Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
55/07.7TTLMG.P1
Nº Convencional: JTRP00043817
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE DA EMPREGADORA
REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP2010041955/07.7TTLMG.P1
Data do Acordão: 04/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 101 FLS. 9.
Área Temática: .
Sumário: I- O ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora cabe a quem dela tirar proveito, no caso, à ré seguradora, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil.
II- No momento do acidente, o sinistrado trabalhava, com uma máquina de cortar madeira, que não dispunha de protecção do disco de corte, pelo que a utilização de tal máquina era contrária ao disposto nos artigos 56º-A, da Portaria nº 53/71, de 03.02, com a redacção introduzida pela Portaria nº 702/80, de 22.09, 16º, nº 1, do DL nº 50/2005, de 25.02, e 273º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código do Trabalho de 2003, na versão aprovada pela Lei nº 99/2003, de 27.08.
III- Não se tendo provado que o acidente tenha resultado da falta de observação das regras sobre segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização da empregadora, nos termos do art. 18º, nº 1, da Lei nº 100/97, de 13.09.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1427.
Proc. nº 55/07.7TTLMG.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B………….. intentou a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra C……………, S.A. D…………., Lda., pedindo o pagamento pelas RR. das seguintes quantias:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.543,00 a partir de 09.05.2007;
- uma indemnização a título de incapacidades temporárias sofridas no montante de € 1.661,00;
- despesas de transportes, no montante de € 28,00;
- juros de mora desde o respectivo vencimento até integral pagamento;
Mais pediu, no caso de existência de culpa da 2.ª Ré na produção do evento, que a pensão anual e as indemnizações sejam calculadas nos termos dos arts. 18º e 37º, nº 2, da Lei 100/97.
Para tanto, alegou, em síntese, ter sido vítima de um acidente quando desempenhava funções sob a autoridade e direcção da 2.ª Ré, mediante o salário de € 450,00 x 14, em consequência do qual sofreu lesões que lhe determinaram uma ITA de 53 dias, uma ITP a 70% de 118 e uma IPP de 35% a partir de 09 de Maio de 2007.
Acrescenta, ainda, o Autor que a 2.ª Ré tinha a responsabilidade infortunística decorrente deste acidente validamente transferida para a 1.ª Ré, pelo aludido montante salarial, sendo que esta recusou o acordo proposto na fase conciliatória dos autos por entender que houve violação de regras de segurança por parte da empregadora.
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As RR. contestaram, alegando em síntese:
- a 1ª Ré:
O acidente ocorreu por negligência grosseira do sinistrado e por violação pela 2ª R. das condições de segurança;
- a 2ª Ré:
Sustentando que a sua eventual responsabilidade foi totalmente transferida para a 1ª R. e não ter existido violação de regras de segurança.
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Findos os articulados, foi proferido o saneador, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, tendo-se ainda determinado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade para o trabalho.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, foi, posteriormente, proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando a Ré Seguradora a pagar ao Autor:
a) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.036,35, a partir de 09.05.2007;
b) a título de indemnização por Incapacidades Temporárias a quantia global de € 1.862,00
c) despesas de deslocação obrigatórias no montante de € 28,00;
d) juros de mora à taxa legal desde a data do respectivo vencimento da pensão e da indemnização e desde a data da citação no que respeita à verba aludida na alínea c).
A 2ª Ré foi absolvida da totalidade do pedido.
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a 1ª Ré, formulando as seguintes conclusões:
I- Perante o factualismo dado como assente, designadamente a matéria de facto dada como assente nas alíneas A), B), D), E) e F), é inquestionável que o acidente dos autos resulta, também, da violação das mais elementares regras e normas legais de segurança por parte da entidade empregadora.
II- Desde logo, violou o art. 16º do DL nº 50/2005, de 25.02. - que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva no 89/655/CEE do Conselho, de 30.11, alterada pela Directiva nº 95/63/CEE do Conselho, de 05.11, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamento de trabalho e reproduz o que já dispunha o art. 18º do DL 82/99, de 16.03. - e nesta matéria prevê, no seu nº 1 que: "Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas". (sublinhado nosso).
III- Ora, ficou demonstrado pela resposta ao quesito 2º (Alínea E) da Fundamentação de facto), no caso dos autos, que tal protecção - da própria lâmina - não existia.
IV- A máquina não estava dotada de um elemento protector do disco de corte, ou seja, da própria lâmina, de forma a impedir o acesso à mesma, em clara violação com a disposição legal acima citada.
V- Acresce que, a máquina em causa nos autos é um equipamento com muitos anos, o qual não cumpre com os requisitos de segurança exigidos pela legislação em vigor, nacional e comunitária, o que representa um sério e elevado risco para a integridade física dos trabalhadores que a manuseiam e de que o presente acidente é bem demonstrativo.
