Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1942/11.3TJVNF-I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
RECURSO
PRAZO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP201403271942/11.3TJVNF-I.P1
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo para interposição de recurso de despachos ou sentenças orais a que se refere o actual art° 638°, nº 3, do CPC, corre a partir do dia em que foram proferidos se, além do mais, tiverem sido então efectivamente reproduzidos no processo ou no prazo de que a Secretaria dispõe para elaborar e facultar o exame da acta, designadamente no Citius.
II - Apesar de não ter sido quem arguiu a nulidade, tem legitimidade para recorrer do despacho que a decidiu quem pelo respectivo efeito se mostrar directa e efectivamente prejudicado.
III - A manifesta extemporaneidade da impugnação de créditos reconhecidos em insolvência não precisa de ser expressamente declarada pelo tribunal para que o respectivo titular seja admitido a votar como credor na assembleia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1942/11.3TJVNF-I.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 142)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Em processo de insolvência de B… e C… pendente no 2º Juízo Cível da Comarca de Vila Nova de Famalicão, na assembleia de credores realizada em 31-05-2013, foi proferido um despacho com que a credora “D…, CRL”, não se conformou e dele interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações:
“1. A legitimidade para recorrer deve ser aferida por um critério material, cabendo à parte para a qual a decisão for desfavorável (ou não for a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal a quo.
2. A expressão “parte vencida” deve, assim, entender-se no sentido de «parte afetada ou prejudicada pela decisão».
3. Ora, a decisão de indeferimento da nulidade arguida pela “E…, Lda.” é desfavorável à ora recorrente, já que se traduz em dar como aprovada a proposta de composição da comissão de credores apresentada pelo Administrador de Insolvência na assembleia de credores realizada em 19/03/2013 e como não aprovada a proposta apresentada nessa mesma assembleia pela ora recorrente.
4. Consequentemente, e por ter ficado vencida, tem a recorrente legitimidade para interpor o presente recurso, legitimidade essa que lhe deve ser reconhecida.
5. O prazo para interposição de recurso, tratando-se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, corre a partir do dia em que foram proferidos (cfr. art. 685.º, n.º 3, do CPC).
6. No entanto, esta regra só se aplica quando «a sentença (ou despacho) oral tenha ficado imediatamente reproduzido na ata (ou em auto, tratando-se de despacho não proferido em julgamento), e esta tenha ficado disponível às partes», caso contrário, ter-se-á de aguardar pela disponibilização às partes da dita ata para que o prazo de recurso dos despachos orais se inicie (cfr. Acórdão do TRP de 03/05/2011, disponível em www.dgsi.pt).
7. Na assembleia de credores realizada em 31/05/2013 foram proferidos despachos orais, entre os quais os aqui postos em crise, sobre matérias de extrema importância, com uma fundamentação exígua e feita por remissão para requerimentos apresentados nos autos, sendo que, por isso mesmo, o alcance real das soessões, em face da não disponibilização imediata às partes, condicionava o caber exercício do direito de recurso.
8. A ata da referida assembleia não foi disponibilizada às partes através da plataforma informática citius antes de 21/06/2013 pelas 00h:02m! como resulta do registo informático associado à dita ata.
9. Por requerimento enviado aos autos em 12/063/2013 (ref. Citius 13691694), a recorrente informou que a dita ata ainda não estava disponível no portal Citius e requereu que lhe fosse notificada da sua disponibilidade.
10. Não obstante, não foi ainda notificada pela secção da disponibilização da aludida ata, tendo tomado conhecimento da mesma pelas diárias consultas feitas à plataforma citius.
11. Ora, «a regra é a da notificação das decisões às partes quando estas não devam considerar-se notificadas no próprio ato em que foram proferidas» (cfr. art. 685.º, n.º 1, do CPC)! como aconteceu in casu por os despachos e a ata respectiva não terem ficado imediatamente disponíveis no Citius ! «e não a de as partes indagarem junto do Tribunal (no sistema Citius, quando seja o caso, ou na secretaria judicial) da disponibilidade (física) das mesmas (…). Nem seria exigível que as partes andassem constantemente a procurar, no Tribunal ou no Citius, se determinada decisão (proferida oralmente, mas não disponibilizada de imediato) já se encontra ou não disponível»! cfr. Acórdão já citado.
12. Por isso, o que se impunha era que, uma vez disponibilizada a ata, o Tribunal procedesse à notificação das mesmas às partes.
13. Não o tendo ainda feito, o prazo para recurso dos despachos proferidos na referida assembleia de credores, em rigor, ainda nem sequer se iniciaram.
14. No entanto, e ainda que numa interpretação mais restritiva da lei se entenda que o prazo se inicia a partir da disponibilização da ata no citius, deverá o presente recurso ser julgado tempestivamente interposto, por o ser ainda dentro do prazo de 15 dias a contar da disponibilização da ata (21/06/2013) onde consta o despacho proferido oralmente na assembleia de credores realizada a 31/05/2013.
15. No entender da ora recorrente, o despacho ora posto em crise incorre em erro na interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 53.º, n.º 1, aplicável ex vi artigos 67.º, n.º 3, 73.º, n.º 1, 3 e 4 do CIRE e artigos 201.º, 205.º e 208.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 17.º do CIRE.
16. Na assembleia de credores realizada nos presentes autos em 19/03/2013 estiveram presentes 29 credores, concretamente os identificados na ata redigida, cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzida para os devidos efeitos legais.
17. No decurso da dita assembleia de credores, e depois de ter sido feito o apuramento do resultado da votação efetuada na assembleia de credores de 18/07/2012 em conformidade com o determinado em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 28/01/2013, foi posta à votação a proposta do Administrador de Insolvência relativa à composição da comissão de credores que indicava como membros efetivos a “F…, CRL” (como presidente), G… e Instituto da Segurança Social, IP, e como membros suplentes H… e “E…, Lda.”
18. Ora, para a constituição e substituição de qualquer membro da Comissão por deliberação da Assembleia de Credores torna-se necessária a «cumulação de um duplo quórum respeitante tanto aos votos emitidos como aos próprios emitentes» (art. 53.º, n.º 1 ex vi art. 67.º, n.º 3 do CIRE).
19. A deliberação deve, assim, ser tomada pela maioria dos credores votantes, que sejam simultaneamente titulares da maioria dos votos emitidos, não sendo considerados para o apuramento destas maiorias os dos abstencionistas, os quais são tratados como se não estivessem presentes na assembleia (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid iuris, p. 248).
20. Em princípio, os créditos reconhecidos conferem um voto por cada euro ou fração, não sendo atribuído qualquer direito de voto aos créditos subordinados, nos termos do artigo 73.º, n.º 1 e n.º 3 do CIRE.
21. Entre outros, intervieram no escrutínio realizado quanto à composição da comissão os seguintes credores: I…, J…, H…, L…, M…, N…, O…, P… e Q….
22. No entanto, os créditos referidos em 21 foram objeto de impugnação pelo credor S…, não tendo ainda sido proferida decisão definitiva quanto à manutenção dos referidos créditos na lista de créditos reconhecidos.
23. Nos termos da lei em vigor, enquanto não for proferida uma decisão judicial quanto ao mérito da impugnação deduzida, isto é, enquanto não for decidido judicialmente o incidente de impugnação de créditos, os créditos que hajam sido objeto de impugnação são havidos como créditos impugnados independentemente da maior ou menor probabilidade de procedência da impugnação deduzida, status quo esse que permanecerá até trânsito em julgado de sentença de verificação e graduação dos créditos.
24. Pelo que é irrelevante e destituído de qualquer valor o fundamento invocado pelo Sr. Administrador de Insolvência e a que aderiu o Mmo. Juiz a quo, segundo o qual por a impugnação de créditos ter sido supostamente deduzida fora de prazo! o que não se concede pelas razões constantes do requerimento de 13/05/2013 (ref. Citius 13362610)! os créditos impugnados devem ser considerados para efeitos de atribuição de direito de voto como se não tivessem sido impugnados.
25. Como de resto reconheceu o Administrador de Insolvência no seu requerimento de fls. 356 a 360! a cujos fundamentos o tribunal a quo aderiu para sustentar o despacho de que ora se recorre !, à data dos escrutínios aqui em causa não tinha ainda sido proferida qualquer decisão quanto ao incidente de impugnação de créditos (como ainda não o foi até à presente data).
26. Assim, e sob pena de perversão do sistema jurídico e ostensiva violação de lei expressa, clara e vigente, os créditos impugnados permanecem até esta data com esse mesmo status quo e, consequentemente, sujeitos ao quadro normativo aplicável a tal caraterização jurídica.
27. Ora, as regras que permitem determinar de modo relevante a titularidade de créditos sobre a insolvência, susceptíveis de justificar a participação na assembleia e o eventual exercício do direito de voto, estão contidas no artigo 73º do CIRE.
28. Nos termos do artigo 73.º, n.º 1 do CIRE, os créditos conferem um voto por cada euro ou fração se já estiverem reconhecidos por decisão transitada em julgado ou se, cumulativamente, o credor já os tiver reclamado no processo e não forem objeto de impugnação por parte do administrador de insolvência ou de algum credor com direito de voto.
29. Em contrapartida, os créditos impugnados não conferem direito de voto, a menos que assim seja decidido pelo juiz, na sequência de solicitação feita pelo interessado, tudo ao abrigo do esquema concebido no n.º 4.
30. Estando em causa um crédito impugnado, o juiz pode conferir o direito de voto a pedido do interessado, «fixando-se a quantidade respetiva, com ponderação de todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente da probabilidade da existência, do montante e da natureza subordinada do crédito, e ainda, tratando-se de créditos sob condição suspensiva, da probabilidade da verificação da condição» (art. 73.º, n.º 4, do CIRE).
31. A maior ou menor probabilidade de procedência de impugnação não influi sobre a aplicação ou não das regras especiais do artigo 73.º, n.º 4, do CIRE, mas apenas sobre a quantidade de votos a atribuir (não podendo exceder, claro está, a proporção de um voto por euro ou fração que cabe aos crédito definitivamente reconhecidos ou não impugnados).
32. Seja qual for a fonte da impugnação, a atribuição de direito de voto ao reclamante impugnado só pode então ter lugar segundo o modelo definido no referido n.º 4 deste artigo.
33. O procedimento supra descrito foi adotado, por exemplo, na reunião da assembleia de credores ocorrida em 18/07/2012 (cfr. ata respetiva), em que, a solicitação dos credores interessados, lhes foi concedido 50% do valor dos respetivos créditos para efeitos de votação.
34. Diferentemente, na assembleia de credores de 19/03/2013, todavia, nenhum dos credores cujos créditos foram impugnados requereu que lhes fosse atribuído direito de voto.
35. E, assim, por falta da necessária e imprescindível iniciativa processual, não foi proferido qualquer despacho judicial a atribuir tal direito de voto aos credores impugnados, fixando-lhe a quantidade respetiva.
36. Em consequência, os credores I…, J…, H…, L…, M…, N…, O…, P… e Q… não gozavam de direito de voto.
37. No entanto, os credores intervieram no escrutínio realizado e os seus votos foram contabilizados para efeitos de decisão — o que apenas por lapso terá acontecido — sem que previamente se tivessem munido da necessária decisão do juiz que lhes conferisse o direito a intervirem no mesmo e determinasse o valor do respetivo voto.
38. A referida ilegalidade, consubstanciada na contabilização da posição manifestada por credores sem direito de voto, influiu no exame e decisão da causa, pois não fosse a consideração do voto exercido por tais credores o resultado dos dois escrutínios realizados seria cabalmente diferente.
39. Não fosse a indevida consideração dos votos dos ditos credores nunca a constituição da comissão sugerida pelo Administrador de Insolvência teria sido aprovada pelo duplo quórum exigido: respeitante tanto aos votos emitidos como aos próprios emitentes.
40. E, consequentemente, importa a nulidade do ato de contagem dos votos, nos termos do artigo 201.º do CPC ex vi artigo 17.º do CIRE.
41. Na mesma assembleia de credores de 19/03/2013, feito o apuramento dos votos nos termos que antecedem, foi apresentada pela ora recorrente uma proposta de composição da comissão de credores que importava a substituição da “F…, CRL” (como presidente) e de G… pelos credores T… e “E…, Lda.”
42. No entanto, a contagem de votos no segundo escrutínio enferma também de nulidade autónoma! que a “E…, Lda.” arguiu também em tempo pelo seu requerimento de 10/04/2013.
43. É que também neste escrutínio participaram credores cujos créditos se achavam impugnados sem que para o efeito houvessem obtido do juiz a prévia autorização e atribuição de votos.
44. Assim, na supra identificada diligência estiveram presentes 29 credores, sendo 10 votaram a favor da proposta de composição da comissão de credores apresentada pela ora recorrente, 16 votaram contra (entre os quais os 9 credores supra identificados cujos créditos se acham impugnados) e 3 abstiveram-se.
45. Ora, conforme se constata 9 dos credores que votaram contra nesse escrutínio não tinham qualquer direito de voto, o que importa, pois, a referida proposta de alteração de composição da comissão apresentada haja recebido afinal 10 votos a favor, 7 votos regular e validamente emitidos contra (e já não 16) e 3 abstenções.
46. Ademais, valorando-se os votos emitidos pelos créditos impugnados, a referida proposta de composição recebeu 50,55% de votos a favor e 49,45% de votos contra. Mas sem a contabilização dos votos dos créditos impugnados, a referida proposta de composição da comissão recebeu 59,65% votos a favor e 40,35% votos contra.
47. Assim, não fosse a consideração indevida dos votos emitidos pelos credores cujos créditos se acham impugnados teria sido possível a constituição da comissão nos termos requeridos pela ora recorrente, por ter reunido o duplo quórum exigido: a maioria dos credores votantes (10 votos) que sejam simultaneamente titulares da maioria dos votos emitidos (59,65%), não se considerando as abstenções.
48. Estamos, pois, perante uma invalidade que atinge o escrutínio realizado quanto constituição da comissão de credores proposta pela ora recorrente, a qual influiu decisivamente na decisão da causa, pois não fosse a consideração do voto exercido por tais credores o resultado do referido escrutínio seria completamente diferente.
49. E, consequentemente, importa a nulidade do referido ato de contagem dos votos, nos termos do artigo 201.º do CPC ex vi art. 17.º do CIRE.
50. No caso presente, atenta a natureza da invalidade processual cometida — que se consubstancia numa errada contagem dos votos — a sanação da invalidade e a renovação do ato nulo basta-se com a mera recontagem dos votos, segundo as regras legais, sem necessidade de realização de novo escrutínio.
51. A renovação do ato nos termos que antecedem, aproveita aos credores que votaram em sentido contrário ao dos credores impugnados e, nessa medida, é permitida pelo artigo 208.º do CPC.
52. Assim, em face das invalidades processuais supra identificadas e tempestivamente arguidas deveria o tribunal a quo ter ordenado a repetição dos atos nulos! contagem dos votos !, procedendo-se à recontagem dos votos nos dois escrutínios sem consideração dos votos dos credores impugnados (que não requereram, em tempo, a atribuição de direito de voto e não podiam fazê-lo posteriormente, por terem deixado precludir o seu direito).
53. Em conformidade, deveria o tribunal a quo ter dado como aprovada a proposta apresentada pela ora recorrente, no sentido de a Comissão de Credores ter a seguinte composição E…, Lda., como presidente (em substituição da F…), T… (em substituição de G…) e Instituto da Segurança Social, IP.
54. No que respeita à existência de outros créditos impugnados, é verdade que os créditos dos credores de U…, Lda. e V… foram também impugnados.
55. Sucede que, não tendo sido arguida a nulidade quanto aos votos destes dois credores no momento processual oportuno, terá de considera-se quanto a estes sanada a eventual nulidade decorrente do facto de terem votado sem que lhes houvesse sido conferido o almejado direito de voto.
56. Mas ainda que se concedesse! o que apenas se faz por mero dever de patrocínio! que esses dois credores também não teriam direito de voto, a verdade é que tal não prejudica ou preclude o facto de a proposta de composição da Comissão de Credores apresentada pela ora recorrente dever ter-se por aprovada e por rejeitadas as apresentadas pelo Sr. AI.
57. É que desconsiderando-se os votos de todos os credores cujos créditos se mostram impugnados! portanto, também os dos credores V… e U…, Lda! , importa que o primeiro escrutínio de composição da comissão apresentada pelo Administrador de Insolvência colheu 8 votos a favor, 8 votos contra e 2 abstenções.
58. Em termos percentuais, não se contando os votos de todos os créditos impugnados e as abstenções, a referida proposta de composição de constituição da comissão proposta pelo Administrador de Insolvência apenas recebeu 43,74% (correspondente a € 379.342,82) votos a favor e 56,26% (correspondente a € 487.960,44) votos contra.
59. Assim, não fosse a consideração indevida dos votos emitidos por todos os credores cujos créditos se acham impugnados, nunca teria sido possível a constituição da comissão nos termos sugeridos pelo Administrador de Insolvência, por não se ter reunido o duplo quórum exigido.
60. Já no que concerne ao segundo escrutínio (não se considerando todos os créditos impugnados), para composição da comissão de credores nos termos propostos pela D… 8 votaram a favor, 7 votaram contra e 3 abstiveram-se.
61. Em termos percentuais, e não se contando os votos dos créditos impugnados e as abstenções, o segundo escrutínio recebeu 57,80 % votos a favor (correspondente a € 487.960,44) e 42,20 votos contra (correspondente a € 356.324,35).
62. Consequentemente, não fosse a consideração indevida dos votos emitidos por todos os credores cujos créditos se acham impugnados teria sido aprovada a constituição da comissão nos termos requeridos pelo credor D…, por ter reunido o duplo quórum exigido: a maioria dos credores votantes (8 votos) que sejam simultaneamente titulares da maioria dos votos emitidos (57,80 %), não se considerando as abstenções.
63. Assim, muito mal andou o tribunal a quo ao ter aderido aos fundamentos alegados pelo administrador de insolvência, os quais assentam em equívocos de contabilização de votos e errónea interpretação e aplicação do quadro normativo estatuído em sede de atribuição e contagem de votos no processo insolvencial.
64. E nem se ouse sequer pensar que in casu se aplica a norma do artigo 73.º, n.º 6, do CIRE.
65. Na verdade, a norma constante do artigo 73.º, n.º 6 do CIRE está pensada exclusivamente para aquelas situações em que, proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, são reconhecidos ao credor créditos por valor superior ou inferior àquele que foi considerado para efeitos de atribuição de direito de voto no decurso do iter processual.
66. É que, enquanto não houver sentença de verificação de créditos, a atribuição do direito de voto aos credores reclamantes tem sempre carácter provisório, na medida em que o valor efetivo dos créditos só se apura a final, na sentença de verificação e graduação.
67. No entanto, para evitar a insegurança jurídica e a perturbação processual que estaria implicada na revisão de todos os escrutínios de acordo com os resultados apurados na sentença de verificação, o legislador estabeleceu, na parte final do n.º 6 do artigo 73.º do CIRE, que nunca as deliberações que vierem a ser tomadas na assembleia podem ser postas em causa com o fundamento de que foi admitido a votar quem na sequência da sentença de verificação se constatou não ter esse direito ou, pelo menos, não o ter na medida em que o exerceu.
68. Na situação que ora se discute, o que sucedeu foi coisa diversa: não estará aqui em causa a constatação, prolatada a sentença de verificação, que em determinada deliberação foi atribuído a certos credores um número de votos diferente daquele que lhe competia.
69. Mas antes a verificação de um erro/irregularidade na contagem dos votos, traduzido no facto de terem sido admitidos a votar credores cujos créditos foram impugnados, sem que tivessem requerido e lhes tivesse sido concedido direito de voto nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do CIRE.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO,
Deverá o recurso ora interposto ser julgado totalmente procedente e, em consequência, revogar-se o despacho que indefere as nulidades arguidas pela “E…, Lda.” e ordenar-se que se proceda à recontagem dos votos nos escrutínios supra identificados, declarando-se aprovada a proposta de constituição da Comissão de Credores apresentada pela ora recorrente na assembleia de credores de 19/03/2013 no sentido de tal comissão ser constituída por “E…, Lda.”, T… e Instituto da Segurança Social, I.P, como membros efetivos, como é de JUSTIÇA!”

Nas contra-alegações, a credora “F…, CRL”, além de suscitar questões prévias, defendeu a confirmação do decidido, concluindo:
1. “Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 680.° do CPC, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2. Dispõe ainda o n.º 2 do artigo referido supra que: "As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
3. A improcedência da arguição das nulidades suscitada pela credora E… não é prejudicial à recorrente nos termos do artigo 680.° do CPC porque esta não é parte principal nem a sua pretensão foi vencida porque nenhuma nulidade arguiu na referida assembleia, antes a tendo aceite.
4. O presente recurso é extemporâneo por violação do disposto no artigo 685°, n.º 2 do CPC:
5. Dispõe o artigo 685.°, n.º 2 do CPC que: estando em causa despachos ou sentenças orais reproduzidos no processo, o prazo de interposição de recurso corre do dia em que os mesmos foram proferidos, quando a parte tenha estado presente ou tenha sido notificada para assistir ao acto.
6. O artigo 205.° do CPC no seu n° 1, enuncia que: "... se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência."
7. No dia da realização da assembleia de credores, dia em que foi proferido o despacho objecto de recurso a recorrente estava devidamente representada pela sua mandataria Dra. W…, que no decorrer da mesma não suscitou qualquer nulidade ou reclamou do que quer que fosse
8. A recorrente interpõe o presente recurso de um despacho proferido oralmente em ata de assembleia de credores realizada no dia 31/05/2013 e da qual esteve presente e aceitou.
9. Decorre do disposto no artigo 681.° n.º 2 do CPC, que; " Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
10. O recurso é extemporâneo por violar o disposto nos artigos 205.o n.º 1 e 685., n.º 3 ambos do CPC.
11. O Sr. Administrador de Insolvência no dia 19/10/2011, apresentou na secretaria do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão a lista de todos os créditos por si reconhecidos e não reconhecidos do presente processo. (cfr. lista de créditos reconhecidos com data de 19/10/2011)
12. Decorre do n.º 1 do artigo 130.° do CIRE que o prazo para qualquer interessado impugnar a lista de todos os creditas reconhecidos e não reconhecidos é de 10 dias, após a apresentação da lista na secretaria do tribunal.
13. O prazo para impugnar os créditos terminava no dia 04/11/2011, já com a dilação dos três dias úteis com multa - vide artigo 145.°, n.º 3 do CPC.
14. O credor impugnante S…, apresentou o requerimento de impugnação de créditos no dia 17/11/2011 ultrapassando em muito o prazo legalmente estabelecido no n. 1 do artigo 130.° do CIRE.
15. Para todos os efeitos os créditos dos mencionados credores não foram alvo de qualquer impugnação no prazo fixado nos n.os 1 e 2 do Artigo 130.° do CIRE, como já demonstrado, tendo precludido o seu direito, vide Acórdão da Relação do Porto de 28/06/2010, publicado, in www.dgsi.pt.
16. No caso de não existir sentença de verificação e graduação de créditos como acontece no caso sub judice atende-se ao critério previsto no art. 73°/1 a) e b)
17. Os credores não requereram o direito de voto porque uma impugnação extemporânea não tem a virtualidade de produzir os efeitos juridicos que resultariam da sua normal tramitação porque a lei não permite a pratica de um acto fora do prazo.
18. Caso produzisse efeitos jurídicos os credores imediatamente e na própria assembleia requeriam a votação nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 73° do CIRE.
19. A haver invalidade processual como alega a recorrente, esta implicaria apenas uma mera irregularidade e não uma nulidade nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 201.° do CPC, por aplicação do artigo 17.° do CIRE.
20. O próprio CIRE no nº 6 do artigo 73.° dá a orientação que se deve seguir nesta matéria "Não é em caso algum motivo de invalidade das deliberações tomadas pela assembleia a comprovação ulterior de que aos credores competia efectivamente um numero de votos diferente do que lhes foi conferido."
21. Em razão de tudo o que antecede o recurso não pode senão improceder.
22. Assim e em conclusão, devem improceder todas as conclusões da Apelante, pelo que o douto despacho deve ser confirmado in to tum assim se fazendo JUSTIÇA!
O recurso foi admitido (por no respectivo despacho proferido em 1º instância se entender que, nos termos do artº 680º, nº 1, a recorrente tem legitimidade e que ele foi apresentado em tempo por a acta da assembleia só ter ficado disponível no Citius na data alegada pela recorrente) como de apelação, com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe e é pacífico, nenhuma delimitação (subjectiva ou objectiva) sendo especificada, pelo recorrente, ao interpor o recurso, as questões a resolver devem fixar-se em função das conclusões por ele apresentadas. Sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, tais conclusões definem, pois, o thema decidendum e balizam os limites cognitivos do tribunal ad quem, sob pena de a eventual pronúncia por excesso ou por defeito ser cominada com nulidade.

No caso, cabe-nos, previamente, apreciar:

a) Tempestividade do recurso;
b) Legitimidade da recorrente;
c) Inadmissibilidade (aceitação da decisão recorrida).

E, caso deva apreciar-se o seu mérito, saber se:

d) Sendo manifestamente extemporânea uma impugnação de créditos antes deduzida, cujos titulares participaram e foram admitidos a votar em assembleia as propostas relativas à composição da Comissão mas não tendo sido ainda tal impugnação objecto de decisão específica a rejeitá-la, não podiam, por isso, ser, como foram, considerados válidos os respectivos votos pressupondo-se a implícita rejeição da impugnação, devendo, pelo contrário, aqueles créditos permanecer como impugnados e os seus titulares não ser admitidos a votar até a decisão ser proferida expressamente.
e) Ou se, todavia, se trata de mera irregularidade sem influência no exame e decisão da causa.

III. FACTOS PROVADOS

1) No dia 19-10-2011 – cfr. carimbo de entrada aposto conforme fls. 183 –, o Administrador da Insolvência apresentou neste processo a relação dos créditos por si reconhecidos, reclamados e não reclamados (fls. 183 a 186).

2) No dia 03-11-2011, o Administrador de Insolvência apresentou nos autos uma proposta de plano de insolvência, com documentos anexos, designadamente entre eles repetindo a relação antecedente já apresentada em 19-10-2011 (fls. 131 a 154).

3) No dia 17-11-2011 (fls. 156 a 163) o credor reclamante e reconhecido S…, dizendo-se notificado da apresentação da proposta de Plano de Insolvência “o qual se acha instruído com a relação dos créditos reconhecidos”, apresentou requerimento de impugnação dos créditos de:

-I…;
-J…;
-H…;
-X…;
-L…;
-M…;
-N…;
-O…;
-U…, Ldª;
-P…;
-Q…;
-V….

4) Por requerimento de 02-12-2011, o credor H… (e outros), em resposta, além do mais, arguiu a extemporaneidade de tal impugnação (fls. 188 a 194).

5) Na assembleia de credores realizada em 19-03-2013, estiveram presentes 29 credores, melhor identificados na respectiva acta para que se remete (fls. 65 a 67), cujo teor aqui se dá por reproduzido.

6) Nessa assembleia, dos credores referidos em 3), não esteve presente nem representado o credor titular de crédito reconhecido objecto da referida impugnação X….

7) Nessa mesma assembleia foi posta à votação a proposta apresentada pelo Administrador da Insolvência relativa à composição da comissão de credores (indicada na dita acta – fls. 68).

8) Votaram a favor de tal proposta, entre outros, 9 (nove) dos credores cujos créditos foram objecto de impugnação e acima referidos, a saber:

-I…;
-J…;
-H…;
-L…;
-M…;
-N…;
-O…;
-P…;
-Q….

9) Os restantes dois titulares de créditos impugnados U…, Ldª e V… votaram, juntamente com outros, a favor.

10) Conforme resultado da votação detalhado na acta para que se remete, a maioria dos 29 credores votantes e dos votos emitidos, sem serem consideradas as abstenções, foi favorável à proposta referida em 7), supra (dupla maioria).

11) Foi, na sequência disso, nomeada e empossada a Comissão com os membros da proposta aprovada.

12) Após, a mandatária da credora D… pediu a palavra e, no uso da mesma, requereu a alteração da composição da Comissão.

13) Votaram contra, entre outros, os referidos credores cujos créditos foram objecto de impugnação, a saber:

-I…;
-J…;
-H…;
-L…;
-M…;
-N…;
-O…;
-P…;
-Q….

14) Conforme resultado da votação detalhado na acta para que se remete, a maioria dos 29 credores votantes e dos votos emitidos, sem serem consideradas as abstenções, foi contrária à proposta referida em 12), pelo que foi rejeitda.

15) Nessa data, não fora proferida, ainda, qualquer decisão judicial, expressa, sobre a impugnação de créditos e sobre a sua alegada extemporaneidade, supra descritas, referidas em 3) e 4) supra.

16) Os onze credores presentes e votantes por ela visados nada requereram em vista do disposto do disposto no nº 4, do artº 73º, do CIRE (atribuição do direito de voto, em caso de impugnação).

17) Se os votos (a favor da proposta do Administrador e, depois, contra a da D…) emitidos pelos referidos credores alvo de impugnação não tivessem sido considerados, o resultado das referidas votações, além de diferente, implicaria a não aprovação da proposta de composição da comissão de credores apresentada pelo Administrador e a aprovação da proposta de alteração desta apresentada pela credora D…, tendo em conta a votação discriminada na acta, para que se remete, e respectiva recontagem.

18) Por requerimento apresentado em 10-04-2013, a credora “E…, Ldª” (fls. 77 a 92, cujo teor aqui se dá por reproduzido), arguiu a irregularidade da contagem de votos feita na dita assembleia de 19-03-2013, além do mais invocando como fundamento para tal que o dito grupo dos referidos 9 credores cujos créditos foram reconhecidos pelo Administrador haviam sido admitidos a votar mas, porque estavam impugnados pelo credor S…, não havia sido proferida decisão expressa sobre tal impugnação nem eles pediram autorização para estar presentes e que lhes fossem conferidos votos, não gozavam do direito de voto, pelo que pediu que fossem declarados nulos os actos de contagem dos votos e anulado todo o processado.

19) Por requerimento apresentado em 29/04/2013 (fls. 93 e 94 deste processo mas que no original era o de fls. 356 a 360), o Administrador de Insolvência respondeu que as impugnações deduzidas pelo credor S… foram objecto da resposta do credor H…, o qual, nela, pugnava pela extemporaneidade daquelas; e que ele próprio por requerimento de 14-03-2013 se pronunciou também pela manutenção da integralidade dos créditos, apenas alterando para subordinados a natureza dos créditos de P… e Q…, e expressando o seu parecer no sentido de que os credores deverão manter o seu direito de voto para efeito de votações na referida assembleia de 19-03-2013, não sendo de fazer qualquer correcção aos resultados do escrutínio.

20) Por requerimento apresentado em 13-05-2013 (fls. 100 a 106), a ora apelante D…, pronunciando-se nos autos sobre um requerimento de 24-04-2013 apresentado pela F… e também sobre o do Administrador de 29-04-2013 (o de fls. 93 e 94 deste processo mas que, no original, era o de fls. 356 a 360) a propósito de aquela e este se terem pronunciado pelo indeferimento da arguição de nulidades processuais suscitadas pelo credor E…, mormente quanto à extemporaneidade da impugnação que defenderam não existir, refutou-os, referiu que não houve ainda decisão expressa da mesma, necessária ainda que tivesse sido deduzida extemporaneamente, reiterou tudo quanto a E… alegou no dito requerimento em que arguiu as nulidades e concluiu pedindo que seja julgado totalmente deferido o requerimento de arguição de nulidades da credora E….

21) O despacho recorrido, relativo a tal requerimento formulado em 10-04-2013 pela E… acima descrito, proferido oralmente durante a assembleia de credores realizada em 31-05-2013, a que se refere a acta de fls. 53 a 56, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e que nesta está escrito, diz: “O Sr. AI pronunciou-se a esse respeito, a folhas 356 e 360, com argumentos e fundamentos que reputamos válidos e adequados à concreta questão colocada, que aqui damos por reproduzidos por razões de economia processual e aos quais aderimos, pelo que, com a devida vénia, acompanhando-se a argumentação do Sr. AI, se julga improcedente a pretensão deduzida pela E….” Tal despacho termina com a ordem “notifique”.

22) Nenhuma outra decisão expressa até então fora ainda proferida nos autos sobre a questão da extemporaneidade das impugnações suscitada pelo credor “E…, Ldª”.

23) Dessa acta consta que “logo, todos os presentes foram devidamente notificados, tendo a diligência sido declarada encerrada quando eram 16,30 h”.

24) Nesta assembleia a aqui apelante D… esteve representada pela sua advogada e subscritora deste recurso presente no acto.

25) Por requerimento apresentado nos autos em 11-06-2013, o credor Y…, que também estivera representado na assembleia de 31-05-2013 pelo seu advogado presente, expôs que a acta da assembleia não estava disponível no Citius e requereu que fosse dela notificado (fls. 62 a 64).

26) Por requerimento apresentado nos autos em 12-06-2013, a D… declarou que aderia integralmente ao requerimento enviado aos autos pelo credor Y… em 11-06-2013, sob referência 13673701 (fls. 58 e 59).

27) A respectiva acta só foi disponibilizada e ficou acessível às partes no Citius em 21-06-2013, pelas 00,02h.

28) O presente recurso foi apresentado no dia 08-07-2013.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

a) tempestividade do recurso

No despacho de fls. 49, proferido em 1ª instância pela Mª Juíza do processo, considerou-se que o recurso foi interposto em tempo, “uma vez que a acta só ficou disponível na data referida pela recorrente” (ou seja, em 21-06-2013, pelas 00,02h, conforme ponto 27 supra).

A recorrida defende que, tendo o despacho recorrido sido proferido oralmente no decurso da assembleia realizada em 31-05-2013 e estando, nesta, representada a apelante através da sua mandatária presente, o dies a quo para dele recorrer ocorreu em tal data, pelo que o recurso é extemporâneo.

Por sua vez a recorrente, defendera, previamente às suas alegações sobre o objecto do recurso, que o prazo para recorrer de despacho oral só se conta, nos termos do artº 685º, nº 3, do CPC, a partir do dia em que ficou reproduzido na acta e esta tenha ficado disponível às partes, tanto mais que, no caso, a fundamentação do despacho recorrido foi exígua e feita por remissão para requerimentos apresentados nos autos, o que condicionava o exercício do direito de recurso e, por isso, expressamente pediu que fosse notificada, como entende que deve ser regra. Aquela disponibilização só ocorreu em 21-06-2013 e a notificação ainda não ocorreu, tendo apenas tomado conhecimento da acta pelo Citius.

Vejamos.

No momento em que foi proferida a decisão objecto do recurso e, portanto, se criou a “situação jurídico-processual” consubstanciada na oportunidade para dela as partes recorrerem, vigorava o Código de Processo Civil, de 1961, que é o ainda aplicável àquela.

Revisitando-se o tema, convém lembrar que a notificação, enquanto acto processual cuja prática está sujeita à observância do princípio da limitação dos actos previsto no artº 137º (“não é lícito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que o pratiquem”), não sendo um fim em si mesma, serve, como assertivamente se dispõe no nº 2 do artº 228º, para, nos casos em que não há lugar a citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto – de um facto de que deva e necessite ter esse conhecimento para, perante ele, tomar a posição que convier à defesa dos seus interesses.

Em garantia disso, estabelece o nº 3, que as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessárias à plena compreensão do seu objecto.

Na expressão do nº 1, do artº 229º, devem, além do mais, ser notificadas, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes e, na do nº 2, ainda (oficiosamente, claro), quando sobre qualquer evento do processo possam exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz.

As notificações às partes em processos pendentes são, por regra, feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, conforme nº 1, do artº 253º, podendo estes ser notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal, conforme artº 254º, nº 1.

Valem como notificações as comunicações feitas aos interessados presentes em acto processual, por determinação da entidade que a ela preside, desde que documentadas no respectivo auto ou acta, como refere o artº 260º.

Quando se notifiquem despachos ou sentenças, deve enviar-se, entregar-se ou disponibilizar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão dos fundamentos, conforme artº 259º.

Como regra, a notificação marca o dies a quo do prazo (de 15 dias, em processos urgentes como este) para interposição de recurso da decisão (no caso, a que pôs termo a um incidente de nulidade) notificada – nº 1 do artº 685º.

Porém, tratando-se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve presente – n º 3.

Com efeito, os despachos e sentenças proferidos oralmente no decurso do acto de que deva lavrar-se um auto ou acta são aí reproduzidos. E a assinatura do juiz garante a fidelidade da reprodução – artº 157º, nº 3.

Quando, outrora, os autos, actas e termos eram escritos à mão ou dactilografados por oficial de justiça e nem sequer aparelhos fotocopiadores existiam, contentava-se a lei (artºs 161º e 259º, redacção primitiva), na notificação de despachos ou sentenças, com o envio ou entrega de cópia da decisão e seus fundamentos. Sendo eles proferidos oralmente em diligência e na presença da parte ou seu representante e assim logo reproduzidos no processo, o prazo para recorrer contava-se do dia da sua realização (e normal conhecimento), não se exigindo notificação formal, logo a entrega de cópia (artº 685º, nº 2, redacção primitiva).
Mesmo que a reprodução não fosse logo feita, a secretaria dispunha do prazo de dois dias para a concluir (artº 166º, nº 1), devendo a respectiva assinatura do juiz ser aposta no próprio dia (artº 159º, nº 2, texto anterior às alterações operadas a partir dos anos 80). Atribuía-se, pois, o encargo às partes, confiando na sua auto-responsabilidade e na de seus mandatários, de examinarem os autos (artºs 168º e 169º) e de, nesse ensejo, colherem e guardarem os elementos informativos de que ainda carecessem para exercerem cabalmente os seus direitos e não tivessem ficado de pronto reproduzidos no processo, maxime o despacho ditado oralmente para a acta.

Não obstante a evolução tecnológica que também nos tribunais se fez sentir, mormente com a disponibilização dos meios informáticos e electrónicos, e a notória ampliação das garantias das partes por via da facilitação do acesso aos autos, o certo é que, no essencial, as citadas regras se mantiveram.[1]

O modo de reprodução no processo de despachos ou sentenças orais e de a facultar às partes ou de estas lhe acederem, para consulta e exame, é que se alterou e adaptou em função das novas tecnologias, tornando-se mais fácil e cómodo mas dependente do eficaz manuseamento do sistema.

E, assim, se hoje um advogado não precisa de se preocupar com manuscrever, no decurso da audiência, uma decisão oral ditada pelo juiz, uma vez que, o mais tardar, no prazo de cinco dias (artº 166º, nº 1, CPC), a pode examinar confortavelmente no seu escritório através do seu computador, ficando aí com toda a informação que porventura não assimilou no decurso do acto, a verdade é que todo o sistema é questionado quando, como no caso, em processo urgente, o tribunal recorrido levou 21 dias para inserir na plataforma informática, e assim tornar acessível às partes, a acta da assembleia de credores.

Ora, estamos perante decisão ditada oralmente no decurso da diligência realizada em 31-05-2013, estando aí a recorrente devidamente representada pela sua Exmª Mandatária constituída nos autos (a mesma que subscreve a minuta deste recurso). Esta, por certo, presenciou a sua prolação, naturalmente vendo, ouvindo e compreendendo, ou seja, tomando conhecimento da decisão proferida e do seu sentido, como decorre de tais circunstâncias e do que a partir delas, e à falta de alegação de qualquer evento anormal impeditivo ou perturbador, naturalmente se presume.

Além disso, como consta da acta, em cumprimento da ordem expressa dada pelo Mº Juiz que proferiu o despacho, mandando-o notificar, “logo, todos os presentes foram devidamente notificados” (pontos 21 e 23) – notificação que, nos termos dos artºs 370º e 371º, nº 1, CC, se presume plenamente provada e contra a qual nenhuma irregularidade foi arguida, salvo a da não inserção no Citius e correspondente disponibilização nessa plataforma informática até ao dia 21-06-2013.

Face à letra da lei (artº 685º, nº 3), não depende de notificação nem é, portanto, a partir desse acto formal que (ao contrário da regra prevista no nº 1) o prazo para recorrer de decisão oral se conta, mas sim, como se viu, do dia em que ela foi proferida, estando a parte, como esteve, presente.

Parece, pois, ter razão a apelada: nessa perspectiva, o último dos 15 dias de prazo teria sido 17 de Junho (porque 15 foi um Sábado) ou 20 (na hipótese de tal acto ser praticado com multa).

Parece!

Sucede que, para assim se poder considerar e contabilizar o prazo e à parte presente se poder impor justamente a preclusão do direito de praticar o acto a que ele é destinado sem, por isso, ele lhe ser formalmente notificado, e se o não observar, há uma condição legal que se nos afigura absolutamente indispensável e cujo sentido e verificação neste tempo não pode alhear-se dos novos meios tecnológicos em uso: é que, apesar de oral, o despacho tenha sido efectivamente reproduzido no processo (por escrito)[2], se não de imediato, pelo menos nos referidos prazos estabelecidos por lei para o efeito e dentro dos quais as partes e seus mandatários contam examiná-lo e copiá-lo, sendo-lhes exigível esse cuidado.

É que, apesar de a prolação da decisão ter sido presenciada e compreendida no acto e de, por isso, se aceitar que logo a parte tomou conhecimento da sua essência, assim se justificando que, em princípio, o prazo para recorrer a partir daí se conte, nada garante que, em função de diversas vicissitudes possíveis, da análise do seu conteúdo integral ela possa prescindir para melhor ponderar e decidir qual a posição a tomar, quando, ao contrário de antigamente, as próprias alegações têm de ser juntas logo com o requerimento de interposição do recurso.

Ora, como dos factos resulta, a reprodução no processo do despacho oral foi feita, não de imediato e pelos meios tradicionais, mas com recurso à informática, mediante inserção no chamado «processo electrónico», e, assim, disponibilizado, nem sequer no tempo legalmente previsto para a secretaria o fazer e o juiz verificar e assinar (artºs 166º, nº 1, e 160º, nº 2), mas já muito depois, em momento que ao certo os interessados não conheciam nem lhes era exigível que conhecessem.

Não sendo, pois, feita em acta inserta e disponível no processo, de imediato ou naquele espaço de tempo, a reprodução da decisão oral proferida em audiência de modo a que, acedendo-lhe, fique perfeito e completo o conhecimento do seu preciso e integral teor mesmo pela parte ou mandatário que à mesma pessoalmente assistiu e ainda que, como no caso sucedeu, a decisão remetesse para o requerimento do Administrador de Insolvência de que manifestamente a apelante tivera há muito conhecimento (e a que até respondera nos autos), não podemos concordar com a tese, esgrimida pela recorrida, de que “a parte ou o seu mandatário transcrevam por sua conta e risco as decisões orais”[3].

Não podemos esquecer e temos de assumir as conhecidas e normais contingências com que, na trepidação quotidiana de um tribunal assoberbado de serviço e de diligências públicas, as decisões são ditadas, nem garantir que, por mais cuidada que seja a sua expressão oral e atenta a captação e redacção pelos seus destinatários (funcionário a quem caberá “apontá-la” e conferir-lhe suporte definitivo, impresso ou electrónico; partes e seus mandatários, a quem caberá analisá-la em todos os seus detalhes), não sobrem aspectos relevantes porventura mal comunicados e susceptíveis de prejudicar o exercício do direito ao recurso.[4]

Concordamos, pois, com o Acórdão desta Relação proferido em 03-05-2011[5], na parte em que refere que a aplicação do nº 3, do artº 685º, do CPC depende não só de a prolação do despacho ter sido oral e na presença da parte (ou, em caso de ausência, de ter sido notificada para assistir à diligência) mas também da sua reprodução no processo, o que, estando em uso o sistema informático, significa a sua inserção e disponibilização na plataforma Citius.

Neste caso, isso apenas ocorreu no dia 21-06-2013. Portanto, só a partir de tal data se pode considerar iniciado o prazo para recurso.

Isto não obstante a notificação mandada fazer e feita no acto, mas sem reprodução do despacho no processo.

Ora, sendo o prazo de 15 dias (conforme decorre do nº 5, do artº 691º, do CPC, aplicável por força do artº 17º, do CIRE, por se tratar de processo urgente previsto no artº 9º) e tendo o recurso sido apresentado em 08-07-2013, conclui-se que o foi em tempo.

Daí que improceda a questão prévia suscitada pela apelada, não sem que se deixe anotada, apenas, a manifesta confusão por ela feita entre recurso e reclamação dos despachos proferidos em 31-05-2013 e 19-03-2013 e respectivos regimes.

b) legitimidade para recorrer

Defende a apelada que a apelante não reclamou tempestivamente por qualquer nulidade que tivesse ocorrido na assembleia de 19-03-2013, apesar de então no acto representada pela sua mandatária presente, e que como tal não se pode considerar a subscrição (adesão) declarada no seu requerimento de 13-05-2013 (extemporâneo) à reclamação apresentada pela credora E…. Acrescenta, aliás, que, sentindo-se prejudicada, devia ter reclamado na devida oportunidade. Não o tendo feito, não lhe advém prejuízo da decisão proferida em 31-05-2013 que indeferiu aquela arguição de nulidade, não tendo sido por aquela vencida nem por esta prejudicada.

A apelante já à cautela tinha alegado que subscrevera a posição da E… no dito requerimento de 13-05-2013 e que é prejudicada (vencida), na medida em que o despacho recorrido incide sobre acto de contagem dos votos de que resultou a não aprovação da sua proposta de composição da comissão de credores apresentada naquela assembleia.

Ora, a lei confere legitimidade para, por meio do recurso, impugnar uma decisão judicial a quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido – artº 680º, nº 1.

Não há dúvida que a apelante é parte principal. Elas podem colocar-se quanto a saber se, pela decisão, foi vencida.

Efectivamente não parece, pelo menos formalmente, que o seja, pois o que se decidiu foi um incidente de nulidade tendo por objecto a alegada prática de actos irregulares no decurso da assembleia suscitada por outro credor e não pela apelante. Com efeito, embora tivesse, nos termos do artº 203º, CPC, legitimidade para, então, a arguir, o seu requerimento posterior, de 13-05-2013, não tem qualquer suporte legal enquanto requerimento de adesão ou subscrição do daquela e é manifestamente extemporâneo face ao regime do artº 201º e seguintes.

Ainda assim, ela não deixa de ser parte principal e de, material e objectivamente, ser “afectada pela decisão”, por não ter “obtido a decisão mais favorável aos seus interesses” no incidente, interesses estes indissociáveis do resultado final da causa, apesar de o não ter promovido.[6]

Mesmo que se não considere parte vencida, nos termos do citado nº 1, todavia ela é directa e efectivamente prejudicada na medida em que, se não tivessem sido contabilizados, tal como a E… defende (cfr. ponto 18 supra), os votos dos credores alvo de impugnação, o resultado da votação ter-lhe-ia sido favorável (ponto 17). Portanto, a ser deferida, com tal fundamento, a nulidade arguida, face aos efeitos gerados no processo que inevitavelmente interessam todos os credores, teria a votação, em tais termos, de se repetir, o que acabaria, nessa medida, por directamente satisfazer a sua pretensão e, assim, a beneficiar, hipótese que, face ao sentido da decisão recorrida, se gorou e só por via do recurso pode tentar reverter.

Tal situação sempre caberia, portanto, na previsão do nº 2, do referido artigo.

Sublinhe-se que o pressuposto deve ser aferido em relação à decisão de 31-05-2013, não importando que a recorrente não tivesse reclamado oportunamente dos actos praticados na assembleia de 19-03-2013 visados pela reclamação da outra credora e sobre que se pronunciou o despacho. O que interessa são os efeitos deste em relação aos interesses da recorrente e não a posição passiva que antes adoptou quanto ao ocorrido naquela primeira assembleia.

De resto, a alusão a que, se tivesse interesse, devia a E… reclamar do referido despacho e não recorrer dele, não tem o menor sustentáculo, pois, como costuma dizer-se, reclama-se de nulidades (que não é agora o caso) e recorre-se de decisões (que é o caso).

Improcedendo, pois, esta questão prévia suscitada pela apelada, afirma-se a legitimidade da recorrente.

c) Inadmissibilidade do recurso (aceitação da decisão recorrida).

Alegou, ainda, a recorrida que, tendo a recorrente estado presente na assembleia de 31-05-2013 em que oralmente foi proferido o despacho que pretende impugnar e não tendo dele reclamado, aceitou-o, pelo que se verifica perda do direito de recorrer (que apelidou da inadmissibilidade) prevista no nº 2 do artº 681º.

Ora, não se vislumbra qualquer sinal dessa aceitação, expressa ou tácita.

Na definição do nº 3, do artº 681º, “A aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer” – facto que de todo inexiste.

Daí que também esta questão prévia seja inatendível.

Nada mais obstando, importa então conhecer do mérito do recurso.

d) Os votos dos nove credores

Como é consensual entre as partes e resulta do ponto 17, se os votos deles (a favor da proposta do Administrador e, depois, contra a da D…) não tivessem sido considerados, o resultado das referidas votações, além de diferente, implicaria a não aprovação da proposta de composição da comissão de credores apresentada pelo Administrador e a aprovação da proposta de alteração desta apresentada pela credora D….

A decisão recorrida considerou que, atenta a extemporaneidade da impugnação, foi válida e legítima a votação pelos referidos credores, apesar de sobre aquela não ter recaído ainda expressa decisão que verificasse e declarasse tal facto e, por isso, rejeitasse a impugnação, fazendo prevalecer o reconhecimento pelo Administrador de Insolvência.

A apelante defende que, apesar de ser manifestamente extemporânea a impugnação dos créditos, deduzida pelo credor S…, e cujos titulares participaram e foram admitidos a votar na assembleia as propostas relativas à composição da Comissão, sem que tal impugnação tivesse sido objecto de decisão específica expressa a rejeitá-la mas implicitamente assim considerada, não podiam, por isso, ser considerados válidos os votos daqueles, por, na altura, se considerarem alvo de impugnação ainda pendente.

Por isso, entende que a votação e consequente deliberação é ilegal, nula, e que o despacho recorrido a devia ter declarado.

Invoca para tal os “termos da legislação em vigor” para sustentar que “enquanto não for proferida uma decisão judicial quanto ao mérito da impugnação de créditos, os créditos que hajam sido objecto de impugnação são havidos como créditos impugnados independentemente da maior ou menor probabilidade de procedência da impugnação deduzida, status esse que permanecerá até trânsito em julgado de sentença de verificação e graduação dos créditos”.

A apelada defende que, pelo contrário, sendo extemporânea a impugnação, está precludido o inerente direito.

Vejamos.

Nos termos do artº 67º, nº 1, do CIRE, se o juiz não tiver, como no caso se pressupõe que sucedeu, constituído por sua iniciativa a Comissão de Credores, a assembleia pode criá-la, compô-la, designar o presidente e alterar, a todo o momento, a respectiva composição.

Para o efeito, conforme nº 3 do mesmo artigo, as referidas deliberações da assembleia de credores devem ser tomadas pela maioria exigida no nº 1 do artº 53º (salvo se se tratasse de destituição com justa causa).

Essa maioria tem de ser dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções. É a chamada dupla maioria – artº 53º, nº 1.

Como decorre do artº 73º, não havendo decisão definitiva proferida no apenso de verificação e graduação de créditos ou em acção de verificação ulterior a reconhecer os créditos, o direito de voto depende de, cumulativamente:

a) o credor já ter reclamado os seus créditos no processo ou, se estiver em tempo, os reclamar na própria assembleia para o efeito de nela participar;
b) não terem sido objecto de impugnação na assembleia por parte do administrador ou de algum credor com direito a voto.

Tendo sido impugnados antes – mas tempestivamente – créditos reconhecidos pelo Administrador, e, portanto, estando pendente a impugnação, já esta segunda condição se não verifica, pelo que os credores alvo dela só nos termos e condições do nº 4 poderão ser admitidos a votar pelo juiz.[7]

E se a impugnação for manifestamente intempestiva?

Trata-se da impugnação da lista dos credores reconhecidos prevista no artº 130º. Ela, de acordo com o nº 1, pode ser deduzida por qualquer interessado nos dez dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artigo anterior para o Administrador apresentar na secretaria a relação dos créditos por si reconhecidos e não reconhecidos.

Trata-se, claramente, de um prazo processual ou judicial, sujeito ao regime do artº 144º e sgs, do CPC.

Com efeito, ele regula a prática de actos do processo em juízo. Destina-se a determinar um “período de tempo” dentro do qual tal prática, ou a sua omissão, desencadeia um certo “efeito processual”.[8]

Nos termos do artº 145º, nº 3, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. Como diz peremptoriamente, com a autoridade e a actualidade que, nas matérias em vigor, lhe continua a ser reconhecida, o Prof. Alberto dos Reis, “Este efeito produz-se automaticamente, pela simples circunstância de ter expirado o prazo legal; não é necessário que o juiz o declare[9]”.

Sendo assim, como efectivamente nos parece que é, cai por terra a tese da apelante: sendo manifesta a extemporaneidade, operando o respectivo efeito automaticamente, estava extinto o direito de impugnar quando o requerimento foi apresentado. Não é necessária qualquer decisão declaratória, tudo se passando como se a impugnação não pendesse (aliás, não devia, nos termos do artº 166º, nº 2, ter sido sequer recebida, ou, havendo dúvidas na secretaria, devia ter sido submetida a despacho para rejeição liminar pelo juiz do processo).

Ora, a relação a que se refere o nº 1 do artº 129º foi apresentada no dia 19-10-2011. Obviamente, é de afastar o argumento de que só o terá sido no dia 03-11-2011 a pretexto de nessa data o ter sido o plano de insolvência e com ele novamente junto um exemplar repetido da referida lista (pontos 1 e 2).

Não põem as partes em causa que, considerando a data de 19-10-2011 como termo daquele prazo (artº 129º, nº 1), quando, no dia 17-11-2001, o credor reclamante e reconhecido S…, apresentou o requerimento de impugnação a pretexto de se dizer notificado da apresentação da proposta de Plano de Insolvência e de este estar “instruído com a relação dos créditos reconhecidos”, o prazo para a deduzir já tinha expirado e com este estava extinto o direito de a apresentar, sendo, pois, manifestamente extemporânea.

Não era, portanto, necessária, contra o que defende a apelante, uma decisão expressa.

Verificando-se, pois, por insubsistência da referida impugnação e por nenhuma outra ter sido deduzida, as duas condições cumulativas previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 73º, do CIRE, nenhum sentido tem argumentar-se que os visados não lançaram mão do expediente previsto no nº 4, nem querer-se daí extrair efeitos quanto à sua alegada passividade. É que o seu direito de voto existia e não estava dependente de atribuição pelo juiz nos termos aí previstos, pelo que seria infundado ou contraditório tal pedido.

Assim, bem andou a decisão recorrida ao considerar tal facto, ao entender que, operando ele automaticamente e não sendo precisa qualquer decisão expressa autónoma, nenhuma nulidade, com tal fundamento, foi cometida na votação.

Tem, pois, razão a apelada.

Por isso, sem necessidade de mais considerações, mormente quanto ao relevo de eventual irregularidade, deve improceder o recurso e confirmar-se a decisão recorrida.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 27-03-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
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[1] Apesar de estabelecidas num tempo em que mal se concebia que para a acta fosse ditado mais do que um simples e curto despacho interlocutório, nunca uma sentença, com as exigências de fundamentação de hoje, como é cada vez mais frequente, fruto da pressão do tempo e da avidez do legislador por decisões céleres.
[2] O artº 155º, do Código actual prevê a reprodução mediante gravação em sistema sonoro, ou outros meios audio-visuais ou semelhantes.
[3] Acórdão da Relação de Lisboa, de 04-03-2010 (Teresa Albuquerque). No Acórdão da mesma Relação de 11-01-2011 (António Santos), reitera-se tal entendimento. Entendimento este reafirmado em Acórdão da Relação de Guimarães (mesmo relator) de 07-05-2013 e no de 17-12-2013 (Ana Cristina Duarte).
[4] Preocupação que motivou o Acórdão nº 243/2013, publicado no DR, 2ª, nº 108, de 5-5-2013, e levou o Tribunal Constitucional a julgar inconstitucional o artº 685º, nº 2, do CPC (redacção anterior à reforma de 2007), na interpretação de que o prazo se conta desde o dia da leitura se os interessados a ela assistentes não tiverem advogado constituído no processo e não lhes for facultada cópia nesse dia, muito embora assim o não tivesse julgado nos Acórdãos nº 183/98, de 11-02-1998, e 228/99, de 28-04-1999 (ambos acessíveis no site daquele tribunal).
[5] Relator: M. Pinto dos Santos.
[6] A. Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, páginas 72 e 73
[7] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2008, página 317.
[8] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 1945, vol. 2º, páginas 52 e sgs.
[9] Idem, página 65.