Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
295/12.7SGPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TAXA DE ALCOOLEMIA
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
CONTRA-ORDENAÇÃO
APLICAÇÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO DA COIMA
COMPETÊNCIA
TRIBUNAL DE RECURSO
Nº do Documento: RP20140115295/12.7SGPRT.P1
Data do Acordão: 01/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A jurisprudência dos tribunais superiores estava dividida quanto ao desconto, ou não, do erro máximo admissível aquando do controlo da taxa de alcoolemia.
II – A Lei 72/2103, de 3 de Setembro, que alterou o Código da Estrada, tomou partido na querela jurisprudencial e, na alínea b) do n.º 1 do art.º 170º do C. Estrada, prescreve que do auto de notícia passe a constar “o valor registado” e “o valor apurado” “após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição”.
III – Trata-se de Lei interpretativa com eficácia retroactiva e, por isso, deve agora ser sempre deduzido o erro máximo admissível.
IV – Se, pela dedução do EMA, os factos passarem a constituir contraordenação em vez de crime, compete ao Tribunal de recurso condenar, desde logo, o arguido na sanção de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados e ordenar a notificação do arguido para pagar a coima pelo montante mínimo aplicável.
V – Se a coima não for paga voluntariamente, compete ao tribunal de recurso a aplicação da coima atendendo a que os autos contêm elementos de facto suficientes para a determinação do montante da coima.
VI – Tal solução é imposta pelos princípios da economia e celeridade processuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 295/12.7SGPRT.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

No âmbito do processo especial abreviado que, sob o n.º 295/12.7 SGPRT, corre termos pelo 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca do Porto, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela produzida, foi oralmente proferida sentença em 19.03.2013, com o seguinte dispositivo, ditado para a acta (fls. 76):
“Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
1. Condenar o arguido B…, pela prática, em 27.07.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano;

2. Nos termos do disposto no art.º 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, condenar o arguido na proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 8 (oito) meses, ficando este obrigado a entregar a carta de condução no prazo de dez dias a contar do trânsito desta sentença, nesta secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial (arts. 69º, nºs 2 e 3 do Cód. Penal e 500º, nº 2 do Cód. Processo Penal), sob a cominação de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência do artº 348º, nº 1, al. b) do Código Penal, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência com o nº 2/2013;

3. Condenar o arguido nas custas do processo que compreendem 2UC de taxa de justiça e demais encargos com o processo (arts. 513º, nº 1 do CPP e 3º, nº 1, 8º, nº 9 e Tabela III do RCP”.
Inconformado, veio o arguido interpor recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que “condensou” nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral).
I. Por sentença proferida nos autos em epígrafe, o tribunal a quo condenou o arguido como autor material do crime previsto no art. 292.º, n.º 1 do CP a uma pena de 4 (quatro) meses de prisão, com pena suspensa pelo período de um ano e, ainda, a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por um período de 8 (oito) meses, nos termos do art. 70.º, art. 50.º n.º 1 e 5, art. 69º n.º 1 todos do Código Penal.
II. Começa o Tribunal a quo por julgar provado que o arguido conduzia com uma T.A.S. (taxa de álcool no sangue) de 1.24 g/l.
III. Resultando tal taxa de álcool no sangue de “teste de pesquisa em aparelho devidamente aprovado e calibrado", vulgo alcoolímetro.
IV. Consistindo a prova produzida quanto a tal facto no “talão emitido pelo aparelho Dragger que está junto ao processo e que faz prova relativamente à taxa de álcool no sangue, aí impressa, de 1,24 g/l.”
V. Certo é, contudo, que tal facto não resulta claro e inequívoco do talão de registo da medição que foi emitido pelo alcoolímetro.
VI. Pelo que não poderia ter sido julgado provado.
VII. Isto porque, de acordo com a Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, que regula aqueles aparelhos, e que, no seu artigo 8.º e respectivo anexo, prevê os erros máximos admissíveis relevantes para efeitos de aprovação e verificação periódica dos aparelhos alcoolímetros, estes, mesmo depois de aprovados e, posteriormente, verificados anualmente, não são totalmente infalíveis.
VIII. A previsão de tais erros máximos admissíveis revela-nos, assim, que os resultados dos aparelhos apresentam-se, sempre, dentro margens de erro.
IX. Sendo certo que, para efeitos de aprovação e verificação periódica, tais margens de erro encontram-se legalmente definidas, pelo que poderão e deverão servir de guia para a interpretação dos resultados emitidos por tais aparelhos todos os dias.
X. Deste modo, a argumentação que apela à inexistência de qualquer norma legal que atribua força vinculativa às referidas margens de erro, para suportar a sua inaplicabilidade em cada concreta medição, não é rigorosa, na medida em que, existindo, como vimos existirem, normas legais que prevêem aquelas margens de erro, deverão as mesmas ser tomadas em consideração pelo juiz para apreciação da prova resultante de medições efectuadas por alcoolímetros em qualquer caso.
XI. De facto, tais aparelhos, ainda que devidamente verificados, podem emitir um resultado que se desvia da realidade, para mais e para menos, dentro de uma margem de erro, e isso deve ser devidamente relevado pelo Tribunal.
XII. De facto, in casu, atendendo à taxa de álcool no sangue concreta aqui em causa, que é de 1,24g/l, e aplicando o erro máximo admissível de 5%, temos que o resultado real se situa entre 1,30g/l de sangue e 1,18g/l de sangue.
XIII. Existe, assim, um intervalo de possíveis resultados, não se conseguindo saber, em cada caso concreto, qual o valor exacto da TAS, sendo que tal inexactidão é prevista e admitida na Portaria supra mencionada e deverá ser tida em conta, consubstanciando-se numa incerteza irremovível e inultrapassável quanto à real e concreta T.A.S. do arguido, no momento da verificação dos factos.
XIV. O facto deve considerar-se praticado com o rigor que o aparelho permite, sendo certo que a metrologia admite, desde logo, a existência de um desvio entre os valores padrão e o resultado obtido em cada medição, que deve ser valorado.
XV. A dúvida expressa pela comunidade técnico-científica, com carácter geral ou normativo, sobre a fiabilidade dos aparelhos utilizados (alcoolímetros), deve atingir em igual medida a dúvida sobre a realidade do facto.
XVI. Do ponto de vista jurídico-penal, não podem considerar-se irrelevantes tais erros máximos admissíveis, sob pena de se considerar e valorar o relativo como sendo certo e absoluto, o que não se coaduna com os princípios basilares constitucionais e legais a que deve obedecer o sistema penal.
XVII. Mais ainda, não se pode considerar irrelevante a margem de erro admissível sob pena de se estar a condenar um inocente por um crime que, efectivamente, não cometeu.
XVIII. Assim, perante essa margem de incerteza irremovível, o Tribunal não poderá senão achar-se perante uma dúvida insanável quanto à concreta T.A.S. verificada, pelo que deverá ser convocada a aplicação do princípio in dubio pro reo, princípio geral do Direito Processual Penal, expressão do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido consagrado no art. 32.º, n.º 2, da CRP.
XIX. É que, na verdade, o crime resulta de o arguido conduzir um veículo com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20g/l, sendo certo que a consideração das margens de erro máximo admissíveis, in casu, implica, em obediência ao princípio in dubio pro reo e ao princípio da presunção de inocência, não uma mera diminuição do grau de ilicitude dos factos cometidos, mas a conclusão pela não verificação de qualquer crime, com a consequente e necessária absolvição do arguido.
XX. O arguido entende, assim, que deveria ter sido tomado em consideração e descontado na respectiva taxa de álcool no sangue (TAS), o erro máximo admissível (EMA).
XXI. Nessa medida, e porque a sentença recorrida não o fez, pretende que tal seja agora feito, daí se retirando todas as consequências legais.
XXII. A lei e os princípios de Direito Penal devem ser aplicados, absolvendo-se o arguido.
Acresce que,
XXIII. Na audiência de julgamento foi requerido, face à discrepância entre as declarações do arguido e o depoimento do agente da PSP arrolado como testemunha, que se revelou hesitante, quanto à questão de ter sido ou não possibilitada a contraprova, que se oficiasse à PSP para informar quais os agentes que estavam de serviço na 2.ª secção EIR, no dia dos factos, e quais os agentes que estavam a operar na Rua …, no mesmo dia, a fim de serem inquiridos, por tal se revelar essencial à descoberta da verdade material, nos termos do 340.º CPP, tendo sido tal requerimento indeferido.
XXIV. Perante tal indeferimento, foi arguida a nulidade constante do art. 120.º n.º 2 d) CPP, porquanto, indeferindo o requerido, o Tribunal a quo omitiu diligências que se reputavam essenciais para a descoberta da verdade, tendo sido indeferido o requerimento da declaração de tal nulidade.
XXV. Mal andou o Tribunal a quo ao indeferir o requerido pelo Arguido, incorrendo assim na nulidade arguida, e mal andou, novamente, o Tribunal a quo, ao considerar não ter sido cometida qualquer nulidade.
XXVI. Deverá, assim, a nulidade arguida nos termos supra expostos ser declarada, daí se extraindo as devidas consequências legais.
XXVII. De tudo o que se disse supra, decorre claramente que o Tribunal a quo faz uma apreciação arbitrária e discricionária da prova produzida quanto à T.A.S. de que o arguido seria portador e, como tal, ofensiva das regras da experiência comum.
XXVIII. E que, face à prova produzida, que não é, nem pode ser entendida, como prova pericial, uma vez que se trata apenas de uma máquina de medição, com falhas e limitações evidentes, impunha-se ao Tribunal a quo, pelo menos, a dúvida acerca da concreta taxa de álcool no sangue de que o arguido seria portador no momento dos factos.
XXIX. Sendo certo que decorre das regras da experiência comum o que é confirmado pela lei quando prevê taxas de erro máximo admissível para efeitos de aprovação e verificação anual metrológicas dos aparelhos alcoolímetros: é que o resultado de tais aparelhos não é, nem pode ser, absolutamente preciso, encontrando-se o resultado real sempre num intervalo de, pelo menos, 5% ou 8%, para mais e para menos, em relação ao resultado obtido pelo aparelho.
XXX. Assim, ainda que o Tribunal a quo não tenha reconhecido esse estado de dúvida, ele resulta evidente e necessário, por si só e em conjugação com as regras da experiência comum, tendo ocorrido erro notório na apreciação da prova, que deve ser apreciado.
XXXI. Face a tal dúvida, não poderia o Tribunal a quo decidir de outra forma, que não a de julgar provada a T.A.S. obtida descontada da margem de erro máximo admissível legalmente prevista para estes aparelhos.
XXXII. Dando, assim a cabal aplicação aos princípios basilares do Direito Processual Penal.
XXXIII. De facto, uma vez valorada a prova com respeito, conforme constitucionalmente imposto, pelo princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32.º, n.º 2 CRP e artigo 6.º, §2 CEDH), que rege a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, 0 processo de formação da convicção sobre os meios de prova.
XXXIV. Não poderia o Tribunal o quo concluir senão pela verificação de uma dúvida insanável sobre a verificação ou não daquela concreta T.A.S.
XXXV. Pelo que, por aplicação do princípio in dubio pro reo, que decorre do artigo 32.º, n.º 2 da CRP, em última instância, do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º CRP), impunha-se a decisão a favor do arguido, julgando-se provada apenas a T.A.S. de 1,18/g, caso fosse de aplicar o erro máximo admissível de 5%, ou de 1,143/g, caso fosse de aplicar o erro máximo admissível de 8%.
XXXVI. Sucede que, manifestamente, no caso em apreço, a prova produzida não foi valorada com respeito, conforme constitucionalmente imposto, pelo princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32.º, n.º 2 CRP e artigo 6.º, §2 CEDH), que rege a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção sobre os meios de prova.
XXXVII. É inconstitucional a interpretação da norma extraída do artigo 127.º do CPP, no sentido em que o princípio aí estabelecido permite ao tribunal apreciar a prova de forma ofensiva das regras da experiência comum, ignorando o desvio-padrão necessariamente existente em todos os aparelhos de medição, e demitindo-se, assim, de fazer uma cabal apreciação dos meios de prova ao seu dispor, na medida que deposita uma confiança cega nos resultados obtidos por um aparelho de medição relativamente ao qual é a própria lei que admite existirem desvios, por violação do princípio da presunção de inocência, que inclui o princípio in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º, n.º 2 da CRP.
XXXVIII. Inconstitucionalidade que, expressamente, se argui, para os devidos efeitos legais”.
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Na 1.ª instância, o Ministério Público não respondeu à motivação do recurso.
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Admitido o recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se pela sua improcedência.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, mas não houve resposta do recorrente
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II – Fundamentação
É geralmente aceite que são as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso.
O recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto e, embora no corpo da motivação do recurso considere que o tribunal cometeu “erro no julgamento da matéria de facto”, nas respectivas conclusões não foi coerente e alterou para “erro notório na apreciação da prova” (conclusão XXX), vício decisório previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Penal, ainda que não tenha feito este enquadramento normativo.
O concreto ponto de facto que considera ter sido incorrectamente julgado é a taxa de álcool no sangue (TAS) de que era portador quando, no dia 27.07.2012, conduzia na via pública o seu veículo automóvel de matrícula 17-86-PU e foi fiscalizado pela autoridade policial.
Alega o recorrente que, ao contrário do que se afirma na sentença impugnada, do talão emitido pelo alcoolímetro Dragger “não resulta claro e inequívoco” que conduzia com uma TAS de 1,24 g/l, pelo que esse facto “não poderia ter sido julgado provado” (conclusões IV a VI).
A argumentação subsequente revela, porém, que, na realidade, o que o recorrente defende é que, sendo os alcoolímetros aparelhos que, mesmo estando devidamente aprovados e calibrados, “podem emitir um resultado que se desvia da realidade, para mais e para menos, dentro de uma margem de erro” (conclusão XI), devia o tribunal “ter feito uso do princípio do in dúbio pro reo e subtrair ao resultado do exame efectuado o erro máximo admissível” (concussões XIX e XX).
Essa será uma das questões a apreciar e decidir.
Previamente, será conhecida a nulidade arguida, traduzida, segundo o recorrente, na omissão de diligência de prova essencial “à descoberta da verdade material, nos termos do 340.º CPP” (conclusão XXIII):
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Para uma correcta decisão, não só das questões colocadas à apreciação deste tribunal pelo recorrente, mas também de outras que, eventualmente, se imponha conhecer, é fundamental ter presente a factualidade em que assenta a condenação proferida.
Factos Provados:
“No dia 27/07/2012 e demais circunstancialismo constante do auto de notícia por detenção de fls. 3, que se dá por reproduzido, o arguido conduzia na via pública o veículo automóvel com a matrícula ..-..-PU, tendo sido fiscalizado pela PSP.
Fazia-o, porém, com uma TAS (taxa de álcool no sangue) de 1,24 g/l verificada mediante teste de pesquisa em aparelho devidamente aprovado e calibrado, conforme talão de fls. 2, que se dá por inteiramente reproduzido, não tendo desejado realizar contraprova.
Efectivamente, antes de iniciar a condução, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas que propiciam aquela taxa.
O arguido tinha consciência do seu estado de embriaguez e bem sabia que lhe não era permitido conduzir na via pública, nessas circunstâncias.
Em toda a sua descrita conduta, agiu o arguido de vontade livre e determinada, bem sabendo que tal conduta era proibida e punível por lei”.
Provou-se, ainda, que:
a) O arguido já sofreu as seguintes condenações:
● por sentença de 19.03.2007, transitada em julgado em 12.04.2007, proferida no processo sumário n.º 479/07.0 TPPRT do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, pela prática, em 17.03.2007, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 8,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses;
● por sentença de 27.02.2008, transitada em julgado em 28.03.2008, proferida no processo sumário n.º 251/08.0 PTPRT do 3.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, pela prática, em 16.02.2008, de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão substituída por 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses;
b) O arguido tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade, é casado e tem dois filhos menores (de 5 e 8 anos de idade) a seu cargo.
c) É vendedor de profissão, mas está desempregado há cerca de 5 meses, não recebendo qualquer subsídio.
d) A esposa trabalha, auferindo cerca de € 1.000,00 por mês.
e) Paga € 400,00 por mês de prestação de amortização de empréstimo bancário que contraiu para aquisição de casa própria.
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O tribunal considerou, ainda, que não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a boa decisão da causa.
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No decurso da audiência, o arguido/recorrente, através do seu ilustre defensor constituído, apresentou requerimento do seguinte teor (cfr. acta da audiência a fls. 73 e segs.):
“Considerando a discrepância do depoimento do arguido e da testemunha e pelas hesitações para umas perguntas e certezas para outras na mesma data e no mesmo local, requer ao abrigo do artº 340.º do CPP, por ser essencial à descoberta da verdade material, que seja inquirida a PSP para informar quais os agentes que estavam a operar na Rua …, no mesmo dia, a fim de serem inquiridos”.
Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho:
“Atento o teor do depoimento da testemunha de acusação, que se nos afigura absolutamente seguro relativamente ao ponto que o arguido põe em causa e considerando ainda o teor da notificação junta a fls. 8 dos autos, assinada pelo arguido, entendemos que a inquirição das testemunhas agora indicadas pelo arguido e que, aliás, não estava impedido de indicar anteriormente em sede de contestação, não são necessárias à descoberta da verdade ou à boa decisão da causa, pelo que se indefere o requerido, ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º 1, do CPP (a contrario)”.
Reagindo a tal despacho e reafirmando a essencialidade para a descoberta da verdade da diligência de prova que havia requerido, o recorrente arguiu, de imediato, a sua nulidade, arguição que foi, imediatamente, indeferida.
É esse indeferimento que o recorrente agora impugna, pedindo que seja declarada a nulidade arguida e que se extraiam “as devidas consequências legais”, sem as concretizar.
Apreciando e decidindo:
A omissão de diligências probatórias que possam/devam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade gera uma nulidade sanável (portanto, dependente de arguição), prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal[2].
No caso, a pretensa nulidade foi arguida, como se impunha (n.º 3, al. a), do mesmo artigo), no próprio acto (a audiência) e por isso pode ser invocada como fundamento de recurso (artigo 410.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).
A questão está, pois, em saber se, realmente, era essencial para a descoberta da verdade a diligência de prova cuja realização o arguido requereu e, portanto, se o tribunal devia tê-la deferido ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Cód. Proc. Penal.
Só é possível falar num due process of law, num processo equitativo que um Estado de Direito democrático exige quando, efectivamente, se assegura ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi e aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam ser cometidos no exercício desse poder punitivo.
O princípio da investigação exige que o tribunal se empenhe no apuramento da verdade material, não só atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais (principalmente, o Ministério Público e o arguido) lhe proponham, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento se lhe afigure necessárias à descoberta da verdade e, portanto, que o habilitem a proferir uma sentença justa.
O princípio da verdade material ou da investigação é afirmado no artigo 340.º do Cód. Proc. Penal como princípio conformador da prova em audiência e o poder que confere ao juiz quanto à produção de prova é um poder vinculado, um verdadeiro poder-dever.
Sendo esse poder conferido tendo em vista uma sentença justa[3], não deve o tribunal ser limitado na busca da verdade, “antes se lhe imponha o encargo de procurar a verdade histórica, para melhor realização da justiça, suprindo assim, tanto quanto possível, as deficiências da actuação processual dos demais sujeitos e intervenientes processuais, podendo para tanto ordenar a produção de todos os meios de prova que considere necessários para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e com a mesma finalidade intervir na produção da prova apresentada pelos demais sujeitos processuais” (G. Marques da Silva, Op. Cit., 159).
É nesta linha que se situa o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/2002, quando nele se discorre assim:

“Há que partir da constatação, já feita no Acórdão nº 584/96, de que o artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal é o lugar de afirmação paradigmática do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32.º, n.º 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20.ª edição, 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o n.º 1 do artigo 340.º, atrás transcrito”.

O tribunal pode indeferir os requerimentos de prova com os fundamentos previstos nos n.os 3 e 4 do art.º 340.º, que sintetizamos assim: inadmissibilidade legal das provas, irrelevância ou superfluidade das mesmas, inadequação, inobtenibilidade ou por serem meramente dilatórias.
Já conhecemos o teor do requerimento apresentado pelo arguido e dele se pode dizer que, permitindo perceber que este pretendia que fossem inquiridos os agentes (da PSP) “que estavam a operar na Rua …”, não se alcança qual a razão e a finalidade dessa inquirição.
Só agora, através da motivação do recurso, se percebe que o recorrente contesta que lhe tenha sido proporcionada a possibilidade de requerer contraprova (conclusão XXIII).
No entanto, o arguido/recorrente não impugnou, nem a veracidade do documento que constitui fls. 8 dos autos, nem a sua assinatura nele aposta.
Desse documento resulta que o arguido foi devidamente informado que, em face do resultado do teste, a que foi sujeito, para detecção de álcool no sangue, podia requerer a realização de contraprova, mas optou por não fazer uso dessa faculdade.
Por isso que a diligência de prova requerida se apresentava, não só supérflua, mas também meramente dilatória, pelo que nenhuma censura merece a decisão que indeferiu a sua realização e, portanto, não foi cometida qualquer nulidade.
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Foquemo-nos, então, na questão essencial deste recurso: devia o tribunal aceitar, como aceitou, o valor da taxa de alcoolemia (1,24 g/l) registado pelo aparelho utilizado na realização do exame ou, como pretende o recorrente, a essa taxa devia ter sido subtraído o valor correspondente aos chamados “erros máximos admissíveis” (EMA) constantes do anexo à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro?
É bem conhecida a controvérsia em torno desta questão que se instalou na jurisprudência (polémica que vem já da última década do século passado, mas que se adensou, já neste século, na sequência de um despacho do director-geral da então Direcção-Geral de Viação, que o Conselho Superior da Magistratura fez circular pelos tribunais judiciais, aludindo às margens de erro dos alcoolímetros), propugnando uma corrente (claramente predominante) que não há fundamento para deduzir os valores desses EMA e outra (com expressão, sobretudo, nesta Relação do Porto) que defende a posição contrária.
Por isso, porque estão esgotados os argumentos que é possível esgrimir a favor de cada uma das teses em confronto e pela razão que mais adiante se explicitará, não nos deteremos sobre esta questão.
Sempre diremos, não obstante, que os argumentos a favor da dedução ao resultado obtido no exame[4] realizado com o alcoolímetro (instrumento destinado a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado[5] – artigo 2.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10/12) dos chamados erros máximos admissíveis (EMA) podem resumir-se assim:
- tais aparelhos, mesmo que devidamente aprovados e sujeitos às verificações exigidas, ou seja, estando calibrados, não fornecem um valor exacto (como qualquer outro aparelho de medição, têm sempre uma margem de erro); a única certeza a que o alcoolímetro conduz é que a taxa de álcool no sangue apresentada pelo condutor fiscalizado se situa dentro dos intervalos definidos pelos erros máximos admissíveis;
- como não é possível determinar em qual dos valores desse intervalo se situa, realmente, a alcoolemia, mas conhecendo-se essa margem de erro, há que corrigi-lo (o erro) para que o resultado se aproxime (o mais possível) da realidade;
- então, por aplicação do princípio in dubio pro reo, ter-se-á de concluir no sentido de que a taxa de alcoolemia se situa no valor mais baixo desse intervalo;
- impõe-se, pois, subtrair ao resultado de cada exame efectuado através do alcoolímetro o erro máximo admissível, mesmo que tal não resulte (expressamente) da lei.
A tese oposta sustenta-se, sobretudo, na fiabilidade dos alcoolímetros que, sendo imperativamente aprovados e verificados por uma entidade com credibilidade técnico-científica (a qual leva, necessariamente, em consideração os erros máximos admissíveis quando procede à sua verificação), estão em condições de efectuar medições correctas e, portanto, os resultados com eles obtidos são susceptíveis de serem utilizados como prova credível perante o tribunal.
O acórdão[6] do Pleno[7] das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2010 (publicado na CJ/Acs. STJ, XVIII, T. III/2010, 243), se bem que não constitua qualquer novidade interpretativa (como salienta o Ex.mo PGA no seu parecer), sintetiza assim os argumentos a favor da tese (que o Pleno, unanimemente, perfilhou) da não dedutibilidade do EMA:
“Aos tribunais aplicadores a lei não impõe qualquer desconto, com o que lançaria sobre eles uma inevitável e sistemática suspeita de credibilidade do sistema de controlo, que a autoridade fiscalizadora recusa, com o que se enfraqueceria o combate à condução em estado de alcoolemia; o desconto é, vista a margem de erro, uma imposição previamente considerada pela autoridade que o aprova que, sabendo-o, reputa os quantitativos “expost” detectados pelo alcoolímetro suficientemente seguros para evidenciar o estado de influenciado pelo álcool e seu pressuposto punitivo.
Dito, ainda de outro modo, o legislador não pode desconhecer uma certa margem de incerteza na medição, mas as regras de controle de exactidão metrológica a que estão sujeitos os alcoolímetros fornecem, na sua praticabilidade, dados objectivos com rigor e precisão, não excluindo a faculdade ao condutor de os contestar, o que o arguido não fez”.

Temos para nós que a margem de erro admissível tem como função única e por finalidade específica a aprovação e verificações (primeira verificação e verificações periódicas e extraordinária) realizadas pelo IPQ (a entidade competente para efectuar a sua avaliação metrológica) como condição prévia da sua homologação e aprovação (do modelo) pela entidade competente (actualmente, a ANSR) dos alcoolímetros, sendo aprovados, apenas, os aparelhos que respeitem os parâmetros definidos pelo desvio-padrão.
Não colhe apoio na lei (que nunca tal previu), nos conhecimentos técnico-científicos disponíveis ou nas regras e princípios de valoração probatória a posição que defende que ao resultado do exame casuisticamente efectuado por cada aparelho impõe-se a dedução do valor do EMA.
Os defensores dessa posição, ao sustentarem que a aprovação do (modelo do) aparelho e a sua verificação pelos técnicos do IPQ, mesmo sendo rigorosamente respeitados os procedimentos de medição, apenas garantem que o resultado de cada concreta medição, seguramente, se situa dentro dos parâmetros definidos pelos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento, pelo que esse resultado não corresponde ao valor real da alcoolemia do indivíduo sujeito ao exame, extraem uma conclusão que as respectivas premissas não consentem.
Não menosprezamos o argumento de que os alcoolímetros, tal como qualquer outro aparelho de medição, não fornece um resultado que possa considerar-se absolutamente exacto, ou seja, que corresponda, em absoluto, à realidade que visa medir.
No entanto, afoitamente concluir, ipso facto, que os resultados apresentados pelos alcoolímetros são incorrectos é, como se refere no citado acórdão do Pleno das Secções Criminais do STJ, lançar a suspeita sobre a credibilidade de todo o sistema de controlo da alcoolemia.
Apesar da incerteza que decorre da existência dos desvios possíveis, tal não significa que em cada medição, em cada exame de alcoolemia haja sempre erro a justificar uma correcção, uma dúvida sobre a validade da medição[8].
É um dado comprovado que os alcoolímetros tendem a apresentar resultados globalmente inferiores aos que são obtidos através da realização de exames de sangue, sendo estes, reconhecidamente, os que, à partida, oferecem mais garantias de rigor e exactidão.
Pode dizer-se que esse dado corrobora afirmação do acórdão desta Relação de 09.02.2011 (Des. Paula Cristina Guerreiro), disponível em www.dgsi.pt, segundo a qual da conjugação de um estudo da autoria de António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado (respectivamente, Director do Departamento de Metrologia do IPQ, responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ)[9] com o ponto n.º 5 da Recomendação 126 da OIML, decorreria que é da ordem dos 95% a probabilidade de a leitura efectuada pelo alcoolímetro se situar próxima do erro mínimo, ou seja, do erro zero.
Há, pois, boas razões para afirmar que as medições realizadas pelos alcoolímetros, por regra, são credíveis e, como se afirma no acórdão da Relação de Évora de 23.06.2008 (Des. Fernando Ribeiro Cardoso), acessível em www.dgsi.pt, “se se aceitasse a existência de uma dúvida razoável – a exigir uma decisão pro reo – sempre que uma medição fosse efectuada por um instrumento para cuja classe de exactidão estão metrologicamente previstas margens de erro máximo (e tal, pela própria natureza do processo de medição, acaba por ser, como se disse já, praticamente inevitável), então seria impossível (ou muito difícil) trabalhar com «certezas» no processo penal, uma conclusão que, cremos, poucos estarão dispostos a aceitar, atendendo até a que o processo judicial visa uma verdade prática, e não a afirmação de uma qualquer verdade metafísica (leia-se, absoluta)”.
Com efeito, é geralmente aceite que a verdade que se busca em processo penal não é uma verdade absoluta, ontológica que, como se sabe, é inalcançável.
Por outras palavras, o julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada.
Nas palavras de M. Taruffo (La Prueba de los Hechos”, 180), “a verdade como correspondência absoluta de uma descrição com o estado de coisas do mundo real não é alcançável com procedimentos cognitivos concretos já que é apenas um valor limite teórico da verdade da descrição”.
Se assim é, dificilmente se compreende que, no caso específico da condução de veículo automóvel sob influência do álcool, se exija, como fazem os defensores da dedutibilidade dos EMA ao resultado do exame de alcoolemia efectuado através de alcoolímetro, “certeza absoluta”, “convicção plena” e “não simples admissão de maior probabilidade” (cfr. por todos, o acórdão desta Relação de 09.02.2011, proferido no Proc. n.º 241/10.2 GNPRT.P1).
Havendo dúvida fundada sobre a fiabilidade do aparelho e a correcção do resultado revelado pelo alcoolímetro, lá está a contraprova, o meio facultado ao condutor fiscalizado de elidir a presunção (natural ou judicial) de exactidão do valor de alcoolemia indicado pelo aparelho.
Defender que ao resultado de cada exame efectuado se impõe deduzir o valor do erro máximo admissível é esvaziar de sentido útil a contraprova.
Se, como garante quem tem os necessários conhecimentos técnicos e científicos, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece “indicações válidas e fiáveis para os fins legais”, não pode admitir-se a existência de dúvida razoável que justifica uma decisão pro reo, ou seja, a dedução do valor dos EMA.
Em suma, tal como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 03.03.2009, acessível em www.dgsi.pt, não sendo questionadas as condições normais de utilização do aparelho, nem o procedimento de fiscalização utilizado pelo agente de autoridade, aceitando o arguido o resultado sem ter requerido contraprova, nada permitindo duvidar da fiabilidade do aparelho usado e do resultado do exame efectuado, é seguro concluir que o arguido conduzia com uma TAS equivalente ao resultado do exame a que foi submetido (1,24 g/l).
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Acontece que, no dia 01.01.2014, entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada aprovadas pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro.
Uma dessas alterações diz respeito às menções que devem constar do auto de notícia de contra-ordenação, dispondo agora o
Artigo 170.º

1 — Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:

a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;

b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.

2 — .....................................
3 — .....................................
4 — .....................................
5 — .....................................

Ao aludir a “infração (…) aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”, cremos não haver lugar para dúvidas que o preceito se refere, além do mais, a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.
Com efeito, o regime geral do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal é definido pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, e pelo Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria n.º 962/90, existindo portarias específicas de cada instrumento de medição.
Nos termos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito e o controlo metrológico dos analisadores quantitativos, já o sabemos, é regulado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.
Por outro lado, embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se descortina nenhuma razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitui crime.
Desconhecemos as razões da opção efectuada de fazer prevalecer (sobre o valor registado pelo aparelho) o valor apurado após dedução do erro máximo admissível[10], mas não pode haver dúvidas de que o legislador quis pôr termo à controvérsia actualmente existente, a que já nos referimos, procedendo a uma interpretação autêntica.
Diz-se interpretativa a lei em que o legislador vem, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de uma lei anterior.
Segundo Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 245 e ss.), para se poder falar em lei interpretativa, é necessária a verificação concomitante de dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a lei nova adopte uma das orientações hermenêuticas possíveis para a norma a interpretar, ou seja, “que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei”.
Não obstante o Supremo Tribunal de Justiça considerar que as decisões opostas que, nesta matéria, vêm sendo adoptadas nos tribunais da relação não assentam em qualquer divergência de interpretação normativa (e por isso não estarem verificados os pressupostos do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência), mas no âmbito da produção, interpretação e valoração da prova[11], cremos poder afirmar-se que, no caso, confluem os apontados requisitos.
O tipo objectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal) exige que o condutor tenha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
A prova da verificação desse elemento objectivo do tipo de ilícito em causa exige um exame e na realização deste tem de ser utilizado um analisador quantitativo do teor de álcool no sangue, o designado alcoolímetro, que não é um meio de prova, como, por vezes, se diz, mas simplesmente um instrumento utilizado na realização de um exame, que é um meio de obtenção de prova. O meio de prova (ou, se assim se preferir, a prova) é o talão emitido pelo aparelho, no qual é registada, além do mais, a taxa de álcool acusada pelo condutor fiscalizado.
Por razões óbvias, esse meio técnico de aferição da quantidade de álcool no sangue tem de ser fiável e por isso, previamente à sua utilização, passa por um processo, que se pretende rigoroso, de aprovação e verificação.
Apesar disso, tem gerado acesa controvérsia e motivado decisões divergentes a questão da interpretação do resultado revelado pelo aparelho (corresponde o valor registado à real taxa de álcool no sangue do examinado?).
Sendo o nódulo problemático uma questão de produção e valoração de prova, nela está implicada, também, uma controvérsia sobre a interpretação de uma norma.
Reconhecido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos, tal incerteza é avaliada e devidamente ponderada no acto da aprovação (do modelo) de instrumento a utilizar e na sua verificação, nomeadamente mediante a consideração de erros máximos admissíveis, legalmente previstos (em consonância com a já referida Recomendação 126 da OIML).
Com efeito, estabelece o artigo 8.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que:
Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE), são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”.

A controvérsia que se instalou está em saber qual a função desses erros máximos admissíveis.
A tese que aqui defendemos considera que o EMA é uma variável que integra o controlo metrológico no momento da aprovação e/ou verificação do(s) modelo(s) de alcoolímetro(s), não sendo dedutível após cada uma das utilizações desse modelo.
Para a tese adversa, essa variável tem, também, como função superar a dúvida sobre a correcção do resultado apresentado pelo aparelho, dúvida com que o julgador, forçosamente, se há-de defrontar dada a reconhecida incerteza inerente a qualquer medição, pelo que ao resultado do exame casuisticamente efectuado por cada alcoolímetro, mesmo que em condições regulares de funcionamento, impõe-se a dedução do valor do EMA.
Foi esta a solução que o legislador decidiu adoptar, consagrando-a no artigo 170.º, n.º 1, al. b), do Código da Estrada, ao determinar que o valor apurado após dedução do erro máximo admissível prevalece sobre o valor registado.
É pacífico que a lei interpretativa não constitui uma nova e distinta manifestação da vontade do legislador. Por isso que, como se dispõe no artigo 13.º do Código Civil, a lei interpretativa considera-se, para efeitos da sua aplicação, integrada na lei interpretada, do que resulta o reconhecimento àquela (lei interpretativa) de eficácia retroactiva.
Por isso que, tendo em consideração o erro máximo admissível de 8%, o “valor apurado” da alcoolemia com que o arguido/recorrente conduzia, nas referidas circunstância de tempo e lugar, o seu veículo automóvel será de 1,14 g/l.
Concluindo, embora por razões completamente diversas das invocadas pelo recorrente, tem de proceder o recurso interposto.
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Não estando verificado o elemento objectivo (condução de veículo na via pública com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l) do tipo legal de crime por que foi condenado em primeira instância, impõe-se a absolvição do arguido/recorrente da acusação que lhe imputa a prática do crime previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
Porém, a conduta do arguido/recorrente, concretizada na condução de veículo automóvel na via pública com uma TAS de 1,14 g/l, consubstancia a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 81.º n.os 1, 2 e 5, al. b), 146.º, al. j), 138.º, n.º 1, e 147.º, n.os 1 e 2, do Código da Estrada.
A questão que, então, se coloca é a de saber a quem compete apreciar a responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
Uma corrente jurisprudencial preconiza a remessa dos autos à autoridade administrativa competente para a instrução e decisão do processo de contra-ordenação (neste caso, a ANSR), argumentando-se que “da inserção sistemática do art.º 77.º (do Regime Geral das Contra-Ordenações) se pode concluir que o processo contra-ordenacional só pode ser conhecido pelos tribunais se e quando o mesmo processo versar sobre crimes e contra-ordenações em cumulação”, isto é, “se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder a título de crime e de contra-ordenação” ou “se uma pessoa responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, verificando-se os requisitos da conexão subjectiva”; em todos os restantes casos, “em que não estão reunidos os requisitos da conexão, é sempre competente para conhecer da contra-ordenação a Autoridade Administrativa (cfr. acórdão desta Relação, de 16.12.2009, disponível em www.dgsi.pt; Des. Francisco Marcolino)[12].
Mas a evidência de que a solução não é linear está na circunstância de a Ex.ma Desembargadora que subscreveu aquele aresto como adjunta, no acórdão de 27.10.2010, de que foi relatora, teve entendimento diverso e justificou assim a sua posição: “A nosso ver (não obstante a complexidade da questão e o facto de a Relatora deste acórdão ter já defendido posição diversa), a melhor leitura do art. 77.º, 1 do RGCO (Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro) é a de que compete ao Tribunal Criminal (e não à Administração) a aplicação da coima, nos casos em que tenha havido acusação pela prática de um crime, mas o Tribunal entenda que se não verifica o crime mas apenas uma contra-ordenação. Com efeito, não vislumbramos maneira de afastar o disposto no artigo 77º, n.º 1 do Dec. Lei 433/82, de 27/10, segundo o qual “o Tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime”.
Por outro lado, não se vê qualquer razão válida para que o processo seja remetido à Administração para que aí seja aplicada a coima, quando a lei clara e expressamente atribui ao Tribunal competência (excepcional, é certo) para apreciar a contra-ordenação. Assim, do elemento literal e da inexistência de razões para entendimento diverso daquele que a letra imediatamente sugere, julgamos que o Tribunal adquire competência para julgar a contra-ordenação”[13].
Merece-nos o máximo respeito o entendimento de que deve ser a autoridade administrativa competente a conhecer da responsabilidade contra-ordenacional nesta situação e não menosprezamos o argumento da inserção sistemática do artigo 77.º do RGC-O.
No entanto, somos mais sensíveis às razões ditadas pelos princípios da economia e celeridade processuais que aqui se impõem, até porque as garantias de defesa não saem minimamente beliscadas.
Repare-se que a solução de remeter os autos à autoridade administrativa vai fazer com que o processo volte, praticamente, à “estaca zero”: a ANSR irá conhecer da responsabilidade contra-ordenacional do arguido e, perante uma provável condenação, este impugnará judicialmente a decisão; apreciada a impugnação, muito provavelmente, haverá recurso da decisão judicial. E assim o processo regressará a este tribunal de recurso…
Mantendo-se o processo em juízo, sendo o tribunal a conhecer do facto agora qualificado como contra-ordenação, tudo será mais simples e célere.
Além disso, essa é a solução que melhor se enquadra no texto-norma do artigo 77.º do RGC-O: “o tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime”. E é a solução que a doutrina tem defendido (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, UCE, p. 317; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, “Notas ao Regime Gera das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, 3.ª edição, p. 276, e Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral”, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, p. 594).
Resta saber se deve ser o tribunal de primeira instância a conhecer da responsabilidade contra-ordenacional do arguido/recorrente ou se pode o tribunal da relação assumir essa competência e, como se refere no já citado acórdão de 27.10.2010, desta Relação, “julgar por substituição”.
Temos adoptado o entendimento de que, em caso de procedência de recurso de sentença absolutória que tenha como consequência a condenação do arguido, o direito a duplo grau de jurisdição só é respeitado se a determinação da pena ficar a cargo do tribunal de primeira instância, pois, se for o tribunal de recurso a fazê-lo, os sujeitos processuais ficam impossibilitados de impugnar a decisão e, portanto, de discutir a(s) pena(s). Nada obsta a que o tribunal ad quem, ao reexaminar a causa, passe de uma decisão absolutória para uma decisão condenatória, mas, quando assim suceda, deve remeter para a primeira a determinação da espécie e da medida da pena.
Porém, no caso que se aprecia, embora se trate, também, de aplicar sanções pela prática de uma infracção, a situação é substancialmente diversa, pois a decisão da primeira instância é condenatória (se bem que por infracção penal).
É certo que o quadro sancionatório é diverso, desde logo porque a contra-ordenação não é punida com penas, antes se lhe comina uma sanção de natureza pecuniária: uma coima.
No caso, à contra-ordenação (muito grave) praticada pelo arguido/recorrente é cominada uma coima que vai de € 500,00 a € 2.500,00 (artigo 81.º, n.º 5, al. b), do Código da Estrada.
No entanto, ao arguido tem de ser proporcionada a possibilidade de pagar voluntariamente a coima e, se o fizer, esta será liquidada pelo mínimo (artigo 50.º-A do RGC-O).
Havendo pagamento voluntário da coima, nessa parte, nada mais haverá a decidir.
Não ocorrendo o pagamento voluntário, terá de ser proferida decisão de aplicação da coima, pois a matéria de facto provada é suficiente para proceder à sua determinação.
Mas a circunstância de não se decidir, desde já, sobre a coima a cominar não impede que este tribunal se pronuncie já sobre a sanção acessória de inibição de conduzir.
Importa, a propósito, sublinhar que a determinação desta sanção acessória não é uma questão nova, já houve uma decisão que aplicou ao arguido a sanção de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de oito meses e o recorrente teve já oportunidade de sobre ela se pronunciar.
Também não constitui obstáculo à determinação, desde já, dessa sanção a circunstância de ter havido uma alteração dos factos e da respectiva qualificação jurídica (a degradação do crime em contra-ordenação), pois a notificação nos termos e para o efeito do disposto no n.º 3 do artigo 424.º do Cód. Proc. Penal só se impõe quando a alteração não é conhecida do arguido.
Ora, tal alteração deriva da defesa do arguido, que, não pondo em causa a prática do facto (condução de veículo automóvel na via pública sob influência do álcool), pugnou pela dedução ao resultado do teste de alcoolemia a que foi submetido do erro máximo admissível, pretensão que é aqui satisfeita[14].
*
Sob a epígrafe “determinação da medida da sanção”, o artigo 138.º do Código da Estrada estabelece que “a medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos”.
Se o desvalor da acção de conduzir um veículo automóvel em estado de embriaguez (com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, ou seja, igual ou superior a 0,5 g/l) pode considerar-se de pouca monta, não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, sobretudo porque o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária) constitui-se como um bem jurídico “teleologicamente vinculado a bens jurídicos pessoais por estar ao serviço destes”.
A condução automóvel, em si, já é uma actividade perigosa e sê-lo-á muito mais quando é exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer.
Embora reportando-se a uma conduta qualificada como crime, mas sendo evidente a sua pertinência, também, para esta situação, no acórdão do STJ de 11.01.2007 (Cons. Pereira Madeira), disponível em www.dgsi.pt/jstj, este tribunal supremo faz notar que “a imprevisibilidade e a volatilidade do comportamento do condutor embriagado, pelo comprometimento da segurança na estrada que protagoniza sempre, constitui, inevitavelmente, e salvo raríssimas excepções (…) uma grave violação das regras de trânsito rodoviário”.
Por isso se diz, com razão, que esta é uma conduta que, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física, a liberdade e o património, reveste-se de acentuada perigosidade.
A circunstância de a contra-ordenação cometida pelo arguido ser legalmente qualificada como muito grave já foi valorada pelo legislador ao fixar a moldura da respectiva sanção de inibição de conduzir (de dois meses a dois anos).
No entanto, não é indiferente para a determinação da concreta medida da inibição o facto de o grau de alcoolemia (o “valor apurado”) de que o arguido era portador se situar próximo do limite a partir do qual é considerado crime.
Agrava a culpa do arguido a circunstância de ter já sofrido, em Março de 2007 e Fevereiro de 2008, condenações pela prática do crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez.
As penas que, então, lhe foram aplicadas, designadamente a pena acessória de proibição de conduzir (uma, pelo período de 5 meses e outra pelo período de 7 meses) não foram suficientemente dissuasoras de novas práticas delitivas, não fizeram com que o arguido passasse a ser um condutor mais consciencioso e deixasse de conduzir automóveis sob influência do álcool.
Em contraponto, face à factualidade provada, podemos dizer que da conduta do recorrente não resultaram consequências nefastas (nem para o próprio, nem para terceiros).
Na decisão da primeira instância, numa moldura cujo limite inferior é de 3 meses, sendo o limite superior de 3 anos, foi fixado em 8 meses o período de proibição de conduzir.
Dentro de uma moldura que vai de 2 meses a 2 anos, afigura-se-nos ajustado fixar em 6 meses a duração da inibição de conduzir.

III – Dispositivo
Em face do exposto, se bem que por razões completamente diferentes das invocadas pelo recorrente, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência,
A) alterar a decisão em matéria de facto por forma que o facto assim descrito:
“Fazia-o, porém, com uma TAS (taxa de álcool no sangue) de 1,24 g/l verificada mediante teste de pesquisa em aparelho devidamente aprovado e calibrado, conforme talão de fls. 2, que se dá por inteiramente reproduzido, não tendo desejado realizar contraprova”
passará a ter a seguinte formulação:
“Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado através de analisador quantitativo (alcoolímetro da marca “Drager Alcotest”, modelo 7110 MKIII P, n.º 0004) devidamente aprovado e calibrado, registando uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,14 g/l, tendo declinado a possibilidade de realizar contraprova”.
B) revogar a sentença condenatória e absolver o arguido/recorrente da acusação de autoria material de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal, subsistindo, porém, a responsabilidade contra-ordenacional;
C) declarar o arguido B… autor material da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 81.º n.os 1, 2 e 5, al. b), 146.º, al. j), 138.º, n.º 1, e 147.º, n.os 1 e 2, do Código da Estrada e, em consequência:
1. ordenar a sua notificação para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento voluntário da coima, a liquidar pelo mínimo (€ 500,00), para o que deverá solicitar a emissão das respectivas guias;
2. condená-lo na sanção de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses;

Efectuado o pagamento voluntário da coima e transitado em julgado este acórdão, serão os autos remetidos à primeira instância para que aí se diligencie pelo cumprimento da sanção de inibição da faculdade de conduzir, com entrega do título de condução.

Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 15-01-2014
Neto de Moura
Vítor Morgado
________________
[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] Assim também os acórdãos da Relação de Évora, de 01.04.2008 (Des. Ribeiro Cardoso) e da Relação de Guimarães, de 27.04.2009 (Des. Cruz Bucho), cujos sumários vêm transcritos em “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2.ª edição, 954, de Vinício Ribeiro.
[3] E, como afirma Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Ed. Trotta, Madrid, 2005, 525, “uma decisão só pode ser justa se se funda numa determinação verdadeira dos factos (para além de derivar de um processo correcto e da justa interpretação e aplicação das normas)”.
[4] Por vezes, referido como sendo uma perícia, mas erradamente.
A perícia é considerada um meio de prova, ao passo que um exame é um meio de obtenção de prova (a distinção resulta, desde logo, da inserção sistemática das pertinentes normas que definem os respectivos regimes).
Diferentemente do que acontece com o exame, só pode realizar uma perícia quem tenha especiais conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos (art.º 151.º) e para tanto seja especialmente nomeado para cada caso por despacho da autoridade judiciária (que indica, de forma sumária, o respectivo objecto). Os exames podem ser realizados por qualquer pessoa, sem especiais exigências de conhecimento ou preparação técnica. Por isso são, em regra, efectuados por órgãos de polícia criminal. A perícia tem uma finalidade valorativa (o perito interpreta e avalia os vestígios da prática do crime). O exame tem uma finalidade descritiva: visa a inspecção e detecção de vestígios da prática de um crime e a sua descrição em auto ou outro documento, ou seja, é, essencialmente, uma actividade de recolha de meios de prova, sejam pessoais ou reais. Como ensina o Professor G. Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, 5.ª edição, 281), “a finalidade do exame é fixar documentalmente ou permitir a observação directa pelo tribunal de factos relevantes em matéria probatória” e, mesmo quando efectuado por pessoa com especiais conhecimentos, “o exame distingue-se da perícia porquanto aquele apenas descreve o que o examinador observa…”.
[5] Cabe referir que, nos termos do disposto no artº 81º, nº 3, do Código da Estrada, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue.
[6] Invocado pela Sra. Juiz no despacho em que indeferiu a pretensão formulada pelo arguido de que fosse feita a dedução ao resultado do teste efectuado com o alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MKIII P do erro máximo admissível.
[7] Trata-se de um acórdão proferido ao abrigo da competência prevista no artigo 11.º, n.º 3, al. b), do Cód. Proc. Penal. O recurso que julgou foi interposto de uma decisão de uma Secção Criminal do próprio Supremo, que funcionou como 1.ª instância.
[8] Sobre a diferença, a ter em consideração neste âmbito, entre incerteza e erro, cfr. o acórdão desta Relação de 12.12.2007 (Des. António Gama), disponível em www.dgsi.pt
[9] Acessível em http://www.ipq.pt/backFiles/CONTROLO_ALCOOLEMIA_080402.pdf
[10] Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 131/XII (2.ª), que esteve na génese da Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, não há qualquer referência a esta importante novidade na fiscalização da condução sob influência de álcool.
[11] Assim, o acórdão de 17.12.2009 (Cons. Rodrigues da Costa), acessível em www.dgsi.pt
[12] No mesmo sentido, o acórdão desta Relação de 28.09.2011 (Des. Maria Leonor Esteves), disponível em www.dgsi.pt.
Aparentemente, também no acórdão desta mesma Relação de 23.06.2010 (Relator: Des. Jorge Gonçalves), foi adoptado o mesmo entendimento. No entanto, no acórdão, ainda desta Relação, de 06.01.2010, do mesmo relator, determinou-se a remessa do processo ao tribunal de primeira instância para conhecer da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
[13] Assim também os acórdãos (todos acessíveis em www.dgsi.pt) desta Relação do Porto, de 09.12.2009 (Relator: Des. Artur Vargues) e de 09.02.2011 (Relatora: Des. Paula Cristina Guerreiro) e da Relação de Lisboa, de 07.05.2008 (Relator: Des. Carlos Almeida).
[14] Também assim, o já citado acórdão desta Relação de 27.10.2010.