VI- Sendo que não cumpria a previsão do art. 40º, nº 2 da Portaria nº 53/71 (Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais), com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 702/80, de 22.09., relativamente à protecção e segurança das máquinas.
VII- De igual forma, não cumpria a previsão do art. 15º, nº 1, do DL nº 50/2005, relativamente ao sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência.
VIII- Por último, no caso em apreço, foram clara e inequivocamente violadas pela entidade empregadora, as prescrições previstas pelo art. 3°, als. c) e d) da Portaria nº 53/71 e pelo art. 3°, als. a), b), d) e e) do citado DL nº 50/2005.
IX- O Tribunal a quo, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto a esta questão, pese embora reconheça a antiguidade da máquina e dê como provada a inexistência de um elemento protector do disco de corte, conclui "(...) que não se provou que a mesma estivesse dotada de outro qualquer dispositivo de protecção ou segurança, além da notória falta de protecção do disco de corte. ".
X- Com todo o respeito, tratando-se de uma máquina antiga (como o Tribunal considerou, atenta a respectiva factura de aquisição junta aos autos), que não estava dotada do elemento protector essencial - o que respeita à própria lâmina de corte - é inquestionável que a mesma deveria ter sido modificada ou protegida, nos termos da previsão do acima citado art. 40º, nº 2, já que o risco existia e o justificava, como é exemplo o acidente em discussão nos autos.
XI- Sendo certo que, a responsabilidade pela implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança está adstrita à entidade empregadora, face ao que dispõem, designadamente, os arts. 8º, nºs 1, 2 e 3 do DL nº 441/91, de 14.11.
XII- É sobre a entidade empregadora que recaem os deveres e obrigações de cumprimento das regras de segurança, com vista a acautelar a saúde, a integridade e a higiene dos seus trabalhadores.
XIII- É a entidade empregadora que deve planificar de forma adequada os riscos profissionais e implementar todas as medidas necessárias a evitá-los.
XIV- É a entidade empregadora que está presente - ou deveria estar, por si ou através de um representante habilitado para tal - no decurso da realização dos trabalhos, de forma a poder cumprir o dever de fiscalização das regras de segurança.
XV- Pelo que, nas circunstâncias concretas dos autos, o acidente resultou também da falta de observância de normas e regras de segurança, por parte da entidade empregadora, aplicando-se a previsão do art. 18º, nº 1 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro.
XVI- O nexo de causalidade entre essa violação e acidente em discussão nos autos existe e está demonstrado.
XVII- E, como ensina Antunes Varela, (...) apenas não existirá causalidade adequada se o facto, de todo em todo, nada tiver a ver com o dano, dentro de juízos de previsibilidade e segundo critérios da experiência comum" (in "Das Obrigações em Geral", 1970, pág. 659).
XVIII- Deve, pois, apelar-se às realidades do quotidiano, a juízos de probabilidade, às regras da experiência, para se concluir pela adequação, ou não, de um determinado facto para a produção do dano.
XIX- Face ao acima exposto, a decisão sub judice fez errada interpretação dos factos dados como provados e, consequentemente, uma incorrecta aplicação do direito aos mesmos, designadamente, do art. 18º, nº 1 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro em conjugação com os arts. 6º e 8º do DL nº 441/91, de 14.11. (com a alteração do DL nº 133/99, de 21.04. e da Lei 118/99, de 11.08.), dos arts. 3º, 4º, 13º e 16º do DL nº 50/2005, de 25.02. e ainda do art. 40º, nº 2 da Portaria nº 53/71, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 702/80, de 22.09.
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Contra-alegou a 2ª Ré, pedindo a confirmação do decidido.
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Nesta Relação, a Ex.ma Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual responderam a recorrente e a 2ª Ré
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
A) Em 18.11.2006, pelas 18.00 horas, em Tabuaço, quando o Autor cortava umas tábuas com uma máquina, cortou quatro dedos da mão direita.
B) Nessas circunstâncias, o Autor prestava o seu serviço de sócio-gerente à 2.ª Ré D……….., Lda., auferindo a retribuição de € 450,00 x 14.
C) A 2.ª Ré tinha a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a 1.ª Ré, pela totalidade do salário auferido pelo Autor.
D) A máquina em que o Autor se cortou, nas circunstâncias de tempo e lugar aludidas em A), era uma “alinhadeira” (resposta ao quesito 1.º).
E) A dita máquina não estava dotada de um elemento protector do disco de corte (resposta ao quesito 2.º).
F) A retirada de desperdícios de madeira da máquina em questão não deverá ser efectuada com a lâmina de corte em movimento (resposta ao quesito 5.º).
G) Em despesas obrigatórias o Autor despendeu € 28,00 (assente por confissão das RR).
H) O Autor nasceu a 03 de Outubro de 1978 (cf. assento de nascimento de fls. 75.).
- Decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade:
- o Autor ficou afectado de uma IPP de 23,5% a partir de 09.05.2007;
- como resultado do acidente o Autor esteve em situação de ITA desde 19.11.2006 até 31.03.2007 e em ITP de 50% de 01.04.2007 até 08.05.2007.
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A matéria de facto supra transcrita, tal qual foi objecto da decisão de facto da 1ª instância, não foi impugnada nem enferma dos vícios previstos no art. 712º do CPC, pelo que se aceita e mantém.
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3. Do mérito.
A única questão suscitada no recurso consiste em saber se o acidente em apreço resultou de violação de preceitos sobre segurança no trabalho, por parte da empregadora.
O acidente em apreço ocorreu no dia 18.11.2006, quando o Autor cortava umas tábuas com uma máquina “alinhadeira”, pelo que, nesta matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, é-lhe aplicável o Código do Trabalho, na versão aprovada pela Lei nº 99/2003, de 27.08, bem como o DL nº 50/05, de 25.02, que dispõe sobre prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, e a Portaria nº 53/71, de 03.02, com a redacção introduzida pela Portaria nº 702/80, de 22.09, dispõe sobre protecção de máquinas na zona de operação.
Enumeração de algumas dessas regras:
- DL nº 50/05:
«Artigo 3° (Obrigações gerais do empregador)
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho sejam adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantam a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, assim como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitirem assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10º a 29º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores».
«Artigo 5° (Equipamentos de trabalho com riscos específicos)
Sempre que a utilização de um equipamento de trabalho possa apresentar risco específico para a segurança ou a saúde dos trabalhadores, o empregador deve tomar as medidas necessárias para que a sua utilização seja reservada a operador especificamente habilitado para o efeito, considerando a correspondente actividade».
«Artigo 8° (Informação dos trabalhadores)
1. O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
2. A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:
a) Condições de utilização dos equipamentos;
b) Situações anormais previsíveis;
c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;
d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que os não utilizem directamente».
«Artigo 13° (Paragem do equipamento)
1- O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem.»
«Artigo 16º (Riscos de contacto mecânico)
1- Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas».
Artigo 19° (Manutenção do equipamento)
1- As operações de manutenção devem poder efectuar-se com o equipamento de trabalho parado ou, não sendo possível, devem poder ser tomadas medidas de protecção adequadas à execução dessas operações ou estas devem poder ser efectuadas fora das áreas perigosas».
Por sua, a Portaria nº 53/71, de 03.02, na redacção introduzida pela Portaria nº 702/80, de 22.09 (que aprova o Regime Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais), estabelece que:
«Artigo 40º (protecção e segurança das máquinas)
1- Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que accionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objectos:
2- As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique».
«Artigo 56º-A (disposições específicas)
1- As máquinas de trabalhar madeira ou produtos similares devem ter a ferramenta de corte protegida de modo a impedir que as mãos do trabalhador contactem com ela».
Código do Trabalho:
«Artigo 272°
Princípios gerais
1- O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde asseguradas pelo empregador.
2- O empregador é obrigado a organizar as actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho que visem a prevenção de riscos profissionais e a promoção da saúde do trabalhador.
3- A execução de medidas em todas as fases da actividade da empresa, destinadas a assegurar a segurança e saúde no trabalho, assenta nos seguintes princípios:
a) Planificação e organização da prevenção de riscos profissionais;
b) Eliminação dos factores de risco e de acidente»
c) Avaliação e controlo dos riscos profissionais.
d) Informação, formação, consulta e participação dos trabalhadores e seus representantes;
e) Promoção e vigilância da saúde dos trabalhadores».
«Artigo 273°
Obrigações gerais do empregador
1- O empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionas com o trabalho.
2- Para efeitos do disposto no número anterior, o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os seguintes princípios de prevenção:
a) Proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção».
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No presente recurso, sustenta a recorrente que o acidente se ficou a dever a inobservância pela entidade empregadora do disposto nos arts. 13º e 16º do citado DL nº 50/2005, para tanto, alegando que o equipamento de trabalho, com o qual o sinistrado trabalhava, no momento em que sofreu um acidente de trabalho (uma máquina de cortar madeira, denominada alinhadeira, aliás, era uma máquina antiga), não dispunha de protecção do disco de corte, nem de dispositivo de paragem de emergência e de sistema de comando, que permitisse a sua paragem em condições gerais de segurança.
Tal como bem é referido no parecer do Mº Pº, que se acompanha, a questão da imputação do acidente à violação do disposto no art. 13°, nº 1, DL nº 50/2005 – o facto do equipamento de trabalho, em que ocorreu o sinistro, não ter nem dispositivo de paragem de emergência, nem sistema de comando que permitisse a sua paragem em condições gerais de segurança, por se tratar de um equipamento muito antigo, não curando o empregador de o adaptar às normas de segurança, entretanto adoptadas – é uma questão nova, e que, como tal, não poderá ser conhecida no recurso.
Na verdade, na sua contestação, a R. seguradora, ora recorrente, afirmou ter havido violação de regras de segurança, porque o equipamento de trabalho não dispunha de protecção do disco de corte, mas sem fazer qualquer referência aos dispositivos de paragem de emergência, e ao sistema de comando, do equipamento de trabalho em questão, muito menos tendo sequer alegado a idade da máquina utilizada.
Como é sabido, em regra, toda a defesa deve ser deduzida na contestação – cf. art. 489º, nº 1, do CPC – sem prejuízo de, após o oferecimento da contestação só poderem ser deduzidos, tal como previsto no nº 2 do mesmo art. 489º, os meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei admita expressamente ou de que se deva conhecer oficiosamente.
Excepção esta que não se verifica no caso em apreço.
Não tendo a R. seguradora suscitado tal questão na contestação, por isso não permitindo à R. empregadora a defesa sobre esse ponto, e, consequentemente, impossibilitando a pronúncia do Tribunal a quo sobre tal matéria, esta Relação está impossibilitada de conhecer tal questão.
Tal como é jurisprudência pacífica, os recursos visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido objecto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido.
Logo, e nesta lógica, não pode a recorrente vir agora defender a violação das regras de segurança, à luz do citado art. 13º da Lei nº 50/05, como do art. 40º, nº 2, da Portaria nº 53/71, de 03.02, quando o não fez, e no momento próprio, perante a 1ª instância.
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Assim, resulta das normas supra citadas, destinadas a garantir a segurança no trabalho, concretamente das que se destinam à segurança dos equipamentos de trabalho, que a máquina em questão, sendo de trabalhar madeira, devia ter a ferramenta de corte protegida de modo a impedir que as mãos do trabalhador contactassem com ela.
No caso, provou-se que a máquina utilizada pelo trabalhador não tinha tal protecção [factos provados A), D) e E)].
Assim, perante a matéria de facto dada como provada, verifica-se que a ré seguradora logrou demonstrar que a empregadora violou regras sobre segurança no trabalho, nomeadamente as estabelecidas nos artigos 56º-A, da Portaria nº 53/71, 16º, nº 1, do DL nº 50/2005, e 273º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código do Trabalho de 2003.
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No entanto, dos factos apurados apenas se extrai que o acidente ocorreu «quando o Autor cortava umas tábuas com uma máquina», nada se apurando sobre a dinâmica do acidente.
Assim, não resulta dos factos materiais dados como provados qualquer vinculação causal entre a inobservância das citadas normas e a produção do acidente do autor.
O mesmo é dizer que a recorrente seguradora não demonstrou existir uma relação directa entre aquela falta e o acidente do sinistrado ou que, se acaso aquelas regras tivessem sido observadas, o acidente não teria ocorrido.
Cabia à seguradora alegar e provar os factos conducentes a essa conclusão, ónus que não se mostra cumprido – art. 342º, nº 2, do CC.
Conforme se explicitou no acórdão do STJ, de 03.03.2010, in www.dgsi.pt:
«No que ao nexo de causalidade concerne, perfilhando uma teoria de formulação negativa, tal como a que foi formulada por Enneccerus-Lehmann, para se usarem os ensinamentos de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Volume I, 748), “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercedam no caso concreto”, sendo que, no juízo de prognose, em “condições regulares, desprendendo-nos da natureza do evento constitutivo de responsabilidade, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele” (cf., também, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, 518, para quem “o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em circunstâncias anómalas ou excepcionais”, e Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392, que defende que a “orientação hoje dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo”, traduzindo-se essa adequação “em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre eles”).»
Sufragando-se este entendimento, importa reafirmar, na linha da sentença recorrida, que, no caso em apreço, os factos provados não tornam possível afirmar o nexo de causalidade exigido pelo art. 18º, nº 1, da Lei nº 100/97, de 13.09, em ordem à responsabilização da Ré empregadora.
Improcedem, pois, as conclusões da recorrente.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 19.04.10
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa