Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3426/11.0TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
FALTA DE REALIZAÇÃO DE OBRAS NO LOCADO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
Nº do Documento: RP201403243426/11.0TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 03/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 428º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Não pode invocar a exceção de não cumprimento do contrato, alegadamente por o senhorio não ter procedido a obras no imóvel locado, o arrendatário que, anteriormente, deixou de pagar qualquer renda e continua a habitar esse imóvel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): Não pode invocar a exceção de não cumprimento do contrato, alegadamente por o senhorio não ter procedido a obras no imóvel locado, o arrendatário que, anteriormente, deixou de pagar qualquer renda e continua a habitar esse imóvel.

Processo 3426/11.0TBVNG-A.P1

Recorrentes – B… e C…
Recorridos – Habilitadas de D… e E…
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório:
1.1 – O processo na 1.ª instância
B… e C… vieram deduzir oposição à execução que lhes foi movida por D… e E…. Pretendendo que se dê como provado o que alegam e daí se retirem os pertinentes efeitos jurídicos na execução, alegam, ora sumariamente, o seguinte:
- Entre exequentes e executado foi outorgado contrato de arrendamento, destinado a habitação. Porém, desde 2008, os executados estão impedidos de usar e fruir o arrendado na sua plenitude: O arrendado padece de vício estruturais (impossibilidade de acesso às garagens, garagem com água a escorrer, teto da cozinha com humidade, humidade nas paredes da casa de banho e quartos) que são conhecidos dos exequentes, tendo estes sido objeto de diversas interpelações, em particular de Notificação Judicial Avulsa (doc. 1).
- Verificam-se, assim, os pressupostos do artigo 428 do C.C. Um dos motivos para os exequentes não concretizarem das obras é vencer os executados pelo cansaço e desespero e a falta de condições de salubridade e segurança provoca aos oponentes tristeza e problemas de saúde, bem como ansiedade.

Foi recebida a oposição e deu-se conta aos autos do falecimento do exequente marido. Habilitadas as herdeiras da parte falecida, vieram contestar a oposição. Em síntese, e conforme fls. 50 e ss., disseram:
- Os oponentes sempre usufruíram da fração na sua plenitude, habitando na mesma sem qualquer interrupção e os exequentes sempre realizaram no arrendado todas as obras necessárias à sua habitabilidade. Desconhecem qualquer defeito do arrendado e repararam todas as anomalias.
- A notificação judicial avulsa junta como doc. 1, só foi notificada aos senhorios em 12 e 21 de março de 2011. Por sua vez, os executados foram notificados em 30.11.2010 da notificação judicial avulsa que denunciava do contrato por falta de pagamento de rendas. Assim, a denúncia do arrendamento operou-se em 2.03.2011, antes de os exequentes receberem a notificação junta como doc. 1. Além disso, os executados já deviam rendas de 2009, e só muito posteriormente se lembraram de invocar justificação para não as pagarem.
- A existirem defeitos no arrendado provêm do rés do chão direito, primeiro e segundo andar direito, todas da propriedade de F… e G…, e não da inércia dos exequentes. Independentemente disso, os executados continuam a viver no arrendado, pelo que não podem deixar de pagar renda, quando muito requeriam a redução desta.

Foi designada uma tentativa de conciliação e a instância foi suspensa por vontade das partes (fls. 68/69). No prosseguimento dos autos, foi proferida a decisão de fls. 74/80, na qual, depois de fixado o valor da causa (3.240,00€) e a matéria de facto relevante, aplicando o direito, o tribunal decidiu: "julgo a oposição à execução improcedente e determino o prosseguimento da execução".

1.2 - Do recurso:
Inconformados, os oponentes vieram apelar. Pretendem a revogação da sentença e que os autos prossigam com a produção da prova que entendem necessária a uma boa decisão da causa. Formulam as seguintes conclusões:
1 - Os autos tiveram a sua génese numa ação executiva para entrega do locado, com fundamento no estatuído nos artigos conjugados 15.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro e 1083.º, n.º 3 e 1084.º, n.º 3 do C.C.
2 - Ao que, citados do referente teor, apresentaram os recorrentes Oposição à Execução, nos termos e para efeitos do artigo 860.º e 731.º do C.P.C.
3 - Assim e ao abrigo dos mesmos, atento o facto de o título executivo não ser uma sentença, aos recorrentes era legítimo invocar todos os fundamentos invocáveis em sede de processo de declaração, tanto mais que atenta a tramitação em causa, nem sequer é permitido a formulação de pedido reconvencional.
4 - Face a tais factos, assim alegados e na humilde opinião dos recorrentes, não poderia a Exma. Sra. Juiz "a quo" ter julgado improcedente a oposição, sem proceder à produção de prova indicada, nos termos do artigo 596.º e 2.º a 5.º do C.P.C, incorrendo assim em nulidade, no seguimento do artigo 615.º do C.P.C., uma vez que a sentença conheceu prematuramente do mérito da ação, num momento em que os factos provados lhe não permitiam dele ajuizar, por ter abarcado na enunciação consequências de direito, cujos factos para serem legalmente tidos por provados haveriam de integral a base instrutória e serem submetidos a prova.
5 - Ora, e mesmo que assim se entenda e pelo facto de ser em sede de oposição que os executados podem exercer todos os seus direitos de defesa, seria nesta sede que se teria que avaliar, aquando da produção de prova, designadamente pericial, qual o montante das rendas devido e se algum seria devido.
6 - Aquando da prolação da sentença, a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo" não estava s.m.o. habilitada para aferir da legitimidade por parte dos exequentes em recorrer à presente ação executiva, desde logo por desconhecer se nos períodos invocados os recorrentes se encontravam ou não a fruir do arrendado ou se em algum momento deixaram de o ocupar, por razões atinentes à falta de condições ou mesmo se não pagaram alguma renda, por terem despendido valores com reparações, factos que a resultarem demonstrados poderiam levar à conclusão de que as rendas não seriam devidas.
7 - De notar que nos termos do artigo 1048.º do C.C. é possível fazer caducar o direito à resolução e, nessa conformidade, a oposição à execução é expediente processual que o executado poderia usar (art. 929.º do C.P. Civil). Ao pronunciar-se nos termos indicados ("até ao termo do prazo para oposição à execução"), sabia do que se tratava, devendo-se, pois, concluir, que o legislador quis dar ao arrendatário nova oportunidade de purgar a mora – cf. Ac. STJ de 12/06/2011. Ora, invocando os recorrentes a existência de fundamento legal para a omissão de pagamento, qual o valor a pagar, para assim por termo à mora? S.m.o., entendem os recorrentes que tal matéria deveria ser objeto de comprovação, cuja sentença de improcedência com preterição dos meios de prova apresentados, impediu, consubstanciando nulidade que expressamente se invoca.
8 - Mais entendem os recorrentes que quando a situação de incumprimento do senhorio é de tal forma grave, como é o caso, podem os arrendatários suspender o pagamento das rendas, sob pena de abuso de direito por parte do locador, nos termos do artigo 334.º do C.C. O facto de impor o senhorio aos arrendatários a obrigação de pagamento de renda, quando o próprio senhorio culposamente e conscientemente não cumpre com as suas obrigações, consubstancia uma situação de abuso de direito por parte deste.
9 - De facto, a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo" só perante a apreciação e ponderação casuística poderia julgar como legítimo o recurso à ação executiva, uma vez que os factos alegados pelos recorrentes, a saber: a) desde o ano 2008 que os mesmos interpelam os recorridos para a realização de obras (art 3.º); b) que estes se comprometeram a suprir os vícios (art. 15.º); c) tanto mais que tiveram conhecimento que os exequentes pretendem o arrendado para familiares, sendo um dos motivos para a não realização das obras (art. 21.º e 22.º); d) que impedem totalmente a sua utilização (art. 27.º), a resultarem provados, seriam, s.m.o., mais que suficientes para fundamentar a aplicação do artigo 334.º do C.C., sem prejuízo do equilíbrio das prestação e julgamento com base na equidade, por parte do Exmo. Sr. Dr. Juiz "a quo", considerando, aliás, o arrendatário como parte negocial mais fraca.

Os recorridos responderam ao recurso e, em síntese conclusiva, disseram: A - Como os executados não pagaram as rendas vencidas em dezembro de 2009 e janeiro a novembro de 2010, o arrendamento foi resolvido por falta de pagamento de rendas, através de notificação judicial avulsa comunicada em 30.11.2010. B - Os executados não puseram fim à mora nem entregaram o locado. C - Invocaram defeitos no arrendado e que não o podem usar na plenitude, mas continuaram a habitar o mesmo sem pagaram renda. D - Face a tal, os exequentes viram-se obrigados a propor uma execução para entrega de coisa certa. E - Os executados deduziram oposição. F - O Tribunal considerou que estavam reunidos todos os pressupostos para decidir, o que fez. G - Os executados invocam defeitos no arrendado, mas residem no mesmo há mais de três anos sem pagarem renda, usufruindo do mesmo na sua plenitude e sem interrupção. H - Os exequentes sempre realizaram obras quando eram necessárias, pelo que é estranho que invoquem não terem acesso à garagem e cave devido a umas pequenas rachadelas no pavimento, entretanto já reparadas, quando nunca foram comunicadas infiltrações internas ou externas. I - Só depois de ter sido operada a resolução é que os executados vêm invocar defeitos, estando com rendas em atraso há cerca de ano e meio, pelo que não existiu qualquer exceção de não cumprimento. J - A existirem defeitos na fração, os mesmos advêm das frações autónomas sitas no rés do chão, primeiro e segundo andares, lado direito, propriedade de F… e G…, contra quem intentaram uma ação de condenação. L - Como não foi cumprida a sentença, os executados intentaram execução para prestação de facto. M - Assim, a existiram defeitos no arrendado, provêm das frações propriedade de terceiros, continuando os executados a residir na fração em causa sem pagarem renda, ou terem requerido qualquer redução. N - Na sentença é referido que a invocada falta de realização de obras tenha comprometido o gozo do locado, e mesmo que houvesse privação ou diminuição do gozo da fração, os arrendatários apenas teriam direito à redução da renda. O - Assim, houve um incumprimento por parte dos arrendatários, pelo que estes não podem invocar em sua defesa a falta de realização de obras por parte do senhorio, continuando a fazer uso do locado. P - Tais factos invocados pelos executados não constituem causa impeditiva da obrigação exequenda. Q - Os autos tinham todos os elementos necessários à decisão da causa.

O recurso foi recebido nos termos legais e (atenta a natureza da questão a resolver) foram dispensados os Vistos. No despacho que recebeu o recurso, a 1.ª instância sustentou: "Na 7.ª conclusão das alegações de recurso, os recorrentes arguiram a nulidade da sentença. Malgrado as doutas considerações do reclamante, afigura-se que a sentença não padece de tal vício" e, entretanto, os recorrentes vieram informar os autos "que até à presente data não obtiveram despacho quanto ao pedido de proteção jurídica, requerido nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo". Nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso
Definido pelas conclusões dos apelantes, o objeto do recurso consiste em saber se o tribunal tinha de apurar os factos alegados pelos apelantes, pressupondo necessariamente que da prova destes podia resultar a extinção, ao menos parcial, da execução.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
A 1.ª instância deu como assente a seguinte matéria de facto[1], na qual fundamentou a decisão jurídica por si encontrada:
1 – H…, enquanto primitivo proprietário, celebrou com o executado B… em 1 de junho de 1974 um contrato, reduzido a escrito, mediante o qual o primeiro cedeu o gozo do imóvel a que corresponde agora a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua …, em Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 6966-A.
2 - Mediante notificação judicial avulsa concretizada em 30 de novembro de 2010, os exequentes comunicaram à executada a resolução do contrato por falta de pagamento das rendas vencidas em dezembro de 2009 e janeiro a novembro de 2010.

2.2 – Aplicação do direito
Definido o objeto desta apelação (1.3), importa fazer um prévio esclarecimento: Na conclusão 7.ª do seu recurso (e motivando a pronúncia feita no despacho que o admitiu) os apelantes dizem: "(…) é possível fazer caducar o direito à resolução e, nessa conformidade, a oposição à execução é expediente processual que o executado poderia usar (art. 929.º do C.P.Civil). Ao pronunciar-se nos termos indicados ("até ao termo do prazo para oposição à execução"), sabia do que se tratava, devendo-se, pois, concluir, que o legislador quis dar ao arrendatário nova oportunidade de purgar a mora – cf. Ac. STJ de 12/06/2011. Ora, invocando os recorrentes a existência de fundamento legal para a omissão de pagamento, qual o valor a pagar, para assim por termo à mora? S.m.o., entendem os recorrentes que tal matéria deveria ser objeto de comprovação, cuja sentença de improcedência com preterição dos meios de prova apresentados, impediu, consubstanciando nulidade que expressamente se invoca. Antes mesmo, na conclusão 4.ª, haviam escrito: "(…) não poderia a Exma. Sra. Juiz ter julgado improcedente a oposição, sem proceder à produção de prova indicada, nos termos do artigo 596.º e 2.º a 5.º do C.P.C, incorrendo assim em nulidade, no seguimento do artigo 615.º do C.P.C., uma vez que a sentença conheceu prematuramente do mérito da ação, num momento em que os factos provados lhe não permitiam dele ajuizar, por ter abarcado na enunciação consequências de direito, cujos factos para serem legalmente tidos por provados haveriam de serem submetidos a prova" (sublinhados nossos).

Ainda que apelidando de nulidade (mesmo que escassamente concretizada e sem subsunção em alguma das diversas hipóteses do artigo 615 do novo Código de processo Civil – CPC) a circunstância de o tribunal recorrido ter "preterido" os meios de prova, ou seja, ter decidido sem audiência de julgamento, o que os recorrentes alegam prende-se indelevelmente com o mérito da causa – e do recurso: trata-se de saber se o tribunal, com os elementos de facto então disponíveis, decidiu corretamente o mérito da causa e não se trata, por isso, não obstante a invocação dos recorrentes, de conhecer qualquer nulidade.

Um segundo e último esclarecimento: os recursos têm por finalidade reapreciar decisões e não – ressalvando excecionais e contados casos – apreciar questões novas. O que está em causa nesta apelação, por isso, é saber se, atento o alegado na oposição (não no recurso) o tribunal podia e devia decidir imediatamente do mérito da causa e, decidindo, se a solução encontrada é a correta.

A tal propósito, vejamos sucintamente, os fundamentos da decisão recorrida: "Resulta dos factos que o contrato invocado nos autos, tendo em conta o fim estipulado, se configura como um arrendamento para fins habitacionais. Ora constituem principais obrigações do locador, entregar ao locatário da coisa locada e assegurar o gozo desta para os fins a que a coisa se destina (…). Por sua vez, compete ao arrendatário, como primeira e principal obrigação, o pagamento da renda convencionada (…) Estas obrigações são sinalagmáticas (…) em tese, nada obsta à invocação da exceptio non adimpleti contratus, pelo inquilino para se eximir ao pagamento das rendas pela falta de cumprimento da obrigação de realização de obras, mas importa que pela falta de realização dessas obras tenha ficado irremediavelmente comprometido o gozo do locado, pois o sinalagma funcional entre as obrigações dos contraentes num contrato de arrendamento desenha-se entre as obrigações de pagamento da renda e de cedência do gozo da coisa (…) mesmo no caso de mera privação ou diminuição do gozo da coisa locada, o arrendatário apenas tem o direito de ver reduzida a renda, proporcionalmente ao tempo da privação ou diminuição e diminuição da extensão da coisa, tal como decorre do art. 1040.º, n.º 1, do Código Civil (…) Ora não ignorando jurisprudência que sustenta que a exceção do incumprimento do contrato não pode ser invocada pelo arrendatário para se recusar ao pagamento da renda perante a falta da realização de obras, esta posição da admissibilidade de invocação da exceptio tem vindo a ser admitida, neste pressuposto, isto é, de a falta de realização de obras pôr em causa o gozo da coisa (a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Coimbra de 18/7/06, proc. 1878/06 e o da Relação de Lisboa de 26/3/09, proc. 5983/06.4TVLSB, disponíveis na base da DGSI). Repare-se que, mesmo no caso em que o arrendatário se substitui ao senhorio, em situação de mora, na realização de obras, este tem o direito a operar a compensação entre o crédito da renda e a despesa com as obras, donde se tem de concluir que o direito à renda se mantém, é apenas objeto de compensação (…) veio invocar em sua defesa a falta realização de obras pelo senhorio. Independentemente da prova de tais factos (concretamente, que o locado apresenta os vícios que invoca – a impossibilidade de acesso às garagens por o passeio estar destruído, o aparecimento de humidades nas paredes da cozinha – donde verte água – casa de banho e quartos – arts. 7.º a 12.º da oposição), o certo é que os executados continuam a fazer o uso do locado, concretamente, continuam aí a residir, correspondo precisamente ao seu domicílio. Surgindo a exceção do incumprimento do contrato, que também pode funcionar no caso de mero cumprimento defeituoso (exceptio non rite adimpleti contractus), como um meio de coerção privada defensiva, a par do direito de retenção, dirigidos “a incitar e determinar o devedor a cumprir as suas obrigações” (cf. Calvão da Silva, ob. cit., pp. 231 e 244), ela pressupõe a reciprocidade das obrigações, isto é, da obrigação que o devedor se recusa cumprir perante o incumprimento da obrigação do seu credor. Não sendo esta a situação (…) é de concluir que não lhes assiste o direito a não proceder ao pagamento das rendas (…) Pelo exposto e independentemente da prova dos factos alegados, é de concluir que os mesmos não são o bastante para a procedência do fundamento de oposição".

Não podemos deixar de concordar com a fundamentação da decisão. Importa reter, para a afirmação dessa concordância, dois factos perfeitamente adquiridos e que se mostram bastantes à improcedência da pretensão dos recorrentes: os recorrentes não pagaram (e não pagam) a renda; habitam o locado, que lhes está arrendado para habitação.

O que os apelantes defendem é a faculdade de recusarem a sua prestação (pagamento da renda), porquanto o outro contraente, o senhorio, não efetuou a dele (cedência do gozo da coisa). Por isso, excecionam o não cumprimento do contrato (artigo 428 n.º 1 do Código Civil – CC), instituto previsto na nossa lei civil para os contratos (perfeitamente) bilaterais, como não deixa de o ser a locação, perspetivada precisamente na correspectividade entre a obrigação de entrega da coisa e do assegurar do seu gozo e a obrigação de pagamento da renda – José João Abrantes, A Exceção de não Cumprimento do Contrato, 2.ª edição, Almedina, 2012, págs. 38/41.

No entanto – e como nos parece resultar claro da sentença recorrida – nunca o não pagamento da renda (obrigação principal do arrendatário) podia encontrar justificação no alegado incumprimento do senhorio quando este (alegado incumprimento) não obsta nem obstou à possibilidade de gozo do imóvel por parte dos ora recorrentes. O que os apelantes alegam na sua oposição, mesmo que integralmente provado, não constitui fundamento bastante para o seu incumprimento, para o seu não pagamento das rendas. Por isso, os autos não tinham de prosseguir: já dispunham, atento o alegado pelos oponentes, de todos os elementos relevantes de facto que permitiam a decisão de mérito da oposição.

Por fim, apenas dizer que a invocação, feita pelos recorrentes, de que podem suspender o pagamento das rendas em casos como o que alegam, sob pena de abuso de direito pelo senhorio (ao exigi-las, naturalmente) não encontra qualquer fundamento neste instituto. Como se disse, a natureza das obrigações contratuais obsta a que o arrendatário possa deixar de pagar, sob a invocação de o senhorio não lhe proporcionar o gozo do imóvel (que continua a habitar). Não podendo, por isso, deixar de pagar; não podendo suspender a sua obrigação, como poderia ser abusivo exigi-la. Com todo o respeito, não vemos que assim possa ser.

Por tudo, a presente apelação é improcedente e deve confirmar-se a sentença recorrida.

As custas são devidas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário, caso lhes tenha sido ou venha a ser concedido.

3 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão proferida na 1.ª instância.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 24.03.2014
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
_______________
[1] Fundamentando esses factos do seguinte modo: "Os factos vertidos em 1) e 2) resultam assentes pelo teor dos documentos juntos aos autos principais a fls. 5 e 7, 12 a 18".
[2] Sublinhados nossos.