Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0818030
Nº Convencional: JTRP00042541
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
RECORRIBILIDADE DO DESPACHO PROFERIDO DEPOIS DA DECISÃO FINAL
Nº do Documento: RP200905060818030
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 578 - FLS. 112.
Área Temática: .
Sumário: I- Da disciplina dos recursos estabelecida no RGCO, mormente dos arts. 73º, nºs 1 e 2 e 63º, n.º 2, decorre que, em matéria contra-ordenacional, a regra é a da irrecorribilidade das decisões judiciais. Apenas é admissível recurso das decisões finais, restrito a matéria de direito. (art. 75º, n.º 1). A única excepção a esta regra encontra-se no n.º 2 do art. 63º do RGCO.
II- No entanto, relativamente aos despachos proferidos depois da decisão final, que não foram objecto de qualquer regulamentação expressa no RGCO, porque se podem configurar hipóteses de erros clamorosos ou susceptíveis de contender gravemente com os direitos de defesa do arguido, justifica-se a sua recorribilidade no quadro das normas do processo penal, de aplicação subsidiária, nos termos do n.º 1 do art. 41º.
III- É o que sucede com o despacho que indeferiu o requerimento apresentado pela arguida, pretendendo que se considerasse não se ter esgotado o prazo de recurso da sentença, na medida em que a sua manutenção implica, como efeito necessário, a inviabilização da interposição de recurso da decisão final proferida nos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 8030/08

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1.Relatório
Por decisão proferida nos autos de recurso de contra-ordenação nº 4693/08.2TBVNG, que corre termos no ….º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi indeferido o requerimento apresentado pela arguida B………….., Lda, devidamente identificada nos autos, que pretendia que se considerasse não se ter esgotado o prazo de recurso da sentença proferida naqueles autos e, em consequência, fosse declarado nulo o despacho que lhe aplicou a multa de custas.
Inconformada com esse despacho, dele interpôs recurso a arguida, pretendendo a sua revogação e substituição por outro que declare ineficaz a notificação que lhe foi efectuada para pagamento de coima e custas, para o que apresentou as seguintes conclusões:

1. O prazo para a sua interposição de recurso da sentença que julga o procedimento de contra-ordenação é de 10 dias (art.° 74°, n.° 1 do DL 433/82, de 27 de Outubro) contados da notificação da sentença ao arguido.
2. O facto de a recorrente não ter sido notificada da sentença proferida nos presente autos, não constituiu nulidade ou irregularidade, como decidiu o despacho proferido pelo Tribunal de 1a Instancia.
3. Trata-se, antes, de uma omissão, a qual é sanável a todo o tempo, mediante a notificação da mesma pelo Tribunal, à arguida.
4. Mas, não existe outro meio de sanação, para além desta notificação,
5. O Tribunal, porém, não ordenou a notificação da sentença, à arguida.
Logo ,
6. ainda não ocorreu o transito em julgado da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância,
7. consequentemente, o Tribunal não podia, como o fez, proceder à execução da sanção a que arguida foi condenada.
8. A sentença proferida pelo tribunal a quo não transitou em julgado.
9. A prolação do despacho, aqui em crise, viola a noção de trânsito em julgado.
10.Violou o despacho aqui em crise os arts. art° 74°, n.° 1, 79.°, n.1 e 2.° do DL 433/82, de 27 de Outubro.

Na resposta, o MºPº suscitou, com questão prévia, a irrecorribilidade do despacho, pronunciando-se no sentido da não admissão ou rejeição do recurso e, no caso de assim se não entender, pela extemporaneidade da arguição da irregularidade, a menos que se considere que a mesma influi na decisão da causa, concluindo como segue:

1ª/ QUESTÃO PRÉVIA: o despacho é irrecorrível, pelo que o recurso não deverá ser admitido ou deverá ser sempre rejeitado (cfr. artigos 73°, n°l do D.L 433/82 de 27/19, artigo 400°, n°l - ai) g) 41 4°, n°2 e 420°, n°l, al) b), todos do C.P.P.
2ª/SEM PRESCINDIR:
a) Tratando-se de mera irregularidade, a sua arguição em 19/9/08 é extemporânea (cfr. artigo 123°, n°l C.P.P.) e como tal, bem andou a Merma Juiz.
b) Se entender que essa irregularidade influi na decisão da causa, por impossibilitar o direito ao recurso por parte da sociedade arguida, então há que ordenar a notificação da sentença à mesma, por aplicação do disposto no artigo 201°, n°l do C.P.C, “ex vi” artigo 4° C.P.P.

O recurso foi admitido e o despacho recorrido sustentado tabelarmente.
Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu extenso parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, caso não se entenda que o mesmo deve ser rejeitado.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
Revestem-se de interesse, para a decisão do recurso, os seguintes factos e ocorrências processuais:
- na sequência da audiência de julgamento realizada nos autos, em que esteve presente o mandatário da recorrente, mas à qual não compareceu o legal representante da mesma, que estava devidamente notificado e cuja presença não era obrigatória, veio a ser proferida sentença que, alterando embora o montante da coima única aplicada àquela, julgou improcedente a impugnação apresentada;
- a leitura dessa decisão, bem como o subsequente depósito, tiveram lugar no dia 10/7/08 e a ela não compareceu o mandatário da recorrente ( tão pouco esta última ), tendo sido então ordenado que lhe fosse feita a respectiva notificação;
- em 10/7/08, foi remetida ao mandatário da recorrente notificação da sentença, por via postal registada;
- em 8/9/08, foram remetidas, tanto à recorrente como ao seu mandatário, notificações para procederem ao pagamento das custas devidas ou para, querendo, reclamarem da conta/liquidação de que foi enviada cópia;
- por fax remetido em 19/9/08, veio a recorrente deduzir reclamação relativamente à notificação que lhe foi dirigida para proceder ao pagamento de custas e multa, nos seguintes termos:

1. A arguida foi aplicada coima, pelo Tribunal de 1.ª Instância, confirmando a decisão administrativa, preferida pelo Município de Vila Nova de Gaia.
2. A prolação da sentença ocorreu na ausência da arguida, e do seu advogado.
3. Estatui o art. 74,° do DL 433/82 de 27 de Outubro, que o” Recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste."
4. In casu, a sentença proferida por este Tribunal não foi objecto de notificação à arguida.
5. Sendo certo que, a prolação desta sentença, ocorreu na ausência da arguida.
6. Nessa medida, a arguida desconhece os factos e fundamentos, que sustentam a sentença que culminou na sua condenação.
7. Esta omissão de notificação determina que a sentença proferida por este Tribunal não transitou em julgado.
8. Pelo que, o decurso do prazo de recurso não se encontra esgotado.
9. Logo, não pode o Tribunal, emitir guias para o pagamento da multa, a que a arguida, terá sido condenada.
10. Porque, a execução da sentença condenatória, pressupõe o trânsito em julgado da sentença de 1.ª Instância.
11. O qual, ainda não ocorreu.
12. Esta facto determina a nulidade da aplicação de multa, por parte do Tribunal de 1.ª Instância.

- sobre esta reclamação incidiu o despacho recorrido, que é do seguinte teor:

Fls.98 e 99:
A arguida/recorrente B…………., LDA. veio alegar a falta de notificação da sentença de fls. 82 a 87, requerendo que seja declarado nulo o despacho que aplica a multa e custas à arguida.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de nada ter a opor ao requerido.
Cumpre decidir:
Compulsados os autos constata-se que, efectivamente, o representante legal da sociedade arguida não foi notificado da sentença, tendo apenas sido notificado o ilustre mandatário em 15/07/2008, o que constitui uma irregularidade, nos termos do preceituado no art. 123° do C.P.P..
Ora, as irregularidades apenas determinam "a invalidade ao acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pêlos interessados nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
In casu, a sociedade arguida foi notificada em 11/09/2008 para efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade e para, querendo, reclamar das mesmas (cfr. fls. 94) e apenas em 19/09/2008, veio arguir a referida irregularidade, portanto, já manifestamente fora de prazo (cfr. fls. 96 e 97)
Pelo exposto, considero sanada, a irregularidade arguida.
Notifique.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Face às conclusões do recurso, as questões submetidas à nossa apreciação reconduzem-se a determinar se, em processo de recurso de contra-ordenação, a lei impõe que a decisão nele proferida seja notificada ao arguido para que se inicie a contagem do prazo para a interposição de recurso e, em caso afirmativo, quais as consequências da omissão dessa notificação.

Foi, no entanto, suscitada pelo MºPº na 1ª instância uma questão prévia, de cuja decisão depende o conhecimento do recurso e que se prende com a recorribilidade da decisão que o recorrente põe em crise.
Sustenta aquele magistrado que esta decisão, sendo intercalar e não se enquadrando em nenhuma das hipóteses previstas no nº 1 do art. 73º do RGCO ( diploma, aprovado pelo DL nº 433/82 de 27/10 e alterado pelos DL nºs 356/89 de 17/10, 244/95 de 14/9 e 323/2001 de 17/12 e pela Lei nº 109/2001 de 24/12, ao qual pertencerão os preceitos adiante citados sem menção especial ), é irrecorrível. Irrecorribilidade essa que, a verificar-se, implicaria, agora, a rejeição do recurso, admitido que foi na 1ª instância, sem que tal admissão vincule este tribunal, tudo conforme o disposto nos arts. 400º nº 1 al. g), 414º nº 3 e 420º nº 1 al. b) do C. P.P.

Da disciplina dos recursos estabelecida no RGCO, e mormente dos arts. 73º nºs 1 e 2 e 63º nº 2, decorre que, em matéria contra-ordenacional, a regra é a da irrecorribilidade das decisões judiciais[2]. Apenas é admissível recurso das decisões finais, restrito a matéria de direito (cfr. nº 1 do art. 75º) – obviamente sem exclusão da apreciação dos vícios da decisão indicados no nº 2 do art. 410º do C.P.P. -, e, ainda assim, apenas quando se verifiquem os pressupostos taxativamente enunciados nas várias alíneas do nº 1 do art. 73º ou, excepcionalmente, dentro do condicionalismo indicado no nº 2 do mesmo preceito. A única excepção a esta regra encontra-se no nº 2 do art. 63º e a necessidade que o legislador viu de a contemplar demonstra, a nosso ver inequivocamente, que quis afastar, nesta matéria, as regras contidas no C.P.P., pois delas sempre decorreria, sem necessidade de previsão autónoma, a recorribilidade do despacho aludido naquela norma. As razões justificativas deste regime, claramente distanciado do regime processual penal em que a regra é a recorribilidade das decisões ( cfr. art. 399º do C.P.P. ), são várias: “A limitação do direito ao recurso (para o Tribunal da Relação) das decisões judiciais proferidas no processo de contra-ordenação colhe a sua justificação na natureza do ilícito de mera ordenação social e das sanções que lhe correspondem (coimas): enquanto os bens jurídicos cuja tutela é confiada aos crimes assumem um mínimo ético, o ilícito de mera ordenação social é eticamente neutro ou indiferente e as coimas têm carácter meramente económico-administrativo. A admissibilidade de recurso de decisões interlocutórias no processo contra-ordenacional, não sendo imposta constitucionalmente, estaria mesmo em oposição com a natureza daquele tipo de processo onde impera a celeridade e menor formalismo. Aliás, se nem todas as decisões finais são recorríveis, por maioria de razão se impõe a conclusão da inadmissibilidade de recurso dos despachos interlocutórios.”[3]; “No fundo, se os factos foram objecto de um processo perante a autoridade administrativa relativamente ao qual a lei assegura plenas garantias de defesa, e se a decisão proferida no termo desse processo já foi objecto de uma apreciação com todas as garantias do processo judicial, aceita-se que se limite o direito ao recurso das decisões proferidas para o Tribunal da Relação.” Outra razão se pode retirar do disposto na al. a) do nº 2 do art. 75º, que permite[4] em sede de recurso, e apenas com o limite do art. 72º-A, o conhecimento de questões que, não sendo de conhecimento oficioso e não tendo sido apreciadas na decisão recorrida, ali sejam suscitadas. Donde que não haja fundamento para admitir o recurso de despachos ou decisões interlocutórias ( ressalvada a hipótese de nestas últimas se decidir questão que constituía objecto da impugnação judicial[5], caso em que assumem a natureza de decisões finais, ainda que só ponham fim a parte da causa ) fora dos limites apertados do regime estabelecido no RGCO.
Mas, se assim sucede relativamente aos despachos e decisões que sejam proferidos antes da decisão final da impugnação judicial, já quanto aos que sejam proferidos em momento ulterior, que não foram objecto de qualquer regulamentação expressa no RGCO, podem-se configurar hipóteses de erros clamorosos ou em que sejam susceptíveis de contender gravemente com os direitos de defesa do arguido, sem possibilidade sequer do remédio proporcionado pelo nº 2 do art. 73º, justificando-se a sua recorribilidade no quadro das normas do processo penal, de aplicação subsidiária nos termos do nº 1 do art. 41º.
Parece-nos que é o que sucede com a decisão recorrida, na medida em que a sua manutenção implica, como efeito necessário, a inviabilização da interposição de recurso da decisão final proferida nos autos por parte da recorrente.
Nessa medida, propendemos no sentido de admitir a recorribilidade da decisão recorrida, com o que consideramos improcedente a questão prévia suscitada.

Passamos, então, ao conhecimento da questão suscitada pela recorrente.
Como certeiramente aponta o Exmº PGA, o que verdadeiramente está em causa é saber se a recorrente se conformou – ou, mais rigorosamente, se tem de se entender que se conformou – com a decisão proferida sobre a impugnação judicial.
O que impõe que analisemos a questão a partir desta vertente.
A arguida (ora recorrente), mais precisamente o seu representante legal, não esteve presente na audiência de julgamento que teve lugar no dia 3/7/08 e para a qual havia sido notificada. Nem a sua presença era obrigatória, visto o disposto no nº 1 do art. 67º e uma vez que o juiz não a havia considerado necessária ao esclarecimento dos factos. No entanto, a arguida fez-se representar, aliás de acordo com a faculdade aludida no nº 2 do mesmo art. 67º, por mandatário, substabelecido por aquele a quem ela havia conferido procuração. Tal mandatário foi notificado, no fim da audiência, para a data designada para a leitura da sentença, no caso o dia 10/7/08. Porém, não compareceu a essa leitura, nem ele nem qualquer outra pessoa que pudesse representar a arguida nesse acto. Nesse mesmo dia, foi a sentença depositada e remetida notificação da mesma, por via postal registada, ao mandatário da arguida – mas não a esta.
Em 19/9/08, decorridos muito mais de 10 dias quer sobre a data em que a sentença foi depositada, quer sobre a data em que o mandatário da arguida dela foi notificado, veio a arguida insurgir-se contra a notificação que lhe foi feita para efectuar o pagamento das custas, argumentando que a decisão ainda não havia transitado porque a mesma ainda não lhe havia sido notificada.
Argumento que a decisão recorrida desconsiderou, entendendo que aquela omissão constituía mera irregularidade que, por não ter sido atempadamente arguida, se encontrava sanada.
Cabe, então, determinar em que termos a lei exige, no processo contra-ordenacional e para que se inicie a contagem do prazo de recurso, a notificação da sentença ao arguido.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 74º, “o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”.
Na jurisprudência vemos defendido o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte deste preceito apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido e que, nos casos em que o seu defensor/mandatário seja notificado da data da leitura da sentença, o prazo de interposição do recurso se conta a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido[6]. Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC nº 77/2005 de 15/2/05[7].
Numa posição mais garantística, pode-se entender que o prazo em questão só começa a correr a partir do momento em que ao arguido seja dado efectivo conhecimento do teor da decisão proferida. Mas, ainda assim, bastará que a notificação seja feita ao seu mandatário, pois de outra forma estar-se-ia a dar um tratamento privilegiado aos casos em que nem o arguido, nem o seu mandatário, comparecem à leitura da sentença, por comparação com aqueles em que o arguido, não comparecendo, mas fazendo-se representar por mandatário e, por isso, considerando-se “presente”, se considera notificado na pessoa deste. O cabal conhecimento da decisão atinge-se, então, sem violação ou encurtamento inadmissível das garantias de defesa que o processo de contra-ordenação deve comportar, com a notificação ao mandatário do arguido.
Por outro lado, é completamente inadmissível que as garantias de defesa do arguido obtenham protecção mais reforçada no processo contra-ordenacional do que aquela que é assegurada no processo criminal. E, no âmbito deste, já o Tribunal Constitucional[8] se pronunciou recentemente no sentido de “não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 373.°, n.° 3, e 113.°, n.° 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado”. Fazendo nossas, com as devidas adaptações, as palavras desse aresto, o que está fundamentalmente em causa para ajuizar da efectivação, em suficiente medida, das garantias de defesa do arguido, incluindo a do direito ao recurso, “é ponderar a disponibilidade ou não, pelo interessado, de uma oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida. (…) para emissão de um tal juízo há que ter em conta os deveres funcionais e deontológicos a que fica sujeito o defensor nomeado e a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo (…)”. Tendo a arguida, ora recorrente, sido notificada da data da realização da audiência, e para mais já tendo à data mandatário constituído, é dificilmente concebível que não se tenha procurado inteirar do respectivo desfecho; se, no entanto, como parece decorrer das suas alegações, se alheou por completo do seguimento do processo e do seu desfecho, uma conduta desse jaez não pode deixar de traduzir negligência grosseira na gestão dos seus próprios interesses, negligência essa que “não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido. Estas não dispensam o interessado do ónus de uma conduta activa de obtenção de uma informação decisiva para a efectivação do direito ao recurso, como componente dessas garantias.” Já para não entrarmos em considerações acerca da conduta do seu mandatário – que substabeleceu em colega que esteve presente naquela audiência e que foi notificado da data em que a leitura da sentença iria ter lugar, e a quem, para mais, foi posteriormente enviada cópia dessa peça – na hipótese, improvável, de não ter dado conhecimento à sua constituinte da decisão proferida no processo e cujo teor não podia desconhecer!...
Como quer que se perspective a questão, e mesmo que se considere, como sucedeu na decisão recorrida, que a não notificação da arguida constitui irregularidade – entendimento que nos parece ser de rejeitar face aos termos do nº 1 do art. 74º, que não coincidem com os que constam do nº 1 do art. 411º do C.P.P. -, que se encontra sanada porque não foi atempadamente arguida, sempre se teria de recusar a sua reparação oficiosa ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 123º do C.P.P. Com a consequência, incontornável, de que, no momento em que a ora recorrente foi notificada para efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, já se havia esgotado o prazo[9] para interpor recurso da decisão em que foram fixadas ( quer se conte este a partir da data em que a sentença foi depositada, quer a partir da data em que o mandatário da arguida foi notificado), mesmo considerado o acréscimo durante o qual o acto podia ser praticado mediante o pagamento da multa tal como vinha ao tempo prevista no nº 5 do art. 145º do CPC ( aplicável por força das disposições conjugadas dos arts. 41º nº 1 do RGCO e 104º nº 1 do C.P.P.). Nessa medida, nada obstava a que se tivesse passado à fase de execução dessa decisão.
Razões pelas quais não vislumbramos fundamento para alterar, no sentido pretendido pela recorrente, a decisão recorrida.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgam improcedente o recurso, e, em consequência, mantêm a decisão recorrida com o sentido de que comporta o indeferimento da reclamação que a ora recorrente havia apresentado.
Vai a recorrente condenada em 5 UC de taxa de justiça.

Porto, 6 de Maio de 2009
Maria Leonor de C. Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
___________
[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Neste sentido, e para além da generalidade da jurisprudência ( de que se indicam, a título de exemplo, os Acs. RL 4/3/98, C.J., ano XXIII, t. II, pág. 145, 13/12/07, proc. nº 101-2007-5, 18/1/07, proc. nº 95/2007-9 e 14/10/04, proc. nº 89991/2003-9, e RE 29/3/05, proc. nº 678/05-1 e 27/1/04, proc. nº 2510/03-1 ), também tomaram posição expressa Oliveira Mendes e Santos Cabral, “Notas ao regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 2003, pág. 186-187.
Contra, António Beça Pereira, “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, anot., 6ª ed., onde, a pág. 134, se escreve: “No n.º 2, a expressão para além dos casos enunciados no número anterior refere-se apenas às decisões finais previstas nesse número, não resultando daí a irrecorribilidade dos despachos judiciais não previstos neste artigo. Assim, aos despachos judiciais, proferidos no decorrer do processo, aplica-se o disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1 al. a) e b) e 401.º, n.º 1 a), b), d) e n.º 2, todos do Código de Processo Penal (…)” .
[3] Decisão do Presidente da RE de 3/11/04, proc. nº 2473/04-1.
[4] Neste sentido o Ac. RP 20/10/04, proc. nº 0443488; em sentido contrário, Acs. RP 12/9/07, proc. nº 0711693 e 14/11/07, proc. nº 0744109.
[5] Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acs. RL 15/3/07, proc. nº 1238/07-5 e RP 6/6/07, proc. nº 0741680.
[6] cfr. Acs. RP 24/4/02, proc. nº 0240225 ( “Em processo de contra-ordenação, em que o arguido foi notificado para julgamento, onde se fez representar por advogado e em que não era obrigatória a sua comparência, o prazo de recurso da sentença conta-se do respectivo depósito na secretaria, e não da data da notificação da sentença efectuada por via postal.A notificação a que se refere a última parte do n.1 do artigo 74 do Decreto-Lei n.433/82, de 27 de Outubro apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.” ), RC 10/3/04, proc. nº 3147/03 ( “Regularmente convocado o arguido para a audiência e não estando presente fisicamente isso não impede que se considere que esteve presente (processualmente) e, como tal, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data do depósito na secretaria que não da data notificação da sentença efectuada por via postal.” ), RL 6/6/06, proc. nº 575/2006-5 ( “O facto de nem a arguida nem o seu ilustre mandatário constituído se encontrarem presentes na leitura de sentença é irrelevante uma vez que a notificação a que se refere a última parte do n.° 1 do artigo 74° do Decreto-Lei n.° 433/82 apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.”) e Dec. PRC 12/2/07, proc. nº 241/05.4TBFND-A.C1 (“O prazo para a sua interposição é de 10 dias e conta-se do depósito da sentença na secretaria, e não da notificação à arguida. É certo que o art.º 74°, n.°1 do DL 433/82, de 27 de Outubro, alude à notificação da sentença ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste. Só que a ausência (não presença) deste, para este efeito, considera-se apenas a decorrente do desconhecimento da realização da audiência e do momento da decisão final, não podendo equiparar-se tal situação àquela em que, como sucedeu no caso, a não presença da arguida, na data expressamente designada para o acto de leitura de sentença, decorreu de um acto de vontade (de uma opção) da própria, nesse sentido.” ).
[7] Onde, a certo passo, se escreve: "tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, reflectir sobre ela., ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contra-ordenacão, é o absentismo simultâneo do arguido — que viu a sua presença logo no julgamento dispensada — e do seu mandatário constituído que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de notificado do dia da leitura da decisão ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do acto judicial de leitura da decisão, e, em processo de contra-ordenacão, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse acto faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído".
[8] Ac. TC nº 489/08 (D.R. n.º 219, Série II de 2008-11-11).
[9] Que é de 10 dias, duração que agora não sofre margem para dúvidas – cfr. Ac. STJ uniformizador de jurisprudência nº 1/2009, D.R.I de 16/1/09.