Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0715083
Nº Convencional: JTRP00040984
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP200801230715083
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 510 - FLS 169.
Área Temática: .
Sumário: I - A eventual necessidade de se proceder a uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, prende-se não com a sentença - com a sua perfeição formal e substancial, pois que não afecta a sua validade - mas antes com o julgamento, podendo configurar, quando muito, uma irregularidade, de denúncia obrigatória e sanável (art. 123º,1 CPP).
II - Assim, ainda que fosse caso de comunicar ao arguido uma alteração dos factos, por se terem provado factos diversos dos constantes da acusação, a sentença que absolveu o arguido do crime por que vinha acusado não enferma de nulidade, por omissão de pronúncia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Nos autos de processo comum (singular) que, sob o nº …/04.6PAVCD, correram termos pelo .º Juízo Criminal de Vila do Conde, foram submetidos a julgamento os arguidos B………., C………. e D………., acusados pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de furto qualificado p. e p. nos termos dos artigos 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 2, al. e), com referência aos artigos 202.°, al. d) e 30.°, n.° 2, todos do C.Penal. (Com eles havia sido também acusado E………., cujo processo foi entretanto deste separado, dada a sua declaração de contumácia).
Foi efectuada audiência de julgamento, no decurso da qual se procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos, no sentido de os mesmos consubstanciarem um crime de furto qualificado p. e p. no art.° 204.°, n.° 1, al. f) e não de um crime de furto qualificado p. e p. no art.° 204.°, n.° 2, al. e), ambos do C.Penal. Foi proferida sentença condenando os arguidos B………. E D………. pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.°, n.° 1° e 204.°, n.° 1, al. f) ambos do C.Penal, nas penas de 120 dias de multa, à taxa diária 5 euros para o primeiro e de 6 euros para o segundo e absolvendo o C………. da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 2, al. e) do C.Penal, pelo qual vinha acusado.

Inconformado, o Magistrado do MP interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

1 - O arguido C………. encontrava-se acusado pelo Ministério Público da prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido, nos artigos 203º e 204º, n.º2, e), ambos do Código Penal.
2 – No entanto, o Mm.º Juiz a quo entendeu que não se fez prova da participação do arguido C……….. no furto qualificado do qual vinha acusado.
3- Mas, ao relevar, para esse efeito, não só a versão dos factos apresentada pelos arguidos, mas também a justificação aventada pelo arguido C………. quanto à posse do objecto, deveria retirar as respectivas ilações.
4 - Porque importante para a descoberta da verdade material, os factos respeitantes às concretas circunstâncias de detenção do objecto anteriormente furtado, in casu, um mini televisor, teriam que ser consideradas como provadas, pois, em abstracto, eram susceptíveis de integrarem a prática de um crime de receptação, no mínimo, sob a forma negligente, previsto e punido, no art.º 231º, n.º2, do C. Penal.
5 - Dado o apuramento de novos factos susceptíveis de integrarem a pratica de um ilícito criminal, ao Mm.º Juiz a quo caberia a adopção do regime previsto no art.º 359º do C.P.P., para que, dessa forma, esses novos factos fossem sujeitos a novo julgamento ou nova investigação criminal.
6 - É que, o direito processual penal, acima de tudo, visa o apuramento da verdade material e desse apuramento resultará o tratamento de todos as condutas penalmente relevantes, seja por força de uma absolvição, de uma condenação ou, ainda, por via de extracção de certidão para instauração do respectivo procedimento criminal
7 - O Mm.º Juiz a quo, ao não dar como provada a factualidade respeitante à aquisição do já referido objecto, e, dessa forma, não fazendo uso do mecanismo da alteração substancial dos factos, deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia e podia pronunciar-se, cometendo, por isso, a nulidade prevista no n.º 1, c) do art.º 379º do C.P.P.
8 - O Mm.º Juiz a quo deu como provado que os arguidos introduziram-se no interior da residência, deixando, no entanto, de se pronunciar como é que os arguidos se introduziram.
9 - Se é certo que da acusação constava a descrição de factualidade susceptível de preencher a qualificativa “arrombamento” – que não foi dada como provada - certo é também que, essa mesma factualidade preenchia outra qualificativa, a saber: o “escalamento”.
10 - O Mm.º Juiz a quo, ao conferir credibilidade à versão dos arguidos, que confessaram parcialmente os factos constantes da acusação (confessaram que entraram através da porta da varanda, sem que, contudo, tenham admitido a quebra do vidro), deveria ter dado como assente o local de introdução na residência da ofendida.
11- A relevância, in casu, da concretização do modo de execução do ilícito, resulta das diferentes qualificativas previstas pelo legislador no art.º 204º, n.sº 1º e 2º, do Código Penal, pois, a introdução ilegítima em local fechado pode, por si só, constituir uma qualificativa do tipo do furto.
12 - Se foram dados como não provados os factos integrantes da qualificativa “arrombamento”, já no que concerne aos integrantes da qualificativa “escalamento”, há uma total omissão de pronúncia relativamente aos mesmos, porquanto não ficou assente que os arguidos introduziram-se no interior da residência pela porta da varanda.
13 - Se o legislador claramente previu que a entrada por uma porta da varanda preenche o elemento do tipo escalamento, porque aquela não é uma via normal de entrada numa habitação, o Mm.º Juiz a quo deveria ter dado como assente que os arguidos entraram na residência dessa forma e, consequentemente, deveriam os arguidos ter sido condenados, não nos termos que o foram, mas antes, pelo furto qualificado, previsto e punido, na alínea e), do n° 2, do artigo 204º do Código Penal.
14 – Destarte, da sentença deveria constar o seguinte facto provado: - Na noite do dia 25 para 26 do mês de Fevereiro de 2004, os arguidos B………. e D………., conjuntamente e em conjugação de esforços, introduziram-se, pela porta da varanda, no interior da residência sita na Rua ………., n.º …., nesta cidade de Vila do Conde, propriedade de F………. .
15 - Por via de tal, deveriam os arguidos ser condenados pela prática, em co-autoria, de um furto qualificado, previsto e punido, na al. e), do n.º 2 do art.º 204º do C. Penal, na pena correspondente, sempre superior àquela que lhe foi fixada.
16 – Por todo o exposto, a decisão do Mm.º Juiz de Direito incorreu nas nulidade previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1º do art.º 379º do C.P.Penal, ao violar as normas do art.º 359º, 374º do C.P.Penal e 204º, n.º2, e) do C. Penal.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, dar-se cumprimento ao disposto no art.º 359º do C. Penal, com as demais consequências legais, e alterar-se a fundamentação de facto da sentença, ao nível dos factos provados, de acordo com a proposta supra referida, condenando-se os arguidos pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.º 203º e 204º, n.º2 e), do C. Penal, na pena correspondente, sempre superior àquela que lhe foi fixada.

Responderam os recorridos C………. e D………., concluindo pela confirmação da sentença.

O Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS ASSENTES:
1. Na noite do dia 25 para 26 do mês de Fevereiro de 2004, os arguidos B………. e D………., conjuntamente e em conjugação de esforços, introduziram-se no interior da residência sita na rua ………., n.° …., na cidade de Vila do Conde, propriedade de F………. .
2. Daí retiraram e levaram consigo diversos objectos, pertencentes à referida F………. .
3. Os arguidos subtraíram os seguintes objectos no valor global de €361,50:
a. Uma mochila de campismo marca Altus com o valor de € 25,00 (vinte e cinco euros);
b. Um relógio de pulso de cor preto marca Iber-Reboques com o valor de € 25,00 (vinte e cinco euros);
e. Cinco calcadores para máquina de costura sem valor comercial;
d. Duas molas para segurar as linhas da máquina de costura sem valor comercial;
e. Um pincel de limpeza da máquina de costura sem valor comercial;
f. Uma peça em metal tipo calcador para máquina de costura sem valor comercial;
g. Uma caneleira para acondicionar linha sem valor comercial;
h. Uma fita métrica sem valor comercial;
i. Um estojo em pano sem valor comercial;
j. Um cabo eléctrico com o valor de € 0,50 (cinquenta cêntimos);
k. Dois discos vinil sem valor comercial;
1. Um boné de cor verde sem valor comercial;
m. Um CPU marca Macintosh LC com o valor de € 15 (quinze euros);
n. Um teclado de computador marca "Apple Keyboard 11" sem valor comercial;
o. Uma impressora "Image Writer II" com o valor de € 5,00 (cinco euros);
p. Um monitor marca "Macintosh" com o valor de € 15,00 (quinze euros);
q. Uma carteira em pele de cor preta com o valor de € 10,00 (dez euros);
r. Cinco viaturas em miniatura com o valor global de € 5,00 (cinco euros);
s. Um Joy stick para vídeo jogos com o valor de € 2,00 (dois euros);
t. Dois Joy Sticks para vídeo jogos com o valor global de € 2,00 (dois euros);
u. Uma consola de vídeo jogos com o valor de € 5,00 (cinco euros);
v. Cinco caixas para CDs sem valor comercial;
w. Um perfume da marca "Chanel", com meio conteúdo sem valor comercial;
x. Uma miniatura com a forma de cavalo sem valor comercial;
y. Um organizer com o valor comercial € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos);
z. Um isqueiro em forma de esferográfica sem valor comercial;
aa. Uma esferográfica "Parker" com o valor comercial de € 1,00 (um euro);
bb. Um cachimbo em madeira com o valor de €1,00 (um euro);
cc. Um porta lápis com o valor de € 2,5 (dois euros e cinquenta cêntimos);
dd. Duas colunas marca "Sony" com o valor global de € 50,00 (cinquenta euros);
ee. Um compac disct com o valor global de € 35,00 (trinta e cinco euros);
ff. Um compact constituído por amplificador, leitor de cassetes e rádio "sony" com o valor de € 35,00 (Trinta e cinco euros);
gg. Um deve de cassetes marca "Philips" com o valor de € 15,00 (quinze euros);
hh. Um comando marca "Sony" sem valor comercial;
ii. Uma máquina de escrever eléctrica marca "Tnmph - Adler" com o valor de € 5,00 (Cinco euros);
jj. Duas raquetes de ténis marca "Dunlop" e "Gacela" no valor global de €10,00 (Dez euros);
kk. Um CD de jogos sem valor comercial;
ll. Uma coluna em mármore trabalhada no valor de € 20,00 (Vinte euros);
mm. Uma máquina de costura marca "Singer" no valor de € 10,00 (Dez euros);
nn. Um transformador sem valor comercial;
oo. Um cofre em metal sem valor comercial;
pp. Um saco de desporto sem valor comercial;
qq. Um sobretudo de tecido sem valor comercial;
rr. Um casaco em antílope marca "Jerson sport" no valor de € 5,00 (Cinco euros);
ss. Um casaco em malha de cor castanha sem valor comercial; tt. Um casaco em tecido de cor preta sem valor comercial;
uu. Uma colcha para cama de crochet no valor de € 50,00 (Cinquenta euros);
vv. Catorze pares de meias sem valor comercial;
ww. Quatro toalhas de banho com o valor de € 5,00 (Cinco euros);
xx. Um par de luvas sem valor comercial;
yy. Um saco azul e vermelho marca "Le Coq Sportif” sem valor comercial;
zz. Uma faca de cozinha sem valor comercial;
aaa. Uma faca tipo cutelo sem valor comercial;
bbb. Um saco em pano com a inscrição Paris sem valor comercial;
ccc. Uma caixa em madeira para acondicionar vinho da "Companhia Agrícola Sanguinhal" sem valor comercial;
ddd. Um par de sapatilhas "Nike" sem valor comercial;
eee. Um televisor em miniatura marca "Action" sem valor comercial.
4.Os objectos supra referidos foram entregues à sua legitima proprietária.
5.Ao actuar da forma supra descrita, os arguidos B………. e D………. agiram livre, consciente e conjuntamente, com a finalidade única e concretizada de se introduzirem na residência da ofendida e dela subtraírem os bens que ali se encontravam, contra a vontade da sua legitima proprietária, com o propósito de os fazer ingressar nos seus patrimónios, apesar de estarem bem cientes de que se tratavam de coisas pertencentes a terceiro e de saberem que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6.Os arguidos B………. e D………. confessaram parcialmente e sem reservas os factos.
7.Os arguidos estão muito arrependidos.
Mais provou que:
8.O arguido D………. apenas ficou como a par de sapatilhas Nike, que posteriormente entregou na esquadra da PSP.
9.Os restantes objectos foram encontradas na detenção de E………., à excepção da televisão em minatura "Action", que foi encontrada com o arguido C………. .
Factos relativos às condições pessoais.
10.Os arguidos D………. e B………. não têm antecedentes criminais.
11.O arguido C………. foi condenado por sentença transitada em julgada em 5 de Dezembro de 2002, pela prática em 1 de Novembro de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art.° 3.°, n.° 1 do DL n.° 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 1,5, num total de € 75,00.
12.O arguido C………. está desempregado, mas inscrito no centro de emprego, tem o 6.° ano de escolaridade, vive com as pais, tem mais 4 irmãos, sendo que 3 estão a cargo dos seus pais.
13.O arguido D………. trabalha com o pintor da construção civil auferindo cerca de € 400,00 por mês. Tem um filho de 5 anos de idade a quem presta mensalmente, a título de alimentos, € 100,00. Mora em casa dos pais entregando € 250,00 por mês para ajuda as despesas.
14.O arguido B………. trabalha como pescador, auferindo entre € 200,00 a € 300,00 por mês, dos quais entrega metade ao pai com quem vive.

Não se provou que:
15. Os arguidos tivessem partido o vidro da porta da varanda da casa identificada em 1. e dessa forma que a tenham aberto.
16. Pretendendo regressar à casa referida em 1., para subtraírem mais objectos, os arguidos quando abandonaram a residência da lesada tenham deixado uma porta fechada apenas com o trinco para assim poderem realizar mais facilmente o seu propósito.
17. Passados alguns dias e por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, os arguidos se tenham dirigido novamente à Rua ………., n.° …. e tenham entrado, pela porta que haviam deixado aberta, retirando e levando consigo objectos que ali se encontravam e que não lhes pertenciam.
18. Entre o dia 26 de Fevereiro e dias subsequentes, os arguidos se tenham apropriado progressivamente dos aludidos objectos referidos em 4. E que o tenham feito animados pela facilidade de acesso àqueles, uma vez que deixaram uma porta aberta na primeira vez que se introduziram na residência e não foram descobertos.
19. Que o arguido C………. tenha participado na decisão referida em 1. ou se tenha introduzido no local referido no mesmo ponto.

Analisadas as conclusões que formula o recorrente, logo se vislumbra que são as seguintes as questões que suscita:
I – Que, não obstante a absolvição do arguido C………. relativamente ao crime de furto, existe factualidade nos autos susceptível de integrar a prática de um crime de receptação, no mínimo negligente, pelo que se impunha o cumprimento do disposto no artº 359º do CPP. Não o fazendo, o M.mo juiz recorrido terá incorrido na nulidade prevista no artº 379º, 1, c), do CPP.
II – Que, não obstante não ter ficado assente a qualificativa arrombamento, traduzida na quebra de vidro da porta da varanda, por onde terão entrado, a materialidade subsistente – entrada por uma porta de varanda – integra a qualificativa escalamento, pelo que os arguidos B………. e D………. deveriam ter sido condenados pela prática de um crime p.p. pelo artº 204º, 2, e), do CP.

I – O primeiro grupo de questões prende-se com a necessidade, que o recorrente pretende se revelou durante o julgamento, de se proceder à comunicação de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação já que, mesmo não se provando a intervenção do arguido C………. na subtracção, sempre existiria factualidade integrante de receptação, pelo menos negligente.
Pretende o recorrente que tal configura uma nulidade da sentença prevista no nº 1, c), do artº 379º do CPP, por omissão de pronúncia.
Mas, afigura-se-nos que erradamente, pois que confunde nulidades da sentença com eventuais irregularidades procedimentais ou de julgamento.
As primeiras, previstas no artº 379º do CPP, devem ser arguidas ou oficiosamente conhecidas em recurso; as segundas têm de ser arguidas perante o tribunal de primeira instância. Como se disse no ac. do STJ de 5/6/1991, citado por Maia Gonçalves (CPP Anotado, 15ª Ed., pag. 379), «as irregularidades processuais cometidas na audiência não podem ser conhecidas pelo tribunal superior se não tiverem sido denunciadas na acta».
Com efeito, a questão da eventual necessidade de se proceder a uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, prende-se não com a sentença - e com a sua perfeição formal e substancial, pois que não afecta a sua validade – mas antes com o julgamento, podendo [e mesmo esta afirmação é duvidosa] configurar uma irregularidade, de denúncia obrigatória e sanável (artº 123º, 1, CPP).
Não ocorre omissão de pronúncia na sentença, sob esta perspectiva, pois que nela se conheceu do mérito da acusação, que foi julgada improcedente relativamente ao arguido C………., que, assim, foi absolvido. Diferente seria a situação se tivesse ocorrido um ‘non liquet’, desprezando-se a pretensão punitiva do Estado, dela não tomando conhecimento. Relativamente à absolvição não se pode questionar, sob esta perspectiva, uma omissão de pronúncia, apenas se podendo por em causa o seu mérito, coisa diversa.
Como regra, os actos processuais só são afectados de nulidade quando a lei expressamente a comina ou quando a irregularidade processual em causa cabe na previsão fechada dos artºs 119º e 120º do CPP. Não cabendo, como acontece no caso presente, estamos perante mera irregularidade, dependente de arguição do interessado nos termos do artº 123º, 1, CPP.
Trata-se de um vício menor do acto, que não afecta a sua validade acto enquanto tal, mas apenas concede ao interessado a faculdade de o ver sanado, mediante a sua arguição.
E tal arguição tem um regime próprio, traçado na lei do processo penal: no nosso caso, tratando-se de pretensa irregularidade cometida durante o julgamento, nele teria de ser a mesma arguida.
A arguição deve ter lugar perante o tribunal que cometeu a irregularidade, deste modo lhe possibilitando a respectiva reparação ou, se o não fizer, permitindo ao sujeito processual afectado a interposição do competente recurso. Não pode é o interessado optar (porque a lei lho não permite) entre arguir o vicio directamente perante o tribunal de 1ª instância ou fazê-lo em via de recurso.

II – O segundo grupo de questões prende-se com a não referência, na sentença aos factos eventualmente integradores da qualificativa escalamento, dada a circunstância de terem os agentes penetrado na habitação por local normalmente não destinado a esse fim.

Com efeito, a qualificativa eleita na acusação pública foi a do nº 2, e), do artº 204º do CP, que traduz na subtracção efectuada mediante a penetração em habitação, estabelecimento ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas. Da acusação constava que a penetração havia sido efectuada partindo os agentes «um vidro da porta da varanda da identificada residência e dessa forma abriram-na introduzindo-se no seu interior».
Porém, na sentença, na fundamentação de facto, deu-se como provado que os agentes penetraram na habitação [sem descrição do modo como, e sem afirmação da não possibilidade de averiguação do modo como] e como não provado que «os arguidos tivessem partido o vidro da porta da varanda da casa identificada em 1. e dessa forma que a tenham aberto». Esta última asserção inculca a ideia que os agentes terão penetrado através dessa porta da varanda, sem o afirmar expressamente. E, a questão não é inócua, pois que, nos termos da jurisprudência citada pelo recorrente e mesmo como resulta expressamente da al. e) do artº 202º do CP, o escalamento pode traduzir-se na penetração em casa … «por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por … portas de terraços ou de varandas, janelas…».
Ora, e se bem analisamos a factualidade em causa, apesar de constar da acusação o modo de introdução na habitação – mediante a quebra de vidro da porta da varanda da casa, que posteriormente foi aberta, por ai penetrando os agentes – essa circunstância [entrada pela porta da varanda] foi desprezada, não constando dos factos assentes nem dos não provados, sob a versão de não terem os arguidos entrado pela porta da varanda (curiosamente, por exemplo, o arguido B………., havia dito que a penetração se havia consumado mediante a entrada por uma janela que já se encontrava aberta – transcrição a fls. 361).
Por outro lado, na fundamentação jurídica da sentença refere-se, erradamente, que a circunstancia modificativa agravante ‘arrombamento’ consta da al. e) do artº 202º do CP, quando o certo é que consta da sua alínea d); dessa al. e) consta a circunstancia ‘escalamento’, cujo substracto fáctico a sentença deixou cair e cuja análise jurídica, pura e simplesmente, esqueceu…
Tal consubstancia vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Porque o tribunal ‘a quo’ não fez referência ao modo como ocorreu a referida introdução [nem pela positiva nem pela negativa] o que, manifestamente tem repercussão na qualificação do tipo legal e, deste modo, na medida da pena (face à agravação do tipo base de furto), e porque a respectiva averiguação é, deste modo, essencial, afigura-se-nos ocorrer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Todos os vícios referidos no nº 2 do artº 410º, para serem atendíveis, devem resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». Ou seja, o vício há-de ressaltar do próprio contexto da sentença, não sendo lícito, neste pormenor, o recurso a elementos externos de onde esse vício se possa evidenciar. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada ou a considerar no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos.
Como se diz no acórdão do STJ de 13/2/1991 (Maia Gonçalves, op. cit., pag. 825) «o fundamento a que se refere a al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que nãos e confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, coisa bem diferente».

A ocorrência de tal vício, que não pode agora ser colmatada nesta instância, determina a necessidade de se proceder a um reenvio parcial do processo, para novo julgamento, limitado à questão de se averiguar qual o modo através do qual os agentes penetraram na habitação, daí se retirando as necessárias consequências jurídicas, designadamente em termos de qualificação do tipo criminal e da determinação das penas correspondentes. (artº 246º, 1, CPP).

Termos em que, no parcial provimento do recurso, se acorda nesta Relação em ordenar o reenvio parcial do processo, para novo julgamento, limitado à questão de se averiguar qual o modo através do qual os arguidos penetraram na habitação, daí se retirando as necessárias consequências jurídicas, designadamente em termos de eventual qualificação do tipo criminal e da determinação das penas correspondentes. No mais, designadamente no que concerne ao recorrido C………., improcede o recurso.

Sem custas.

Porto, 23 de Janeiro de 2008
Manuel Jorge França Moreira
José Ferreira Correia de Paiva
Manuel Joaquim Braz
José Manuel Baião Papão