Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
229/11.6TTLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
GRAVAÇÃO DE IMAGENS
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RP20130204229/11.6TTLMG.P1
Data do Acordão: 02/04/2013
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O empregador não pode, em caso algum, utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
II - Mas já é lícita a utilização desse equipamento quando o mesmo tiver por finalidade o controlo da organização produtiva, numa perspetiva de proteção e segurança de pessoas e bens.
III - Só neste último caso, e não no primeiro, pode haver necessidade de harmonizar o direito do trabalhador com os demais interesses em confronto, uma vez que o controlo da organização produtiva é suscetível, ainda que incidentalmente, de permitir a verificação da conduta e desempenho do próprio trabalhador.
IV - A licitude da utilização de meios de vigilância à distância não depende apenas dessa concreta ponderação material de interesses divergentes, mas igualmente da verificação das condições e procedimentos objetivos previstos no artº 20º nº3 e 21º do Código do Trabalho.
V - Sendo imputado pelo empregador ao trabalhador a prática de um ilícito disciplinar por violação do dever de lealdade, passível de integrar igualmente um crime de furto, é de admitir a exibição em audiência de julgamento das gravações de imagens num caso em que está alegado, sem impugnação, que o estabelecimento onde ocorreu aquele ilícito está a vídeovigilância autorizada pela CNPD, a existência e funcionamento desse sistema foi participado ao trabalhador, está devidamente publicitado por dois dísticos afixados nesse estabelecimento e o dito sistema foi implementado com vista a salvaguardar os bens e produtos à venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº 229/11.6TTLMG.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
1- B…, residente no …, …, .º esq., Peso da Régua, intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra C…, Ldª, com sede no …, Peso da Régua, alegando, em breve resumo, que, desde 01/09/1990, trabalhou para esta sociedade, como funcionária polivalente, num mini-mercado pela mesma explorado.
Exerceu essas funções até 12/04/2011, data em que lhe foi comunicada a instauração pela Ré de um procedimento disciplinar que culminou com o seu despedimento, de que teve conhecimento no dia 31/05/2011.
Sucede que, do seu ponto de vista, este despedimento é ilícito, por se basear em factos que não se passaram nos termos descritos pela Ré.
Pretende, assim, que se declare nulo o referido despedimento e que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 18.400,00€, correspondentes aos créditos de que se acha titular, aos diversos títulos que indica.
2- Contra esta pretensão manifestou-se a Ré, porquanto, a seu ver, o despedimento da A. foi baseado em factos ilícitos pela mesma praticados juntamente com a sua mãe, que, como resulta das imagens do sistema de videovigilância instalado no aludido estabelecimento, se apropriaram de bens nele existentes sem pagar o correspondente preço.
Defende, assim, que o despedimento da A. foi levado a cabo por justa causa e, consequentemente, porque não reconhece nenhum dos créditos de que aquela se diz titular, pede a improcedência desta ação.
3- A A. respondeu para, essencialmente, impugnar, por um lado, a recolha e utilização das referidas imagens do sistema de videovigilância para efeitos disciplinares e, por outro, para reconhecer o pagamento da sua remuneração referente ao mês de maio de 2001.
4- Dispensada a audiência preliminar, o processo prosseguiu para a audiência de discussão e julgamento, no inicio da qual a Ré requereu o visionamento das imagens captadas pela câmara de videovigilância instalada no seu estabelecimento, ao que a A. não se opôs.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
“É vasto o entendimento da nossa jurisprudência, quer ao nível do Supremo, quer ao nível das Relações, no sentido de não permitir a utilização da gravação de vídeovigilância como meio de prova de uma infração disciplinar por parte de um trabalhador.
Tal entendimento baseia-se no artº 20º do Código do Trabalho e nos artºs 26º, nº 1 e 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
Em resumo, tem-se entendido que o princípio da proporcionalidade não permite a proteção do interesse económico do empregador (em casos de desvio de produtos, como o que está em causa nestes autos) em detrimento do direito à imagem e do direito à reserva da vida privada.
De resto, no caso concreto, apesar de se ter demonstrado a existência da necessária autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados, nada se refere quanto à autorização da própria trabalhadora.
No mesmo sentido, Acórdão de 19-08-2008, do Tribunal da Relação de Lisboa, do Supremo Tribunal de Justiça de 08-02-2006, do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2006, do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2007 e a nível doutrinal, Guilherme Dray, Justa Causa e Esfera Privada, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. II, Almedina, 2001, páginas 81 e ss. e, ainda, Isabel Alexandre, Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, 1998, páginas 233 e ss.
Face ao exposto, indefere-se o requerido.
Notifique”.
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5- A audiência de julgamento prosseguiu, mas, no final da sessão que teve lugar no dia 17/04/2012, foi proferido o seguinte despacho:
“Terminada a inquirição da testemunha D…, fui informalmente informado pelo Il. mandatário da Ré de que o mesmo pretendia apresentar um requerimento com vista à possível visualização de uma gravação de videovigilância relativa ao dia em que supostamente a mãe da Autora terá pago os produtos ao sócio gerente da Ré, E….
Face ao adiantado da hora, o Tribunal considera oportuna a suspensão dos trabalhos e a concessão de um prazo de 48 horas para que o Il. mandatário da Ré apresente nos autos, por escrito, o requerimento a que se fez alusão.
Posteriormente, concedo o prazo de mais 48 horas para que a Autora se pronuncie quanto ao requerimento.
Após, o Tribunal irá decidir por um de dois caminhos:
- Deferindo-se o requerimento, a audiência continuará com a visualização das imagens e nova inquirição da testemunha D…;
- Indeferindo-se o requerimento e estando finda a fase de produção de prova, a audiência prosseguirá com as alegações finais.
De qualquer forma, desde já se designa o próximo dia 26 de abril de 2012, às 15:00 horas para a continuação da audiência de discussão e julgamento, destinando-se a mesma a cumprir um dos desideratos supra enumerados.
Notifique.
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6- Inconformada com o despacho proferido na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 26/03/2011, que, como vimos, indeferiu o visionamento das imagens captadas pela câmara de videovigilância, a Ré interpôs recurso para este tribunal, concluindo o seguinte:
“PRIMEIRA CONCLUSÃO:
1.: Confrontado perante o requerimento da Ré de visionamento de gravações captadas pelo sistema de videovigilância e para prova dos factos que a Ré alegou em sua defesa e que, na sua ótica, são integradores da justa causa invocada para o despedimento, o Meritíssimo Senhor Juiz não deveria indeferi-lo sem prévio visionamento das imagens e com o fim de aferir qual a finalidade da instalação da câmara de videovigilância, ou seja se a finalidade é a prevista no nº1 do artº 20º do Cod. Trabalho, ou antes a prevista no seu nº2.
2.: Só após esse visionamento, é que o Meritíssimo poderá decidir admitir a produção da prova e considerando a finalidade apurada; e se considerar que a finalidade é a prevista no nº2 do artº 20º do Cod. Trabalho terá que decidir e fundamentar se, sendo a instalação legal (hipótese prevista no nº2), a mesma pode ser admitida para prova da conduta indisciplinada imputada à Ré e no caso de do seu visionamento resultarem os factos alegados como integrando a justa causa de despedimento, que foram captados por uma câmara cuja finalidade não era a prevista no nº1 do citado artº 20º, antes sendo a prevista no nº2.
3.: No douto despacho recorrido fez-se uma interpretação errada da conjugação dos nº 1 e 2 do artº 20º do Código do Trabalho, os quais, salvo melhor opinião de V. Ex.Cias, deveriam ser interpretado no sentido supra mencionado, nomeadamente: (a) visionamento prévio, (b) decisão de admissão, ou não, conforme a finalidade da instalação, (c) caso se opte no sentido de que a câmara de videovigilância obedece, na sua instalação, à finalidade do nº2 do artº 20º do Código do Trabalho, decidir sobre se, mesmo nesta hipótese, deve, ou não ser admitida como prova dos factos integradores da conduta imputada à A. e justificativa da sanção disciplinar apurada.
SEGUNDA CONCLUSÃO:
1.: A A. foi confrontada por três vezes (a saber.: (a) no âmbito do processo disciplinar, (b) no âmbito do presente processo por altura da notificação da contestação da Ré, (c) aquando do requerimento da Ré apresentado na sessão da audiência de julgamento de 26/03 e que deu origem ao despacho de que ora se recorre) com a gravação das imagens captadas pela câmara e sempre referenciadas como destinadas a provar os factos que foram objeto do processo disciplinar e, depois, do seu despedimento com alegação de justa causa.
2.: A A., em nenhuma daquelas circunstancias alegou a nulidade de tal prova e nunca se opôs à mesma.
3.: Aliás, desenvolveu uma estratégia de defesa que parte da aceitação das mesmas e que, em resumo, é: como tinha perfeito conhecimento de que estava a ser objeto de videovigilância, não podia ter praticados os factos que lhe são imputados com a intenção que lhe é atribuída; por isso, a gravação das imagens também é útil à sua linha de defesa.
4.: Os direitos à imagem e à reserva da vida privada são suscetíveis de autolimitação desde que a mesma não contrarie princípios de ordem publica, os quais, no caso concreto, não se mostram violados e, aliás, tal nem vem referido no douto despacho de que se recorre.
5.: Se no circunstancialismo supradescrito, se verificou autolimitação daqueles direitos de personalidade, a mesma é legal e no interesse da própria A. e considerando aquela sua linha de defesa.
6.: Assim sendo, não se verificou qualquer nulidade de que o Tribunal devesse conhecer oficiosamente, pelo que o Meritíssimo Senhor Juiz não deveria ter indeferido o requerimento de visualização das imagens captadas, pelo que o despacho impugnado não aplicou o artº 81-1 do Cod. Civ. e sob a interpretação de que a limitação voluntária dos direitos de personalidade é válida desde que consentida pelo titular, como aqui aconteceu com a A., e uma vez que não se verifica, nem vem invocada no despacho a violação de “princípios da ordem publica””.
7- Respondeu a A., pugnando pela improcedência deste recurso.
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8- Entretanto, no dia 19/04/2012, a Ré veio requerer a junção aos autos das imagens captadas no dia 31/03/2011 e nos dois dias anteriores em que o seu estabelecimento esteve aberto ao público, com vista a demonstrar que a mãe da A., ao contrário do que afirmou não pagou os produtos que levara no dia 21/03/2011.
9- Contra esta pretensão, manifestou-se a A. considerando que este pedido é intempestivo e inadmissível.
10- Igual entendimento foi perfilhado pelo tribunal recorrido no despacho que proferiu no dia 24/04/2012.
11- A audiência de julgamento prosseguiu com a publicação dos factos provados, não provados e respetiva fundamentação, a que se seguiu sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à autora:
“- A quantia de € 12.480,00, a título de indemnização por antiguidade pelo despedimento ilícito ocorrido em abril de 2011, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
- A quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença a título de retribuições que a autora deixou de auferir desde 31 de maio de 2011 até ao trânsito em julgado da presente decisão à razão de € 576,00 mensais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da liquidação até efetivo e integral pagamento;
- A quantia de € 1728,00, relativa a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos em 1 de janeiro de 2011, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”;
Quanto ao mais, absolveu a Ré das quantias pedidas.
12- Inconformada com esta sentença e com o despacho proferido no dia 24/04/2012, a Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“Primeira conclusão:
1.: O prazo de 48h concedido na audiência do dia 17/04 para a Ré/Recorrente formalizar em requerimento escrito a sua pretensão de visualização de imagens captadas em 31/03/2011 pelo sistema de videovigilância, tem que ser havido como prazo de dois dias, pelo que tendo o requerimento dado entrada nos autos, via Citius em 19, foi apresentado dentro do prazo assinalado.
2.: Mas se assim não fosse, então seria, apenas, caso para aplicação do artº 145-5-a) e 6. do CPC (pagamento de multa por atraso de um dia).
3.: Ao recusar o requerimento por extemporâneo o Meritíssimo Senhor Juiz não aplicou, como devia, o artº 279- d) do Cod. Civ, ou, pelo menos, aquelas citadas normas do CPC.
4.: O requerimento para visualização das imagens captadas pelo sistema de vídeovigilância e que tem por objeto o dia 31/03/2011 não tem por objeto imagens que tenham a ver com a atuação laboral direta da A., mas apenas com o facto de nesse dia ter ocorrido, ou não, o pagamento por terceira pessoa, sua Mãe e testemunha F…, dos produtos que no dia 21 levara do estabelecimento, e para aferir da credibilidade dos testemunhos dela e de D…, em sentidos opostos.
5.: Ao recusar o visionamento daquelas imagens o Meritíssimo Senhor Juiz aplica ao caso concreto, mas erradamente, o artº 20º-1 do Código do Trabalho.
SEGUNDA CONCLUSÃO: o Meritíssimo Senhor Juiz avaliou de forma deficiente os depoimentos prestados pelas duas testemunhas que fundamentaram a resposta ao quesito 1º (artº 1º da p.i.) e no seu segmento em que refere que o contrato de trabalho entre a A. e a Ré se iniciou em 01/09/1990, pois que ambos são depoimentos que, no fundo, apenas referem que a relação laboral era antiga, desde há cerca de 20 anos, o que não é compatível com a resposta tão precisa dada pelo Meritíssimo (“01 de setembro de 1990”); “há cerca de 20 anos”, também podem ser os 18 que a própria Ré confessou.
TERCEIRA CONCLUSÃO: os factos provados na sentença sob os nº 15 a 19 impõe que por aplicação da alínea b), do nº 1, do artº 712 do CPC, sejam dados como provados os factos a que se reportam os quesitos 22º e 23º da contestação, e, se assim acontecer, como se espera, a matéria factual deles constante será aditada à fundamentação de facto; ocorrendo esta alteração, ficará totalmente provada toda a matéria que fundamentou o despedimento da A. e afastada a pretendida e antes decretada ilicitude do despedimento”.
13- Em resposta, a A. pugna pela manutenção do decidido.
14- Já neste Tribunal, o Ministério Público, suscitou, como questões prévias, o erro na forma de processo e o modo de subida do recurso do despacho proferido no dia 26/03/2011, que, a seu ver, deveria subir em separado, propondo, por um lado, que se determine a correção da forma processual adotada e, por outro, o regresso dos autos à primeira instância para organização do translado com vista à instrução daquele recurso.
15- Sobre este parecer pronunciou-se a A., concluindo que o mesmo deve ser julgado “improcedente” e confirmada a sentença recorrida.
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II- Questões prévias:
Como vimos, o Ministério Público, suscitou, como questões prévias, o erro na forma de processo e o modo de subida do recurso do despacho proferido no dia 26/03/2011, que, a seu ver, deveria subir em separado. E propõe que estes vícios processuais sejam sanados, determinando, por um lado, a correção da forma processual adotada e, por outro, o regresso dos autos à primeira instância para organização do translado com vista à instrução daquele recurso.
Cremos, no entanto, que estas soluções não são de adotar.
A primeira, porque é intempestiva; e a segunda, porque, a nosso ver, é inoportuna.
Vejamos:
É consensual entre as partes, e também já foi julgado provado pelo tribunal recorrido (pontos 4 a 6 do capítulo dos factos provados exarados na sentença recorrida), que a relação laboral mantida entre aquelas terminou por despedimento formal que a Ré transmitido à A., no dia 31/05/2011.
Por conseguinte, tratando-se de uma comunicação escrita de despedimento, a ação própria para o questionar seria a de “…impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”, regulada nos artºs 98º-B a 98º-P do C.P.Trabalho[1], que se inicia “com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento…”.
A A., porém, nem usou este formulário, nem escolheu a ação própria. Isto porque deu inicio à presente demanda através da apresentação de uma petição inicial, na qual expressamente declarou pretender “instaurar ação emergente de contrato de trabalho, em processo comum”. E assim foi processada até esta data.
De modo que é patente o erro na forma de processo.
Sucede, porém, que a nulidade decorrente desse erro só pode conhecida oficiosamente pelo tribunal até à sentença final. Isto, se não houver, como não houve neste caso, despacho saneador, pois, se o houver, é esse o limite (artº 206º nº2 do C.P.Civil). E as partes também só podem arguir tal nulidade até à contestação ou neste articulado (artº 204º nº1 do C.P.Civil).
Por conseguinte, é manifesto que a referida nulidade não pode ser apreciada nesta sede e momento processuais.
E quanto ao recurso da decisão proferida pelo tribunal recorrido no dia 26/03/2011, é verdade que esse recurso devia ter sido instruído e admitido como apelação com subida imediata em separado e efeito meramente devolutivo (artº 79º-A nº 2 al. i) do C.P.Trabalho, com referência ao artº 691º nº2 al. i) do C.P.Civil, e artº 83º nº1 e 83º-A, nº2 do C.P.Trabalho).
Todavia, como já foi referido no despacho liminar do relator, cremos que, nesta fase, não se justifica o regresso dos autos à primeira instância para a instrução desse recurso em separado, uma vez que os demais recursos já se encontram nesta instância em fase de preparação para julgamento.
O aludido regresso, pois, além de implicar um nítido retardamento do indicado julgamento, representaria ainda um nítido desfasamento processual cujas consequências não são de menosprezar.
Daí que não se ordene esse regresso.
Em resumo, pois, não se adotarão as soluções propugnadas pelo Ministério Público.
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III- Âmbito do Recurso
Ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do C.P.Civil, “ex vi” do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do C. P. Trabalho. E, assim, as questões a decidir neste recurso são as seguintes:
a) Em primeiro lugar, saber se é admissível a produção da prova recolhida pela Ré através de câmaras de videovigilância.
b) Em segundo lugar, decidir se o requerimento para visualização das imagens captadas pelo sistema de vídeo vigilância e que tem por objeto o dia 31/03/2011 e os dois dias anteriores, é tempestivo e também se pode ser exibido.
c) Em terceiro lugar, averiguar se houve erro na apreciação da prova.
d) E, por fim, determinar se o despedimento da A. foi, ou não, ilícito e quais as consequências jurídicas e patrimoniais.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO
A) Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1- Em 1 de setembro de 1990 a autora foi contratada, verbalmente, para trabalhar ao serviço da ré, no estabelecimento comercial denominado “G…”, como funcionária polivalente, exercendo funções de atendimento e aconselhamento dos clientes, recebimento dos preços dos produtos escolhidos por estes e seu registo na caixa, talhante, reposição de stocks dos produtos vendidos, contagem e entrega do apuro diário e descarregar mercadoria da carrinha de transporte existente para o efeito, sempre, sob as suas ordens, direção e fiscalização.
2- Tarefas essas que cumpriu, regularmente, durante um horário normal de 8 horas diárias, normalmente das 9h00mn às 19h00mn, com repouso para o almoço.
3- A autora recebia como contrapartida do seu trabalho a quantia de € 576,00.
4- A autora exerceu as suas funções até ao dia 12 de abril de 2011, altura em que a ré, na pessoa do seu sócio E…, lhe enviou via CTT uma missiva comunicando-lhe a instauração do processo disciplinar deduzindo a respetiva nota de culpa, suspendendo-a de funções até à conclusão do respetivo processo.
5- A autora contestou a nota de culpa, arrolando prova testemunhal.
6- A ré enviou à autora uma missiva, que a mesma recebeu no dia 31 de maio de 2011, informando-a de que estava despedida com justa causa.
7- O estabelecimento comercial referido em 1., é sito numa loja ampla em rés do chão de edifício urbano, e dedicado ao comércio a retalho de produtos alimentares e outros, próprios para consumo doméstico.
8- Além da autora apenas se encontrava em permanência no estabelecimento o gerente, E…, e por vezes a esposa e/ou o filho deles para ajudas pontuais.
9- No referido minimercado os clientes procedem à escolha de produtos que pretendem adquirir em sistema de auto abastecimento e circulando livremente pela loja, após o que se dirigem à caixa onde, sob orientação e responsabilidade da autora, era contabilizado o valor final do preço a pagar por cada cliente, conforme os produtos por ele escolhidos.
10- O preço era pago à autora, registado e guardado na caixa registadora que se encontra na saída do estabelecimento.
11- A loja está sujeita a vídeo vigilância devidamente autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.
12- A existência e funcionamento deste sistema foi participado à Autora e está devidamente publicitado por dois dísticos, um na porta do estabelecimento e outro no seu interior, ambos em sítios bem visíveis e com os dizeres, “este estabelecimento está sob vídeo vigilância”.
13- Este sistema foi implementado com vista a salvaguardar os bens e produtos à venda, e nomeadamente evitar que os mesmos não fossem retirados das prateleiras pelos clientes e escondidos ou disfarçados de forma a serem transportados para o exterior do estabelecimento passando, dissimulados, pela caixa de pagamento final.
14- Considerou-se que dada a área da loja, a existência de prateleiras em filas paralelas e o facto de no estabelecimento só permanecerem duas pessoas, e por vezes só a autora, por motivo de ausência do gerente E…, aquele sistema de vídeo vigilância era adequado e proporcional à defesa dos bens que se encontram para venda.
15- No dia 21 de março, pelas 9h49mn, a mãe da Autora entrou no estabelecimento e, de seguida, a autora dirigiu-se à prateleira dos alhos e limões, recolheu alguns destes sem os pesar e registar e acondicionou-os num saco destinado a legumes, após o que meteu este saco num outro que era transportado por sua mãe.
16- De seguida a Autora dirigiu-se à arca frigorífica de onde retirou uma placa de polvo e o inseriu dentro de um saco de plástico.
17- A Autora pegou numa vela de cera e entregou-a à sua mãe que a inseriu num saco que transportava consigo.
18- Logo de seguida dirigiram-se para a porta das traseiras da loja.
19- Os produtos descritos supra não passaram pelo caixa final e os respetivos preços não foram registados nem pagos naquele dia.
20- A Ré instaurou à Autora um processo disciplinar, e corridos os respetivos termos a Autora veio a ser punida com a sanção de despedimento.
21- Foi contratada outra trabalhadora para exercer as funções que a Autora exercia.
22- A Ré já pagou à Autora, antes do início da presente ação, o ordenado respeitante ao mês de maio.
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B – Da admissíbilidade de produção da prova recolhida pela Ré por meio de câmaras de videovigilância:
Esta questão surge porque o tribunal recorrido proibiu a exibição na audiência de julgamento das imagens gravadas através das câmaras de videovigilância instaladas pela Ré no estabelecimento comercial onde a A. trabalhava. E proibiu-a, apesar da A. ter declarado nessa audiência, nada ter a opor à dita exibição.
Importa, assim, aquilatar, nesta sede, se a referida proibição se deve reconhecer como juridicamente válida ou se, ao invés, deve ser autorizada a apresentação das citadas de imagens.
Para decretar a aludida proibição o tribunal recorrido baseou-se no disposto no artº 20º do Código do Trabalho e artºs 26º nº1 e 32º nº8 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como no entendimento jurisprudencial segundo o qual “o princípio da proporcionalidade não permite a proteção do interesse económico do empregador (em casos de desvio de produtos, como o que está em causa nestes autos) em detrimento do direito à imagem e do direito à reserva da vida privada”. E acrescentou que, “no caso concreto, apesar de se ter demonstrado a existência da necessária autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados, nada se refere quanto à autorização da própria trabalhadora”.
Vejamos se este entendimento é de manter.
A questão em apreço só surge porque a execução da relação contratual de trabalho implica o envolvimento da própria pessoa do trabalhador num regime de subordinação jurídica tendencialmente duradouro, que é suscetível de afetar os seus direitos fundamentais, quer como cidadão, quer como trabalhador.
Daí que haja necessidade de acautelar esses direitos e de os harmonizar com os interesses juridicamente relevantes dos demais intervenientes na relação de trabalho, entre os quais, os do próprio empregador.
Entre esses direitos, o nosso ordenamento jurídico dedica particular atenção aos direitos de personalidade do trabalhador, em que se inclui o seu direito à reserva da vida privada.
Desde logo, o artº 26º nº1 da CRP, assegura que a todos os cidadãos, e, portanto, também aos trabalhadores, é reconhecido o direito “à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
Todos devem, pois, “guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”, sendo a extensão dessa reserva “definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas” – artº 80º nºs 1 e 2 do C.Civil.
E é, justamente, por causa desta última relativização que o Código do Trabalho dedica expressa regulamentação a esta matéria, desenvolvendo diversas valências do direito à reserva da vida privada.
Assim, depois de enunciar esse direito como bem jurídico autónomo, e de concretizar alguns aspetos que integram a vida pessoal e intima do trabalhador e empregador (artº 16º), o aludido Código proíbe algumas das formas de controlo da atividade e atitudes daquele, por parte deste último, mediante os meios de vigilância à distância que a moderna tecnologia veio permitir (artºs 20º e 21º).
O artº 20º nº1 é bem explicito a este propósito quando dispõe que: “o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador” [o sublinhado é nosso].
Mas já é lícita a utilização desse equipamento quando o mesmo “tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem” – nº 2 [o sublinhado é nosso].
Ou seja, o dito equipamento pode ser utilizado para controlar os mecanismos inerentes ao processo produtivo e os bens que lhe estão associados, mas nunca o desempenho profissional do trabalhador.
Esta distinção é importante porque marca os limites dentro dos quais se pode falar em conciliação de direitos. Efetivamente, só no primeiro caso, e não neste último, pode haver necessidade dessa conciliação, uma vez que aquele controlo é suscetível, ainda que incidentalmente, de permitir a verificação da conduta e desempenho dos próprios trabalhadores. Nos demais casos, ou seja, quando são apenas a conduta e o desempenho dos trabalhadores que são objeto de vigilância, não há conciliação possível, porque lei proíbe esta última em termos absolutos.
As restrições, pois, aos direitos de personalidade do trabalhador devem ser equacionadas à luz das hipóteses contempladas no nº 2 do artº 20º do Código do Trabalho. Só nesses casos, repetimos, há necessidade de harmonização de direitos. Ou seja, “com a cedência recíproca e equilibrada dos direitos em confronto, ou através da prevalência do direito que, no caso concreto, se considera superior (artº 335º do CC)”. Assim, os direitos dos trabalhadores podem ter que ceder a interesses do empregador, que podem inclusivamente, concretizar direitos fundamentais deste (direito de propriedade sobre a empresa, ou o direito de livre iniciativa económica – artºs 62º, 80º c) e 86º da CRP), e mesmo direitos de personalidade do próprio empregador, ainda que a intensidade destas restrições extrínsecas varie em função de fatores como o tipo de organização laboral em questão e a atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador”[3].
A dita harmonização deve, assim, obedecer a princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação. “Qualquer decisão sobre a realização de controlo à distância da atividade laboral deve ser criteriosa, evitando-se que os benefícios que o empregador pretende obter sejam desproporcionados em relação ao grau de lesão que vai ser causado à privacidade dos trabalhadores”[4].
A licitude da utilização de meios de vigilância à distância, porém, não depende apenas desta ponderação material de interesses. Depende igualmente da verificação das condições e procedimentos objetivos previstos no artº 20º nº3 e 21º do Código do Trabalho, sem os quais a referida licitude fica também comprometida.
Além disso, é sempre necessário confirmar ainda[5] se, na prática, foi, ou não, respeitada, quer a mencionada ponderação de interesses, quer, desde logo, observadas as condições e procedimentos já mencionados. Isto porque pode haver um desvio entre o conteúdo do direito proclamado e as condições concretas em que o mesmo foi conferido ou é exercido. Seja por negligência, dolo, erro, ou outro motivo que conduza a igual resultado.
Mas, cumpridas que estejam todas verificações indicadas, temos para nós como líquido que os registos provenientes de tais meios de vigilância podem ser utilizados como meio de prova, seja em sede de procedimento disciplinar, seja em processo judicial subsequente com idêntico objeto. E no mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, o Ac. RE de 09/11/2010, Pº 292/09.0TTSTB.E1, Ac. RLx de 16/11/2011, Pº 17/10.7TTBRR.L1-4, Ac. RLx de 06/06/2012, Pº 18/09.8TTALM.L1-4, consultáveis em www.dgsi.pt.
Esta orientação não é, todavia, pacífica, como se colhe da leitura dos seguintes arestos: Ac. do STJ de 14/05/2008, Pº 08S643, Ac. RLx, de 03/05/2006, Pº 872/2006-4, Ac. RLx. de 19/11/2008, Pº 7125/2008-4, [sendo que em ambos os casos não havia autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)] e Ac. RP de 09/05/2011, 379/10.6TTBCL-A.P1, todos igualmente consultáveis em www.dgsi.pt.
A nossa opção, no entanto, está definida. Até porque, como referem os Ac. RE de 09/11/2010 e o Ac. RLx de 16/11/2011, já mencionados, uma das decisões jurisprudenciais mais citadas sobre o uso de sistemas de videovigilância nos locais de trabalho, o Ac. do STJ de 08/02/2006, proferido no Proc. 05S3139, consultável em ww.dgsi.pt, não tem aplicação a situações como a que estamos a analisar, na medida em que no caso aí ajuizado, o que se discutia era se uma empresa podia, ou não, manter em funcionamento câmaras de filmar/vídeo instaladas no local de trabalho e direcionadas para os trabalhadores, ocasionando uma contínua e permanente observação dos mesmos, o que foi considerado excessivo e desproporcionado.
Ora, na situação em apreço, o que está em discussão é saber se as gravações captadas por videovigilância podem, ou não, servir como meio de prova num processo judicial motivado por uma infração disciplinar.
Como defendeu David de Oliveira Festas – “O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no Código do Trabalho”, nota 121, ROA, Ano 64 - Vol. I / II - Nov. 2004, consultável em www.oa.pt, “A utilização da videovigilância como meio de prova é admissível nestes casos, antes de mais, porque encontrando-se preenchidos os pressupostos legais de utilização da videovigilância, esta configura um comportamento lícito, ainda que compressor do direito à reserva da intimidade da vida privada de quem seja objeto da vigilância”.
E acrescenta o mesmo autor “…admitida a videovigilância no local de trabalho para a prossecução de finalidades legalmente previstas, tal utilização dispensa o consentimento dos trabalhadores desde que feita para a prossecução das finalidades legalmente previstas. Depois, estranho seria que a videovigilância, instalada e utilizada, por exemplo, para a proteção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma atuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender. Assim, cumpre proteger pessoas e bens não apenas contra atos ilícitos de terceiros mas também de trabalhadores”[o sublinhado é nosso].
Mais: (…) seria abusiva a invocação do direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, (nos termos do art. 334.º do CC), para que este se pudesse prevalecer de comportamentos ilícitos. Em suma, o que o art. 20.º/1 do CT definitivamente veda é a utilização de meios de vigilância à distância tão só para controlar o desempenho profissional do trabalhador. Mas nada impede que, estando em causa uma das finalidades legalmente previstas, tal desempenho seja indiretamente controlado já que, verdadeiramente, o controle desse desempenho surge como uma consequência marginal relativamente à finalidade primordialmente prosseguida com a instalação de meios de vigilância à distância. Note-se que, verdadeiramente, não há aqui um desvio ao princípio da finalidade (que vale também nesta matéria, como acentua C. SARMENTO E CASTRO, A proteção dos dados pessoais dos trabalhadores, QL, 20, cit., p. 145). A finalidade continua a ser a proteção e segurança de pessoas e bens. Simplesmente, a punição disciplinar ou mesmo o despedimento do trabalhador poderão configurar uma forma de garantir a proteção e segurança de pessoas e bens” [os sublinhados continuam a ser da nossa responsabilidade][6].
Concordamos com esta perspetiva.
Dito isto, no entanto, esta conclusão não confere à Ré, por si só e desde já, o resultado probatório que a mesma almeja.
Com efeito, do ponto de vista formal, admitimos que se encontram reunidos os requisitos para exibição das imagens que a mesma colheu no seu estabelecimento no dia 21/03/2011.
Alegou a Ré (artºs 7º a 10º da contestação), sem impugnação, factos que vieram a ser julgados provados pelo tribunal recorrido (pontos 11 a 14 da matéria de facto), que nos permitem considerar liminarmente que a colheita das imagens cuja exibição lhe foi vedada por aquele tribunal, foi lícita. Ou seja, que:
“A loja está sujeita a vídeovigilância devidamente autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.
A existência e funcionamento deste sistema foi participado à Autora e está devidamente publicitado por dois dísticos, um na porta do estabelecimento e outro no seu interior, ambos em sítios bem visíveis e com os dizeres, “este estabelecimento está sob vídeo vigilância”.
Este sistema foi implementado com vista a salvaguardar os bens e produtos à venda, e nomeadamente evitar que os mesmos não fossem retirados das prateleiras pelos clientes e escondidos ou disfarçados de forma a serem transportados para o exterior do estabelecimento passando, dissimulados, pela caixa de pagamento final.
Considerou-se que dada a área da loja, a existência de prateleiras em filas paralelas e o facto de no estabelecimento só permanecerem duas pessoas, e por vezes só a autora, por motivo de ausência do gerente E…, aquele sistema de vídeo vigilância era adequado e proporcional à defesa dos bens que se encontram para venda”.
Ora, sendo pela Ré imputada à A. a prática de um ilícito disciplinar, por violação do dever de lealdade previsto no artº 128º nº 1 al. f) do Código do Trabalho, o qual é passível de integrar igualmente um crime de furto, não se vê como legitimar a recusa da apresentação de imagens que o visam comprovar.
Mas, como dissemos, é necessário ainda um segundo juízo que se prende com a avaliação concreta dessas imagens, sob os demais pontos de vista referidos. E quanto a esses, em que se inclui também o juízo probatório, é prematuro adiantá-los. O que significa, em breves palavras, que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que admita a visualização das ditas imagens em audiência de julgamento, com a consequente repetição de toda a prova já produzida, uma vez que a nulidade processual praticada impõe a anulação de todo o processado a partir do despacho impugnado, por imposição do preceituado no artº 201º nºs 1 e 2 do C.P.Civil.
Como tal, em decorrência dessa anulação, impõe-se a repetição de todo o julgamento, ficando prejudicado o conhecimento dos demais recursos interpostos nestes autos.
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V – DECISÃO
Pelas razões expostas, acordam os Juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto do primeiro despacho proferido na sessão da audiência realizada no dia 26/03/2012, pelo que se ordena, em consequência, que esse despacho seja substituído por outro que admita a prova requerida pela Ré (visionamento das imagens registadas em CD), seguindo-se, depois, a repetição da restante prova e demais termos subsequentes legalmente previstos.
-Porque esta solução é da responsabilidade da A., as custas são da responsabilidade da mesma, nas quais se condena - artº 446º nºs 1 e 2 do C.P.Civil.

Porto, 04/02/2013
João Diogo de Frias Rodrigues
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
José Carlos Dinis Machado da Silva (vencido, conforme entendimento subscrito no acórdão de 09-05-11, citado no acórdão em apreço)
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[1] Na versão aprovada pelo Dec. Lei nº 295/2009 de 13/10, que é aqui aplicável por força do seu artº 9º nº1 e artº 14º nº1 da Lei nº 7/2009 de 12/02.
[2] Cfr. neste sentido, Amadeu Guerra, A Privacidade no Local de Trabalho, As Novas Tecnologias e o Controlo dos Trabalhadores através de Sistemas Automatizados, Uma Abordagem ao Código do Trabalho, Almedina, 2004, pág. 363.
[3] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª ed. revista e atualizada, dezembro 2012, págs. 390 e 391.
[4] Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., pág114.
[5] Se necessário, jurisdicionalmente.
[6] Cfr. no mesmo sentido, além de outras constantes dos Arestos cuja orientação seguimos, também as referências doutrinais e jurisprudenciais citadas no também já mencionado Ac. RE de 09/11/2010, Pº 292/09.0TTSTB.E1, consultável em www.dgsi.pt.
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Sumário:
1- O empregador não pode, em caso algum, utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2- Mas já é lícita a utilização desse equipamento quando o mesmo tiver por finalidade o controlo da organização produtiva, numa perspetiva de proteção e segurança de pessoas e bens.
3- Só neste último caso, e não no primeiro, pode haver necessidade de harmonizar o direito do trabalhador com os demais interesses em confronto, uma vez que o controlo da organização produtiva é suscetível, ainda que incidentalmente, de permitir a verificação da conduta e desempenho do próprio trabalhador.
4- A licitude da utilização de meios de vigilância à distância não depende apenas dessa concreta ponderação material de interesses divergentes, mas igualmente da verificação das condições e procedimentos objetivos previstos no artº 20º nº3 e 21º do Código do Trabalho.
5- Sendo imputado pelo empregador ao trabalhador a prática de um ilícito disciplinar por violação do dever de lealdade, passível de integrar igualmente um crime de furto, é de admitir a exibição em audiência de julgamento das gravações de imagens num caso em que está alegado, sem impugnação, que o estabelecimento onde ocorreu aquele ilícito está a vídeovigilância autorizada pela CNPD, a existência e funcionamento desse sistema foi participado ao trabalhador, está devidamente publicitado por dois dísticos afixados nesse estabelecimento e o dito sistema foi implementado com vista a salvaguardar os bens e produtos à venda.

João Diogo de Frias Rodrigues