Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11074/11.9TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: RECOLHA DE DADOS PESSOAIS
SISTEMA JUDICIAL
ACESSO A DADOS
PESSOAS AUTORIZADAS
Nº do Documento: RP2013031311074/11.9TDPRT.P1
Data do Acordão: 03/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – A Lei 34/2009, de 14 de Julho, estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial adoptando regras sobre a recolha dos dados necessários ao exercício das competências dos magistrados e dos funcionários de justiça, bem como ao exercício dos direitos dos demais intervenientes nos processos jurisdicionais e da competência do Ministério Público.
II - Esta lei impôs, nomeadamente, a segurança do tratamento desses dados fazendo recair sobre o responsável pelo tratamento o dever de pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para os proteger, o que inclui impedir o acesso a pessoas não autorizadas.
III – Etimologicamente, “aceder” significa aproximar-se, abordar, aportar, encontrar, chegar e, no caso concreto, há-de traduzir a ideia da possibilidade de se comunicar com um dispositivo, meio de armazenamento, unidade de rede, de memória, registo ou arquivo, visando receber ou fornecer dados.
IV - O artigo 50° da Lei 34/2009, de 14 de Julho, pune o agente, pessoa não devidamente autorizada ou a quem o acesso está vedado, que aceda aos dados pessoais, definidos na lei, e que aja com dolo, em qualquer das suas modalidades.
V - Nos termos do artigo 29° da Lei 34/2009, de 14 de Julho, os técnicos superiores da Direcção Geral de Reinserção Social não constam do elenco das pessoas que têm acesso aos dados previstos no artigo 3° daquele acervo normativo, nomeadamente, a inquéritos em processo penal.
VI - No âmbito da assessoria técnica que prestam aos Tribunais, os técnicos da DGRS, por força das suas atribuições profissionais, com vista a assegurar o apoio técnico na tomada de decisão em sede de processo penal, têm, no entanto, o direito, o dever, de obter um conhecimento alargado e aprofundado sobre a pessoa que é objecto de investigação criminal e, em alguns casos, sobre a pessoa ofendida/vítima, com o objectivo de contribuir para a individualização da reacção penal, por um lado; e, por outro, o de satisfazer a necessidade de garantir meios processuais e dados adequados à prossecução das finalidades judiciais de reinserção do agente no tecido social.
VII - A prossecução desta finalidade implica a recolha prévia de um vasto conjunto de elementos, nomeadamente sobre aspectos subjectivos do crime, de elementos relacionados com a pessoa sobre a qual recai a investigação criminal, que depois se traduzirá ou através de relatórios sociais, de informação social ou de perícia sobre a personalidade.
VIII - A intervenção dos serviços de reinserção social, neste, como em qualquer outro domínio, de resto, está integralmente submetida ao controlo jurisdicional exercido por autoridades judiciárias competentes, quer na fase pré-sentencial, quer na fase posterior, ali, pelos tribunais que proferem a condenação e aqui pelos tribunais de execução das penas.
IX – Não comete o crime previsto no artigo 50° da Lei 34/2009 o técnico superior da Direcção Geral de Reinserção Social que elabora relatório social, a solicitação do Tribunal, no âmbito do conteúdo funcional inerente à sua condição de técnica da DGRS, do qual faz constar que no DIAP pendem inúmeros processos em que o assistente figura como suspeito ou como queixoso.
X – De resto, porque tal informação foi obtida junto do funcionário do DIAP, nem sequer tem aptidão para configurar o ilícito acesso a dados pessoais já que a eles não acedeu, em sentido técnico-jurídico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo 11074/11.9TDPRT do 2º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira


Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Inconformado com a decisão instrutória, que não pronunciou a arguida B….. pela prática dos crimes pp. e pp. pelo artigos 50.º da Lei 34/2009, de 14/07 e 180º/1, 182º e 184º C Penal, veio o assistente C….. dela interpor recurso, desenhando as conclusões que se passam a transcrever:

“do crime de acesso indevido a dados:
1. em 10 de Janeiro de 2012, o assistente entregou requerimento que consistia, na prática, em aditamento à denúncia efectuada, cfr. fls. 234 dos autos, denunciando a prática de factos susceptíveis de integrarem, em abstracto, a prática do crime de acesso indevido a dados, p. e p. pelo artigo 50° da Lei 34/2009, de 14 de Julho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial;
2. a arguida não foi, nessa qualidade, inquirida relativamente aos factos denunciados no aditamento à denúncia de fls. 234;
3. o Ministério Público não realizou quaisquer diligências de investigação, não procedeu à identificação do funcionário do DIAP que forneceu as informações à arguida, não inquiriu quaisquer testemunhas, não requisitou quaisquer documentos nem inquiriu o assistente quanto aos factos denunciados no aditamento;
4. em consequência, proferiu despacho de arquivamento, por não ter resultado do inquérito fundada suspeita da prática do crime denunciado;
5. o assistente juntou aos autos o relatório social elaborado pela arguida em que se faz referência aos seus processos pendentes no DIAP - cfr. fls. 21 dos autos;
6. e é a própria arguida que admite a prática dos factos denunciados nos autos, no âmbito do relatório social que elaborou, onde se lê: "no contacto estabelecido com a Secção Central do DIAP Porto, fomos informados que C...... tem sido ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processos pendentes." - cfr. fls. 17 e 21 dos autos;
7. a Lei 34/2009 de 14 de Julho estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial adoptando regras sobre a recolha dos dados necessários ao exercício das competências dos magistrados e dos funcionários de justiça, bem como ao exercício dos direitos dos demais intervenientes nos processos jurisdicionais e da competência do Ministério Público - cfr. artigo 1º alínea a) desta disposição normativa;
8. nos termos do artigo 29° da Lei 34/2009 os técnicos superiores da Direcção Geral de Reinserção Social não têm acesso aos dados previstos no artigo 3° daquele acervo normativo, nomeadamente, e no que concerne aos presentes autos, os inquéritos em processo penal –artigo 3º alínea c);
9. prevê o artigo 50°/1 deste dispositivo normativo que quem, sem a devida autorização, por qualquer modo, aceder a qualquer dos dados pessoais previstos na presente lei, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias. Nos termos do n.º 2 alínea b) do mesmo artigo a pena é ­agravada para o dobro dos seus limites quando o acesso tiver possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados pessoais;
10. no âmbito das suas funções, a arguida tem pleno conhecimento do conteúdo da Lei 34/2009 e que, portanto, nos termos do artigo 29° da Lei 34/2009 os técnicos superiores da Direcção Geral de Reinserção Social não têm acesso aos dados previstos no artigo 3° daquele acervo normativo, ­nomeadamente, e no que concerne aos presentes autos, os inquéritos em processo penal – artigo 3° alínea c);
11. quer isto dizer que a arguida actuou com dolo directo, sabendo que, enquanto técnica superior da DGRS, não podia aceder aos dados do aqui assistente, e sabia que tal conduta era proibida e punida por lei;
12. mas ainda que não tenha actuado com dolo directo, a arguida pelo menos previu como possível que enquanto técnica superior da DGRS não poderia aceder aos dados do aqui assistente, e que tal conduta seria sempre proibida e punida por lei, actuando assim com dolo eventual;
13. uma correcta análise de toda a prova indiciária produzida tem que concluir que foram recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente - cfr. artigo 283°/1 C P Penal;
14. uma correcta análise de toda a prova indiciária produzida tem que concluir pela possibilidade razoável de, face aos indícios recolhidos, vir a ser aplicada à arguida, em julgamento, uma pena ou medida de segurança - cfr. artigo 283°/2 C P Penal;
15. a decisão recorrida errou assim na valoração da prova indiciária produzida em sede de inquérito e instrução, tendo violado por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 277°, 283°/1 e 2 e 308° C P Penal, bem como os artigos 1° alínea a), 3 alínea c) 29° e 50°/1 e 2 alínea b) da Lei 34/2009 de 14 de Julho, devendo ser revogada e substituída por decisão que pronuncie a arguida pela prática, em autoria material, de um crime de acesso indevido a dados p. e p. pelo artigo 50°/1 e 2 alínea b) da Lei 34/2009, de 14 de Julho.

Do crime de difamação

16. a decisão recorrida, bem como toda a fase instrutória, ignorou um facto fundamental: as expressões utilizadas pela arguida não têm qualquer fundamento, não correspondendo à verdade;
17. ora, conhecendo a arguida que tais afirmações eram falsas ou, pelo menos, devendo a arguida conhecer, face à sua actividade e qualidade profissionais, e face à importância do relatório que elaborou, bem como à deficiente metodologia adoptada, que tais afirmações eram falsas, a única conclusão que resta é a de que a arguida quis efectivamente ofender, como ofendeu, o assistente na sua honra, bom nome, consideração e reputação;
18. do relatório social elaborado pela arguida constam as seguintes afirmações:
"para a elaboração deste relatório utilizamos as seguintes metodologias e fontes: - entrevista com o arguido no Tribunal de S. João Novo, uma vez que nas diligências anteriores não revelou disponibilidade para colaborar ( ... ) ";
"a situação financeira do agregado veio, entretanto, a sofrer alterações negativas ocorridas após a reforma do pai e posterior falecimento do mesmo ( ... ) ";
"à data dos factos o arguido residia com o mulher e os dois filhos e em termos laborais exercia actividade por conta própria, nomeadamente na gestão da empresa "D…., Lda.", que acabou por entrar em colapso financeiro em 2004, com dívidas a várias entidades financeiras";
"o arguido encontra-se profissionalmente inactivo após a sua saída das supra identificadas empresas ( ... )";
"o arguido refere ter estado, nos últimos tempos, afastado do convívio dos filhos, por determinação do Tribunal ( ... )";
"na zona de residência a imagem do arguido é negativa, atendendo às dificuldades relacionais que apresenta";
"no contacto estabelecido com a Secção CentraI do DIAP Porto, fomos informados que C...... tem sido ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processos pendentes";
"no que respeita à sua actual vivência quotidiana ela é marcada pela inactividade laboral em que se encontra ( ... )";
"ao nível familiar não estabelece relacionamento com qualquer elemento do seu agregado de origem, não tendo também actualmente qualquer contacto com os seus descendentes por decisão judicial'';
"os factores supra referidos, isto é, a ausência de uma rede de suporte familiar, quer ao nível do seu agregado de origem quer com os seus descendentes, a inactividade laboral que regista com repercussões negativas na sua situação económica e ainda a sua perspectiva em abstracto, face à natureza dos factos pelos quais está acusado, apresentam-se como factores de risco para a adopção de um comportamento socialmente ajustado";
19. estas expressões, porque infundadas e falsas, falsidade exposta nas alegações que antecedem, objectivamente ofendem o bom nome, honra, consideração e reputação do assistente;
20. não está em causa portanto o facto de as expressões da arguida não se revelarem absolutamente gratuitas ou desproporcionadas; e não se trata também de estabelecer um qualquer paralelismo entre o direito à honra e ao bom nome, do assistente, e o direito à liberdade de expressão, no âmbito das suas funções, da arguida;
21. o que está em causa é o facto de a arguida ter proferido expressões que, por serem falsas e infundadas, não terem qualquer fundamento, são fortes o suficiente para atingir o reduto de dignidade e bom nome do assistente, fazendo parte do núcleo essencial de competências da arguida, no âmbito da elaboração do relatório social, o dever de conhecimento de que tais afirmações não correspondiam à verdade;
22. por consequência, tais expressões e tal conduta preenche o tipo objectivo e subjectivo do crime de difamação;
23. existem assim, nos termos do artigo 308°/1, indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, devendo portanto ser proferido despacho de pronúncia;
24. por consequência, a decisão recorrida errou na valoração da prova indiciária produzida em sede de inquérito e instrução, tendo violado por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 277°, 283°/1 e 2 e 308º C P Penal, bem como os artigos 180°/1, 182° e 184° C Penal, devendo ser revogada e substituída por decisão que pronuncie a arguida pela prática, em autoria material, de um crime de difamação p. e p. pelos artigos 180°/1, 182° e 184° C Penal.

I. 3. Respondeu o Magistrado do MP, tendo produzido argumentação no sentido de concluir pugnando pela improcedência do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, manifestou a sua concordância com a posição assumida pelo MP na 1ª instância.

No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal, nada mais foi acrescentado.

Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

Assim, as questões que se colocam para apreciação, pela ordem da sua precedência lógica, que não coincide com a ordem pela qual foram suscitadas pelo recorrente, são as seguintes:

saber se os factos indiciariamente apurados são susceptíveis de integrar a previsão dos tipos legais de crime de acesso indevido a dados p. e p. pelo artigo 50º/1 e 2 alínea b) da Lei 34/2009, de 14 de Julho e de difamação p. e p. pelos artigos 180º/1, 182º e 184º C Penal.

III. 2. Atentemos primeiramente no teor da decisão recorrida.
“o Tribunal é competente.
O assistente tem legitimidade para acusar.
O assistente C...... requereu a abertura de instrução invocando desde logo as seguintes questões:
alegando em síntese que o Ministério Público não se pronunciou quando proferiu o despacho de arquivamento relativamente aos factos constantes do aditamento à denúncia apresentada e que integrariam a prática de crime de acesso indevido a dados p. e p. pelo artigo 50º da Lei 34/2009 de 15/7.
Cumpre decidir:
contrariamente ao alegado pelo assistente, o Ministério Público no despacho de fls.641 pronunciou-se relativamente a tal crime entendendo que não resultou do inquérito a existência de fundada suspeita da sua prática, pelo que não existe razão ao assistente nessa parte não se verificando qualquer omissão de pronúncia.
O assistente invoca ainda a nu1idade da fa1ta abso1uta de inquérito nos termos do artigo l19° a1ínea b) C P penal, por fa1ta de promoção do processo pelo MP.
Dispõe o artigo 119° alínea b) que "constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas, em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais (...) "a falta de promoção do processo pelo MP, nos termos do artigo 48°, bem como a assistência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência".
A falta de promoção do Ministério Público respeita à falta de promoção em relação a crimes públicos e semi-públicos e portanto também à dedução de acusação por crime público e semi-público pelo assistente, acompanhada pelo Ministério Público, considerada como inexistência, (cfr. José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 380) por não ter havido promoção do processo por parte de ninguém.
No caso, contrariamente ao invocado, o MP encerrou o inquérito com a realização do despacho de arquivamento relativamente ao crime p. e p. pelo artigo 50° da Lei 34/2009 de 14/07 por inadmissibilidade legal do seu procedimento. O MP tomou assim posição sobre os factos constantes do aditamento de fls. 234 exercendo a sua acção penal consubstanciada no despacho de arquivamento.
Improcede assim a invocada nulidade de falta de promoção do Ministério Público.
Invoca ainda o assistente a nu1idade de fa1ta de inquérito prevista na a1ínea d) do artigo 119º C P Penal.
Cumpre decidir:
Dispõe o artigo 119° alínea d) C P Penal que “constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas, em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (...) a falta de inquérito ou de instrução, nos caso em que a lei determinar a sua obrigatoriedade".
A falta de inquérito ou de instrução, é privativa do processo comum e exige a falta absoluta de actos de inquérito.
Em sentido contrário, (v.g. Ac. T.R.L. de 21/10/99 in C.J. XXIV, 4, 158), onde se diz que "a falta de inquérito nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade, refere-se à omissão total de inquérito quando não tenha tido lugar o processo sumário", sendo certo que pode prescindir-se dessa fase no processo abreviado e, por maioria de razão no processo sumaríssimo (v.g. Ac. T.R.P. de 19/05/2004 in C.J. XXIX 3, 208).
No artigo 262 C P Penal encontram-se reguladas as finalidades e âmbito do inquérito, sendo que do seu n.º 1 resulta que compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade dos mesmos e recolher as provas, em ordem à decisão sobre acusação.
Assim, caberá desde logo ao M.P., na fase de inquérito realizar uma análise do teor das participações que chegam ao seu conhecimento, de órgãos de polícia criminal, de particulares, ou do seu conhecimento pessoal.
Ora, cabendo ao M.P. descobrir e recolher provas, cumpre-lhe determinar, em cada caso a linha de orientação da investigação, ou seja, se é suficiente recolher os depoimentos das partes envolvidas no processo, ou se é necessário, além do que antecede, requerer outros elementos de prova. Em suma, caberá ao MP enquanto titular da acção penal, casuisticamente, decidir qual o melhor método de recolha de provas para a investigação dos factos denunciados, utilizando o exercício da acção penal.
Nos presentes autos, o MP, face aos factos denunciados, abriu inquérito, interrogou a arguida, inquiriu testemunhas, reuniu e admitiu documentação, em suma, procedeu a investigação, recolheu as provas que entendeu por convenientes enquanto titular da acção penal e decidiu-se pelo arquivamento.
Assim, contrariamente ao entendimento do assistente, existiu de facto inquérito, pelo que improcede a invocada nulidade de falta de inquérito prevista na alínea d) do artigo 119º C P Penal.

Da invocada nulidade de insuficiência de inquérito:
o assistente, veio ainda arguir a nulidade prevista no artigo 120º/2 alínea d) C P Penal de insuficiência do inquérito.
Cumpre decidir:
a nulidade de insuficiência de inquérito por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º C P Penal deve ser arguida até ao encerramento do debate instrut6rio ou, não havendo lugar à instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (artigo 120º/3 alínea c) C P Penal).
Pelo exposto, tal nulidade, foi tempestivamente invocada. Cumpra agora apreciar da sua verificação:
perante a formulação legislativa constante do artigo 120º/2 alínea d) C P Penal tem a jurisprudência questionado se a insuficiência do inquérito respeita apenas à omissão de actos obrigatórios, ou a esses e ainda a quaisquer outros actos de investigação e de recolha de prova necessários à descoberta da verdade.
A solução maioritariamente seguida, partindo daquilo que é considerado uma correcta ponderação da estrutura acusatória do processo penal, artigo 32º/5 da Constituição, dos princípios do contraditório e da oficialidade, entende que só se verifica nulidade quando ocorra ausência absoluta ou total de inquérito. (neste sentido Ac. do Tribunal da RL de 21.10.99, in CJ, IV, 158 e/ou omita acto que a lei prescreve como obrigatório. Ancora-se esta solução no entendimento de que a titularidade do inquérito, bem como a sua direcção, pertencem ao MP, artigos 262º e 263º C P Penal, sendo este livre - dentro do quadro legal e estatutário em que se move e a que deve estrita obediência, artigos 53º e 267º C P Penal - de promover as diligências que entender necessárias, ou convenientes com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar, com excepção dos actos de prática obrigatória no decurso do inquérito, como sejam os actos de interrogatório do arguido, salvo se não for possível notificá-lo, de notificação ao arguido, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e às partes civis do despacho de encerramento do inquérito e no que respeita a certos crimes, actos investigatórios imprescindíveis para se aferir dos elementos de certos tipos de crimes, nomeadamente, os exames periciais nos termos do artigo 151º C P Penal (médicos, no caso de crimes, nomeadamente contra a integridade física, autópsia, no caso de morte violenta), (neste sentido, Ac. RL citado e Ac. Tribunal Constitucional 395/04 de 02/06/04 DR II Série de 09/10/04, 14975).
Como igualmente se refere no Ac. 581/00 do Tribunal Constitucional "de acordo com o disposto no artigo 219º da Constituição, ao MP compete exercer a acção penal orientada pela legalidade. Esse exercício é regulado pela lei e, como decorre da remissão contida nesse preceito para o número seguinte, acarreta um estatuto próprio do MP e a sua autonomia. Do n.º 1 do artigo 219° da Constituição pode retirar-se que o exercício da acção penal pelo MP comporta a direcção e a realização do inquérito por esta magistratura, não se cingindo esse exercício à sustentação da acusação em juízo" (Figueiredo Dias "Sobre os sujeitos Processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal (O novo Código de Processo Penal), 1998, 8-9).
No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva "Curso de Direito Processual Penal, III, 2a ed., 91" sustentando que "a insuficiência de inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa e que a omissão de diligências de investigação não impostas por lei, não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do MP”.
A revisão de 2007, com a alteração da redacção da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º C P Penal consagrou o entendimento que era corrente na doutrina e na jurisprudência - o de que a insuficiência do inquérito ou da instrução só se verifica quando o acto omitido fosse prescrito pela lei como obrigatório - tendo em vista promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios, conforme se refere na exposição de motivos da PL 109 IX. (No mesmo sentido v.g Ac. S.T.J. de 15 de Junho de 2005, Proc. 1556/05, 3ª, Ac. S.T.J. de 7 de Dezembro de 2005, Proc.1008/05, 5ª, Ac. R.P. de 11 de Maio de 2005, Proc. 0512294, Ac. R.P. de 24 de Maio de 2006, Proc. 0546478, Ac. R.L. de 30 de Novembro de 2006, Proc. 10402/05, 9ª, Ac. R.P. de 27 de Junho de 2007, Proc.0741076 e finalmente Ac. R.L. de 4 de Janeiro de 2007, Proc.8076/06, 9ª, http://www.pgdlisboa.pt/ onde se refere "em consonância com a formulação legislativa constante do artigo 120º/2 alínea d) C P Penal, a propósito da insuficiência de inquérito – geradora de nulidade – a jurisprudência maioritária tem-se orientado pelo entendimento de que só a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade pode constituir nulidade, maxime quando se omitam a prática de actos que a lei prescreva como obrigatórios e se a lei não disponha de outro modo. Por isso, o facto de o MP ter omitido a realização de diligências, que no entendimento do assistente eram necessárias para a investigação da verdade, não consubstancia aquela nulidade. Se o assistente entendia serem necessárias certas diligências, a encetar durante o inquérito, deveria lançar mão do instituto da "intervenção hierárquica" previsto no artigo 278º C P Penal", o que no caso, não fez.
Pelo exposto e visto a lei não impor diligências de investigação do crime obrigatórias em sede de inquérito, afigura-se-nos não existir a insuficiência de inquérito.
Por outro lado, como refere Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 96, "o artigo 262º C P Penal expõe a finalidade e âmbito do inquérito: investigar a existência de crime, determinar quem são os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir as provas, em ordem à decisão sobre a acusação" mas, como refere o mesmo autor “o objecto do inquérito não é necessariamente estável desde o seu início ao seu termo, é susceptível de inúmeras variações, quer quanto à substância e acidentes de facto, quer quanto à imputação a um ou vários arguidos" pelo que a função da queixa é apenas a de "delimitar a investigação relativa aos factos constitutivos de certo tipo de crime que dela são objecto, mas não ao esclarecimento dos seus elementos essenciais e acidentais". Assim é que até nos crimes semi-públicos o objecto do inquérito enquanto apenas está dependente da queixa, esta enquanto condição do procedimento, mas já não quanto à sua materialidade e qualificação jurídica susceptível de modificações o que traduz a noção que a queixa, como condição de admissibilidade de um certo processo não tem a virtualidade e função de definir o objecto do processo. Esta definição é apenas operada, como salienta Germano Marques da Silva, no momento em que são proferidas as decisões sobre o encerramento do inquérito.
No caso, o Ministério Público, enquanto titular da acção penal e perante os factos carreados para o processo e aqueles que entendeu recolher no decurso do inquérito, definiu-os, isto é, qualificou-os como eventualmente integradores do crime p.e p. pelo artigo 50º da Lei 34/2009 de 14/7 mas, entendeu encerrar o inquérito proferindo despacho de arquivamento por se lhe afigurar não existirem indícios suficientes da prática pela arguida do apontado crime.
Pelo exposto, considero não se verificar a invocada nulidade de insuficiência de inquérito prevista no artigo 120º/2 alínea d) C P Penal, que aliás se mostra ultrapassada face ao requerimento de abertura de instrução pelo assistente.

Não existem quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.

Inconformado com o despacho de arquivamento do Ministério Público, relativamente à arguida B...... veio o assistente C...... requerer a abertura de instrução, alegando, em síntese que os factos constantes do inquérito integram a prática por esta arguida de um crime de acesso indevido a dados p.e p. pelo artigo 50° da Lei 34/2009 de 14/7.
Por outro lado, a arguida B......, inconformada com a acusação particular do assistente não acompanhada pelo MP e que acusa a assistente da prática de um crime de difamação p. e p. pelos artigos 180°/1, 182° e 184° C Penal, veio requerer a abertura de instrução pedindo a sua não pronúncia por entender que a sua actuação não integra a prática do referido crime.
Procedeu-se à análise da prova produzida em fase de inquérito e não se reputando a existência de quaisquer outras úteis ou necessárias à decisão a proferir, realizou-se o debate instrutório, com observância do legal formalismo.
Começando pelo requerimento de abertura de instrução do assistente:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Da análise desses elementos de prova não resulta evidente, factos que permitam concluir por indícios suficientes da prática do crime de acesso indevido a dados p. e p. pelo artigo 50º da Lei 34/2009 de 14/7, relativamente à arguida e deste modo poder responsabilizá-la criminalmente para além dos constantes do arquivamento de fls.641.
MOTIVAÇÃO DE FACTO:
A convicção do Tribunal fundou-se na análise de toda a prova documental constante dos autos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIFEITO:
Não se mostram assim minimamente indiciados os elementos objectivo e subjectivo deste tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 50º da Lei 34/2009 de 14/7.
Na verdade, da análise dos autos verificamos que a arguida actuou no cumprimento e no exercício das respectivas funções que lhe eram impostas, elaborando um relatório social com vista à determinação e execução da pena, ou seja, por tais funções lhe estarem atribuídas por lei e porque tais informações (processos instaurados contra e pelo assistente) lhe terem sido transmitidos por um funcionário do DIAP. Finalmente e porque actuando por via e no exercício das respectivas funções também não está suficientemente caracterizado o elemento subjectivo deste tipo legal de crime.
*
De acordo com o disposto no artigo 308º C F Penal chegou o momento de analisar o processo e verificar se foram recolhidos indícios suficientes que apontem para uma possibilidade razoável de os arguidos, em sede de julgamento, serem condenados pelos crimes que lhes são imputados.
A lei processual considera "suficientes" os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança - cfr. artigo 283°/2 C.P.Penal.
Compulsados os autos e analisada a prova neles produzida, quer em fase de inquérito, quer nesta fase em de instrução entendemos que deve ser mantido o despacho de arquivamento que se encontra devidamente fundamentado e cujas razões aqui damos por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Apesar dos motivos invocados no requerimento de abertura de instrução, o assistente não logrou demonstrar os factos ali enunciados, não resultando dos autos qualquer outro meio de prova que permita indiciar a prática pela arguida do crime que lhe é imputado.
Analisada a prova dos autos e atentas as razões supra referidas, entendemos deve ser mantido o despacho de arquivamento.
Da análise da prova constante dos autos e tida em conta nesta fase processual não foram demonstrados os factos elencados no requerimento de abertura de instrução, subsistindo quanto a nós a dúvida da verificação desses indícios o que resultará como muito provável (probabilidade como já supra referimos positiva) de à arguida, em sede de julgamento não lhe vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança.
A prova constante dos autos é assim manifestamente insuficiente para legitimar uma decisão de pronúncia pelo crime de acesso ilegítimo de dados p.e p. pelo artigo 50° da Lei 34/2009 de 14/7.

Apreciando o requerimento de abertura de instrução da arguida:
inconformada com a acusação particular do assistente que lhe imputa a prática de um crime de difamação p.p. pelos artigos 180°/1, 182° e 184° C Penal, acusação esta não acompanhada pelo MP, a arguida B...... veio requerer a abertura de instrução, por entender que inexiste qualquer facto ou fundamento legal para que lhe seja imputada a prática de tal crime, pugnando pela sua não pronúncia.
Foram analisadas e reapreciados os documentos constantes dos autos, bem como a restante prova produzida em fase de inquérito.
Impõe-se assim e apenas nesta fase processual apreciar se, as expressões vertidas no aludido relatório social elaborado no âmbito do processo 7451/05.2TDPRT relativas às condições sócio-económicas do assistente e que se concretizam nas seguintes declarações "para a elaboração deste relatório utilizamos a seguinte metodologia: entrevista com o arguido no Tribunal de S. João Novo, uma vez que nas diligências anteriores não revelou disponibilidade para colaborar (...)", “a situação financeira do agregado veio, entretanto, a sofrer alterações negativas ocorridas após a reforma do pai e posterior falecimento do mesmo (...)", “à data dos factos o arguido residia com a mulher e dois dos filhos e em termos laborais exercia actividade por conta própria, nomeadamente na gestão da empresa "D…. Lda., que acabou por entrar em colapso financeiro em 2004 (...)”, “o arguido encontra-se profissionalmente inactivo após a sua saída das supra identificadas empresas (...)", “o arguido refere ter estado nos últimos tempos afastado do convívio dos filhos por determinação do Tribunal (...)”, "na zona de residência a imagem do arguido é negativa, atendendo às dificuldades relacionais que apresenta (...)”, "no contacto estabelecido com a Secção do DIAP do Porto, fomos informados que C...... tem sido ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processo pendentes (...)”, "no que respeita á sua actual vivência quotidiana ela é marcada pela inactividade laboral em que se encontra" (...)”, "ao nível familiar não estabelece relacionamento com qualquer elemento do seu agregado de origem, não tendo também actualmente qualquer contacto com os seus descendentes por decisão judicial (...)”, "os factores supra referidos isto é, a ausência de uma rede de suporte familiar, quer ao nível do seu agregado de origem, quer com os seus descendentes, a inactividade laboral, que regista com repercussões negativas na sua situação económica e ainda a sua perspectiva em abstracto de, face à natureza dos factos pelos quais está acusado, apresentam-se como factores de risco para a adopção de um comportamento socialmente ajustado", são susceptíveis de ofender a honra e consideração do assistente e verificar se se mostram preenchidos os elementos constitutivos do crime de difamação agravada tal como vêm descritos no requerimento de abertura de instrução.

De acordo com o disposto no artigo 308º C Penal chegou o momento de analisar o processo e verificar se foram recolhidos indícios suficientes que apontem para uma possibilidade razoável de a arguida, em sede de julgamento, ser condenada pelo crime que lhe é imputado.
A lei processual considera "suficientes" s indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – cfr. artigo 283°/2 C P Penal.
No que a este crime diz respeito temos em consideração o documento de fls.17 a 23 subscrito pela arguida, na qualidade de técnica de reinserção social no âmbito de um processo crime em que lhe é solicitado a elaboração de relatório social acerca das condições sócio-económicas do assistente.
Cumpre antes de mais apreciar se tais expressões/afirmações integram o crime de difamação, p.e p. pelos artigos 180°/1, 182° e 184° C Penal
Dispõe o artigo 180° C Penal que "quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo que sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou multa até 240 dias".
O n.º 2 do citado preceito legal refere que "a conduta não é punível quando:
a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos e,
b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira."
Por seu turno, o artigo 182°, equipara à difamação e à injúria verbais, as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
Estabelece o artigo 183° C Penal que:
1-"se no caso dos crimes previstos nos artigos 180°, 181° e 182°:
a) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstância que facilitem a sua divulgação, ou,
b) tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação, as penas da difamação e da injúria são elevadas de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo”.
Por seu lado, o artigo 184º C Penal dispõe que “as penas previstas nos artigos 180°, 181º e 183° são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do artigo 132º/2, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade".
De entre as pessoas referidas na alínea l) do referido n.º 2 do artigo 132º C Penal consta funcionário público.
O artigo 31º C Penal refere que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade; n.º 1 e, nomeadamente, não é ilícito o facto praticado, no exercício de um direito, n.º 2 alínea b), no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; n.º 2 alínea c), com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
Como é sabido, o crime de difamação tutela o bem jurídico pessoalíssimo e imaterial da honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos. A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão do reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. A lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
O tipo objectivo de difamação estará preenchido com a imputação de factos, palavras ou juízos desonrosos, desonestos ou vergonhosos, a par do dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades.
Em sentido amplo, o bom nome e reputação, incluem, enquanto sínteses do apreço pelas qualidades determinantes da identidade de cada indivíduo e pelos valores pessoais adquiridos pelo mesmo, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.
"A honra é encarada numa perspectiva dual -normativa e fáctica - como bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior". (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de processo penal III, 2° ed., 335 e Ac. S.T.J. de 28/04/99 CJ/STJ ano de 1999, 196).
O direito ao bom nome e reputação "consiste essencialmente no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade, ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação" (Cfr. Ac. S.T.J. para fixação de jurisprudência 7/95 de 19/10/95 publicado no D.R. séria I-A de 28/12/95).
A honra constitui "um bem de personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor que a constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso" (Cfr. Maria Paula G. Andrade in " Da ofensa do crédito e do bom nome" 1996, 97).
Como igualmente refere o Ac. R.P. de 31/1/96, proc. 9540900, no site da D.G.S.I.) "só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem, aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio ou época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra, depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais”.
Segundo Nelson Hungria, citado por Leal Henriques e Simas Santos in C Penal Anotado, a difamação "é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao visado". Ainda segundo o mesmo autor, "o bem jurídico lesado é prevalentemente a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou a respeitabilidade pessoal”.
Por outro lado, como refere Beleza dos Santos in "Algumas Considerações Jurídicas sobre crimes de difamação e injúrias in R.L.J. ano 92, 92 a 95, “os valores jurídico-penais que o legislador quis proteger com a punição da difamação e com a injúria, foram a honra e a consideração de uma pessoa: a honra diz respeito à estima, ao não desprezo moral por si próprio, que sente em geral qualquer pessoa e a consideração, ao juízo público, isto é, ao apreço ou não desconsideração que os outros tenham por ele". (...) "A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponte' de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém, um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo." O bem jurídico honra, traduz uma pretensão de respeito por parte dos outros que decorre da dignidade humana. O seu conteúdo é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social dessa condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros, é ao fim e ao cabo uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade. (Cfr. Augusto Silva Santos, in Alguns Aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúria, A.A.F.D.L., 17/18).
No fundo, o que está em causa é a pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.
O artigo 25º/1 da Constituição da República dispõe que "a integridade moral e física das pessoa é inviolável". Dispondo o artigo 26° que, "a todos são reconhecidos os direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação". Por seu lado, estabelece o artigo 37º da Constituição da Republica que “todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento por palavras, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e ser informados, sem impedimentos ou discriminações".
Ambos os direitos, merecem tutela e garantia constitucionais, enquanto direitos fundamentais das pessoas, inscritos na Constituição da República - ao mesmo nível hierárquico de tutela - no mesmo Título II - Direitos, Liberdades e Garantias - e Capítulo I - Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais - da Parte I.
Como refere o Ac. S.T.J. de 12/01/00 in B.M.J. 493º, 156, “a liberdade de expressão deve considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais, a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições. Todavia direito fundamental de idêntico valor protege a integridade do cidadão, nomeadamente, o seu bom nome e reputação".
Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, garante no seu artigo 10º/1 o direito de qualquer pessoa à liberdade de expressão, compreendendo a liberdade de opinião e de receber ou transmitir ideias, sem ingerências de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras.
O direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e de outro (Cfr. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 110-111).
Não se colocando a questão, na hierarquização dos dois direitos constitucionalmente consagrados, como refere o Ac. do Tribunal Constitucional de 5 de Fevereiro, no processo 62/96 "o conflito concreto que surja entre ambos, deve ser decidido, num quadro de coordenação, compatibilidade ou concordância prática em caso de confluência recíproco ou conflito devem considerar o efeito de mútuo condicionamento entre normas protectoras de diferentes bens jurídicos, que impõe a violação do núcleo essencial do direito ao bom nome e reputação, dificilmente poderá ser legitimado com base no exercício de um outro direito fundamental".
"Na consideração do efeito recíproco de mútuo consentimento, a demonstração da existência de um interesse socialmente relevante - não estritamente político ou público - que justifique a conduta expressiva, constitui um elemento essencial de avaliação, uma vez que dadas as dimensões públicas do crédito e do bom nome, há que ponderar o impacto negativo efectivo da expressão nos bens jurídicos em presença, comparando-a com o impacto positivo das expressões na transparência e na verdade das relações sociais." (Cfr. Jónatas Machado, in Liberdade de Expressão: dimensões constitucionais da esfera pública, no sistema social, 770).
Tendo presente o carácter fragmentário e subsidiário do direito penal, que deve ser entendido como a última ratio da política social, será o critério constitucional da "necessidade social" que deve orientar o legislador na tarefa de determinar quais as situações em que a violação de um bem jurídico a intervenção do direito penal.
Em síntese, sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla acepção do termo e o direito à honra e consideração, a solução do caso concreto, há-de ser encontrada através da "convivência democrática” desses mesmos direitos, isto é, consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou outro.
No conflito entre o direito à honra e à liberdade de expressão, tem vindo a verificar-se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão como direito fundamental individual e como princípio conformador e essencial à manutenção do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente, enquanto direito de opinião e de crítica, constitui o próprio fundamento na resolução do conflito.
A maioria da Jurisprudência do Tribunais superiores tem vindo a defender, na esteira da opinião assumida por Costa Andrade, deverem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações cientificas, académicas, artísticas, profissionais, etc ou sobre prestações conseguidas nos domínios d desporto e do espectáculo, quando não ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoas dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoa do cientista, do artista, do desportista, do profissional em geral, nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Mais entende o mesmo autor que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outra áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e os despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político dos órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento.
Por outro lado, segundo o mesmo autor, a atipicidade da crítica objecti va não depende do acerto, da adequação material ou da "verdade" das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva.
Costa Andrade defende mesmo que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
Parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando tal opinião, sendo que, de acordo com a mesma, o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa à honra se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor ao quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e humilhar. (Cfr. Ac. S.T.J. de 7.3.22007, proc. 440/07, 3a secção).
Posto isto, importa agora apreciar se as expressões vertidas no relatório social relativas à avaliação da situação sócio-económica do assistente, nas apuradas circunstâncias, isto é visando prestar informações a um Tribunal reveste dignidade penal, isto é, se a actuação da arguida é ilícita, em termos de essa ilicitude atingir bens jurídico-penalmente protegidos - no caso, a honra e consideração do assistente.
No caso, estamos perante um conflito envolvendo em especial o assistente, na qualidade de avaliado por um lado e, por outro a arguida, no âmbito das funções de técnica de reinserção social, ou seja no âmbito das tarefas que lhe incumbem.
Cremos que nenhuma das afirmações contidas naquele relatório, onde aliás a arguida indica claramente as fontes de onde recolheu tais informações e as metodologias utilizadas para proceder à avaliação é suficientemente forte para atingir o reduto mínimo de dignidade e bom nome de que o assistente legitimamente pode reclamar. As referidas expressões situam-se no terreno da avaliação e crítica enquanto dirigidas à respectiva situação sócio-económica do assistente (ao seu modo de vida, relacionamento social, situação profissional e familiar) donde estar excluída a ilicitude, senão ao abrigo do disposto no artigo 180º/2 C Penal, ao abrigo do disposto no artigo 31º/2 do mesmo diploma legal.
Tais expressões, traduzem apenas uma visão/perspectiva do avaliador da situação social, económica, familiar, profissional do assistente com vista a esclarecer um Tribunal a poder avaliar a personalidade deste, sem extravasar, no que pode ser entendido como direi to de expressão e de crítica enquanto desempenho das suas funções de avaliadora (técnica de reinserção social), sobre factos que se reportam a actos relativos ao processo de socialização do assistente e às suas condições sociais e pessoais.
Estamos assim, em nosso entender, perante expressões que não se revelam desproporcionadas ou inadequadas ao fim visado.
À arguida não lhe pode ser assacada a intenção de denegrir a imagem, o bom nome e reputação do assistente. Da mesma forma não se pode assacar à arguida a intenção de se estar aproveitar da sua qualidade de profissional, para, sob essa capa, enxovalhar, denegrir, desacreditar, menosprezar ou humilhar o assistente. A actuação da arguida não atingiu o segmento da dignidade pessoal e profissional do assistente de forma despropcrcionada.
A arguida, enquanto e exercendo as funções de técnica de reinserção social pode e deve revelar, denunciar, no exercício dessas funções, reforçado até pelo papel que desempenha, a visão/perspectiva com que ficou quanto à situação sócio-económica do assistente e sobre ela emitir juízos de valor, não pode é usar expressões que apenas visem o enxovalho e a humilhação, o que de todo aconteceu no caso concreto.
“A fronteira do permitido só é uItrapassada quando a valoração negativa deixa de se dirigir contra a específica pretensão de mérito e passa a atingir directamente a substância pessoal, passa a denegar aquele respeito de que toda a pessoa é credora por força da sua dignidade humana" ( Cfr. Ac.T.R.P. de 7/4/10, proc.334/0S.6GAVNF.P1).
Consideramos que as expressões da arguida não se revelando como absolutamente gratuitas, desproporcionadas, não podem deixar de se enquadrar na esfera da atipicidade ou como enquadrando situação de exclusão da ilicitude ou de causa de não punibilidade, não se verificando os elementos constitutivos do crime de difamação.
A lei define no artigo 283º/2 C P Penal o que considera indícios suficientes, ou seja, o conjunto de elementos dos quais resulte a probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
A prova indiciária não conduz a um julgamento de certezas. A prova indiciária contém apenas, um conjunto de factos conhecidos que permitirão partir para a descoberta de outro/outros, que deixarão de se mover no campo das probabilidades para entrarem no domínio das certezas. Contudo, o indício é (em si) um facto certo, do qual, por interferência lógica baseada em regras de experiência, consolidadas e fiáveis, se chaga à demonstração de um facto incerto. a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário.
Por indiciação suficiente, entende-se a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova existentes, uma pena ou medida de segurança.
Conforme dispõe o artigo 286º/1 C P Penal, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se possa formar a convicção de que existe uma probabilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Contudo, essa possibilidade, é uma certeza mais positiva do que negativa, sendo que o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forme convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido.
Do já citado arte 308° C P Penal conjugado com a noção de indícios suficientes dada pelo artigo 283°/2 C P Penal, resulta pois, que a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena, ou uma medida de segurança, não impondo porém, a mesma exigência de verdade requerida no julgamento final.
Analisada a prova dos autos e atentas as razões supra referidas, entendemos não reunirem os autos elementos que sustentem a sujeição da arguida a julgamento, porquanto não resulta existir probabilidade séria e razoável de lhe vir a ser aplicada uma pena, pelo cometimento do crime de difamação p.e p. pelo artigo 180°/1, 182° e 184° C Penal.
De igual modo e pelas razões supra referidas continuam os autos a não fornecer indícios da prática pela arguida de um crime de acesso indevido a dados p.e p. pelo artigo 50º da Lei 34/2009 de 14/7 referido no requerimento de abertura de instrução do assistente.

Pelo exposto, determino, NÃO PRONUNCIAR a arguida B.......
Custas pelo assistente que se fixam em 2 UCs.
Notifique e, oportunamente, arquive”.

III. Atentemos então.

III. 3. Passemos agora aos fundamentos do recurso.

III. 3. 1. Pretende o assistente a pronúncia da arguida, considerando existirem suficientes indícios de que, enquanto técnica superior da DGRS, incumbida de elaborar relatório social no âmbito de processo crime a correr termos na 3ª Vara Criminal do Porto, veio a recolher informação junto da Secção Central do DIAP do Porto e fez constar daquela documento - relativamente ao número de processos aí a correr termos em que o ora assistente é simultaneamente arguido e queixoso – as seguintes afirmações:
“para a elaboração deste relatório utilizamos as seguintes metodologias e fontes: entrevista com o arguido no Tribunal de S. João Novo, uma vez que nas diligências anteriores não revelou disponibilidade para colaborar (…);
“a situação financeira do agregado veio, entretanto, a sofrer alterações negativas ocorridas após a reforma do pai e posterior falecimento do mesmo (…)”;
“à data dos factos o arguido residia com a mulher e os dois filhos e em termos laborais exercia actividade por contra própria, nomeadamente na gestão da empresa “D…., Lda”, que acabou por entrar em colapso financeiro em 2004, com dívidas a várias entidades financeiras”;
“o arguido encontra-se profissionalmente inactivo após a sua saída das supra identificadas empresas (…)”;
“o arguido refere ter estado, nos últimos tempos, afastado do convívio dos filhos, por determinação do Tribunal (…);
“na zona de residência a imagem do arguido é negativa, atendendo às dificuldades relacionais que apresenta”.
“no contacto estabelecido com a Secção Central do DIAP Porto, fomos informados que C...... tem sido ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processos pendentes”;
“no que respeita à sua actual vivência quotidiana ela é marcada pela inactividade laboral em que se encontra (…)”.
“ao nível familiar não estabelece relacionamento com qualquer elemento do seu agregado de origem, não tendo também actualmente qualquer contacto com os seus descendentes por decisão judicial”;
“os factores supra referidos, isto é, a ausência de uma rede de suporte familiar, quer o nível do seu agregado de origem, quer com os seus descendentes, a inactividade laboral que regista com repercussões negativas na sua situação económica e ainda a sua perspectiva em abstracto, face à natureza dos factos pelos quais está acusado, apresentam-se como factores de risco para a adopção de um comportamento socialmente ajustado”, tenha praticado, um crime de acesso indevido a dados p. e p. pelo artigo 50º/1 e 2 alínea b) da Lei 34/2009, de 14 de Julho e um outro, de difamação p. e p. pelos artigos 180º/1, 182º e 184º C Penal.

III. 3. 2. Como é sabido, a instrução ‘visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento’, artigo 286º/1 C P Penal.
Enquanto que “na fase de inquérito o MP se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem é o seu agente, deduz contra ele acusação”, nº. 1 do artigo 283º C P Penal.
Por sua vez,”consideram-se suficientes os indícios, sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, um julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”, nº. 2 do artigo 283º.
Em matéria de instrução, regula o artigo 308ºC P Penal, que no seu nº. 1, dispõe que: “se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ai arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”, norma que remete, ainda para a noção de indícios suficientes contida no referido nº. 2 do artigo 283º, nº. 2 do artigo 308º.
Por criação da doutrina e da jurisprudência, vem-se entendendo que “são bastantes os indícios, quando se trata de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis, que lhe são imputados e que por indícios suficientes, entendem-se os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele. Para a pronúncia, não sendo necessário a certeza da existência da infracção, exige-se, no entanto, que os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma a que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado”, cfr. AC. RC de 31.3.93, in CJ, II, 66.
Numa asserção deveras expressiva e conhecida, que tem feito escola, do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º, 133, “o arguido deve ser pronunciado se existir alta probabilidade de vir a ser condenado ou se esta probabilidade for maior que a de ser absolvido”.
São indícios suficientes aqueles que relacionados e conjugados, persuadem o Juiz da culpabilidade e responsabilidade do arguido, fazendo antever, com razoável grau de probabilidade a sua ulterior condenação.
A decisão de pronúncia deve pois ser precedida por um juízo de prognose, devendo apenas ser remetidos para julgamento os casos em que seja manifesta uma futura decisão condenatória. É que, “tendo em conta as gravosas consequências da simples sujeição de alguém a julgamento, exige-se que a acusação e a pronúncia assentem numa alta probabilidade de futura condenação do arguido”, cfr. Ac. da RP, de 20/10/93, in CJ.,. IV, 261.
Existindo dúvidas sobre a actuação do arguido, não devem nunca tais dúvidas ser valoradas contra o primeiro, sendo certo que a alta probabilidade contida nos indícios recolhidos, a que atrás se fez referência, deve aferir-se no plano fáctico e não jurídico. E neste plano, “a falta de provas não pode, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova … tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio “in dubio pro reo”, Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1°, 1974, 214.
III. 3. 3. Perante aquelas breves, mas cremos que esclarecedoras, formulações, quer da doutrina, quer da jurisprudência, no âmbito do direito adjectivo, pertinente, vejamos então o caso dos autos, enquadrado na pretensão e respectivos fundamentos apresentados pela assistente.
E, decisivamente, há que averiguar se em face da prova produzida e no pressuposto de que a mesma se repita em sede de julgamento, se tal, permitiria afirmar a responsabilidade da arguida - reportada ao acesso indevido a dados processuais, e à ofensa ao seu bom nome e consideração com o que do relatório social, que lhe foi ordenado que elaborasse, fez constar.
Para tal, impõe-se proceder à análise dos tipos legais em causa, pois que a matéria de facto indiciariamente apurada, não suscita dúvida alguma, sobre a sua verificação.
Parece-nos – avancemos, desde já - demasiado clara e ostensiva, a persistência do assistente num manifesto erro em termos de dogmática penal.

Com efeito.

III. 3. 3. 1. O assistente juntou aos autos o relatório social elaborado pela arguida em que se faz referência aos seus processos pendentes no DIAP, onde se lê: "no contacto estabelecido com a Secção Central do DIAP Porto, fomos informados que C...... tem sido ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processos pendentes".

Considera o assistente que esta conduta integra o tipo legal previsto no artigo 50º/1 da Lei 34/2009 de 14 de Julho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicia, prevê, que, “quem, sem a devida autorização, por qualquer modo, aceder a qualquer dos dados pessoais previstos na presente lei, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias” e, nos termos do n.º 2 alínea b) do mesmo artigo “a pena é agravada para o dobro dos seus limites quando o acesso tiver possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados pessoais.”

Estrutura o assistente o seu raciocínio no facto de o artigo 29º que elenca quem tem acesso aos dados referidos no artigo 3º, não prever as técnicas da DGRS.
Com efeito esta norma sob a epígrafe de “consulta por utilizadores”dispõe que,
1. sem prejuízo dos regimes do segredo de justiça e do segredo de Estado, têm acesso aos dados referidos no artigo 3.º, nos termos previstos na presente lei:
a) os magistrados e os funcionários de justiça que os coadjuvam;
b) as partes, o arguido, o assistente e as partes civis, bem como os seus defensores, advogados e demais mandatários;
c) os magistrados do Ministério Público com competências de direcção, coordenação e fiscalização da actividade dos serviços do Ministério Público;
d) os inspectores judiciais e os secretários de inspecção que integram os serviços de inspecção do Conselho Superior da Magistratura, bem como quem, no quadro do Conselho Superior da Magistratura, seja incumbido, nos termos da lei, da realização de inquéritos ou sindicâncias;
e) os inspectores que integram os serviços de inspecção do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
f) os inspectores e os secretários de inspecção que integram a Inspecção do Ministério Público; e
g) os inspectores e os secretários de inspecção dos serviços de inspecção do Conselho dos Oficiais de Justiça;
h) os juízes presidentes dos tribunais de comarca, designadamente nos termos e para os efeitos previstos no n.º 9 do artigo 88.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto;
i) os juízes de paz, os funcionários e mediadores que exerçam funções nos julgados de paz;
j) os mediadores e funcionários que exerçam funções nos sistemas de mediação pública;
l) as entidades responsáveis pela realização de inspecções dos julgados de paz;
m) a Comissão de Fiscalização da Actividade dos Mediadores de Conflitos;
2. a consulta dos dados é dotada de especiais medidas de segurança, as quais garantem, designadamente:
a) que apenas os utilizadores referidos no número anterior possam consultar os dados;
b) que o nível de consulta dos dados, por parte de cada utilizador, seja estritamente limitado ao necessário para o exercício das suas competências;
c) que a consulta dos dados se processe apenas através de aplicação informática específica, mediante autenticação do utilizador;
d) que sejam registadas electronicamente as consultas de dados, nos termos da presente da lei;
e) que qualquer acesso irregular seja de imediato comunicado aos membros da Comissão prevista no artigo 25º;
3. o registo electrónico referido na alínea d) do número anterior contém as seguintes informações:
a) a identidade e categoria do utilizador que consulta os dados;
b) a data e a hora de início e fim da consulta dos dados por parte de cada utilizador;
c) a identificação dos dados consultados;
d) as operações efectuadas por cada utilizador em cada consulta dos dados, designadamente operações de administração do sistema e de aditamento, alteração, eliminação ou arquivamento dos dados nele contidos.

Por sua vez, o artigo 3º sob a epígrafe de “dados” dispõe que, “podem ser objecto de recolha os dados referentes:
a) aos processos nos tribunais judiciais;
b) aos processos nos tribunais administrativos e fiscais;
c) aos inquéritos em processo penal;
d) aos demais processos, procedimentos e expediente da competência do Ministério Público;
e) à conexão processual no processo penal;
f) à suspensão provisória do processo penal e ao arquivamento em caso de dispensa de pena;
g) às medidas de coacção privativas da liberdade e à detenção;
h) às ordens de detenção;
i) aos processos nos julgados de paz;
j) aos processos nos sistemas públicos de mediação.

Este diploma estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial adoptando regras sobre a recolha dos dados necessários ao exercício das competências dos magistrados e dos funcionários de justiça, bem como ao exercício dos direitos dos demais intervenientes nos processos jurisdicionais e da competência do Ministério Público - cfr. artigo 1º alínea a).
É verdade que, nos termos do artigo 29°, os técnicos superiores da Direcção Geral de Reinserção Social não constam do elenco das pessoas que têm acesso aos dados previstos no artigo 3° daquele acervo normativo, nomeadamente, e no que concerne aos presentes autos, a inquéritos em processo penal – artigo 3º alínea c).
Por força do artigo 58º da Lei 34/2009, de 14 de Julho, que dispõe que “é subsidiariamente aplicável, às matérias relativas à protecção de dados pessoais previstas na presente lei, o disposto na Lei da Protecção de Dados Pessoais, aprovada pela Lei 67/98, de 26 de Outubro”, impõe-se, desde logo, ver em que consiste o “tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados”, bem como o “tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados”, artigo 4º/1.
Esta lei impôs, nomeadamente, a segurança do tratamento desses dados fazendo recair sobre o responsável pelo tratamento o dever de pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para os proteger, o que inclui impedir o acesso a pessoas não autorizadas (artigo 14º, n.º 1), ficando todos os que, no exercício das suas funções, tenham tido conhecimento dos dados pessoais tratados obrigados a sigilo profissional (artigo 17º, n.º 1).
Dada a natureza dos dados, o acesso é, em princípio, vedado a todos aqueles que não sejam o seu próprio titular, o responsável pelo tratamento, os subcontratantes, as pessoas sob responsabilidade directa destes ou do responsável pelo tratamento, os terceiros e os destinatários (alíneas e), f) e g) do artigo 3º).
Ora, se assim é, o tipo de crime do artigo 50º da Lei 34/2009, tem como factualidade típica,
o agente, pessoa não devidamente autorizada, a quem o acesso está vedado,
sendo que a acção se consubstancia no acto de aceder aos dados pessoais, definidos na lei,
e o tipo subjectivo não requer nenhum elemento especial, bastando o dolo em qualquer das suas modalidades.
No âmbito da assessoria técnica que prestam aos Tribunais, os técnicos da DGRS, por força das suas atribuições profissionais, com vista a assegurar o apoio técnico na tomada de decisão em sede de processo penal, - como é o caso – cfr. artigo 370º C P Penal - têm o direito, o dever, de obter um conhecimento alargado e aprofundado sobre a pessoa que é objecto de investigação criminal e, em alguns casos, sobre a pessoa ofendida/vítima, com o objectivo de contribuir para a individualização da reacção penal, por um lado e, por outro e de satisfazer a necessidade de garantir meios processuais e dados adequados à prossecução das finalidades judiciais de reinserção do agente no tecido social.
A prossecução desta finalidade implica a recolha prévia de um vasto conjunto de elementos, nomeadamente sobre aspectos subjectivos do crime, de elementos relacionados com a pessoa sobre a qual recai a investigação criminal, que depois se traduzirá ou através de relatórios sociais, de informação social ou de perícia sobre a personalidade.
Instrumentos técnicos, qualquer deles, especialmente vocacionado para investigar a pessoa em si, através do levantamento dos dados que contribuam para o conhecimento da sua personalidade ou traços psicológicas, por exemplo, grau de socialização, desenvolvimento e competências adquiridas, condições e modo de vida actuais, hábitos e dependências.
A intervenção dos serviços de reinserção social, neste, como em qualquer outro domínio, de resto, está integralmente submetida ao controlo jurisdicional exercido por autoridades judiciárias competentes, quer na fase pré-sentencial, quer na fase posterior, ali, pelos tribunais, que proferem a condenação e aqui, pelos tribunais de execução das penas.
A metodologia para a elaboração dos diversos tipos de relatórios sociais baseia-se, fundamentalmente, em entrevistas com os arguidos, com familiares e outras pessoas, instituições e técnicos considerados relevantes para cada caso ou através da consulta dos processos individuais que existam nos serviços da DGRS ou das peças processuais remetidas pelos Tribunais.

No caso concreto, por um lado, a arguida, ao elaborar o relatório social, fê-lo a solicitação do Tribunal e no âmbito do conteúdo funcional inerente à sua condição de técnica da DGRS e, por outro, nem sequer realizou conduta, acção, apta a aceder aos dados pessoais do aqui assistente, pois que se limitou – em pleno exercício das suas funções - a contactar a secção central do DIAP e solicitar ao funcionário respectivo a informação que lhe foi fornecida -no caso, o facto de o assistente ter ali, inúmeros processos, ou como suspeito ou como queixoso.
Ou seja, o comportamento da arguida, se por um lado é levado a cabo, no exercício de um direito/dever, por outro, não caracteriza qualquer acesso a dados pessoais, porquanto não interveio directamente na consulta dos elementos atinentes ao número de processos que ali correram ou estavam pendentes, em que o ora assistente figurava quer como suspeito quer como queixoso.
Etimologicamente – aceder significa aproximar-se, abordar, aportar, encontrar, chegar e, no caso concreto há-de traduzir a ideia da possibilidade de se comunicar com um dispositivo, meio de armazenamento, unidade de rede, de memória, registo ou arquivo, visando receber ou fornecer dados.
Isto é, o acesso a informação, dados, processos, dispositivos, em princípio não disponíveis irrestritamente, ou sem condições.
De tudo isto se conclui que o comportamento da arguida, manifestamente, não é susceptível de integrar a previsão do tipo legal previsto no referido artigo 50º.
Em conclusão, a técnica da DGRS que no exercício das suas funções, junto de oficial de justiça, obtém a informação, que leva ao relatório social, por si elaborado, de que alguém, “tem sido, ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processos pendentes”, não comete o crime de acesso indevido aos dados, do artigo 50º da Lei 34/2009 de 14 de Julho.

III. 3. 3. 2. Por outro lado, considera o assistente – agora, em relação ao crime de difamação – que a decisão recorrida ignorou um facto fundamental, o de que as expressões utilizadas pela arguida não têm qualquer fundamento, não correspondendo à verdade.
E, conhecendo a arguida que tais afirmações eram falsas ou, pelo menos, devendo conhecer - face à sua actividade e qualidade profissionais, e face à importância do relatório que elaborou, bem como à deficiente metodologia adoptada - que tais afirmações eram falsas, a única conclusão que resta é a de que a arguida quis efectivamente ofender, como ofendeu, o assistente na sua honra, bom nome, consideração e reputação.
Daqui conclui, então, que estas expressões, porque infundadas e falsas, objectivamente ofendem o bom nome, honra, consideração e reputação do assistente, não estando em causa o facto de as expressões não se revelarem absolutamente gratuitas ou desproporcionadas, como da mesma forma, não se trata de estabelecer um qualquer paralelismo entre o direito à honra e ao bom nome, do assistente, e o direito à liberdade de expressão, por parte da arguida, no âmbito das suas funções profissionais.
Considera o assistente que o que está em causa é o facto de a arguida ter proferido expressões que, por serem falsas e infundadas, não terem qualquer fundamento, são fortes o suficiente para atingir o reduto de dignidade e bom nome do assistente, fazendo parte do núcleo essencial de competências da arguida, no âmbito da elaboração do relatório social, o dever de conhecimento de que tais afirmações não correspondiam à verdade.
Estabelece o artigo 180º C Penal, que:
“1. quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoas, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”;
2. a conduta não é punível quando:
a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos e,
b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira;
3. sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar;
4. a boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”.
Por seu lado, dispõem os artigos 183º e 184º, respectivamente, que,
aquele, “1. se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º:
a) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, ou,
b) tratando-se da imputação da factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação,
as penas da difamação e da injúria são elevadas de 1/3 no seus limites mínimo e máximo;
2. se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos o com pena de multa não inferior a 120 dias” e,
este, “as penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea j) do artigo 132º/2, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade”.
Finalmente dispõe o artigo 31º C Penal que, “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade, nº.1 e, nomeadamente, não é ilícito o facto praticado, no exercício de um direito, nº. 2 alínea b), no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade, nº. 2 alínea c), com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado”.
Limitar-nos-emos, aqui, tão só, para evitar repetições, em pura perda, a fazer uma resenha do essencial sobre a questão.
Na lição de Beleza dos Santos, ”a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e pelo que vale” e a “consideração, aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos posa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público”.
A honra - segundo o mesmo autor, in RLJ, 92º, 167/8 - refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração, por sua vez, ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo.
Vejamos, então – mais do que o significado – o contexto, das expressões utilizadas, pela arguida reportadas à pessoa do assistente, não olvidando a motivação com que foram proferidas, o que assim ajudará, contribuirá, não tanto, à apreensão do sentido das expressões utilizadas, mas essencialmente, à correcta interpretação das regras jurídicas.
Ora se assim é, então, a arguida técnica da DGRS, no exercício das suas funções no relatório social que o Tribunal, mandou elaborar, acerca do assistente escreveu,
”para a elaboração deste relatório utilizamos as seguintes metodologias e fontes: - entrevista com o arguido no Tribunal de S. João Novo, uma vez que nas diligências anteriores não revelou disponibilidade para colaborar ( ... ) ";
"a situação financeira do agregado veio, entretanto, a sofrer alterações negativas ocorridas após a reforma do pai e posterior falecimento do mesmo ( ... ) ";
"à data dos factos o arguido residia com o mulher e os dois filhos e em termos laborais exercia actividade por conta própria, nomeadamente na gestão da empresa "D…., Lda.", que acabou por entrar em colapso financeiro em 2004, com dívidas a várias entidades financeiras";
"o arguido encontra-se profissionalmente inactivo após a sua saída das supra identificadas empresas ( ... )";
"o arguido refere ter estado, nos últimos tempos, afastado do convívio dos filhos, por determinação do Tribunal ( ... )";
"na zona de residência a imagem do arguido é negativa, atendendo às dificuldades relacionais que apresenta";
"no contacto estabelecido com a Secção Central do DIAP Porto, fomos informados que C...... tem sido ora arguido, ora ofendido, em inúmeros processos judiciais (cerca de 80) desconhecendo-se actualmente o número de processos pendentes";
"no que respeita à sua actual vivência quotidiana ela é marcada pela inactividade laboral em que se encontra ( ... )";
"ao nível familiar não estabelece relacionamento com qualquer elemento do seu agregado de origem, não tendo também actualmente qualquer contacto com os seus descendentes por decisão judicial'';
"os factores supra referidos, isto é, a ausência de uma rede de suporte familiar, quer ao nível do seu agregado de origem quer com os seus descendentes, a inactividade laboral que regista com repercussões negativas na sua situação económica e ainda a sua perspectiva em abstracto, face à natureza dos factos pelos quais está acusado, apresentam-se como factores de risco para a adopção de um comportamento socialmente ajustado”,
não comete o crime de difamação.
A questão da verificação dos elementos constitutivos do tipo precede, naturalmente, a da verificação de uma das previstas causas exculpatórias ou de justificação do facto.
Assim.
Em termos de materialidade objectiva, desde logo, é claro que não estamos perante expressões inócuas, mas também, não estamos perante afirmações que, de qualquer forma, apontem um defeito de carácter do assistente.
Não estamos, seguramente, perante expressões que revelem demérito do assistente ou, que deixem transparecer que este é um mau elemento social.
Nenhuma das expressões utilizadas revela aptidão para colocar em causa as suas qualidades e atributos, ou sugere, sequer, que se esteja perante alguém que, desde logo, não cumpre com as regras que regulam a vida em sociedade.
A linguagem utilizada pela arguida não tem a virtualidade de atingir a susceptibilidade, a honorabilidade, a competência do visado e não revela, concreta aptidão para lesar a reputação e a dignidade que, naturalmente, lhe são devidas.
Isto é, a pessoa do assistente não foi exposta de forma a provocar desestima ou desconsideração, nem o seu objectivo, era, tão pouco, o de o enxovalhar, desprestigiar, rebaixar, humilhar e apoucar.

O que foi divulgado foi-o com o propósito de se exercer, por um lado, o apontado direito e, por outro, o apontado dever e revela-se como um meio adequado e razoável, do cumprimento do fim que se pretendia atingir no caso concreto – o de informar o Tribunal acerca da actual vivência do assistente, com vista a contribuir para uma correcta e, o mais aproximada possível, à realidade, individualização e graduação da pena, eventualmente, a aplicar, no processo em causa.
Ademais, como é sabido, sobre o elemento subjectivo – enquanto elemento e realidade, imaterial e insindicável, enquanto tal, muito menos, no âmbito de um crime de difamação, em que ainda com maior acerto, rigor e fundamento - terá que se aferir da sua verificação ou não – na falta de confissão por parte do agente - como conclusão a extrair da apreciação na globalidade, do contexto e de toda a materialidade, apuradas.
Para a verificação do elemento subjectivo do crime de difamação, basta o dolo genérico – em qualquer uma das suas modalidades - não se exigindo que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir.
Não é pois, necessário o animus difamandi, bastando o carácter objectivamente difamatório das expressões utilizadas, com a consciência de que o que se diz ofende a pessoa visada na sua honra e consideração, não sendo elemento essencial o dolo específico ou seja a especial intenção de difamar – daí que apesar de se ter julgado como provado que a arguida não tenha, no caso concreto, tido essa intenção, não obstante, haja sido, à mesma, condenada.
Estamos, então, perante um crime de perigo abstracto-concreto, pois que o perigo não surge, na lei, como simples motivo de incriminação, nem é ali incluído como facto típico, antes está referido ao modo de ser da acção típica, a qual encerra em si mesma uma genérica aptidão para produzir o evento danoso, que é a ofensa à honra e consideração alheias.
No caso concreto, da prova produzida, tendo presente todos os elementos probatórios carreados para os autos, resultantes, da prova pessoal e documental, valorados e conjugados entre si de acordo com as regras da experiência comum, impõe-se concluir que não só, não existe prova suficiente a respeito da existência do elemento objectivo - que se traduz na descrição objectiva da acção ou omissão proibida – como, da mesma forma, do subjectivo, relativo à atitude (aos conhecimentos) que o agente deve apresentar em relação à realização do tipo penal de difamação - seja no caso, o carácter objectivamente ofensivo das expressões utilizadas e a consciência de que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir.
Assim a apurada conduta da arguida não violou o dever de abstenção implicitamente imposto na norma incriminatória.
De qualquer forma, as afirmações utilizadas pela arguida, no contexto em que foram feitas – mesmo que pudessem (que não podem, como vimos já) ser consideradas como ofensivas da honra e consideração do visado, sempre estavam, no caso, intermediadas por uma causa de justificação, geral ou específica.
Como vimos já, o n.º 2 do artigo 180º C Penal consigna causas de justificação que tornam o facto difamatório não punível, desde que a imputação do facto desonroso seja feita para realizar interesses legítimos e, se além disso, o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar de verdadeira.
No entanto, nos termos do n.º 3 da mesma norma – que consagra uma excepção à apontada excepção, o que se reconduz à aplicação do regime previsto no artigo 31º - nos casos em que esteja em causa a imputação de factos desonrosos ligados à intimidade da vida privada e familiar, pode ser afastado o seu carácter ilícito, desde que a actuação tenha sido levada a cabo no exercício de um direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade ou perante o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
A arguida teve como fundadamente verdadeiras as informações que lhe foram prestadas, pelas fontes e, que vinculou no relatório social, elaborado a pedido do Tribunal e, daqui, prima facie, não seria punível a sua conduta, cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 180º C Penal.
No entanto e, mesmo que se pudesse considerar que estamos – em relação a algumas das afirmações, pelo menos - perante facto relativo à intimidade da vida privada do assistente, por força do n.º 3 do artigo 180º, já não seria aplicável o regime previsto no citado n.º 2 e, então, a conduta da arguida voltava a ser punível - salvo caso de aplicação do artigo 31º.
E será pertinente a chamada desta norma ao caso, pois que, a actuação da arguida foi levada a cabo no pleno exercício de um direito e do mesmo modo, no cumprimento de um dever, que lhe exigia que para poder produzir o relatório social, que foi incumbida de fazer, se informasse, com rigor, exaustão e isenção, sobre todos os dados reputados pertinentes e relativos à pessoa do aqui assistente e deles dar conhecimento ao Tribunal respectivo.

III. 3. 4. É tempo de terminar, afirmando a falta de fundamento do recurso apresentado pelo assistente:
o recurso não merece provimento;
pois que se, por um lado, perante a materialidade indiciariamente provada, não estão verificados os elementos constitutivos, objectivo e subjectivo do tipo legal de difamação,
por outro, ainda que se verificassem ambos, o facto ter-se-ia como justificado e, não é punível, por força, quer do n.º 2 do artigo 180º, quer do artigo 31º/1 e 2 alíneas b) e c) C Penal.

IV. Dispositivo

Atento todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente C......, confirmando-se a decisão recorrida.

Taxa de justiça pelo recorrente, que se fixa no equivalente a 5 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2013.Março.13
Ernesto de Jesus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira