio e aberta, foi guardada em arquivo pessoal. Sendo meros documentos escritos, aquelas mensagens não gozam da aplicação do regime de protecção específico da reserva da correspondência e das comunicações, implicada no artigo 190º, do CPP.” (No mesmo sentido, cfr. entre muitos outros, o acórdão do TRL de 29.03.2012, proc. 744/09-1S5LSB-A.L1-9, igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Posto isto, concluímos não se verificar a alegada proibição de prova relativamente aos elementos documentais em causa, que como tal podem ser (como foram) livremente apreciados pelo tribunal, sem ocorrência da nulidade prevista no artigo 190º do Código de Processo Penal e, muito menos, do acórdão recorrido.
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B) Impugnação da matéria de facto
Insurge-se o recorrente por o tribunal ter considerado provados os factos constantes do número 3 (cfr. conclusão XX).
Vejamos.
Neste tipo de recursos, cujo objeto é a reapreciação da prova, impõe a lei o cumprimento dos requisitos de forma prescritos no artigo 412º nº 3, als. a), b) e c) e nº 4 do Código de Processo Penal, que estabelecem que o recorrente:
a). indique concretamente os pontos de facto que considera incorretamente julgados, por referência à indicação individualizada dos factos que constam da decisão;
b). indique as provas que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
c). indique, se for caso disso, as provas que pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que baseia a impugnação.
Tais imposições legais fundam-se na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, atualizada e aumentada, 2008, pág. 105).
Retomando o caso sub judice, constata-se que apesar de o recorrente dizer que impugna a matéria fáctica descrita no ponto 3, o certo é que ao longo de toda a motivação e conclusões, em momento algum afirma que os factos aí mencionados não ocorreram, antes aceitando expressamente a sua prova. O que verdadeiramente impugna é que eles tenham causado medo à ofendida e que tenha atuado com essa intenção, factos esses que não constam sequer do único número da matéria de facto que o recorrente diz impugnar (o nº 3). Pelo que, quanto a eles, não foi observado o regime prescrito nos n°s 3 e 4 do artigo 411º do Código de Processo Penal, já que o recorrente se limita a manifestar a sua discordância em termos genéricos, sem indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, por referência à indicação individualizada dos factos que constam da decisão.
Em última análise, tem de pois de se concluir que o recurso não tem verdadeiramente por objeto a reapreciação da prova gravada tal como essa reapreciação está prevista na lei, mas antes a manifestação genérica da discordância quanto à factualidade que o tribunal a quo considerou provada, o que não permite que este tribunal de recurso se pronuncie relativamente à questão da impugnação da matéria de facto.
Improcede pois esta parte do recurso.
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C) Subsunção jurídica dos factos ao crime de falsidade informática;
Sustenta o recorrente que dos factos provados não resultam todos os pressupostos do crime de falsidade informática p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 3 da Lei nº 109/2009, de 15.09.
Apreciemos.
Dispõe o artigo 3º, nºs 1 e 3 da Lei nº 109/2009, de 15.09 que:
“1. Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.”
3. Quem, actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, usar documento produzido a partir de dados informáticos que foram objecto dos actos referidos no n.º 1 ou cartão ou outro dispositivo no qual se encontrem registados ou incorporados os dados objecto dos actos referidos no número anterior, é punido com as penas previstas num e noutro número, respectivamente.”
Sendo, “dados informático”s, na definição da alínea b), do artigo 2.º da mesma lei, qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma susceptível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função”.
O bem jurídico tutelado por este crime de falsidade informática não é o património, como sustenta o recorrente, mas antes a “integridade dos sistemas de informação” (cfr. Ac. do TRL de 30-06-2011, proc. TRL189/09.3JASTB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.), através do qual se “pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados (…). Cada vez mais a sociedade actual depende da utilização de sistemas informáticos, os quais contêm informação sobre todos os elementos da vida de cada um e ao mesmo tempo que a sua utilização se tornou banal e mesmo “vital” para cada um dos cidadãos. A interferência por qualquer meio nessa informação implicará graves danos para os cidadãos visados, que se podem traduzir na violação dos seus direitos patrimoniais, mas em primeira linha são uma violação aos seus direitos humanos, nomeadamente ao seu direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8.º da Convenção de Direitos do Homem do Conselho da Europa).” (in acórdão do TRP, 21-11-2012, proc. 1001/11.9JAPRT.P1, dusponível em ww.dgsi.pt).
Por outro lado, anote-se que no tipo de crime do nº 3 do artigo 3º que (por referência aos atos elencados no nº 1) é o crime pelo qual o arguido foi condenado, não é exigido que o engano provocado se repercuta nas relações jurídicas, como acontece no caso do crime previsto no nº 1 do mesmo artigo 3º. Não tendo por isso qualquer fundamento a objeção do recorrente de que a sua conduta nunca seria suscetível de causar engano ou insegurança nas relações jurídicas eletrónicas, por tal não relevar para preenchimento do tipo de crime que lhe foi imputado e pelo qual veio a ser condenado.
Para preenchimento do tipo de crime do nº 3 do artigo 3º é antes exigida a intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, mas não sendo necessário que o prejuízo ou a vantagem tenham natureza patrimonial, uma vez que não constitui objeto de proteção deste crime o património, como sustenta o recorrente, mas antes e tão só a integridade e disponibilidade dos sistemas de informação.
Posto isto, temos que in casu, o arguido, ao atuar nos termos descritos nos nºs 12 a 17 e 23, ou seja, ao criar informaticamente contas nas quais produziu dados de perfil não genuíno da ofendida através da utilização dos seus dados pessoais que, simulando ser a própria, introduziu no sistema informático para criar, via internet, em sítio próprio da plataforma da rede social do facebook, imagem psicológica, caráter, personalidade e identidade da ofendida que não correspondiam à realidade, com a intenção de serem considerados genuínos e, através das contas referenciadas, fingindo ser a ofendida, divulgar conteúdos íntimos da sua vida pessoal, provocando dessa forma engano, com a intenção de que fossem tomadas por verdadeiras e reais aquelas contas, dessa forma causando prejuízo à honra e imagem da ofendida, como era seu desiderato.
Assim sendo, a conduta do arguido preencheu todos os elementos típicos do crime de falsidade informática p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 3, da Lei 109/2009 de 15.09, nenhuma censura merecendo o acórdão recorrido ao imputar-lhe a prática desse ilícito.
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D) Subsunção jurídica dos factos aos dois crimes de ameaça
Sustenta o recorrente que os factos que praticou entre os dias 3 de 9 de setembro de 2011 e o que praticou em 18 de outubro de 20011, não integram a prática dos crimes de ameaça simples e de ameaça agravada, respetivamente, pelos quais foi condenado.
Vejamos.
O arguido não aceita que o tribunal a quo tenha considerado que os factos descritos no número 3 e aqueles que constam do número 19, integrem a prática de um crime de ameaça e de ameaça agravada, respetivamente, por entender que as expressões aí mencionadas, no contexto de toda a factualidade apurada, não eram nem podiam ser sequer adequadas a causar medo.
Assim, e apesar de a este propósito, o recorrente aludir na motivação e conclusões a expressões como: “erro notório na apreciação da prova” e “insuficiência da matéria de facto para a decisão”, como as coisas são o que são e não o que se lhes chama, temos de assentar que o que pretende significar é tão só que o Tribunal a quo não efetuou a correta subsunção jurídica dos factos, no que respeita aos dois crimes de ameaças.
Posto isto, analisemos os pressupostos do crime de ameaça, previsto, na sua forma simples, no artigo 153º, nº 1 do Código Penal.
Enquadra-se este ilícito nos crimes contra a liberdade pessoal, tutelando o bem jurídico da liberdade de decisão e de acção, na medida em que o sentimento de insegurança gerado pelas ameaças afecta necessariamente “a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade” (cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 342, §6).
São pressupostos do preenchimento deste tipo de crime:
. que o agente ameace outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;
. que a ameaça seja adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;
. o dolo, sendo suficiente o dolo eventual (tendo no entanto o dolo que abranger não só o conhecimento e vontade de praticar o facto, mas também a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação e, pressupõe, que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado, sendo no entanto irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça).
Sendo que para integrar o conceito de ameaça, temos de estar perante um mal futuro que constitua crime, de natureza pessoal ou patrimonial, que depende da vontade do agente, podendo revestir qualquer forma, oral, escrita, gestual, ou até por interposta pessoa.
Importa ainda, para o preenchimento do tipo, que ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário (não chegando haverá tentativa não punível, dada a moldura penal estabelecida – cfr. artigo 23º, nº 1 do Código Penal).
O crime de ameaça é um crime de perigo concreto, o que significa que a ameaça tem de ser adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, não sendo no entanto necessário que, em concreto, tenha provocado medo ou inquietação, ou afetado a sua liberdade de determinação. O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é um critério objetivo, do homem médio (pessoa adulta e normal), mas tendo em conta as caraterísticas individuais do ameaçado; assim, ameaça é adequada sempre que, de acordo com as regras da experiência comum, seja suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente).
Nas várias alíneas do nº 1 do artigo 155º do Código Penal, estabelece-se um crime de ameaça qualificado, reportando-se a alínea a) à gravidade do crime ameaçado, quando este (que continua a ser um dos previsto n nº 1 do artigo 153º) for punível com pena de prisão superior a três anos.
Posto isto atentemos no caso sub judice.
No que respeita aos factos praticados entre os dias 3 e 9 de Setembro, a expressão em causa, comunicada pelo arguido à ofendida para a convencer a manter o relacionamento amoroso, foi que “ou ficava com ele ou não ficava com mais ninguém” (cfr. nº 3).
Ora, não se tendo provado quaisquer caraterísticas particulares da ofendida que a distingam da mulher comum adulta e normal, temos que considerar esta expressão, sem quaisquer explicações adicionais, proferida pelo ex-amante que não se conforma com o rompimento da relação amorosa que mantinha com a destinatária, é suscetível de ter mais do que um significado objetivo. Pode efetivamente significar, como entendeu o Tribunal a quo, que o arguido anunciava a prática de um crime contra a vida ou integridade física da destinatária (se não ficasse com ele, o arguido mataria ou inutilizaria de tal forma a ofendida que ela não poderia voltar a ter uma relação amorosa). Mas, segundo as regras da experiência comum, pode também igualmente significar que o arguido se dispunha a contar a todas as eventuais pessoas que com a ofendida pretendessem manter uma relação, factos eventualmente falsos mas muito desvaliosos sobre a personalidade e conduta dela, que os desmotivassem a iniciar e/ou prosseguir o relacionamento; hipótese que se mostra absolutamente consentânea com os restantes anúncios que simultaneamente o arguido também fez, de denegrir a imagem da ofendida, com a divulgação descontextualizada de vídeos e fotografias de cariz sexual da mesma.
Aliás, e embora nesta fase da subsunção jurídica só se atendam aos factos apurados, não podemos deixar de referir, para demonstração do plurisignificado objetivo daquela expressão do arguido, que a última hipótese que enunciamos encontra acolhimento nas próprias declarações da ofendida, quando afirmou: “Ele começou a dizer que se eu não era dele não era de mais ninguém, que eu não ia arranjar trabalho, não ia arranjar nada”.
Aqui chegados, temos de concluir que do circunstancialismo apurado não resulta inequivocamente que o anúncio feito pelo arguido à ofendida entre os dias 3 e 9 de Setembro de 2011, fosse da prática de crime contra a vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, como se exige para preenchimento do crime de ameaça.
Permitindo a factualidade apurada também a leitura de que o crime objeto da ameaça do arguido fosse contra a honra, o qual está expressamente excluído pelo artigo 153º do Código Penal dos crimes susceptíveis de serem objecto de crime de ameaça.
Assim se concluindo que relativamente à conduta do arguido entre os dias 3 e 9 de setembro de 2011, não resultou sequer apurado o elemento objetivo do crime de ameaça, impondo-se por isso a revogação da respetiva condenação.
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No que concerne à conduta do dia 18 de outubro de 2011, apurou-se que, pelas 22h45, o arguido anunciou via telefone a D....., mãe da ofendida, para que comunicasse à filha, que esta “ iria ser morta pelo facto de o ter deixado” e ainda “ a C.....que chore pois ela vai ser morta” (cfr. nºs 19 e 22).
Refere contudo o recorrente que tais expressões não eram adequadas a causar medo e/ou inquietação à ofendida, como não causaram, por terem sido desprovidas de qualquer comportamento que trouxesse a iminência da sua concretização e proferidas sob grande pressão, no final de uma relação amorosa de 4 anos, ao longo dos quais o arguido nunca teve um comportamento violento para a ofendida ou para a sua família.
Apreciemos.
Para integrar o tipo de crime do artigo 153º do Código Penal, e como já supra se explanou, a ameaça tem de ser adequada, segundo um critério objetivo, a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, não sendo no entanto necessário que, em concreto, tenha provocado medo ou inquietação, ou afetado a liberdade de determinação do ofendido.
Ora, in casu, uma mulher média, no sentido de uma mulher adulta e normal, como é a ofendida (relativamente a quem não se apuraram caraterísticas especiais que a afastem desses parâmetros de normalidade), de acordo com a experiência comum, leva a sério o anúncio do ex-amante de que “ iria ser morta pelo facto de o ter deixado” e “ a C.....que chore pois ela vai ser morta”, quando esse anúncio é feito telefonicamente à mãe da ofendida para que o transmitisse a esta, no quadro do rompimento de uma relação amorosa de quatro anos, com o qual o agente não se conforma, depois de mais de um mês de insistências para que reatassem, de chantagem com ameaças de divulgação de filmes e fotografias de cariz sexual da ofendida e da sua efetiva divulgação em redes sócias onde se havia feito passar pela ofendida, de telefonemas e mensagens tão insistentes que obrigaram a ofendida a mudar de telefone e, depois, até a chamar a polícia.
Por outro lado, das expressões proferidas pelo arguido não restam dúvidas de que o crime objeto da ameaça é um crime contra a vida, que é punido com pena de prisão superior a 3 anos (artigos 131º e segs. do Código Penal).
Apurou-se igualmente o dolo, na vertente de conhecimento e vontade de praticar o facto, bem como também na adequação da ameaça a provocar na ameaçada medo ou inquietação e, ainda, na vontade do agente de que a ameaça chegasse ao conhecimento da ofendida (cfr. ponto 22).
Sendo irrelevante para a consumação do crime, que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça.
Posto tudo isto é forçosa a conclusão de que a conduta do arguido no dia 18 de outubro de 2011, preenche efetivamente todos os elementos típicos do crime de ameaça agravado p. e p., pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1 al. a) do Código Penal, nenhuma censura merecendo pois neste ponto o acórdão recorrido.
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E) Escolha e medidas concretas das penas
O arguido/recorrente questiona, logo em primeira linha, a opção pela pena de prisão feita pelo tribunal a quo, que considera desnecessária, desadequada e desproporcional.
Vejamos.
Os crimes pelos quais o arguido foi condenado são punidos da seguinte forma:
(Recorde-se que nos termos já supra decididos na primeira parte da alínea D), será revogada a condenação pelo crime de ameaça simples, que por isso não é considerado.)
. o crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias;
. o crime de perturbação da vida privada, previsto e punível pelo artigo 190º, n,º 1 e n.º 2 do Código Penal, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias;
. o crime de devassa da vida privada, previsto e punível pelo artigo 192º, nº 1, al. b) do Código Penal, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias;
. o crime de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e nº 3 da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.
Determina o artigo 70º do Código Penal que caso ao crime sejam aplicáveis uma pena de multa em alternativa a uma pena de prisão, o tribunal deve dar preferência à primeira, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Resulta deste comando que a pena de multa é a preferida pelo legislador, mas apenas no caso de o aplicador do direito se convencer seriamente que, com ela, ficam asseguradas as finalidades da punição, constantes do artigo 40º, nº 1, do Código Penal: “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, que com a aplicação da pena pecuniária se atingem os fins de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) e os fins de prevenção especial (reintegração do agente).
O primeiro desses escopos é uma forma de prevenção positiva, através da qual se procura que a pena proteja as expetativas da comunidade na validade da norma jurídica violada, defendendo o ordenamento jurídico.
Já no respeitante à reintegração do agente, a aplicação da pena visa evitar a quebra da sua inserção social, contribuindo para a sua reintegração na comunidade.
Na questão da escolha da pena só devem intervir razões preventivas, especialmente razões de prevenção especial, estando definitivamente afastada a possibilidade de considerações atinentes com a culpa desempenharem, nesta sede, qualquer papel.
Retomando o caso sub judice, se atentarmos no acórdão recorrido, logo se alcança que todo o circunstancialismo fáctico apurado com relevo para a eleição das penas, quer o que militava a favor, quer o que depunha contra o arguido, foi criteriosamente ponderado, valorado e confrontado.
Nessa decisão, e a este propósito, afirma-se expressamente:
“…entende-se que apenas a pena de prisão se mostrará suficiente para satisfazer as exigências relativas à punição, seja de prevenção geral, seja de prevenção especial.
Se é certo que ao nível da prevenção especial há fatores que até apontariam para a aplicação ao arguido de uma pena de multa ― nomeadamente o facto do mesmo não ter antecedentes criminais e se mostrar integrado do ponto de vista social (familiar e laboral) ― a ausência de arrependimento e o contexto de manifesta vingança/revanche em que os atos foram praticados desaconselharia a escolha pela pena de multa.
Já ao nível da prevenção geral, considerando que o arguido não teve pejo em divulgar atos de índole sexual da ofendida ― violando, e de que forma a confiança que ela nele confiou ― e fazendo-o depois de justamente ter ameaçado que o faria e ter utilizado um meio de grande (enorme) divulgação, entendemos que apenas a pena de prisão será suficiente para reafirmar a validade da norma.
Entende-se que apenas a pena de prisão surge como suficiente e adequada às exigências de prevenção geral (porque assegura de modo eficaz a tutela de bens jurídicos, isto é, garante a assimilação pela comunidade da validade da norma violada) e especial (porque permite que o arguido interiorize a ideia de que não deve nem pode voltar a delinquir e, doutra banda, permite-lhe assimilar a necessidade de cumprir as regras básicas do viver comunitário).”
São assim finalidades exclusivamente preventivas, ao nível da prevenção geral e especial, que neste caso justificam o afastamento da preferência normativa pelas penas pecuniárias e a opção pelas penas de prisão, pois as circunstâncias demonstram que a escolha das penas de multa resultaria como insuportável para a comunidade, pondo irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expetativas comunitárias.
E, face à improcedência deste ponto do recurso, impondo-se a opção pelas penas de prisão, importa agora verificar da adequação das respetivas medidas concretas fixadas para os quatro crimes praticados pelo arguido: ameaça agravado previsto e punível pelos artigos 153º e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal; perturbação da vida privada previsto e punível pelo artigo 190º, n,º 1 e n.º 2 do Código Penal; devassa da vida privada previsto e punível pelo artigo 192º, nº 1, al. b) do Código Penal e falsidade informática previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e nº 3 da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro.
Em conformidade com o estatuído no artigo 40º, nº 1 do Código Penal, e como supra já se referiu, a aplicação das penas “…visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) e fins de prevenção especial (reintegração do agente). Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do citado artigo 40º).
A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras para o caso concreto, faz-se através da “ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”, tal como decorre do artigo 71º, nº2 do Código Penal.
O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa proteção dos bens jurídicos penalmente protegidos.
Dentro desses dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.
“Dentro dos limites consentidos da prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos –, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos” (cfr., Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, págs. 230 e 231).
A medida concreta da pena tem pois de ser encontrada pelo juiz através de um processo lógico e racional, norteado pelos princípios a esse propósito legalmente definidos.
Como se refere no acórdão do TRL de 07.11.2001, proc. nº 2315/2001 (disponível em www.dgsi.pt) “A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada”.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte relativos a regras de direito escritas e em parte não escritos (actos cognitivos, valorações), que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização.
Debruçando-nos agora diretamente sobre o caso sub judice, temos um grau de ilicitude dentro da média no crime de ameaça agravado, pois se, por um lado, o tipo de ameaça feita foi a de homicídio (quando outras menos graves, embora integradoras de crime punível com pena de prisão superior a três anos, já bastavam para preencher o tipo), por outro lado temos de considerar a forma como a ameaça foi transmitida, através de telefonema à mãe da vítima, que depois a comunicou a esta no momento e da forma que entendeu, o que é sempre um modo de atuação que revela uma menor intensidade criminosa.
No crime de devassa da vida privada, o grau da ilicitude apresenta-se muito elevado, uma vez que os factos relativos à vida privada da ofendida que foram divulgados: vídeos e fotografias de nus e de relacionamento sexual, respeitam a uma parte da vida pessoal relativamente à qual existe um especial recato e natural inibição em a partilhar com terceiros; tendo a devassa sido feita por meio que permite grande publicidade (internet).
No crime de falsidade informática é mediana a ilicitude.
Já no crime de perturbação da vida privada, tem de se considerar que a ilicitude se situa abaixo da média, uma vez que relativamente aos telefonemas em que ele se concretizou, apenas se apurou que ocorreram durante o período de cerca de oito dias, desconhecendo-se no entanto quantas vezes tal aconteceu, a que horas e em que circunstâncias concretas.
A culpa é intensa nos quatro crimes, face ao dolo direto que sempre revestiu a conduta do agente.
Haverá ainda que ponderar na integração familiar, profissional e social do arguido.
Bem como na ausência de antecedentes criminais.
(Uma breve nota ainda para salientar que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, não é possível valorar contra o arguido a circunstância de este não estar arrependido, pois tal não consta dos factos provados. Efetivamente, apenas não se provou que o arguido estivesse arrependido, o que é diverso e não permite que se conclua a prova do contrário.).
Na fixação do quantitativo diário correspondente a cada dia de multa, consideraremos a situação económica e financeira do condenado e seus encargos pessoais, refletida nos factos provados (como impõe o nº 2 do artigo 47º do Código Penal).
Tudo ponderado, surgem-nos como adequadas as penas parcelares fixadas no acórdão recorrido para os crimes de perturbação da vida privada, previsto e punível pelo artigo 190º, nº 1 e nº 2 do Código Penal: pena de 3 meses de prisão; e de falsidade informática, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e nº 3 da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro: 2 anos de prisão.
Discorda-se contudo da pena de 2 anos de prisão aplicada pelo Tribunal a quo ao crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153º e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal, que coincidindo exatamente com o limite máximo da respetiva moldura legal, de modo algum se justifica in casu, atendendo aos contornos do crime, designadamente ao grau médio da ilicitude, nos termos já supra referidos. Surgindo-nos como mais justa e adequada a pena concreta de 6 meses de prisão.
Quanto à pena de 3 meses de prisão aplicada ao crime de devassa da vida privada previsto e punível pelo artigo 192º, nº 1, al. b) do Código Penal, peca por manifesta benevolência do Tribunal a quo, mas manter-se-á o respetivo quantum, face à proibição de reformatio in pejus consagrada no artigo 409º, nº 1 do Código de Processo Penal.
Ficamos assim com as seguintes penas parcelares:
um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal: pena de 6 meses de prisão;
um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal: pena de 3 meses de prisão;
um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal: pena de 3 meses de prisão; e
um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei do Cibercrime: pena de 2 anos de prisão.
Ora, face à revogação da condenação do arguido pelo crime de ameaça simples (cfr. primeira parte da al. B) supra), bem como à alteração da pena parcelar da ameaça agravada de 2 anos para 6 meses de prisão, impõe-se a realização nesta sede de recurso de novo cúmulo jurídico, em conformidade com o disposto no artigo 77º do Código Penal e tendo em conta a moldura legal do concurso, que no caso vai de um mínimo de 2 anos de prisão (que é a mais elevada das penas parcelares) a um máximo de 3 anos de prisão (correspondente à soma das quatro penas parcelares concretamente aplicadas a cada um dos quatro crimes: 6 meses + 3 meses + 3 meses + 2 anos).
Para tal, ponderar-se-á, em conjunto, nos factos e na personalidade do agente e em todas as circunstâncias que militam contra e a seu favor, já supra referidas aquando da concretização das penas parcelares. Não esquecendo (como também a este propósito se salienta no acórdão recorrido) que os factos cometidos pelo arguido se inserem num contexto único, onde a ameaça, a devassa e perturbação da vida privada e a falsidade informática se interligam de modo muito acentuado.
Tudo ponderado, surge como justa e adequada a pena única de 2 anos e 5 meses de prisão, pelo que se revogará a pena única superior fixada no acórdão recorrido.
Aqui chegados, há que atentar no disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal que prescreve que:
“o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O Tribunal a quo, embora tenha chegado a uma pena única superior à ora fixada, decidiu suspendê-la, condicionando a suspensão:
“à proibição de o arguido contactar, por qualquer meio, a ofendida C..... e a família próxima desta; à proibição de se aproximar da residência da ofendida C.....; e ainda de entregar no Tribunal ― para posterior entrega à ofendida C..... ― da quantia de cinco mil e quatrocentos euros (€ 5 400) prestações mensais, iguais e sucessivas de cento e cinquenta euros (€ 150), vencendo-se a primeira no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, importando o não pagamento de qualquer das prestações o imediato vencimento das demais, imputando-se tal quantia no montante que entre a ofendida e o arguido foi acordado a título de indemnização.”
Para tal, invoca o acórdão recorrido os seguintes argumentos:
“… em homenagem ao princípio de que a prisão deve ser a última das últimas possibilidades e considerando que o estabelecimento de condições à suspensão da execução da pena de prisão mitiga o sentimento comunitário da necessidade dum cumprimento efetivo de uma pena de prisão, entende-se que ainda é possível suspender a execução da pena de prisão.
Entende-se, assim, que ainda há espaço para a aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão ― pelo período em que o arguido vai condenado ― entendendo-se que desta forma serão satisfeitas as exigências de punição, quer ao nível da prevenção geral quer ao nível da prevenção especial (relembrando-lhe que não pode nem deve persistir em atividades delituosas e que se o fizer, terá de cumprir a pena de prisão).
No caso em apreço, como dissemos, importa fixar algumas condições para que a suspensão da execução da pena de prisão seja apta a cumprir as exigências de prevenção geral e especial.
Considerando que a ofendida (e a sua família) foi vítima de uma espécie de perseguição, importa proibir o arguido de, por qualquer modo, contactar com a ofendida ou a sua família e de se aproximar da sua residência.
Por outro lado, servindo-lhe de estímulo para permanecer afastado do crime e à reparação do crime, a suspensão da execução da pena de prisão ficará condicionada à entrega, no prazo da suspensão, da quantia de € 5400, em prestações mensais, iguais e sucessivas de cento e cinquenta euros (€ 150), vencendo-se a primeira no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, importando o não pagamento de qualquer das prestações o imediato vencimento das demais.
Aquela quantia será, depois, entregue à ofendida e será imputada no montante que foi acordado entre arguido e ofendida a título de indemnização.”
Aderimos integralmente à argumentação transcrita, salientando ainda a circunstância de o arguido ter estado, ao longo de toda a sua vida, sempre familiar, social e profissionalmente bem integrado e não ter antecedentes criminais. Tudo assim indicando que a simples censura dos factos e a ameaça da pena, aliadas ás regras de conduta e obrigação encontradas pelo tribunal a quo, realizam já de forma adequada as finalidades da punição.
Assim se entendendo que a execução da pena única de 2 anos e 5 meses de prisão deverá ser suspensa por igual período (de 2 anos e 5 meses), condicionada às regras de conduta e obrigação fixadas no acórdão recorrido. Pena esta que não é privativa de liberdade e permitirá ao arguido/recorrente senti-la como uma verdadeira punição, já que o responsabiliza, pondo-lhe nas suas mãos a sua própria liberdade, que só ficará em causa se ele não cumprir, com culpa, as regras de conduta e/ou a obrigação imposta ou cometer novos crimes. O que não aconteceria com a mera pena pecuniária, defendida pelo recorrente, que poderia ser encarada de forma leviana, como preço a pagar pelos ilícitos cometidos, não contribuindo para a sua ressocialização.
*
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso parcialmente procedente, em consequência do que se decide:
. absolver o arguido do crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153º, nº 1 do Código Penal (relativamente a factos ocorridos entre os dias 3 e 9 de Setembro de 2011);
. alterar para 6 (seis) meses de prisão a pena parcelar pelo crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153º e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal;
. alterar para 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão a pena única do concurso, cuja execução fica suspensa por igual período, condicionada ao cumprimento das regras de condutas e obrigação fixadas no acórdão recorrido;
. mantendo-se em tudo o mais o acórdão recorrido.
Sem custas.
*
Porto, 24 de abril de 2013
Elaborado e revisto pela relatora (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal)
Maria de Fátima Cerveira da Cunha Lopes furtado
Elsa de Jesua Coelho Paixão