Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
774/11.3GAVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: FURTO QUALIFICADO
AGRAVANTE QUALIFICATIVA
INTRODUÇÃO EM ESPAÇO FECHADO
Nº do Documento: RP20120711774/11.3GAVNF.P1
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A doutrina e a jurisprudência têm sustentado que o que caracteriza e justifica a agravante qualificativa do furto da alínea f) do n.º 1 do artigo 204º do Código Penal [e também da alínea e) do n.° 2] não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim, a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com o estabelecimento comercial ou industrial.
II - A introdução em espaço fechado, só por si, não representa um dano acrescido que justifique a previsão da qualificação proposta para a ação do furto.
III - O que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados. Há um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 774/11.3GAVNF.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 11 de julho de 2012, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo abreviado n.º 774/11.3GAVNF, do 1º Juízo de Competência Criminal do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, em que são arguidos B… e OUTROS, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 413]:
«(…) Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo procedente, por provada, a acusação pública deduzida e, consequentemente:
A) (…)
B) Condeno o arguido B… como co-autor material, na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º1 e art. 204.º, n.º 1, al. f), ambos do CP, como reincidente, na pena de dois anos e três meses de prisão (devendo, oportunamente, proceder-se ao desconto nos termos do disposto no art. 80.º do CP); (…)»
2. Inconformado, o arguido B… recorre, extraindo da respetiva motivação um texto que designa por “conclusões” e em que, no essencial, invoca o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, impugna a decisão proferida sobre matéria de facto – da qual retira, entre outras, a necessidade de o excluir da atuação descrita e, de todo o modo, a alteração da qualificação jurídica dos factos em resultado da redução do valor dos objetos, para um montante suscetível de ser considerado diminuto, passando do tipo de Furto qualificado, do artigo 204.º, n.º 1, alínea f), para o de Furto (simples), do artigo 203.º, n.º 1, do Cód. Penal. Por fim, questiona a medida da pena. Termina pedindo que se dê “provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, na medida do acima assinalado, com todas as demais consequências legais” [fls. 449].
3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 453-463].
4. Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-geral Adjunta acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 493-495].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 391-398]:
«(…) A) DE FACTO:
Discutida a causa mostram-se provados, com interesse, os seguintes factos:
A) Na noite de 19 para 20 de Setembro de 2011, a hora não concretamente apurada, mas seguramente antes das 04H40M do dia 20, os arguidos idealizaram deslocar-se a um edifício que se encontrava em construção, sito na …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão – obra essa a ser executada pela sociedade comercial “C…, Lda”, da qual é sócio-gerente D… – e, uma vez ali chegados, procederem à retirada de objectos metálicos e instrumentos de construção que encontrassem no seu interior, fazendo-os seus e integrando-os nos respectivos patrimónios;
B) Para tanto, fizeram-se deslocar no veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula UI-..-.., marca Ford, modelo …, pertença do arguido E…, com o fito de carregar os ditos objectos;
C) De forma a dar execução ao anteriormente planeado, momentos antes das 04H40M, do referido dia 20, os arguidos deslocaram-se à dita obra, que estava vedada no seu perímetro e, por meio não concretamente apurado, na zona contígua à via pública citada, retiraram uma malha de sol, pelo menos parcialmente revestida com uma rede plástica de cor verde, que se encontrava presa, com uns arames, numa trave em madeira, sendo esta fixa ao solo, que delimitava e vedava o edifício em construção naquele espaço, de modo a impedir o acesso ao local, conseguindo assim entrar na mesma e do seu interior retiraram, carregando para o interior da mala do aludido veículo 7 (sete) taipais em ferro de 2,50 metros por 0,50 metros, no valor unitário de, pelo menos, €25,00, que pretendiam integrar nos seus patrimónios, fazendo-os seus;
D) Devido à intervenção dos elementos da Guarda Nacional Republicana de Vila Nova de Famalicão, todos os arguidos foram imediatamente surpreendidos junto da obra, junto ao veículo, no exterior do mesmo, com a mala do veículo aberta, com os objectos no interior da referida mala, tendo sido recuperados tais objectos;
E) No dia 20 de Setembro de 2011, os sete taipais foram entregues pela entidade policial a D…;
F) Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente com intenção de se apoderarem dos objectos – retirando a rede que delimitava e vedada a obra para assim aceder ao interior da mesma – e de os fazerem seus, não o conseguindo devido à intervenção da Guarda Nacional Republicana, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, mas sim à ofendida e que actuavam contra a vontade da mesma;
G) Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas;
H) (…);
I) O arguido B… é o mais novo de dois irmãos. Iniciou o seu percurso escolar na idade regulamentar, tendo protagonizado um trajecto pautado pelo desinvestimento e desinteresse pela aprendizagem dos conteúdos curriculares, com problemas de assiduidade, acabando por se desvincular do sistema de ensino aos 13 anos e sem concluir o 2.º ciclo do ensino básico. Nessa altura, começou a trabalhar como aprendiz de mecânico. Durante a adolescência registou as primeiras experiências de consumo de estupefacientes. Com 18 anos de idade, registou o seu confronto com o sistema de justiça penal. Após o cumprimento do serviço militar obrigatório trabalhou em várias empresas, exercendo funções de motorista. No ano de 1996 encetou um relacionamento afectivo. O progressivo agravar de dependência relativamente ao consumo de tóxicos, a partir dos 23 anos de idade, e o facto de não aderir a qualquer tratamento, começaram a reflectir-se na sua inserção familiar e desempenho laboral culminando com a ruptura conjugal e perda do posto de trabalho. Cumpriu pena de prisão desde 30 de Março de 2000 até 29 de Outubro de 2004, data em que foi colocado em liberdade definitiva. À data reintegrou o seu agregado familiar de origem, porém, a manutenção de um padrão de comportamento direccionado para a satisfação das necessidades do consumo de estupefacientes, sem motivação para integrar alternativas de tratamento e sem exercício de actividade profissional, conduziu à prática de novos crimes, pelo que volvido menos de um ano, regista nova condenação. Cumpriu pena de prisão desde 14 de Julho de 2005, tendo sido colocado em liberdade no dia 13 de Julho de 2011. No dia 20 de Setembro de 2011, residia sozinha numa habitação arrendada e era apoiado pelos Serviços de Acção Social … e pelo Centro Comunitário …. Estava inactivo, encontrando-se inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional para eventual oferta formativa ou profissional. Apresenta como projectos de vida a manutenção da residência, disponibilidade activa para ofertas de emprego ou formação profissional por intermédio do Instituto de Emprego e Formação Profissional e a continuidade do apoio da Segurança Social por intermédio do rendimento social de inserção e do Centro Comunitário …, enquanto não tiver condições para se autonomizar. No meio de residência, não são conhecidos sentimentos de rejeição;
J) (…)
K) (…)
L) (…)
M) (…)
N) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º288/87 que correu termos na 1.ª Secção do 2.º Juízo Criminal do Porto, transitada em julgado, o arguido B… foi condenado como autor de um crime de roubo na forma consumada na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos;
O) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º109/90 que correu termos no Tribunal Judicial de Portimão, transitada em julgado, o arguido B… foi condenado como autor de um crime de furto qualificado na pena de catorze meses de prisão, tendo-lhe sido perdoado um ano e expiada a pena que cumpria;
P) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º362/96 que correu termos na 1.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado, pelo menos, no dia 23/04/1997, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 28/07/1995 como autor de um crime de roubo na pena de dezoito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos;
Q) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º118/98 que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Felgueiras, transitada em julgado no dia 18/01/2000, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 03/06/1997 como autor de um crime de abuso de confiança na pena de oito meses de prisão perdoada sob a condição de não praticar infracções dolosas;
R) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º163/00 que correu termos na 4.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado, pelo menos, no dia 20/11/01, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 20/11/2000 como autor de um crime de furto qualificado na pena de três anos e seis meses de prisão;
S) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º135/01 que correu termos na 3.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado no dia 28/01/2002, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 31/12/1999 como autor de um crime de furto qualificado na pena de vinte e dois meses de prisão;
T) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º2220/99.0PSPRT que correu termos na 1.ª Secção do 1.º Juízo Criminal do Porto, transitada em julgado, pelo menos, no dia 17/05/2002, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 24/12/1999 como autor de um crime de furto qualificado na pena de um ano de prisão;
U) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º2220/99.0PSPRT que correu termos na 4.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado, no dia 11/06/2003, foram cumuladas as penas aplicadas ao arguido B… nos processos n.ºs 118/98 do 1.º Juízo de Felgueiras, 163/00 da 4.ª Vara Criminal do Porto, 1500/99.9 PAVFR da 3.ª Vara Criminal do Porto e o arguido condenado na pena única de quatro anos e sete meses de prisão;
V) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º334/05.8PHPRT que correu termos na 3.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado no dia 28/06/2006, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 01/07/2005 como autor de um crime de furto simples, de um crime de furto qualificado e um crime de falsificação de documento na pena única de três anos e seis meses de prisão;
W) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º247/05.3 PAVLG que correu termos na 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, transitada em julgado no dia 06/07/2008, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 29/03/2005 como autor de um crime de furto simples na pena de cinco meses de prisão;
X) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º35/05.7PCMTS que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Matosinhos, transitada em julgado no dia 20/12/2006, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 11/12/2004 como autor de um crime de furto simples na pena de três meses de prisão;
Y) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º723/05.8 GCBRG que correu termos no Tribunal Judicial de Braga, transitada em julgado no dia 08/05/2007, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 06/07/2005 como autor de um crime de furto simples na pena de um ano de prisão;
Z) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º711/05.4PBAVR que correu termos no 3.º Juízo Criminal de Aveiro, transitada em julgado no dia 09/09/2007, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 26/04/2005 como autor de um crime de furto qualificado na pena de três anos e oito meses de prisão;
AA) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º1158/05.8 PBAVR que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Aveiro, transitada em julgado no dia 22/10/2007, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 08/07/2005 como autor de um crime de furto qualificado, na pena de quinze meses de prisão;
BB) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º508/05.1PRPRT que correu termos na 1.ª Secção do 3.º Juízo Criminal do Porto, transitada em julgado no dia 17/12/2007, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 17/05/2005 como autor de um crime de furto simples na pena de cinco meses de prisão;
CC) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º47/08.9TCPRT que correu termos na 1.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado no dia 30/07/2008, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 35/05.7 PCMTS que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Matosinhos, n.º247/05.3PAVLG que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, n.º711/05.4 PBAVR que correu termos no 3.º Juízo Criminal de Aveiro, n.º723/05.8GCBRG que corre termos na Vara Mista de Braga, n.º508/05.1PRPRT que corre termos na 2.ª Secção do 3.º Juízo Criminal do Porto, n.º334/05.8PHPRT que correu ternos na 3.ª Vara Criminal do Porto e n.º1158/05.8PBAVR que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Aveiro e o arguido condenado na pena única de cinco anos e nove meses de prisão;
DD) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º874/99.6JAAVR que correu termos no 2.º Juízo Criminal de Aveiro, transitada em julgado no dia 03/04/2009, o arguido B… foi condenado pela prática no dia 26/05/1999 como autor de um crime de furto qualificado na pena de dois anos e dois meses de prisão;
EE) Por decisão proferida no âmbito do processo n.º874/99.6JAAVR que correu termos na 1.ª Vara Criminal do Porto, transitada em julgado no dia 01/02/2010, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 1158/05.3PBAVR que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Aveiro, 711/05.4 PBVR que correu termos no 3.º Juízo Criminal de Aveiro, 508/05.1PRPRT que correu termos na 2.ª Secção do 3.º Juízo Criminal do Porto, 334/05.8PHPRT que correu termos na 3.ª Vara Criminal do Porto, 247/05.3PAVLG que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, 35/05.7PCMTS que corre termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos e 723/05.8GCBRG que corre termos na 1.ª Vara Competência Mista e o arguido condenado na pena única de seis anos de prisão;
FF) (…).
Não se provou que:
1) A sociedade C…, Lda não recuperou os taipais;
2) Os arguidos integraram os mesmos no seu património.

Motivação da convicção do Tribunal
Quanto aos factos dados como provados:
Como dispõe o art. 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo de que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
Todos os arguidos prestaram declarações quanto aos factos. Os arguidos E… e F…, no essencial, confessaram que se deslocaram ao local para retirar dali os objectos, fazendo-os seus. Disseram que o arguido B… não participou. O arguido B… referiu que não sabia o que ali iam fazer, que estava meio a dormir, que disse que não queria entrar, que não carregava e que nunca saiu do carro nem participou no furto.
No que concerne ao dado como provado de A) a D), o Tribunal atendeu às declarações dos arguidos E… e F… que admitiram a ida ao local, a retirada dos objectos e a intenção, a propriedade do veículo – em termos compatíveis com o que consta a fls. 17 - (e apenas nesta parte); ao depoimento da testemunha D…, representante da sociedade que se encontrava a realizar os trabalhos de construção, o qual, pela forma pausada, coerente, sem hesitações, recuos, compatível com os elementos fotográficos juntos aos autos a fls. 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187 e 188 (cujo conteúdo também valoramos) e, por isso, digna de crédito, atestou a localização da obra, a nome da empresa que a executava, as funções que exerce nessa empresa, a forma como a obra se encontrava vedada, os objectos existentes na obra, a forma como a obra foi encontrada na manhã do dia 20, e o valor de cada um dos taipais se alienados para utilização – entre €25,00/€30,00 – [este referido e justificado, de forma exemplarmente clara, tendo por referência o valor que a testemunha suportou, há dez anos, na aquisição de cada taipal (€50,00) e, entretanto, o desgaste desse material em razão da sua utilização (10 anos de uso) – desgaste este que, segundo a testemunha e, de acordo com as regras da normalidade, quando se considere o material de que é feito – ferro – e, consequentemente, a duração média do material (superior a peças feitas, por exemplo, em plástico), e a utilização que lhe é dada – nas obras – cfr. fls. 177, 178, 179, 187 e 188 – não importa uma grande desvalorização deste material, tendo-se, pois, o valor adiantado como perfeitamente razoável]; ao depoimento da testemunha G…, militar da GNR interveniente na operação de fiscalização/intercepção dos arguidos no local, o qual, em razão dessa sua intervenção meramente profissional, da forma clara, sem hesitações e compatível com os aludidos registos fotográficos, mereceu credibilidade, atestou a hora de interceptação, o que foi visualizado no local – a intercepção dos três arguidos no exterior do veículo e junto dele, ainda junto à obra, com a porta do veículo aberta -, os taipais que se encontravam no interior desse veículo, a localização do veículo, a forma como a obra se encontrava vedada e como os arguidos se introduziram no local (esta por referência ao local onde o veículo se encontrava parado – próximo da entrada/mala sol/da abertura da mala sol (na direcção da mala sol afastada) - e à forma como a mala sol se encontrava afastada – a permitir a (apenas a) entrada do veículo/naquele direcção - a induzir, com a segurança necessária a uma condenação, na ausência de conhecimento de qualquer entrada no local prévia à dos arguidos, que o fizeram nos termos dados como provados em D)).
Quanto à participação dos três arguidos não se atendeu às declarações dos mesmos posto que, para além das sucessivas justificações que foram adiantando no sentido de isentar de responsabilidade o arguido B… (talvez em virtude do seu extensíssimo registo criminal e do receio das consequências de mais uma condenação), da forma comprometida como a propósito se referiam (direccionando os olhos para o chão, movimentando-se, o que não faziam em relação a outras perguntas que, ainda que intuitivamente, percebiam de menor interesse probatório, o que, quanto a nós, revelou total comprometimento), as suas declarações foram infirmadas pela referência feita pela testemunha G…, sem qualquer margem de dúvida, no que respeita à presença dos três junto ao veículo e no seu exterior (circunstância já referida no auto de notícia de fls. 2) a induzir, obviamente, na ausência de qualquer outro motivo válido para ali se encontrarem, ademais quando se considere a hora e o local, à participação destes no ilícito aqui em apreço. A falta de coerência nas justificações adiantadas pelos arguidos e a postura dos mesmos aquando dessas referências (nos termos aludidos supra) já por si induzia à participação dos três.
No que se reporta ao aludido em E), atendeu-se ao teor de fls. 20.
Os elementos elencados em F) e G), relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas, apreciadas à luz das regras a que alude o artigo 127.º do CPP, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum (M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pg. 292. e N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pg. 172 e 173). Atendeu-se ademais à confissão dos arguidos E… e F…. Mais. Considerando a consabida natureza proibida das condutas em apreço nos autos, a forma como os arguidos actuaram, os actos praticados pelos mesmos, o facto de se encontrarem todos no mesmo espaço, a colocação dos objectos dentro do veículo, fazendo apelo às regras da experiência, a uma presunção natural, é por demais evidente que esses actos são compatíveis e visavam, como efectivamente ocorreu, a tentativa de apropriação dos taipais. Sendo os arguidos cidadãos integrados – o arguido E… e o arguido B… já com contactos com o sistema de justiça - e estando todos no mesmo espaço que os demais, sabiam que, realizando uma parte necessária da execução, tinham o domínio funcional do facto, “tinham nas mãos o decurso do acontecimento típico abarcado pelo dolo”, previam o que os demais iam fazer, … sabiam que os actos praticados eram aptos a permitir a consequente actividade criminosa, e que as condutas tendo em vista a subtracção não eram permitidas e, mesmo assim, não se inibiram de praticá-las.
Quanto ao aludido em H) a J), atendeu-se ao teor dos relatórios sociais juntos aos autos a fls. 362 e seguinte e, ainda, ao teor do relatório de fls. 321.
Quanto aos antecedentes criminais K) a FF) – foi decisivo o teor dos certificados juntos a fls. 309, 335 a 356.
Quantos aos factos dados como não provados:
Provou-se realidade distinta (matéria aludida em D) e E).
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
● Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
● Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
● Qualificação jurídica dos factos.
● Medida da pena.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
8. Como se tem afirmado, de forma reiterada e uniforme, este vício não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, nem com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firmou [AcRP 10.12.2003]. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência [artigo 410.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Cód. Proc. Penal] e traduz-se na exiguidade [insuficiência] dos factos provados para as conclusões jurídicas que deles se extraem: verifica-se quando a solução de direito, seja ela condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro e bastante nos elementos de facto dados como provados [nesse sentido, v.g., o Ac.STJ de 22-04-2004, in CJ-STJ, Ano XII, tomo II, pp. 166-167; e, desta Relação, entre os mais recentes, AcRP de 24/2/2010, AcRP de 10/2/2010, AcRP de 13/1/2010, AcRP de 18/11/2009, AcRP de 21/1/2009, AcRP de 1/10/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt].
9. No caso presente, a decisão final de condenação do recorrente apoia-se no quadro factual dado como provado que se revela cabal e suficiente para a impor. Pelo que improcede este primeiro fundamento do recurso.
Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto
10. O recorrente insurge-se contra a decisão de dar como provados os factos constantes dos pontos A), B), C), D), F) e G). Invoca excertos das declarações prestadas em audiência de julgamento pelos demais coarguidos e dos depoimentos das testemunhas G…, F… e D….
11. No fundo, o recorrente argumenta que a prova produzida não permite afirmar o seu envolvimento na subtração dos taipais de ferro que se encontravam no espaço vedado da obra em construção; e contesta o valor atribuído aos mesmos, por considerar que é inferior.
12. Sem razão. É verdade que os coarguidos o isentaram de responsabilidade. Mas tais declarações não mereceram credibilidade, conforme explanação e fundamento lógico apresentados na Motivação. Como também é verdade que as testemunhas inquiridas não fornecem elementos concretos reveladores do efetivo empenho físico do recorrente na recolha e transporte dos objetos em causa. Mas, para além dos detalhes evidenciados pelos coarguidos quando declararam o total afastamento do recorrente relativamente à intenção e à atuação que eles desenvolveram (detalhes que não permitiram ao julgador convencer-se da genuinidade de tais declarações – artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal), sempre fica por explicar a sua participação na viagem que, àquela hora da madrugada (4H40), os conduziu à obra em causa, e bem assim, a sua presença junto do veículo para onde foram transportados os referidos taipais. O facto de o recorrente não ter “carregado” qualquer taipal não é, por si só, suficiente para impor a modificação da decisão, afastando-o do plano conjunto que visava apoderarem-se de peças metálicas existentes no espaço vedado da obra [artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Cód. Proc. Penal].
13. O mesmo se diga do valor das peças subtraídas. A decisão recorrida esclarece em que provas se baseou para dar como provado tais valores – provas que lhe mereceram credibilidade [artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal] – ao passo que o recorrente invoca apenas a sua perceção quanto ao preço e à desvalorização sofrida pelo material. Também aqui, as provas oferecidas pelo recorrente não impõem decisão diversa da recorrida [artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Cód. Proc. Penal].
14. No limite, o recorrente invoca a violação do princípio in dubio pro reo. Como se tem dito repetidas vezes, a violação do princípio in dubio pro reo ocorre quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, decide “contra” o arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas de uma dúvida assumida pelo próprio julgador. Haverá violação do princípio in dubio pro reo se for manifesto que o julgador, perante essa dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece [Ac. STJ de 27.5.2010 e de 15-07-2008; e Ac.RP de 22.6.2011, 17.11.2010, 2.12.2009, 9.9.2009 e de 11.1.2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt].
15. Ora, em momento algum a decisão impugnada revela que o tribunal recorrido tenha experimentado uma hesitação ou indecisão em relação a qualquer facto. Bem pelo contrário, afirma convictamente a matéria dada como provada. E do conhecimento que sobre tal decisão tomámos, igualmente concluímos que a mesma é linear e objetiva, cumpre os pressupostos decorrentes do princípio da livre apreciação da prova [artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal] e não acolhe espaço para dúvidas ou incertezas relevantes. Pelo que improcede mais este fundamento do recurso.
Qualificação jurídica dos factos
16. Como não se atendeu à alteração do valor dos bens que foram objeto da tentativa de furto, reduzindo-o a um montante suscetível de ser considerado de “diminuto valor” [artigo 202.º, alínea c), do Cód. Penal], perde sentido a pretendida desqualificação do crime decorrente do n.º 4 do artigo 204.º, do Cód. Penal.
17. Contudo, perante a factualidade dada como provada a convolação da incriminação do crime de Furto qualificado, do artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Cód. Penal para o crime de Furto, do artigo 203.º, n.º 1, do Cód. Penal, impõe-se ao abrigo das considerações seguintes [passamos a seguir, de perto, a fundamentação do Acórdão de 16 de maio de 2012, que subscrevemos, disponível em www.dgsi.pt].
18. A doutrina e a jurisprudência têm sustentado que o que carateriza e justifica a agravante qualificativa do furto da alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º. do Cód. Penal [e também da alínea e) do n.º 2] não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim, a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com o estabelecimento comercial ou industrial.
19. O que se compreende. A introdução em espaço fechado, só por si, não representa um dano acrescido que justifique a previsão da qualificação proposta para a ação do furto [veja-se que os crimes de Violação de domicílio ou perturbação da vida privada, do artigo 190.º, n.º 1 e de Introdução em lugar vedado ao público, do artigo 191.º, ambos do Cód. Penal, punem as respetivas ações com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 240 dias e pena de prisão até três meses ou pena de multa até 60 dias]. O que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados. Há um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico.
20. E se assim é, então o espaço de construção de um edifício [estaleiro de obra], ainda que vedado, nenhuma conexão tem com as realidades subjacentes aos conceitos de habitação e de estabelecimento comercial ou industrial e seus espaços fechados dependentes – pelo que não configura a previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º, do Cód. Penal. [Nesse sentido, Assento n.º 7/2000 (quando afirma: “(…) a expressão «espaço fechado» a que se reportam a alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º deste diploma e a alínea e) do n.º 2 do mesmo normativo não poderá deixar de ser compreendida com o significado restrito de lugar dependente de casa”); Ac. STJ de 15.06.2000, proc. 00P182, in www.dgsi.pt; Ac. STJ 01.06.2005, proc. n.º 2362/04 - 3.ª Secção, Antunes Grancho (relator), in www.stj.pt; Ac. STJ de 23.02.2005, in CJ-STJ, I, pág. 207; tb AcRP de 13.06.2012 [Joaquim Gomes], AcRG de 22.02.2010 e AcRC de 14.05.2008, todos in www.dgsi.pt. Na doutrina, Faria Costa, Comentário Conimbricense, Parte Especial, tomo II, em anotação aos artigos 202º e 204.º; e Código Penal Anotado, Leal-Henriques e Simas Santos, 3ª ed., 2º volume, Parte Especial, onde se refere: “(…) a expressão ‘espaço fechado’ constante da al. f) do n.º 1 e da al. e) do n.º 2, passou a ter de ser compreendida com o sentido restrito de ‘lugar fechado dependente de casa’ (…)”.
21. Concluímos, pois, que a conduta do recorrente é suscetível de integrar a prática, em coautoria, de um crime de Furto, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 22.º, e 23.º, n.º 2, do Cód. Penal.
22. Apesar de não terem recorrido da sentença, a alteração da incriminação aproveita aos restantes arguidos na medida em que são coautores – artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Penal.
23. Importa, portanto, rever as penas aplicadas a cada um dos arguidos. Aderimos, por inteiro, às considerações gerais e individualizadas expandidas na sentença recorrida acerca deste item, que aqui damos por reproduzidas.
24. Atenta a natureza dos factos, optamos pela aplicação de penas de multa por consideramos que estas realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 70.º, do Cód. Penal].
25. Em resultado da atenuação especial da pena, determinada pelo artigo 23.º, n.º 2, do Cód. Penal, a moldura da multa situa-se entre 10 dias e 240 dias [artigo 73.º, alínea c), do Cód. Penal].
26. Tendo em consideração o baixo valor dos bens objeto da tentativa de furto e terem sido recuperados, a circunstância de os arguidos E… e F… terem confessado os factos, as condições pessoais de cada um dos arguidos, a sua situação económica, os antecedentes criminais detalhados (ausência de, no caso do arguido F…) e as exigências de prevenção geral — julgamos justas e adequadas as seguintes penas:
● arguido B… (recorrente) – a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz a quantia de 600 €:
● arguido E… - a pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz a quantia de 250 €:
● arguido F… - a pena de 20 dias de multa, à taxa diária de 5 €, o que perfaz a quantia de 100 €.
27. É o que se declara.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – procedência parcial do recurso [artigo 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal].

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
Conceder parcial provimento ao recurso interposto, condenando os arguidos pela prática, em coautoria, de um crime de Furto, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 22.º, e 23.º, n.º 2, do Cód. Penal, nas seguintes penas:
o arguido B… (recorrente) – na pena de 120 [cento e vinte] dias de multa, à taxa diária de 5 € [cinco euros], o que perfaz a quantia de 600 € [seiscentos euros];
o arguido E… – na pena de 50 [cinquenta] dias de multa, à taxa diária de 5 € [cinco euros], o que perfaz a quantia de 250 € [duzentos e cinquenta euros];
o arguido F… – na pena de 20 [vinte] dias de multa, à taxa diária de 5 € [cinco euros], o que perfaz a quantia de 100 € [cem euros].
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 11 de julho de 2012
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade